Os humanos mudaram a forma como o mundo funciona. Agora também precisam mudar a forma como pensam sobre isso
A Terra é uma coisa grande: se fosse dividida de forma equânime por
todos os 7 bilhões de habitantes, cada um ficaria com quase um trilhão
de toneladas. Pensar que o funcionamento de um ente tão vasto poderia
ser mudado de forma duradoura por uma espécie que tem corrido pela
superfície dele por menos de 1% de 1% de sua história parece,
considerando apenas isso, absurdo. Mas não é. Os humanos se tornaram uma
força da natureza que muda o planeta em escala geológica — mas numa
velocidade mais rápida que a geológica.
Só um projeto de engenharia, a mina de Syncrude nas areias
betuminosas de Athabasca, envolve o movimento de 30 bilhões de toneladas
de terra — duas vezes mais que a quantidade de sedimento que flui em
todos os rios no mundo em um ano. Aquele fluxo de sedimento, enquanto
isso, está encolhendo: quase 50 mil grandes represas no último meio
século reduziram o fluxo [de sedimento nos rios] em quase um quinto. É
uma das razões pelas quais os deltas da Terra, onde vivem centenas de
milhões de pessoas, estão erodindo num ritmo que impede que sejam
reabastecidos.
Os geólogos se importam com sedimentos, martelando neles para
descobrir o que têm a dizer sobre o passado — especialmente sobre as
grandes porções de tempo que a Terra atravessa de um período geológico a
outro. Com o mesmo espírito os geólogos olham para a distribuição de
fósseis, para traços das geleiras, para o nível dos oceanos. Agora, um
número destes cientistas argumenta que futuros geólogos, observando este
momento do progresso da Terra, vão concluir que algo muito estranho
está acontecendo.
O ciclo do carbono (e o debate sobre o aquecimento global) é parte da
mudança. Assim também é o ciclo do nitrogênio, que converte nitrogênio
puro da atmosfera em químicos úteis, e que os humanos ajudaram a
acelerar em mais de 150%. Eles e outros processos antes naturais foram
interrompidos, remodelados e, principalmente, acelerados. Os cientistas
estão crescentemente usando um novo nome para este período. Em vez de
nos colocar ainda no Cenozóico, uma era particularmente estável que
começou há cerca de 10 mil anos, os geólogos dizem que já estamos
vivendo no Antropozóico: a idade do homem.
The new geology leaves all in doubt
O que os geólogos escolhem chamar de um período histórico normalmente
importa pouco para o resto da humanidade; disputas na Comissão
Internacional de Estratigrafia sobre os limites do Período Ordoviciano
normalmente não capturam as manchetes. O Antropozóico é diferente. É um
daqueles momentos em que cai a ficha científica, como quando Copérnico
entendeu que a Terra girava em torno do sol, momentos que podem mudar
fundamentalmente a visão das pessoas sobre coisas muito além da ciência.
Significa muito mais que reescrever alguns livros didáticos. Significa
repensar a relação entre as pessoas e seu mundo — e agir de acordo com o
resultado.
A parte de “repensar” é a mais fácil. Muitos cientistas naturais
abraçam a confortável crença de que a natureza pode ser pensada, na
verdade deveria ser pensada, separadamente do mundo humano, com as
pessoas como meras observadoras. Muitos ambientalistas — especialmente
aqueles da tradição norte-americana inspirada em Henry David Thoreau —
acreditam que “o mundo selvagem é a preservação do mundo”. Mas as
regiões isoladas, para o bem e para o mal, estão se tornando
crescentemente irrelevantes.
Quase 90% da atividade vegetal do mundo, por algumas estimativas, é
encontrada em ecossistemas onde o homem tem um papel significativo.
Embora a agricultura tenha mudado o mundo por milênios, o evento
Antropozóico dos combustíveis fósseis, da engenharia agrícola e,
principalmente, dos fertilizantes artificiais à base de nitrogênio,
incrementaram vastamente o poder da agricultura. A relevância das
regiões preservadas para nosso mundo encolheu em face deste avanço. A
quantidade de biomassa que agora anda sobre o planeta em forma de
humanos ou animais de criação pesa muito mais que todos os outros
grandes animais juntos.
Os ecossistemas do mundo são crescentemente dominados por um grupo
limitado e homogêneo de culturas, animais de criação e criaturas
cosmopolitas que se dão bem em ambientes dominados por humanos.
Criaturas menos úteis ou adaptáveis se dão mal: a taxa de extinção hoje é
bem mais rápida que durante períodos geológicos normais.
Recycling the planet
O quanto as pessoas deveriam se amedrontar com isso? Seria estranho
se não se preocupassem. A história do planeta contém muitas eras menos
estáveis e clementes que o Cenozóico. Quem pode garantir que a ação
humana não pode empurrar o planeta para nova instabilidade?
Alguns vão querer simplesmente voltar o relógio. Mas retornar às
coisas como eram não é realista, nem moralmente alcançável. Um planeta
que em breve pode sustentar 10 bilhões de seres humanos precisa
trabalhar de forma diferente de que quando sustentava 1 bilhão de
pessoas, a maioria camponeses, 200 anos atrás. O desafio do Antropozóico
é usar a engenhosidade humana para ajeitar as coisas para que o planeta
possa cumprir sua tarefa do século 21.
Aumentar a resiliência do planeta vai provavelmente envolver algumas
mudanças dramáticas e muitos pequenos ajustes. Um exemplo do primeiro
pode vir da geoengenharia. Hoje o abundante dióxido de carbono emitido
na atmosfera fica para a natureza recolher, o que ela não pode fazer
suficientemente rápido. Embora as tecnologias ainda sejam nascentes, a
ideia de que os humanos possam remover o carbono dos céus da mesma forma
que ele é colocado lá é uma razoável expectativa Antropozóica; não
evitaria o aquecimento global a curto prazo, mas poderia reduzir seu
impacto, com isso reduzindo as mudanças na química dos oceanos causadas
pelo excesso de carbono.
Mais frequentemente a resposta estará nos pequenos ajustes — em
encontrar formas de aplicar o músculo humano em favor da natureza, em
vez de contra ela, ajudando assim a tendência natural de reciclar as
coisas. A interferência humana no ciclo do nitrogênio tornou o
nitrogênio muito mais disponível para plantas e animais; fez muito menos
para ajudar o planeta a lidar com todo aquele nitrogênio quando as
plantas e animais se satisfazem. Assim, sofremos cada vez mais com as
“zonas mortas” costeiras, invadidas pelo brotar de algas alimentadas por
nitrogênio. Pequenas coisas, como uma agricultura mais inteligente e
melhor tratamento de esgoto, poderiam ajudar muito.
Para os homens, ter um envolvimento íntimo com vários processos
interconectados numa escala planetária envolve muitos riscos. Mas é
possível acrescentar à resiliência do planeta, em geral com medidas
simples e graduais, se elas forem bem pensadas. E uma das mensagens do
Antropozóico é que as ações graduais que nos trouxeram até aqui podem
rapidamente se somar para provocar mudanças globais.
PS do Viomundo: Num mundo em que a Kátia Abreu e o Aldo Rebelo se juntam, tudo é possível.
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