Samir Oliveira no SUL21
O pedreiro Benedito Alves, de 52 anos, acordou às 5h30 de domingo (22) para tomar um copo d’água. O dia mal se anunciava, mas ele já percebia que havia algo estranho em Pinheirinho. “Escutei barulho de helicóptero e, quando saí para a rua, tinha 200 policiais na volta”, lembra.
Benedito só teve tempo de chamar sua esposa, que tem 64 anos, e sair correndo de casa, conforme ordenavam os homens fardados com armas nas mãos. No meio da confusão, o pedreiro não escapou de ser alvejado na perna. “Mandaram sair e pegar somente os documentos e uma muda de roupa. Fui agredido, levei um tiro de borracha na perna, foi um caos muito grande”, comenta o morador de Pinheirinho – bairro pobre da cidade de São José dos Campos, em São Paulo, que foi invadido pela Polícia Militar, que executava uma ação de reintegração de posse sem a permissão da Justiça Federal.
Deslocado para uma igreja na região, junto com cerca de 1,5 mil dos mais de 5 mil moradores de Pinheirinho, Benedito não sabe para onde irá depois que o templo não mais lhe der abrigo. “Minha casa vai ser demolida, e tudo que eu tenho está lá dentro. Não tenho para onde ir. O certo mesmo seria eu ir morar na casa do Cury”, comenta, irritado, ao mencionar o nome do prefeito de São José dos Campos, Eduardo Cury (PSDB).
Expulso de sua casa e jogado num abrigo sem colchão, banheiro, cobertor ou perspectivas, o pedreiro apela ao único poder no qual confia: “Só mesmo Deus para nos ajudar numa hora dessas”.
“Nos tiraram de lá que nem cachorros”
A diarista Climelta de Souza Abreu, de 30 anos, está desesperada. Expulsa do lugar onde vivia há oito anos, ela não sabe o que dizer a suas filhas – de 14, 10, 9 e 6 anos. “Eles me perguntam onde nós vamos morar e eu não tenho nenhuma resposta para dar. Não tenho para onde ir”, lamenta, sem conseguir conter as lágrimas.
Assim como toda a população de Pinheirinho, Climelta foi escorraçada de sua casa e agora se amontoa com suas crianças numa igreja nas redondezas. A diarista ainda está horrorizada com a maneira como ela e seus vizinhos foram tratadas pela polícia. “Nos tiraram de lá que nem cachorro. Bateram em várias mulheres, inclusive em grávidas”, conta.
“Virou um campo de guerra”
A ação da Polícia Militar de São Paulo para desocupar a comunidade de Pinheirinho, em São José dos Campos, não ocorreu por acaso num domingo. Assim como não foi por acaso que ocorreu sem nenhum tipo de aviso prévio.
O poder público sabia que os mais de 5 mil moradores do local estavam dispostos a proteger com a vida o terreno inativo há mais de 30 anos e que utilizavam como lar desde 2004. Nas últimas semanas, na iminência de uma ação policial, os habitantes de Pinheirinho haviam se armado com paus, escudos e canos de PVC.
Pegos de surpresa na manhã de domingo, mal tiveram condições de reagir diante dos mais de 2 mil policiais, 220 viaturas, 100 cavalos, 40 cães e dois helicópteros que cercaram o local. Sitiados em seu próprio bairro, alguns moradores começaram a jogar pedras. Em troca, recebiam bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha.
“Estavam sitiados com a tropa de choque na porta de suas casas. Começou uma reação dos moradores e virou um campo de guerra”, descreve a jornalista Eliane Mendonça, do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região.
“A Justiça trabalha pelo direito à propriedade, não pelo direito à dignidade”, critica deputado
Assim que ficou sabendo da ação policial para arrancar os moradores de Pinheirinho de suas casas, o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) se deslocou para o local, onde chegou ainda na manhã de domingo (22). Assim como todas as autoridades que tentaram interceder para que a operação não ocorresse, o parlamentar não conseguiu transpor a barreira policial que bloqueava o acesso ao bairro.
O deputado lamenta que a ação da polícia tenha ocorrido à revelia de duas liminares que impediam a desocupação de Pinheirinho: uma extinguindo por 15 dias o processo de falência da empresa detentora do local – de propriedade do empresário Naji Nahas –, e outra da Justiça Federal impedindo a reintegração de posse. “É uma Justiça que trabalha pelo direito à propriedade, não pelo direito à dignidade humana e à vida”, critica Ivan Valente.
Presente para avalizar a ação, o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rodrigo Capez, irmão do deputado estadual Fernando Capez (PSDB), ignorou a liminar entregue por um oficial da Justiça Federal e garantiu a continuidade da desocupação.
Também presente no acesso a Pinheirinhos, o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) aponta suas críticas ao governo estadual, do tucano Geraldo Alckmin. “Foi mais uma demonstração de que o PSDB ainda trata o tema social como caso de polícia”, condena o petista.
Ivan Valente está recolhendo denúncias de abusos ocorridos contra moradores e pretende convocar uma audiência pública para tratar do caso na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. “Vamos convidar testemunhas e autoridades, inclusive o prefeito Eduardo Cury”, adianta.
Secretário da presidência da República levou um tiro na perna
Não foram somente os moradores pobres de Pinheirinho que foram alvejados pela polícia durante a ação de reintegração de posse ocorrida no último domingo (22). Dessa vez, a repressão foi, a seu modo, democrática: atingiu até os altos escalões de Brasília.
O secretário nacional de Articulação Social, Paulo Maldos, subordinado ao ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República, foi atingido na perna por uma bala de borracha enquanto tentava, em vão, interceder junto à polícia.
A identificação oficial e a autoridade de quem representava a presidente Dilma Rousseff não foram o bastante frente à truculência. “Peguei o meu cartão da Presidência, mas o que recebi foram armas apontadas para mim”, disse o secretário, em declaração à imprensa nesta segunda-feira (23).
“Percebendo um perigo real, voltei e fui conversar com os moradores. De repente, começaram a voar bombas de gás. Todos saíram correndo e eu levei um tiro, que me atingiu na perna. Eu, como representante da Presidência da República, fui atingido por uma bala. Estou indignado”, comentou.
Depois de ser alvejado, Paulo Maldos tentou, novamente, se identificar como representante da Presidência da República. A única resposta que ouviu de um oficial da Polícia Militar foi um deboche: “Se você quiser, vai pedir para a sua presidente vir falar comigo”.
Informações desencontradas sobre mortos e feridos
Até agora, nenhuma informação oficial sobre a ação de reintegração de posse em Pinheirinho apresenta número de mortos ou feridos. A Polícia Militar de São Paulo diz apenas de foram detidas 16 pessoas e que tudo ocorreu “com tranquilidade”.
Porém, entre os moradores expulsos de suas casas, pipocam inúmeras informações, dentre elas a de que teriam ocorrido sete mortes – inclusive a de uma menina de quatro anos, que teria sido atingida no pescoço por uma bala de borracha. Além disso, há denúncias de que pessoas estão desaparecidas.
“Oficialmente, nem a prefeitura nem a polícia confirmam nada. Mas cada morador tem uma história para contar. Há crianças desaparecidas, mães que procuram seus filhos e filhos que procuram seus pais idosos”, relata a jornalista Eliane Mendonça, que passou a segunda-feira (23) numa igreja convertida em acampamento.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de São José dos Campos, Aristeu César Pinto Neto, garantiu que a operação policial fez vítimas fatais. “O que se viu foi a violência do Estado típica do autoritarismo brasileiro, que resolve problemas sociais com a força da polícia. Há mortes, inclusive de crianças. Estamos fazendo um levantamento no IML e tomando as providências para responsabilizar os governantes que fizeram essa barbárie”, disse, em entrevista à TV Brasil.
Um comentário:
Li que, em função das mortes ocorridas, o presidente da OAB de S.José dos Campos colhe fatos para responsabilizar as autoridades. Um genocídio foi cometido. O governador Geraldo Alckmin deveria sofrer um ipeachemant, ou, em outras plavras, ser cassado. Genocidas não podem governar. A OAB Nacional deveria envidar esforços para fazer a Lei sobre os "grandões". Só a gente "miúda" é penalizada. Cassação do governador genocida Geraldo Alckmin é absolutamente necessária. Ou o governador de São Paulo pode ir matando gente onde quiser, e impunemente? Para ser sincera acho que os vídeos e as fotos da execrável agressão da PM de Geraldo Alckmin a mulheres, crianças, deficientes, jovens e trabalhadores deveriam circular o mundo, tal qual a foto de soldados americanos urinando sobre corpos afegãos. Um Tribunal Internacional deveria julgar tal violação de Direitos Humanos no Brasil!
Postar um comentário