sábado, 14 de maio de 2011

Uruguai pede “aviso prévio” e revela insatisfação com barreiras comerciais no Mercosul


Jose Mujica: descontente com os parceiros do Mercosul - Foto: Presidencia.gub.uy

Igor Natusch no Sul21

O bloco que surgiu como a oportunidade de revolucionar a relação econômica entre os países do Mercosul dá sinais de estar vivendo um momento no qual o livre comércio não é, no fim das contas, tão livre assim. As barreiras erguidas entre os principais países do Cone Sul dificulta a circulação entre as portas do comércio sul-americano e provoca revolta em países de menor força econômica, que se dizem prejudicados por seus irmãos mais avantajados. O novo capítulo nas tensões dentro do Mercosul ocorreu na última quinta-feira (12), quando o presidente uruguaio José Mujica pediu um aviso prévio de 15 dias úteis antes da adoção de medidas protecionistas por parte dos integrantes do bloco.
Na proposta, solicita-se também que os anúncios devem ir além das tradicionais licenças não automáticas, englobando todos os tipos possíveis de protecionismo. A declaração, aparentemente dotada de um toque de ironia, revela também a insatisfação do Uruguai com o modo como os integrantes do Mercosul, em especial a Argentina e o Brasil, conduzem a relação econômica com os países vizinhos, muitas vezes indo contra o caráter de livre comércio que se espera de um bloco econômico do tipo.
Em fevereiro, medidas protecionistas adotadas pelo governo argentino passaram a dificultar a entrada de 585 produtos fabricados no Uruguai, atingindo especialmente os setores têxtil, plástico e de couro. Em conversas com empresários, Mujica já havia criticado a aplicação de medidas não alfandegárias dentro do bloco econômico – que, somadas com as “dimensões colossais” de Brasil e Argentina, acabam influindo até mesmo na escolha de empresas multinacionais, que acabam ignorando o Uruguai e instalando unidades nos países vizinhos.
Fraquelli: “O Uruguai sempre teve restrições com relação ao Mercosul” - Foto: Divulgação/ FEE

“O Uruguai sempre teve restrições com relação ao Mercosul”, conta Antônio Carlos Fraquelli, economista da FEE. Como exemplo, Fraquelli lembra que o ex-presidente uruguaio Jorge Batlle Ibáñez chegou a sugerir que o país deixasse o Mercosul, estabelecendo a partir daí uma relação comercial bilateral com os EUA. “E Batlle é um colorado, não um blanco. Ou seja, um político menos conservador”, acentua Fraquelli. No contexto uruguaio, portanto, não se trata de uma indignação inédita, diz o economista.
Ciente de que a cutucada de José Mujica podia provocar desconforto em Buenos Aires e Brasília, coube a Sebastián Torres, diretor nacional de Indústrias do Uruguai, explicar com mais detalhes a quais tipos de barreira referem-se o pedido de antecedência do governo uruguaio. A lista inclui cotas, disposições sobre etiquetados, requisitos técnicos, exigência de apresentação de certificados para autorizar a importação, medidas sanitárias e relação critério-valor. Contatado pela reportagem do Sul21, o Itamaraty disse não ter conhecimento das declarações de Mujica e, portanto, não estar preparado para comentar o caso.

Licenças não automáticas para veículos dividem Brasil e Argentina

Não é apenas na relação com países menos influentes dentro do Mercosul, como Uruguai e Paraguai, que as aparentes contradições do modelo se fazem sentir. O Brasil determinou nessa sexta-feira (13) que as licenças para a entrada de veículos importados no país não serão mais concedidas de forma automáticas, podendo demorar até dois meses. A medida está sendo interpretada por alguns analistas como uma retaliação ao comportamento protecionista da Argentina.
Presidencia/AR
Cristina Kirchner, presidente da Argentina - Foto: Presidencia/AR

Em resposta, a ministra da Indústria da Argentina, Débora Giorgi, enviou uma carta ao colega brasileiro Fernando Pimentel, na qual garante a “inexistência de um impacto negativo sobre as exportações do Brasil à Argentina” no que toca às medidas adotadas pelo governo de Cristina Kirchner. Acrescentando que desde 2003 a Argentina manifesta preocupação com o “persistente e crescente déficit comercial” entre os dois países, Débora Giorgi conclui dizendo que o Brasil tem imposto dificuldades à entrada de vários produtos argentinos no mercado nacional, de forma que não se justificariam as críticas feitas pelo setor privado brasileiro.
De acordo com o economista Antônio Carlos Fraquelli, as discordâncias se acentuam na medida em que o Mercosul não é nem mesmo um bloco econômico, ao menos não aos moldes europeus. “Trata-se de uma iniciativa para integrar mercados”, explica. Falta, segundo ele, mecanismos existentes no modelo da Europa, como a adoção de institutos monetários ou de um Banco Central do Mercosul. De qualquer modo, o economista da FEE acredita que o Mercado Comum do Sul já viveu momentos mais complicados. “O Mercosul nasceu quando Brasil e Paraguai, por exemplo, tinham que lidar com inflações altíssimas”, relembra. Apesar das barreiras internas, a corrente de comércio cresce dentro do Mercosul, de acordo com Fraquelli, especialmente em função da presença de produtos de origem chinesa no continente.
A própria situação dos países mais fortes do bloco parece ser um sinal de que o Mercosul vai estar subjugado, mesmo que temporariamente, aos interesses dos principais atores econômicos da região. “O Brasil, no momento, está às voltas com os índices de inflação”, diz o economista da FEE. “A Argentina, por sua vez, está encarando uma guerra para controlar a dívida pública, entrou em conflito com os produtores rurais, maquia a própria inflação. São países que estão, nesse momento, preocupados com os próprios problemas. O Mercosul, para eles, fica meio que em standby. E países como o Uruguai e o Paraguai acabam ficando em uma situação de menor relevância no Cone Sul”.
A definição a respeito do pedido uruguaio deve ficar para a cúpula do Mercosul que se realizará em Assunção (Paraguai), no final de junho. A ideia da cúpula, que era celebrar os 20 anos do Mercosul, deve ficar para trás – afinal, o que conta agora é aparar as arestas e diminuir tensões, em nome da continuidade do bloco econômico do Cone Sul.

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