Escrito por Luiz Eça no Correio da Cidadania |
O esperado discurso de Obama de 19 de maio pouco contribuiu para uma
solução justa do impasse da Palestina. Certamente significaram avanços a
afirmação das fronteiras de 1967 como base dos acordos de paz (embora a
ONU já tivesse ido além, fixando essas fronteiras sem as limitações da
palavra "base") e a necessidade urgente da criação do Estado palestino.
Pode parecer pouco, mas não foi para o primeiro-ministro Netanyahu.
Ele considera a expressão "fronteiras de 1967" um autêntico tabu, já
que, ao contrário do que pleiteou Obama, procura prolongar ao máximo as
discussões sobre a Palestina com o fim de ganhar tempo para encher de
novos assentamentos o território que resta aos árabes, tornando inviável
seu projeto de nação.
Animado pela reação indignada de políticos e empresários americanos,
ele declarou "fantasiosa" a proposta de Obama e correu a pedir a
solidariedade do congresso americano, onde obteve uma recepção
apoteótica. O que não foi surpresa. Afinal, como diz o jornalista
americano Philip Giraldi, "este é o melhor congresso que a AIPAC
(principal lobby judaico-americano) pode comprar".
Três dias depois do seu discurso, Obama foi ao congresso da referida
AIPAC para esclarecer as coisas. E aí, recuou quilômetros, numa clara
rendição ao contra-ataque do primeiro-ministro israelense e seu lobby.
Explicando o sentido da expressão "fronteiras de 1967", Obama disse:
"Significa que as partes - israelenses e palestinos - negociarão uma
fronteira que será DIFERENTE DA EXISTENTE EM 4 DE JUNHO DE 1967.
Permitirá que as partes levem em conta as mudanças que ocorreram nos
últimos 44 anos, INCLUINDO A NOVA REALIDADE DEMOGRÁFICA".
Em outras palavras: os palestinos devem esquecer os limites de 1967,
embora tenham sido aprovadas várias vezes pela ONU, e aceitar a "nova
realidade demográfica", ou seja, a perda de grande parte do seu
território, confiscada pelo governo de Israel para o assentamento de
cerca de 400.000 israelenses.
Obama falou também em "trocas de territórios" para compensar essas
perdas. Trocas que seriam feitas de comum acordo. Ou seja, os árabes
teriam de aceitar o que os israelenses lhes propusessem. Não seria
grande coisa, a julgar pelos repetidos pronunciamentos de Bibi contra a
entrega dos assentamentos, hoje ocupando as melhores terras da
Cisjordânia.
Mas o grave não ficou nisso. Obama abandonou a mais importante
posição que assumira em favor de uma Palestina livre e viável: a
exigência de interrupção de novos assentamentos para garantir o início
das negociações de paz, que ele havia repetido insistentemente durante o
primeiro ano do seu mandato.
Para o governo de Tel-aviv, isto seria péssimo, pois seu objetivo é
exatamente o contrário: tomar cada vez mais terras árabes. Ligados por
estradas exclusivas para judeus, os assentamentos israelenses já
transformaram boa parte da Cisjordânia numa série de "bantustões"
isolados entre si.
Caso a expansão dos assentamentos continue, breve a Palestina se
tornará um recorte de áreas não contíguas, sem condições de constituírem
um país viável. E a idéia dos "dois Estados" não passará de um sonho
impossível. Por isso, os árabes negam-se a voltar às negociações de paz
enquanto a construção de novos assentamentos não for suspensa.
Obama deixou de lado esse assunto nos dois discursos pronunciados em
maio. Não deixou, porém, de se pronunciar contra o reconhecimento da
independência da Palestina.
Em fins do ano passado, Abbas, o presidente da Autoridade Palestina,
decidiu como último recurso declarar unilateralmente a independência do
Estado da Palestina, nas fronteiras existentes em 1967. A idéia foi bem
recebida em todo o mundo, inclusive nos principais países da Europa. Era
tido como quase certo que a criação do novo Estado seria reconhecida
oficialmente durante a próxima assembléia da ONU, em setembro. Com o
veto do presidente dos EUA, isso dificilmente acontecerá, pois os
governos europeus devem seguir seu líder.
Mas Obama foi mais adiante no discurso que tantas palmas arrancou do
pessoal da AIPAC. Ele condenou o reatamento da aliança entre os dois
movimentos pela libertação da Palestina - o moderado Fatah e o radical
Hamas -, fato que causara indignação em Israel. Netanyahu tinha sido
taxativo. Não poderia sentar-se à mesa das negociações com a gente do
Hamas, que repudiava a existência do Estado de Israel.
Repetindo a argumentação israelense, Obama afirmou que a
reconciliação era um "obstáculo" à paz na região. Ignorou que, ao
anunciar as pazes com o Fatah, Khaled Meshal, dirigente do Hamas,
declarou que aceitava a solução dos dois Estados, separados pelas
fronteiras de 1967, e indicava o próprio Abbas (tido como cordato por
americanos e judeus) como representante de sua organização nas
negociações a serem realizadas.
Não foi surpresa quando Obama reafirmou que os laços de amizade
ligando os EUA a Israel seriam "inabaláveis" e "blindados". Ao que
pergunta Robert Fisk, conceituado expert em Oriente Médio (The Independent,
30 de maio): "No caso dr o partido violentamente direitista e racista
do hoje ministro Lieberman assumir o poder, esses laços ‘inabaláveis’ e
‘blindados’ exigiriam que continuássemos a fornecer bilhões em
armamentos a eles?".
Talvez aí Obama não fosse tão longe. Por ora, ele manifestou
"completo comprometimento" com a segurança de Israel: "Eis por que
estamos fornecendo nossa mais avançada tecnologia a nossos aliados
israelenses, apesar dos momentos difíceis de nossa economia, aumentamos
nossos financiamentos de ajuda militar a níveis recordes".
E, justificando esse excepcional apoio: "Todo Estado tem o direito de
autodefesa e Israel precisa ser capaz de se defender". "Todo Estado"
menos o palestino, é claro. Vibrantemente aplaudido pelo pessoal da
AIPAC, Obama finalizou, dizendo que, em nome da segurança de Israel, os
palestinos deveriam contentar-se com "um Estado soberano
desmilitarizado". Ou seja, um estado incapaz de se defender de Israel ou
de qualquer outro país. Sem condições de defender sua soberania,
portanto.
O saldo desse episódio, marcado pelos dois discursos de Obama,
entremeados pela vitoriosa passagem de Bibi pelo Congresso, parece
desastroso para os palestinos. No primeiro discurso, poderia se
visualizar algumas esperanças de uma nova atitude americana. Mas logo
após o contra-ataque do primeiro-ministro israelense, com a ruidosa
cobertura dos deputados e senadores americanos, Obama recuou, adotando
posições adversas à causa árabe.
De qualquer modo, dizem alguns observadores otimistas, Obama está aos
poucos defendendo idéias importantes, que favorecem a causa dos "dois
Estados". Primeiro, foi a interrupção dos assentamentos. Agora, a pressa
nas negociações de paz e a imposição dos limites de 1967, ainda que
sujeitos a trocas de territórios.
Mas nada disso é aceito por Israel. Por mais que Obama procure ganhar
a boa vontade do governo de Tel-aviv, defendendo seus interesses, ainda
que injustos, em episódios como o veto na ONU à condenação dos novos
assentamentos, o apoio na discussão do massacre da flotilha de Gaza e
dos crimes na invasão de Gaza, e a negação ao reconhecimento do Estado
palestino.
O único resultado dessa estratégia tem sido o descrédito crescente de
Obama junto aos árabes, que não o consideram um mediador imparcial
entre eles e os israelenses. Vão nesse sentido as declarações de Leon
Panetta, diretor da CIA, e do general Petraeus, comandante no
Afeganistão. Para eles, a inércia na criação de uma Palestina
independente contribui decisivamente para piorar cada vez mais as
relações do mundo árabe com os EUA.
Impossível imaginar que Obama não esteja consciente disso. Como é
provável que ele realmente sinta o drama palestino e deseje uma solução
justa. No entanto, essa soma de razões de Estado e razões humanitárias
não tem sido suficiente para mover o presidente dos EUA a exercer uma
pressão real sobre Israel.
Teria contra si a maioria dos congressistas, que são financiados pela
AIPAC e congêneres; os lobbies da indústria de armamentos, interessada
nos imensos gastos militares israelenses; grande parte do eleitorado
judaico-americano; muitas igrejas fundamentalistas cristãs, jornais e
redes de TV e rádio. Todos eles 100% pró-governo de Israel, seja lá quem
for.
Com Netanyahu, ou gente como ele no poder, a paz na Palestina
continuará muito longe. Enquanto isso, Obama seguirá fazendo propostas,
algumas até positivas, e declarações bem articuladas que, na verdade,
não são para valer. Ou melhor, são: servem para promover sua imagem de
"bom moço", com vistas nas eleições presidenciais de 2012.
Luiz Eça é jornalista.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sexta-feira, 10 de junho de 2011
Obama e a Palestina: pequenos avanços, grandes recuos
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