quinta-feira, 8 de maio de 2014

O mito da impunidade no Brasil Juremir Machado da Silva - Correio do Povo | O portal de notícias dos gaúchos

O mito da impunidade no Brasil

 Juremir Machado

O mito é o falso que se torna mais verdadeiro do que a
verdade. Todo mito é hiper-real. É mito, por exemplo, a ideia de que não
pode mais existir um goleador de bigode. O mito transforma a parcela de
verdade de alguma coisa em totalidade indiscutível. Pelé, para certos
brasileiros, é indiscutível. Mito. Assim se faz uma tese ou se conquista
um lugar no panteão dos intelectuais. Um dos mitos mais consolidados é o
de que há impunidade no Brasil. Apesar das cadeias superlotadas, há
quem sustente que todos os males do Brasil não são mais provocados pelas
saúvas, mas pela falta de punição.
Impunidade para quem, cara pálida? Por que cara pálida?
Pelo simples fato de que é preciso mostrar a face descolorida ao sustentar
tamanho absurdo.
Pode não haver punição para a turma dos camarotes. Já a plebe é
punida até por respirar. Fernando Collor foi absolvido pelo Supremo
Tribunal Federal por falta de provas. Antes disso, sofreu a punição da
perda do mandato. Só Lula e Fernando Henrique Cardoso escaparam ileso
dos maiores escândalos dos seus governos, o mensalão e a compra da
emenda da reeleição. O resto do país paga o pato. O recente linchamento
de uma mulher em São Paulo rasga a bandeira do excesso de punição. A
culpa é da mídia sensacionalista que vive falando da falta de punição e
desejando uma justiça mais expedita. Não é a impunidade que incomoda,
mas o ritual jurídico. Há suspeita, é culpado. Para que toda essa
história de provar? Por que só aceitar provas legais?
A mídia tem pressa. Quer baixar a idade penal para colocar crianças
na cadeia. A mídia é medieval. Só acredita no fogo do inferno. Quer
cadeia para tudo. No limite, quer mais do que isso. Flerta com o
linchamento. Nas entrelinhas, estimula a justiça com as próprias mãos.
Detesta a “infinidade” de recursos em favor do acusado. Ignora que a
justiça deve proteger o réu de qualquer condenação mal sustentada. O
povo, como se diz, quer sangue. Certa mídia adora provocar o lado
obscuro da violência do “bem”. Se deixa-la liberar os seus instintos,
não haverá cadeia que chegue. Em termos de perspectiva psicossocial,
essa mídia é comportamentalista. Só acredita em punição e recompensa. É
cenoura e chicote. Nada mais.
Essa tendência ao simplismo conquista a adesão primária. Mas tem seu
preço. O linchamento da mulher em São Paulo coloca essa mídia no banco
dos réus. É aquela que só se contentaria com prisão perpétua, pena de
morte e, por que não?, olho por olho e dente por dente. Estamos
avançando para trás. Se essa mídia triunfar, roubo de galinha dará 30
anos de cadeia. Sem direito à progressão de pena. O populismo midiático,
defensor de sempre mais repressão nas formas mais vingativas, anda na
contramão dos estudos mais especializados.
Colocada diante dessa informação, a mídia defende-se com o seu
tradicional desprezo pelo mundo dos intelectuais fora da realidade.
– Os intelectuais estão descolados da sociedade – diz-se.
Muitas vezes se deve ao fato de os intelectuais estarem mais adiantados.
O sistema punitivo precisa ser reinventado.
O furor repressivo é uma tara de senhor de escravos.
Ou é mito?

Um comentário:

Dilmar Gomes disse...

A questão no fundo se resume - por mais simplista e pobre que pareça - código moral ou consciência. Se praticamente todo o mundo consegue definir o certo e o errado ou por outra se as pessoas conseguem diferenciar o bem do mal, então o que é necessário para trilharmos apenas o caminho do bem? Sei que dirão, que uma tese simplista assim não pode ser levada em consideração. Tudo bem. A nível de debate, sim. Entretanto, não há lei, nem religião que transforme uma sociedade viciada, porque a mudança comportamental tem que vir de dentro de cada de nós.