quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Caiu a Lágrima, Nasceu a Ação






  • Escreve: Paulo César Fernandes no PENSE






  • Eu vejo. Eu vejo uma quase gota de lágrima em teus olhos. Ela. Parada. Não aumenta ou diminui.
    E sei dos teus pensamentos sobre o mundo.
    Um mundo que todos criticam, lamentam, têm saudosismo sem saber do que e nem porque.
    Mas essa quase lágrima sabe. Sabe de tudo.


    Daqueles que são “os de dentro”, e muito mais ainda daqueles que “são os de fora”. Os que ninguém quer ver, ninguém quer por perto; ninguém quer que existam.


    E eles não são “os de foras” por livre escolha; tolhidos que foram de todas as possibilidades de uma vida sequer similar à vida dos “de dentro”.


    Existe uma categoria espacial distinta para cada um destes grupos.


    De um lado o requinte; a sofisticação; o consumo pleno, sem limites. Do outro lado os lugares de habitar compostos de elementos descartados pela sociedade de consumo, um consumo sequer sonhado por eles ao montar seus lugares de habitar.


    Exatamente este consumo que consome, e toda a parafernália político-econômica, envolvendo grandes corporações transnacionais; e mais ainda, os núcleos centrais dos gabinetes governamentais e parlamentares dessas nações ditas desenvolvidas, aí está o que eles chamam de vida. Nesta concepção, poder é vida.


    O pensador Antonio Negri e seu colega Hardt escreveram um livro chamado “Império”. Sua tese central é que não mais temos blocos de poder como nos tempos da Guerra Fria. Instituiu-se um novo Império Supranacional comandando a vida cotidiana dos habitantes do planeta.


    Digo eu que é este Império globalizado e sem sede central que norteia a vida das nações: das nações “de dentro” como a Europa Central e os Estados Unidos, nações riquíssimas apesar da propalada crise. Estas apenas diminuíram a quantidade de sangue e energia das demais nações.


    Tal Império comanda ainda as nações “de fora”, tão pequenas e espoliadas que nem seus nomes conhecemos, uma vez que se situam na África; na Ásia; Sudoeste da Ásia etc. Nações que vivem engalfinhadas em lutas fraticidas, lutas fomentadas pelos centros “culturais” e econômicos, pois dessas guerras regionais obtêm lucros exorbitantes. Fomentam atritos religiosos; conflitos étnicos, de diversas motivações desde que sempre se apresente um novo conflito.


    A imprensa mundial, os meios de comunicação de massa globalizados se calam ante a mortandade diária. Uma imprensa que se coloca como guardiã da verdade e da moral. Esta se cala diante de tanta imoralidade. Cúmplice de tantas vidas ceifadas. Dói muito.


    Esta estabilidade dessa futura lágrima se mantém exatamente pelo fato de todos esses teus pensamentos serem estonteantes. Portadores de uma lógica visceral, mas estonteantes.
    E tu sabes que em nossas diversas cidades esses “de fora” também existem e habitam. São representados por praticantes de pequenos roubos, latrocínios; outros ainda enveredam pelo caminho das drogas que, cada vez mais rapidamente, elimina seus consumidores. Mas isto não tem a menor importância na lógica deste nosso mundo. Logo depois chegará um novo consumidor; e mais outro e mais outro ainda...
    Você está pensando o mesmo que eu?
    Que essas medidas paliativas de combate ao tráfico por um lado; tratamento de usuários por outro lado não seriam tão somente iniciativas para aplacar a nossa consciência, a consciência da sociedade como um todo?
    Atitudes e mais atitudes sempre passando ao largo odo ponto focal. E qual seria esse ponto focal?


    Os “de dentro”de todos os níveis querem o mais rápido possível eliminar o incomodo da existência dos “de fora”, também chamados de “estranhos”, pois são estranhos ao universo do consumo sofisticado. Não se adequam e negam tudo aquilo que está do lado de lá da “fronteira social”. Preferem e buscam seus espaços, sua linguagem corporal, sua estética específica. Mutante. Renovável. Tal qual fazem os “de dentro”.
    Tua lágrima pode cair agora, pois o quadro é tenebroso; e sem solução a curto e médio prazo. São muitas as instituições a mudar. Coisa que os interesses imediatistas sempre se opõem. Sempre se opõem ao justo, ao correto, ao ético, ao progressista.
    A fronteira social veio para ficar, enquanto as pessoas não se derem conta do emaranhado das ramificações em todas as esferas do poder. Em todos os continentes isso ocorre. Mesmo na rica Europa.
    Quadro horripilante, negativo, assustador... Mas é exatamente aí que reside sua beleza.
    Em algum momento qualquer as lágrimas dos teus olhos secarão.
    Virá a revolta mais densa e profunda.
    Finda a revolta, se inicia para ti um novo momento, um novo marco existencial: a busca de conhecer, e conhecer cada vez mais e mais de perto o contexto real desses nossos Tempos Líquidos.
    Mais ainda. Permitir que mais e mais pessoas passem a ter contato com esse quadro que todos nós queremos sempre fugir, nos esconder.
    Mas, uma coisa é certa: somente o conhecimento, calcado na mais crua realidade, na racionalidade mais profunda nos fará agir num novo sentido, e de uma maneira firme, forte. Como se fôssemos dois, nos engajar cada qual da sua maneira, na urgente luta de extinção de todas as fronteiras sociais em todos os lugares dessa nossa Terra.


    A coragem e a RAZÃO estarão presentes nos cinco continentes e trarão o mundo que todos merecemos.


    Nota: Reverencio o polonês Zygmunt Bauman, cujas ideias vêm iluminando minha compreensão do presente momento e se fazem presentes neste texto.


    Paulo César Fernandes, jornalista e psicólogo, tem pós-graduação em Ciências da Comunicação. Articulista de vários periódicos espíritas, atua no Centro Espírita Allan Kardec, de Santos-SP, onde reside. É autor do livro “Um Blues no Meio do Caminho”, lançado pelo CPDoc - Centro de Pesquisa e Documentação Espírita, do qual é um dos membros.
    E-mail: pcfernandes1951@bol.com.br

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