segunda-feira, 11 de agosto de 2014

A reforma agrária aconteceu? — CartaCapital

A reforma agrária aconteceu?

Ainda que as redistribuições não tenham ocorrido como
propostas por lideranças da esquerda, rearranjos sociais autônomos
acabaram por realizá-las




 
por Rui Daher















Flickr/Alexandre Kuma




Plantador

Contamos com milhões de pequenas
propriedades rurais bem sucedidas no País. Sabem disso os que vivem lá
ou os que por ali passam de olhos e boa vontade abertos.
Na coluna da semana passada fiz referência ao
livro “A Crise Agrária”, de Alberto Passos Guimarães, escrito no final
da década de 1970. Através de conjunturas e estatísticas históricas e da
época, o autor projetava um futuro auspicioso para a agricultura no
Brasil.



A vitória, no entanto, só viria se as forças do campo promovessem uma
reforma agrária profunda e em moldes distributivos. Dicotomia polêmica e
frequente que dura até hoje.


Vista assim do alto, poderá parecer que apenas parte da profecia se
realizou. Escorados na ampliação da fronteira agrícola para os cerrados
de terras baratas, com tecnologias modernas aqui desenvolvidas ou vindas
de fabricantes multinacionais, concentrou-se a produção em culturas de
exportação e nos transformamos numa potência agrícola.


Muitas decorrências negativas? Sem dúvida. Algo natural em processos
amplos e agudos, ainda mais numa Federação de Corporações regida por
interesses pouco gerais.


Se vamos à lupa, percebemos que as “forças do campo”, como entendidas
pelo autor, parecem não terem sido suficientes para promover uma
reforma agrária de resultados produtivos e sociais efetivos.


Será?


A considerar como modelo de reforma agrária assentamentos
desassistidos, estigmatizados acampamentos de sem-terra, projetos
inacabados do governo e a imensa massa rural que nas últimas décadas se
deslocou para os centros urbanos, certamente não.


Arriscando-me a um muro poucas vezes frequentado, penso que não foi bem assim.


Ainda que as formas redistributivas no campo não tenham ocorrido nas
bases estudadas pelo autor e propostas por lideranças políticas e
eclesiásticas da esquerda, rearranjos sociais autônomos acabaram por
realizá-las. Vou mais longe: com resultados melhores do que se
conduzidas na forma de coletivos agrários.


Com exceção do excelente Globo Rural (TV e revista), o destaque nas folhas e telas cotidianas acaba sempre reservado aos grandalhões do agronegócio.


Grande equívoco. Contamos com milhões de pequenas propriedades rurais
bem sucedidas no País. Sabem disso os que vivem lá ou os que por ali
passam de olhos e boa vontade abertos.


Sim, enfrentam vários entraves. Situações climáticas adversas sem
garantia de seguro rural, burocracia nos financiamentos, insumos e
processamentos precificados em condições oligopolistas, armazenagem
insuficiente, comercialização concentrada em poucos receptores.


Suas dificuldades são maiores do que as dos beneficiários da escala
em áreas mais extensas, níveis de mecanização, acesso a formas
diferenciadas de financiamento, apropriação precoce das inovações
tecnológicas, poder de barganha na venda da colheita.


Mas, depois das transformações na economia do planeta, a partir da
década de 1980, seria possível impedir a concentração que ocorreu em
praticamente todos os setores?


O Censo Agropecuário do IBGE, com dados de 2006, revelou existirem
5,2 milhões de estabelecimentos agropecuários, com área média de 68
hectares. Em 1970, a média era de 60 hectares. Assim, se houve um
processo de concentração fundiária ele não é recente, fato reconhecido
no próprio livro de Alberto Guimarães.


Os agricultores brasileiros pequenos e médios superaram suas
dificuldades, evoluíram comprando ou arrendando áreas para plantio, e
permitiram a interiorização do desenvolvimento, fazendo surgirem
municípios prósperos com repercussões positivas nos demais setores da
economia.


No Brasil, são cultivados mais de 100 “produtos da terra”,
importantes por seus valores de produção e comercialização. Uns pelos
volumes que representam, outros pela agregação de valor que trazem.


Uma diversificação fantástica que relativiza o protagonismo que se dá
às grandes extensões de terras ou, como trata o livro “A Crise
Agrária”, latifúndios improdutivos ou capitalistas.


O levantamento Produção Agrícola Municipal, do IBGE, entre culturas
temporárias e permanentes, informa área plantada e colhida, quantidade
produzida, rendimento médio e valor da produção para as 64 culturas mais
importantes, em cada município brasileiro. Uma pesquisa que encanta e
surpreende.


Meu ponto: nada disso aconteceria sem que tivesse autogestado algum tipo de reforma agrária.


Até chegar aí foi doloroso o processo? Sim. Poderia ter sido melhor
como pensada pela esquerda, na década de 1970? Não sei. Muitos
campesinos ficaram fora do processo e hoje ralam sem terras e apoio? Com
certeza.


Mas que o panorama atual é completamente diferente do preconizado
quando se iniciou o arranque agrícola, isto é. Para arredondar o
processo, agora, bastam dar importância e aumentar os recursos
financeiros, técnicos e educacionais para os programas de agricultura
familiar.


Na próxima coluna, a corrida dos candidatos aos corredores do agronegócio. Se eu não mudar de ideia, é claro.









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