sábado, 4 de junho de 2011

Maconha: regulamentar o uso e educar


Tiago Magalhães Ribeiro *no Sul21

Marcha da Maconha, filme do Fernando Henrique, reportagens, colunas de opinião, parece que o momento de discussão acerca de transformações nos modos de compreender e agir em face da produção, circulação e uso de maconha, finalmente, chegou.
Faz já algum tempo que a chamada “Guerra às Drogas”, doutrina instituída pela direita estadunidense pelo menos desde Nixon, tem dado provas de um retumbante fracasso. São bilhões de dólares empregados anualmente na repressão a produtores, vendedores e consumidores de substâncias psicoativas tornadas ilícitas nas primeiras décadas do século XX, sem que, com esse pesado investimento, tenha sido possível comemorar qualquer significativa redução da produção, da circulação e do uso dessas drogas.
De quebra, as disputas em torno do lucrativo comércio ilegal que se constituiu a partir da proibição têm colocado em risco a segurança pública e fomentado uma cadeia de corrupção que vai de associações de bairro e policiais até altos escalões do poder judiciário, isso sem falar no descontrolado inchaço do sistema prisional, prestes a colapsar.
O combustível dessa cadeia nefasta, contudo, é a condenação moral histórica que a tradição judaico-cristã faz dos usos lúdicos do corpo. Tal condenação é o substrato e a força motriz em torno da qual os mais variados interesses políticos e econômicos se organizam, capitalizando em torno da proibição e mantendo, assim, a lucratividade do negócio ilícito.
Mas, ao que parece, uma nova racionalidade começa a tomar corpo. Pesquisadores sérios têm manifestado sua oposição ao proibicionismo vigente; figuras públicas de peso têm juntado sua voz às dos grupos de manifestantes que, a cada ano, colocam mais pessoas nas ruas para reivindicar uma nova política de drogas e até mesmo a grande mídia tem começado a amplificar essas vozes, conseguindo abordar a questão de formas mais equilibradas e variando um pouco as fontes de informação. E é justamente no momento em que se torna possível essa discussão mais matizada que faz sentido olhar para alternativas políticas para a questão da maconha.
O uso de uma droga bem mais nociva do que a maconha, o cigarro, que beirou o estado de calamidade de saúde pública, está, agora, nesses primeiros anos do século XXI, sendo reduzido para níveis mais seguros e razoáveis e, para que isso fosse conquistado, não foi necessário nenhum pesado e caro aparato de segurança, mas, simplesmente, informação preventiva e educação.
Como já nos ensinava Michel Foucault, desde a década de 1970, o poder mais efetivo é aquele que, ao invés de reprimir e subjugar, seduz, persuade e convence. Ao invés da repressão do desejo, a formação da vontade. O custo da repressão é alto e o resultado não compensa (a não ser para aqueles que faturam com ela, como a indústria de armas, por exemplo). Assim, o mais lógico e correto a se fazer, tanto de um ponto de vista econômico quanto de um ponto de vista ético, é o investimento em prevenção por meio da educação sobre (e não anti ou contra) as drogas, a começar pela maconha, cujos usuários representam 80% do total de consumidores de drogas, hoje, no mundo.
Regulamentar quem pode produzir (liberar o plantio de maconha para consumo próprio), quem pode vender (estabelecimentos credenciados, taxados e com qualidade do produto fiscalizada) e quem pode usar (maiores de idade e somente em contextos específicos, ou seja, nada de maconha ao volante, maconha na escola, maconha no trabalho ou em ambientes fechados – isso sem falar no óbvio: nada de propaganda de maconha ou de qualquer outra droga, como bebidas alcoólicas e cigarro, nos meios de comunicação) a maconha e, principalmente, preparar educadores para a abordagem do tema nas salas de aula: essa deve ser a agenda das políticas sobre drogas no século XXI.
E, quando se fala em educar sobre drogas, se fala em buscar a construção da autonomia, ou seja, nada daquela bobagem de Ronald Reagan e seu “Just say no”, ou da ladainha religiosa que equipara as drogas ao demônio. Drogas são substâncias importantes para o ser humano há milhares de anos e precisamos conhecê-las cada vez mais e melhor a fim de sabermos como aproveitar seus potenciais, evitando ao máximo seus riscos.
No que concerne à maconha, os potenciais terapêuticos são inegáveis e têm sido cada vez mais reconhecidos e pesquisados. Assim, trata-se de informar os jovens sobre as potencialidades e os riscos da maconha, educando-os para a redução dos danos (por exemplo, maconha vaporizada é menos nociva do que maconha fumada) e, em caso de decisão pelo uso, que este se dê de forma responsável, sem exageros e em um ambiente seguro e com um produto sem adulteração (condições impossíveis de serem atingidas em um contexto de proibição).
Não é assim que, espera-se, pais e professores deveriam orientar seus filhos e alunos em relação ao álcool, ao sexo, aos lanches fast-food, à televisão e à internet, dentre outras maravilhas perigosas do mundo? Pois é assim, também, que deve ser em relação à maconha.

* Mestre em Educação pela Unisinos e Técnico em Assuntos Educacionais da UFRGS

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