terça-feira, 6 de maio de 2014

Ex-prefeito de Lábrea é responsabilizado por trabalho escravo infantil | Brasil de Fato

Ex-prefeito de Lábrea é responsabilizado por trabalho escravo infantil


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Divulgação MTE
Dois meninos e 11 anos estão entre os 21 resgatados trabalhando para
ex-prefeito Gean Campos de Barros e seu genro, Oscar da Costa Gadelha


Por Daniel Santili

Da Repórter Brasil



O ex-prefeito de Lábrea, Gean Campos de Barros (PMDB) e seu genro, Oscar
da Costa Gadelha, foram responsabilizados pela exploração de 21 pessoas
em condições análogas a de escravos na produção de castanha-do-pará em
Lábrea, no Amazonas. Entre os resgatados estavam dois adolescentes e
quatro crianças, incluindo dois meninos de 11 anos que, assim como os
demais, carregavam sacos cheios de castanhas em trilhas na mata e
manuseavam facões longos, conhecidos como terçados, para abertura dos
ouriços, os frutos da castanha. A reportagem tentou entrar em contato
com os empresários para ouvi-los sobre o flagrante, mas não conseguiu
localizá-los.A libertação aconteceu em operação conjunta do Ministério
do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e Polícia Federal,
realizada entre 16 a 28 de março em castanhal localizado dentro
da Reserva Extrativista do Médio Purus, acessível a partir da comunidade
ribeirinha de Lusitânia, nas margens do rio Purus. “O que mais nos
chamou a atenção foi a questão das crianças. Vimos meninos carregando
sacos de 25 kg dentro da floresta, andando até quatro quilômetros
descalças”, conta o auditor André Roston, coordenador do Grupo Especial
de Fiscalização Móvel do MTE. “Para ajudar, um policial pegou o saco e
começou a carregar, mas ele não aguentou chegar até o final. É um
trabalho muito pesado e as crianças estavam submetidas ao sistema de
exploração estabelecido.”
Garoto de 11 anos manuseia facão no barco e na
abertura de ouriço de castanha-do-pará.
Foto: Divulgação MTE
Os facões, mais longos que o antebraço de alguns dos meninos, como é
possível visualizar na foto ao lado, eram utilizados para abrir os duros
frutos da castanheira e extrair as sementes. Nenhum dos trabalhadores
utilizava proteção e, segundo a fiscalização, um dos garotos de 11 anos
estava com o dedo indicador cortado, ferimento decorrente de acidente
enquanto exercia a atividade. Tanto o “transporte, carga ou descarga
manual de pesos” acima de 20 kg para atividades raras ou acima de 11 kg
para atividades frequentes, quanto a “utilização de instrumentos ou
ferramentas perfurocortantes, sem proteção adequada capaz de controlar o
risco” estão entre as piores formas de trabalho infantil,
conforme estipulado pela lei número 6.481/2008, com base na Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
 Àequipe de fiscalização, em depoimento, Oscar Gadelha confirmou o uso de
trabalho infantil e defendeu que o emprego de crianças e adolescentes
na atividade é “uma certa forma é até uma maneira de educar”.

Reserva extrativista e o sistema de barracão 
A exploração de trabalho escravo infantil aconteceu em uma unidade de
conservação federal, a Reserva Extrativista do Médio Purus. A área de
preservação foi criada como resultado de intensa mobilização social,
processo detalhado na obra “Memorial
da Luta pela Reserva Extrativista do Médio Purus em Lábrea, AM:
Registro da mobilização social, organização comunitária e conquista da
cidadania na Amazônia””
, e garante às comunidades ribeirinhas o direito de desenvolver atividades extrativistas na região.
Os castanhais, em questão, porém, eram tratados como propriedade privada, e
o grupo econômico formado por Oscar Gadelha e o ex-prefeito Gean Barros
determinava exclusividade na extração. Além de ser encaminhado ao MPT e
à PF, que acompanharam a ação, o relatório da fiscalização foi enviado
também ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Instituto Chico Mendes
de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Não é a primeira vez que Gean
Barros se posiciona contra as áreas de proteção. Durante sua gestão, o
político chegou a tentar impedir fiscalizações de crimes ambientais
ocorridos nas reservas extrativistas, e foi processado pelo MPF por
ter, em 9 e 10 de março de 2010, incitado “uma manifestação popular na
praça central do município, com o objetivo de impedir a fiscalização do
ICMBio e expulsar os fiscais do município”.
O controle da exploração comercial na reserva federal era feito por Oscar Gadelha, e o
sistema era financiado e estruturado pelo ex-prefeito, o que
configurou a formação de grupo econômico familiar, segundo a
fiscalização. O coordenador da ação explica que a escravidão foi
caracterizada por diferentes fatores, incluindo o uso do sistema de
barracão, mecanismo clássico de exploração de trabalhadores, ribeirinhos
e comunidades indígenas, ainda comum em frentes de trabalho e áreas
isoladas na Amazônia. No controle das redes de abastecimento, os
regatões (comerciantes de grandes barcos) e senhores de barranco como
são conhecidos os que monopolizam o comércio, vendem itens básicos com
sobrepreço e compram a preços irrisórios, criando relações de
dependência, se beneficiando de dívidas e impondo restrições de
locomoção.
No caso específico, Gadelha fornecia desde itens
básicos como açúcar, café, óleo vegetal, sabão, arroz, carne em
conserva, leite em pó, bolacha, até itens essenciais para o trabalho,
como gasolina e diesel para o transporte por barcos, além de botas,
terçados e lanternas. Na mata, ele cobrava cerca de 20% a mais do que o
preço que os mesmos itens eram comercializados em Lábrea.Os
trabalhadores só recebiam após o fim da safra, e dependiam do barracão
para sobreviver.
Nesse contexto, mesmo os programas sociais têm
limitações de alcance. Na área urbana de Lábrea, há denúncias
de que comércios locais retêm cartões de benefícios como Bolsa Família e
Bolsa Floresta, com as respectivas senhas a título de garantia de
dívidas de ribeirinhos e índios.Os bens adquiridos em um armazém eram
descontados aos ganhos com produção, e, sem controle ou opção, alguns
recebiam R$ 100 ou R$ 200 por todo trabalho realizado durante a safra.
Há também depoimentos de trabalhadores que terminaram o período
endividados e tiveram de trabalhar na safra seguinte para pagar o
barracão. O emprego das crianças pelos pais está relacionado à
preocupação das famílias em tentar aumentar os ganhos. “Estamos falando
de um sistema de barracão com um barracão físico. Um paiol para
armazenas as castanhas, além do armazém e da casa grande. É um sistema
clássico”, explica o auditor André Roston.

Condições degradantes 
Além dos 21 trabalhadores resgatados, a fiscalização também constatou que
outros 16, incluindo mais crianças e adolescentes, foram submetidos
anteriormente às mesmas condições. Eles não foram libertados porque não
estavam trabalhando no período do resgate, mas também receberam seus
direitos trabalhistas. Ao todo, o valor líquido das rescisões pagas ao
grupo é de R$ 58.978,42.
Os trabalhadores viviam e trabalhavam em
condições de degradação humana. Entre os resgatados durante a
fiscalização, parte vivia em um abrigo improvisado, parte em um barco
apertado e os demais em casas nas comunidades ribeirinhas vizinhas. Sem
estrutura mínima, os alojamentos inadequados não garantiam nem
privacidade nem proteção contra chuvas ou temporais. Nas frentes de
trabalho, algumas distantes a mais de uma hora e meia de caminhada, não
havia estrutura ou abrigo na mata, nem abastecimento de água potável,
banheiros ou itens básicos de higiene, como papel higiênico. Os rios
eram utilizados tanto como fonte de água quanto como espaço para lavar a
louça e tomar banho. Sem banheiros ou fossas, as necessidades eram
feitas na mata ou nas águas. Na fiscalização, a equipe encontrou a
comida de todo o grupo, peixe com farinha, armazenada em um balde que já
havia servido para transportar tinta. Sem pratos ou talheres, as
pessoas comiam direto do balde com as mãos.
Além da degradação
humana, também foram constatados riscos de segurança onde os adultos,
adolescentes e crianças ficavam. Entre eles, a ameaça de o ouriço, o
pesado e duro fruto da castanheira, se desprender da árvore e
atingir pessoas. Nem capacetes, nem malhas metálicas para o manuseio de
facas ou qualquer outro tipo de equipamento de proteção eram fornecidos
pelos empregadores.
Além de André Roston, que coordenou a ação
junto com a também auditora fiscal Márcia Ferreira Murakami, da
Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Rondônia, também
participaram os auditores João Ricardo Dias Teixeira, Júlio César
Cardoso da Silveira, Marco Aurélio Peres; o procurador Rogério Rodrigues
de Freitas da Procuradoria Regional do Trabalho de Bauru; e os
policiais federais Camila Pinheiro Simmer e Fabiano Ignacio de Oliveira,
da 11ª Delegacia; Júlio de Melo Arnaut, da 2ª Delegacia; Ruan Cleber
Torres Cruz, 4ª Delegacia; Wandercleysson de A. Souzada da 1ª Delegacia;
e Willian Pascoal Pereira da 14ª Delegacia.
* Matéria produzida com apoio da Fundação Rosa Luxemburg

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