sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Wikileaks: Para EUA, esquerda do Uruguai usa direitos humanos como arma contra Washington


Daniella Cambaúva no OperaMundi

Em documento diplomático revelado pelo Wikileaks, autoridades diplomáticas dos Estados Unidos avaliam que grupos de esquerda do Uruguai usam a defesa dos direitos humanos como arma contra Washington, e que é preciso dar uma resposta às acusações. Em mensagem enviada pelo então embaixador norte-americano em Montevidéu em 2006, Frank Baxter, o tema predominante são o crescente sentimento anti-americano no país e o vínculo entre a última ditadura militar uruguaia (1973-1985) e os EUA.

No despacho, Baxter reclama que a “TeleSur da Venezuela” – no canal estatal de televisão com participação uruguaia – continua transmitindo acusações de que os EUA patrocinaram o Plano Condor, aliança entre os regimes militares da América do Sul – Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai – criada com o objetivo de coordenar a repressão a oposicionistas das ditaduras instaladas no Cone Sul. A TeleSur é uma rede de televisão multi-estatal latino-americana, isto é, tem participação de vários governos da região – Venezuela, Cuba, Argentina e Uruguai. A sede fica na Venezuela.

Baxter escreveu também que as violações de direitos humanos cometidos entre 1973 e 1984 não são um assunto novo no Uruguai, e ressaltou que, no período imediatamente após o fim da ditadura, muitos escritores e jornalistas acusaram os EUA de patrocinar o Plano Condor e falam em cumplicidade norte-americana nos abusos cometidos no regime militar.


“Os documentos que vimos não vinculam explicitamente os EUA em qualquer conspiração regional contra esquerdistas, o caso chama atenção porque se presume sempre que os EUA são cúmplices da campanha de cumplicidade [entre os regimes do Cone Sul] no Plano Condor, de destruição de movimentos de guerrilheiros na década de 1970 e a aprovação de métodos brutais", escreveu o diplomata.

O anti-americanismo “é um barulho que soa cada vez mais forte”, afirmou Baxter, “e o tempo para algum tipo de resposta pode estar se aproximando”, completou. Segundo Baxter, "o dia dos Direitos Humanos é uma data que serve para reforçar a afirmação de que a esquerda é a única que possui verdadeiros defensores desse direito”.

De acordo com ele, a abertura de documentos sobre a ditadura militar no país sul-americano “alimentaram o fogo das acusações da esquerda de que os EUA são um inimigo dos direitos humanos”. O diplomata acrescentou que a promotoria estava utilizando documentos dos EUA para reforçar acusações contra o ex-presidente uruguaio, Juan Bordaberry, e o ex-chanceler Juan Carlos Blanco.

Juan Bordaberry foi eleito presidente em 1972, participando do golpe em 1973 , permanecendo no cargo até 1976. Juan Carlos Branco foi ministro de Relações Exteriores entre 1972 e 1973. Ambos estão presos, acusados de desaparecimentos forçados durante o período ditatorial.

No Uruguai, Bordaberry e Carlos Branco são um dos únicos agentes da repressão que foram julgados, já que, em 1986, a Lei de Caducidade Punitiva do Estado anistiou os militares. O assunto, porém, é constantemente foco de debate no país. Dois referendos, em 1989 e 2009, ratificaram a lei do perdão. Em agosto, o governo formulou um projeto de lei que, se aprovado, invalidaria a anistia.

Atualmente, o Uruguai está sendo processado na CIDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos), ligada à OEA (Organização dos Estados Americanos) por um único crime cometido durante a ditadura. Trata-se da denúncia feita por Macarena Gelman, cujos pais foram sequestrados em Buenos Aires, em agosto de 1976, e depois enviados a Montevidéu, onde foram assassinados. Estima-se que a sentença seja emitida até o final do ano.

Além disso, o país já foi condenado duas vezes pelo Comitê de Direitos Humanos do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos pelos casos de impunidade. De acordo com dados de entidades de defesa de direitos humanos do Uruguai, pelo menos 200 pessoas desapareceram durante a ditadura militar (1973-1985)
Governo uruguaio

Na mesma mensagem, o ex-embaixador tratou também do governo uruguaio. Na época, o presidente era Tabaré Vázquez (2005-2010), cumprindo o segundo ano de mandato. Líder da principal coalizão de esquerda do país, a Frente Ampla, Vázquez quebrou um ciclo de 170 anos de governos conservadores, alternados pelos partidos Nacional e Colorado.

Para Baxter, a grande novidade era que a Frente Ampla estava no poder, com controle na política e na imprensa suficiente para incomodar os EUA. Disse duvidar, entretanto, que Vázquez sancionasse este tipo de condutas e que estava em dúvida sobre o que poderia fazer para mudar a situação.

Em 2009, José “Pepe” Mujica, também da Frente Ampla e ex-integrante da guerrilha esquerdista Tupamaros, tornou-se presidente.


Pinochet

Em outra mensagem, o ex-embaixador menciona a morte do ex-ditador chileno Augusto Pinochet (1973-1990), em dezembro de 2006. A cobertura feita pela imprensa uruguaia “reforça a afirmação de que os esquerdistas locais são os únicos verdadeiros defensores dos direitos humanos”, criticou Baxter.

Ele escreveu também que havia uma grande nostalgia em torno da presidência de Salvador Allende e desprezo por aquele que “choram por Pinochet”, “demonizado” por políticos “socialistas e comunistas”, que acreditam que o ex-ditador chileno foi a inspiração para as demais ditaduras da região, inclusive no Uruguai. “Há uma sensação de alegria por sua morte”, descreveu.

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