Marcha da Maconha, filme do Fernando Henrique, reportagens, colunas
de opinião, parece que o momento de discussão acerca de transformações
nos modos de compreender e agir em face da produção, circulação e uso de
maconha, finalmente, chegou.
Faz já algum tempo que a chamada “Guerra às Drogas”, doutrina
instituída pela direita estadunidense pelo menos desde Nixon, tem dado
provas de um retumbante fracasso. São bilhões de dólares empregados
anualmente na repressão a produtores, vendedores e consumidores de
substâncias psicoativas tornadas ilícitas nas primeiras décadas do
século XX, sem que, com esse pesado investimento, tenha sido possível
comemorar qualquer significativa redução da produção, da circulação e do
uso dessas drogas.
De quebra, as disputas em torno do lucrativo comércio ilegal que se
constituiu a partir da proibição têm colocado em risco a segurança
pública e fomentado uma cadeia de corrupção que vai de associações de
bairro e policiais até altos escalões do poder judiciário, isso sem
falar no descontrolado inchaço do sistema prisional, prestes a colapsar.
O combustível dessa cadeia nefasta, contudo, é a condenação moral
histórica que a tradição judaico-cristã faz dos usos lúdicos do corpo.
Tal condenação é o substrato e a força motriz em torno da qual os mais
variados interesses políticos e econômicos se organizam, capitalizando
em torno da proibição e mantendo, assim, a lucratividade do negócio
ilícito.
Mas, ao que parece, uma nova racionalidade começa a tomar corpo.
Pesquisadores sérios têm manifestado sua oposição ao proibicionismo
vigente; figuras públicas de peso têm juntado sua voz às dos grupos de
manifestantes que, a cada ano, colocam mais pessoas nas ruas para
reivindicar uma nova política de drogas e até mesmo a grande mídia tem
começado a amplificar essas vozes, conseguindo abordar a questão de
formas mais equilibradas e variando um pouco as fontes de informação. E é
justamente no momento em que se torna possível essa discussão mais
matizada que faz sentido olhar para alternativas políticas para a
questão da maconha.
O uso de uma droga bem mais nociva do que a maconha, o cigarro, que
beirou o estado de calamidade de saúde pública, está, agora, nesses
primeiros anos do século XXI, sendo reduzido para níveis mais seguros e
razoáveis e, para que isso fosse conquistado, não foi necessário nenhum
pesado e caro aparato de segurança, mas, simplesmente, informação
preventiva e educação.
Como já nos ensinava Michel Foucault, desde a década de 1970, o poder
mais efetivo é aquele que, ao invés de reprimir e subjugar, seduz,
persuade e convence. Ao invés da repressão do desejo, a formação da
vontade. O custo da repressão é alto e o resultado não compensa (a não
ser para aqueles que faturam com ela, como a indústria de armas, por
exemplo). Assim, o mais lógico e correto a se fazer, tanto de um ponto
de vista econômico quanto de um ponto de vista ético, é o investimento
em prevenção por meio da educação sobre (e não anti ou contra) as
drogas, a começar pela maconha, cujos usuários representam 80% do total
de consumidores de drogas, hoje, no mundo.
Regulamentar quem pode produzir (liberar o plantio de maconha para
consumo próprio), quem pode vender (estabelecimentos credenciados,
taxados e com qualidade do produto fiscalizada) e quem pode usar
(maiores de idade e somente em contextos específicos, ou seja, nada de
maconha ao volante, maconha na escola, maconha no trabalho ou em
ambientes fechados – isso sem falar no óbvio: nada de propaganda de
maconha ou de qualquer outra droga, como bebidas alcoólicas e cigarro,
nos meios de comunicação) a maconha e, principalmente, preparar
educadores para a abordagem do tema nas salas de aula: essa deve ser a
agenda das políticas sobre drogas no século XXI.
E, quando se fala em educar sobre drogas, se fala em buscar a
construção da autonomia, ou seja, nada daquela bobagem de Ronald Reagan e
seu “Just say no”, ou da ladainha religiosa que equipara as drogas ao
demônio. Drogas são substâncias importantes para o ser humano há
milhares de anos e precisamos conhecê-las cada vez mais e melhor a fim
de sabermos como aproveitar seus potenciais, evitando ao máximo seus
riscos.
No que concerne à maconha, os potenciais terapêuticos são inegáveis e
têm sido cada vez mais reconhecidos e pesquisados. Assim, trata-se de
informar os jovens sobre as potencialidades e os riscos da maconha,
educando-os para a redução dos danos (por exemplo, maconha vaporizada é
menos nociva do que maconha fumada) e, em caso de decisão pelo uso, que
este se dê de forma responsável, sem exageros e em um ambiente seguro e
com um produto sem adulteração (condições impossíveis de serem atingidas
em um contexto de proibição).
Não é assim que, espera-se, pais e professores deveriam orientar seus
filhos e alunos em relação ao álcool, ao sexo, aos lanches fast-food, à
televisão e à internet, dentre outras maravilhas perigosas do mundo?
Pois é assim, também, que deve ser em relação à maconha.
* Mestre em Educação pela Unisinos e Técnico em Assuntos Educacionais da UFRGS
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