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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

“Governo federal avançou pouco na garantia de direitos”, critica Jean Wyllys



"É preciso que o Estado garanta a proteção à família monoparental e à família homoparental" | Foto: Reinaldo Ferrigno/Ag.Câmara

Samir Oliveira no SUL21

O deputado federal Jean Wyllys de Matos Santos (PSOL-RJ) é um dos rostos novos — e bastante atuantes — da 54ª legislatura do Congresso Nacional. Ele trouxe de forma inédita o enfrentamento aberto e sem preconceitos de temas que costumam estacionar no conservadorismo de muitos parlamentares, como a garantia de direitos a homossexuais. Avanços que talvez pareçam simples e dos quais os heterossexuais sempre desfrutaram, como o direito ao casamento civil, mas para os quais os homossexuais ainda não encontram amparo na letra fria da lei.
Nesta entrevista, concedida por telefone ao Sul21, Jean faz uma avaliação das conquistas e dos retrocessos vividos em 2011. O parlamentar não poupa críticas ao governo da presidente Dilma Rousseff, que no início do ano resolveu suspender o programa Escola Sem Homofobia. “A presidente tratou uma política de promoção dos direitos humanos como uma propaganda de opção sexual. Como se orientação sexual fosse uma questão de opção”, dispara.
O deputado considera que o governo federal avançou muito pouco na garantia de direitos humanos – não só a homossexuais, mas também aos negros, aos sem-terra e aos quilombolas, entre outros. Jean acredita que é preciso haver uma compreensão maior sobre o conceito de miséria, cuja erradicação é o principal eixo defendido por Dilma. “É preciso que a presidenta entenda que a miséria não é só econômica. Há miséria no país quando homossexuais são assassinados pelo simples fato de serem homossexuais. Há miséria no país quando posseiros e grileiros matam lideranças no sul da Bahia”, explica.
“Há inércia do governo federal no que diz respeito a garantir direitos humanos, em especial dos homossexuais”
Sul21 – Como o senhor avalia as ações desenvolvidas durante o primeiro ano do seu mandato?
 
Jean Wyllys – Foi um ano de conquistas. Posso até não ter tido proposições legislativas aprovadas, mas houve o enfrentamento para a garantia de políticas públicas. Tivemos a reestruturação da Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT. Graças a ela pudemos fazer enfrentamentos públicos importantes. Enfrentamos, por exemplo, a bancada evangélica, que tentou impedir a Receita Federal de incluir parceiros homossexuais no Imposto de Renda para fins de dedução. Graças a nossa atuação isso foi garantido. Fizemos um enfrentamento importante em relação aos atos que resultaram na suspensão do projeto Escola Sem Homofobia. Desconstruímos a mentira que foi disseminada e fizemos oposição ao governo federal, que cedeu fácil às pressões e às chantagens dos conservadores. Realizamos o 8º Seminário LGBT com o tema do casamento civil igualitário. Realizamos também o seminário internacional Famílias pela Igualdade, que discutiu os novos modelos de família que precisam ter a proteção do Estado. É preciso que o Estado garanta a proteção à família monoparental e à família homoparental. É fundamental que o conceito de família seja dilatado e esse seminário foi importante, porque trouxemos representantes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da Argentina para falarem sobre como foi positivo para o país a aprovação do casamento civil igualitário. Também fizemos um debate muito bom em torno da criminalização da homofobia. Não conseguimos aprovar o projeto de lei no Senado, mas fizemos um debate relevante e enfrentamos as forças conservadoras que queriam enterrar de vez esse projeto. Então a Frente Parlamentar Mista LGBT teve um papel muito relevante, inclusive quando a senadora Marta Suplicy (PT) resolveu ceder aos conservadores e apresentar um substitutivo que não era o esperado pela comunidade LGBT.
"O governo não falhou só com a comunidade LGBT. Falhou também com a comunidade negra. Até hoje a lei que assegura o ensino da história da África não foi implementada nas escolas" | Foto: Beto Oliveira/Ag.Câmara

Sul21 – Ocorreu recentemente a 2ª Conferência Nacional LGBT. Qual a importância do evento para a garantia de avanços nas causas reivindicadas?
 
Jean – A presidente Dilma (Rousseff) não esteve presente, mas foram três de seus ministros, a Luiza Bairros (Igualdade Racial), a Maria do Rosário (Direitos Humanos) e o Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral). A conferência mostrou que o movimento LGBT continua vivo e de pé. Não se pode pensar que apenas a ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) representa o movimento. Essa entidade está por demais adestrada pelo governo federal. Os líderes viraram gestores públicos, portanto não há espaço para a crítica. Mas um novo movimento relacionado às redes sociais se fez presente na conferência e levantou a voz contra a inércia do governo federal no que diz respeito a garantir direitos humanos, em especial dos homossexuais.

Sul21 – Que outras deficiências o senhor aponta na política de direitos humanos do governo federal?
 
Jean – O governo não falhou só com a comunidade LGBT. Falhou também com a comunidade negra. Até hoje a lei que assegura o ensino da história da África e dos valores culturais africanos para a identidade nacional não foi implementada nas escolas. Não houve capacitação dos professores para isso e os alunos negros e adeptos de religiões de matriz africana continuam descriminados nas escolas. As escolas públicas estão cada vez mais cristãs, professando uma fé cristã em detrimento de outras fés. O governo também é negligente com os sem-terra. Avançou-se pouco no que diz respeito à reforma agrária e à regulamentação de assentamentos. O governo falhou na demarcação de terras indígenas. A situação do povo patachós no sul da Bahia se estende por quase 20 anos e ainda não foi enfrentada. A demarcação das terras dos quilombolas também não. E o governo cedeu bastante ao agronegócio, através do novo código florestal.
Ao mesmo tempo em que o PT faz uma ação discursiva aos movimentos sociais, faz uma cessão às forças conservadoras
Sul21 – Mas a presidente Dilma havia garantido que um dos pontos principais do seu governo seria a garantia dos direitos humanos, fator inclusive preponderante na política externa.
 
Jean – O governo federal avançou muito pouco no que diz respeito aos direitos humanos, ainda que a presidenta, em sua mensagem ao Congresso, tenha dito que se pautaria pela defesa intransigente dos direitos humanos. O governo adotou como slogan “País Rico é País sem Miséria”. Mas é preciso que a presidenta entenda que a miséria não é só a econômica. A miséria econômica precisa ser enfrentada e todos concordamos com isso. Inclusive porque a miséria econômica vulnerabiliza minorias. Um gay pobre de periferia é muito mais vulnerável que um gay de classe média. Mas também há miséria no país quando homossexuais são assassinados pelo simples fato de serem homossexuais. Há miséria no país quando posseiros e grileiros matam lideranças no sul da Bahia sem que o Ministério Público e a Justiça Federal enfrentem essa violência. É preciso que o governo entenda a miséria num sentido muito mais amplo e ele mostrou que está interessado apenas no aspecto econômico dela.
Jean Wyllys: "Não me sinto isolado e tenho aliados muito fortes" | Foto: Leonardo Prado/Ag.Câmara

Sul21 – Não houve avanços com a chegada do PT ao poder, depois de o Brasil ter passado por governos de direita, com Sarney, Collor e FHC?
 
Jean – O PT está numa encruzilhada. Um amigo meu até disse mais: o PT é a encruzilhada. O governo federal, que é petista, tem compromisso com as bandeiras históricas do partido, que são todas da esquerda: garantia dos direitos humanos, legalização do aborto, descriminalização da maconha, demarcação de terras… Porém, o partido não ficaria nove anos no poder se não tivesse constituído uma base aliada que lhe garantisse a estabilidade. Só que essa base aliada é composta em sua maioria por forças conservadoras. Essa é a encruzilhada: manter o compromisso com as bandeiras históricas e ao mesmo tempo satisfazer a base aliada para garantir a governabilidade e a permanência no poder. O partido tenta resolver isso com duas ações. Uma meramente discursiva, dirigida aos movimentos sociais. É muito blá blá blá, muita conferência, muito plano aprovado, e pouco recurso garantido. Não adianta aprovar um PNDH-3 se não há no orçamento da União recursos para a implementação de políticas de garantia dos direitos humanos, e em especial de direitos de LGBTs. E ao mesmo tempo em que o PT faz uma ação discursiva aos movimentos sociais, faz uma cessão às forças conservadoras. Assim, temos o PT nove anos no poder, com poucos avanços efetivos.

Sul21 – A retirada, por decisão da presidente Dilma, do programa Escola Sem Homofobia é um exemplo dessa concessão aos conservadores?
 
Jean – O governo cedeu às forças conservadoras cristãs quando enterrou o projeto Escola Sem Homofobia, cedendo a uma mentira. Esse projeto levantou um debate que tornou isso evidente. Ainda que um certo setor das lideranças LGBTs esteja adestrado pelo governo, um outro setor se levantou, articulado com o movimento dos indignados e das ocupações, que se expressa nas redes sociais. Essa nova juventude foi para as redes sociais e denunciou essa covardia do governo. A presidenta fez uma suspensão absolutamente equivocada. Não bastou suspender, ela ainda disse que o governo não faria promoção de opção sexual de ninguém. Isso foi um golpe nos homossexuais. Foi um golpe em mim, como ativista, como parlamentar, e um golpe nas lideranças do movimento LGBT no Brasil inteiro. Inclusive nas lideranças petistas do movimento. Era um projeto de enfrentamento ao bullying homofóbico, que é responsável pela evasão escolar, pelo suicídio e pela depressão infanto-juvenil. A presidente tratou uma política de promoção dos direitos humanos como uma propaganda de opção sexual. Como se orientação sexual fosse uma questão de opção. A religião é uma opção. Orientação sexual não é opção.
“Dilma Rousseff disse que o governo não faria promoção de opção sexual de ninguém. Isso foi um golpe nos homossexuais”
Sul21 – O Congresso Nacional possui, em sua maioria, integrantes bastante conservadores. O senhor se sente isolado na defesa da garantia de direitos aos homossexuais?
 
Jean – Não me sinto isolado. Existe uma correlação de forças. Os conservadores podem ter maior número e mais força econômica, mas há também deputados progressistas. Lembro de um discurso da Benedita da Silva, que foi a primeira mulher negra a entrar no Congresso, que disse: “Se não fossem os homens brancos do Congresso, aliados à minha causa, eu não teria avançado”. Digo o mesmo: se não fossem os parlamentares heterossexuais aliados aos LGBTs eu não teria avançado tanto. Tenho aliados muito fortes. A frente parlamentar é composta por deputados bastante ativistas, de diferentes partidos.

Sul21 – Mas são deputados da base aliada do governo federal. Será que o apoio deles não vai só até o ponto em que os interesses do Palácio do Planalto sejam afetados?
 
Jean – A frente parlamentar tem sido muito republicana na sua postura. A Érika Kokay (PT), inclusive, fez uma crítica à presidente Dilma na conferência. Isso me deu aval para avançar.

Sul21 – E como é sua relação com a bancada evangélica? Há diálogo possível?
 
Jean – A bancada evangélica não constitui um bloco monolítico. Há divergências internas e graças a isso há alguns setores mais abertos ao diálogo. Por isso conseguimos aprovar o estatuto da juventude, incluindo nele a diversidade sexual e religiosa. Foi um avanço que só conseguimos graças ao diálogo com esses setores mais abertos da bancada evangélica. Mas os mais conservadores são mais histriônicos e estridentes. Eles não entendem a ideia de estender a cidadania aos homossexuais porque querem negar a existência dos homossexuais. É um entendimento simplório de alguém que ignora todas as conquistas humanas em termos de conhecimentos nos últimos anos. Essas pessoas acham que os homossexuais têm que ser curados, acham que temos um desvio moral e de saúde. Daí vem toda oposição a políticas públicas e iniciativas legislativas que tentam estender a cidadania aos homossexuais.

Sul21 – Uma figura que chama bastante atenção nesse tipo de pensamento é o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ)…
 
Jean – O Bolsonaro é uma caricatura. Ele faz da caricatura a sua atuação. E ao fazer da crítica ao movimento LGBT a sua bandeira ele tenta rebaixar a própria política LGBT, com uma postura histriônica, midiática.
“Quem segurou a onda do debate nacional em torno da questão da homofobia foi a Globo, na novela Insensato Coração”
"A comunidade LGBT é muito diversa entre si, embora tenha uma base comum de identificação. E queremos que todos sejam respeitados nas suas diferenças" | Foto: Saulo Cruz/Ag.Câmara

Sul21 – Com a dificuldade de o Congresso aprovar leis que garantam direitos a homossexuais, o Judiciário tem preenchido essa lacuna, tomando decisões que asseguram garantias em casos específicos.
 
Jean – Fico muito feliz em viver numa república federativa sustentada na tripartição e na autonomia dos poderes. Se o Executivo tem uma base aliada conservadora e faz pouco, e o Legislativo não avança porque numericamente os conservadores são maioria, resta ao Judiciário, que não está sob pressão eleitoral, garantir os direitos. Mas não podemos nos contentar com isso. Sabemos que amplos setores da sociedade brasileira são excluídos do acesso à Justiça. Não podemos achar que uma decisão do Judiciário basta, é preciso garantir leis. Queremos os mesmos direitos com os mesmos nomes, é isso que precisa ser garantido.

Sul21 – Como o senhor avalia o papel da mídia na formação de imaginários sobre gays? Há avanços ou ainda se reproduz muito os estereótipos?
 
Jean – Quando a Globo colocou a questão da homofobia na novela Insensato Coração, as pessoas ficavam envergonhadas vendo o personagem do Cássio Gabus Mendes. Isso sensibilizou muita gente que negava sua própria homofobia. O Brasil é um país curioso: nega que é racista e homofóbico, mas pratica essas duas coisas. Acredito que estão havendo avanços. Entre a suspensão do projeto Escola Sem Homofobia e a votação do PL 122/06 (que criminaliza a homofobia), quem segurou a onda do debate nacional em torno da questão da homofobia foi a Globo, através da novela Insensato Coração. E o movimento LGBT utilizou as falas da novela e as situações que ela expôs. A telenovela tem um papel preponderante na formação do imaginário nacional. E a Globo prestou um serviço relevante nesse caso. Mesmo o Crôdoaldo, personagem da novela do Agnaldo Silva, traz um ponto de vista interessante. Muita gente acha que ele é caricato. Mas enxergo mais além: acho que é uma provocação do Agnaldo Silva. Por que as pessoas têm que aceitar só o gay-sala-de-estar, o gay que está de acordo com os valores estéticos burgueses heterossexuais? O gay que não se parece com gay é o que é aceito. O Crôdoaldo é afeminado, gosta da Madonna, ele quer ser aceito na sua diferença. É isso que defendemos. Nada mais diferente de um gay do que outro gay, né? A comunidade LGBT é muito diversa entre si, embora tenha uma base comum de identificação. E queremos que todos sejam respeitados nas suas diferenças.

Sul21 – Inclusive um ponto que é pouco conhecido é o preconceito que existe dentro do próprio movimento LGBT em relação a travestis e transexuais, por exemplo.
 
Jean – Os gays foram educados nas mesmas escolas que os héteros, consumiram a mesma publicidade, assistiram as mesmas novelas, leram os mesmos livros… Se essa cultura heteronormativa faz de um heterossexual um homofóbico, também pode fazer de um gay um homofóbico. Se desvencilhar dessa homofobia introjetada é se desconstruir, sair da vergonha para o orgulho. É o famoso sair do armário. Então isso tudo faz com que alguns gays ainda conservem preconceitos e achem, por exemplo, que a travesti é uma caricatura. Eu tive a mesma educação machista que você. Se hoje sou feminista e não tenho misoginia é porque desconstruí isso em mim. Mas tem homens que passam a vida misóginos, achando que mulher é só para transar e não dão valor à mulher para além da cama.
“As paradas gays precisam ser repensadas. Têm que abrir mão da massa para serem mais políticas”
Sul21 – Como o senhor avalia a importância das paradas gays atualmente? Elas estão conseguindo impor uma agenda ao movimento e à sociedade ou ficam muito centradas na celebração?
 
Jean – As paradas precisam ser repensadas pelos seus organizadores. Elas viraram eventos de massa e têm um papel relevante que é dar visibilidade aos modos de vida gays. São uma celebração do orgulho de ser gay, então elas têm mesmo que ser uma festa, não vejo problema nenhum nisso. Mas acho que elas precisam ser repensadas, porque já atravessamos o período da visibilidade. Agora as paradas têm que abrir mão da massa para serem mais políticas. Elas precisam deixar no imaginário das pessoas qual a pauta que está sendo discutida. Precisam dizer: “Estamos aqui celebrando o orgulho de ser, contra a vergonha e contra a discriminação, mas nossa pauta política é tal”.
"Numa democracia há o tempo do debate. Não dá para fazer tudo, mas é importante que alguém com as minhas características esteja no Congresso Nacional" | Foto: Beto Oliveira/Ag.Câmara

Sul21 – Como está a situação da proposta de emenda constitucional (PEC) de sua autoria que legaliza o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo?
 
Jean – Já conseguimos 99 assinaturas, das 171 necessárias. Ano que vem com certeza iremos conseguir todas. Mas já há uma campanha em curso no site casamentociviligualitario.com.br. O mandato deu o pontapé inicial, mas a campanha já é da sociedade civil.

Sul21 – Apesar de sua militância política ser de longa data, nesse ano o senhor entrou na atuação institucional e partidária. O que está achando desse novo trabalho?
 
Jean – Não dá para fazer tudo o que a gente pensa, porque a democracia tem seu tempo. Às vezes somos impacientes com o tempo da democracia, mas é o preço que temos que pagar. É ao contrário das autocracias e ditaduras, onde as coisas são determinadas. Numa democracia há o tempo do debate. Não dá para fazer tudo, mas é importante que alguém com as minhas características esteja no Congresso Nacional. Não necessariamente eu, mas é preciso que determinados temas sejam tratados com coragem e que seja feita a articulação da política de direitos humanos com a política mais ampla. Não se pode discutir direitos humanos sem discutir a política orçamentária e todas as concessões que o governo federal faz ao sistema financeiro, destinando 45% do orçamento ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública, que já deveria ter sido auditada há muito tempo. As pessoas me perguntam se eu estou gostando (de ser deputado) como se fosse uma partida de futebol (risos). Sempre respondo que não é uma questão de gostar ou não, é um imperativo. É preciso estar aqui (no Congresso).

Sul21 – E como o senhor projeta seu futuro político? Cogita concorrer a alguma prefeitura ou governo?
 
Jean – Dizia minha mãe que o futuro a Deus pertence. Não vou especular sobre o futuro. No momento, o que eu quero fazer é um excelente mandato. E isso implica em enfrentar forças por demais bem equipadas.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Silas Malafaia e a maldade humana

Marcelo Carneiro da Cunha no SUL21

É duro ter que viver no mesmo planeta de um Silas Malafaia, caros leitores. Quero dizer, é duro viver nesse planeta, ponto. A Terra inclui palmeiras e sabiás, que gorjeiam como lá, mas também inclui música nativista, reggae, Los Hermanos e brócolis. Ah, e o teatro do Zé Celso Martinez.
Ela inclui malária, febre amarela, beri beri, mosquito borrachudo e alarme de automóvel, sempre no meio da noite. Ela inclui paixões não correspondidas, táxis Corsa Sedan, Sala de Redação e a República Islâmica do Irã. Ela também inclui auroras boreais, banhos nas termas ao ar livre e cheio de estrelas no Chile, sagu da minha avó, a Jessica Alba e os Beatles.
Tudo isso no âmbito da normalidade dos gostos e desgostos, caros sulvinteumenses. Tudo isso nas nossas preferências genéticas ou adquiridas. Tudo isso a partir do que é termos um planeta e seres humanos o habitando, seres que se constroem e são construídos e com os quais lidamos, amando, gostando, não achando lá grande coisa, ou não suportando, mas suportando.
E aí vem o Silas Malafaia, quebrar esse delicado equilíbrio. Os Silas Malafaia desse mundo são, e não são desse mundo. Como a Paquetá de Macedo, eles começam nesse mundo e não sabem onde acabar. Eles podem ser muitas coisas, e quase nenhuma delas muito saudáveis para quem pretende que o mundo seja mediado pelo que existe de humano na humanidade. E, pior, eles têm O Livro.
Um livro é a diferença entre mais um maluco ignorante, intolerante e intolerável, e um sujeito capaz de produzir grandes e enormes problemas. E, caros leitores, esse aí tem um livro.
Um livro é o que justifica e legitima. Preferencialmente, o livro deve vir diretamente de Deus em uma de suas múltiplas e convenientes formas. Isso não é assim tão necessário. O livro de Mao fez essa função, assim como o do Kadafi, e todos eles têm em comum serem um grande ponto de encontro de todas as respostas para todas as perguntas jamais feitas, ou não. E, melhor, eles são interpretáveis.
Já que os Malafaia jamais conseguiriam escrever coisa com coisa, eles se tornam intérpretes e daí vê o seu poder. Eles explicam o inexplicável. Quer coisa mais importante, ou melhor?
Livros tem enormes vantagens. A Xuxa por exemplo, explicou: “Os duendes existem. Tem até livro a respeito”. Se tem livro, então existe. Os Malafaias em geral, e esse em particular, existem por isso.
E nesse mundo de muitas carências e com televisão, a união de um Malafaia, um livro e um monte de desesperados produz um fenômeno assustador, que é o poder político. No segundo turno da eleição presidencial, Dilma foi chantageada por esses sujeitos, e o Serra se aliou a eles. A consequência é o retrocesso da sociedade, que vê dificultado o caminho da melhoria pelo obstáculo de um fanático, cercado de fanáticos, munidos de um livro e uma televisão. Cada vez que um político de verdade cede diante dessas chantagens, morre bem mais do que um filhotinho de foca na Antártica.
E é esse o mundo em que estamos.
Uma matéria recente do NY Times analisa o fenômeno Malafaia. Sendo um jornal americano, eles conhecem de perto essa realidade, que faz parte da formação da sociedade norte-americana, que a exportou ao Brasil. Lá, esse pentecostalismo associado a uma sociedade puritana, com uma fortíssima extrema-direita, já ameaça transformar um país über bem-sucedido em várias frentes, em um sistema disfuncional.
Aqui?
Malafaia não passa de um terno de gosto duvidoso, munido de um livro, um avião, uma tevê, cercado de desesperados por todos os lados. Ou nem tão desesperados. Ele é da Assembléia de Deus, à qual pertence Marina Silva, lembrem.
Mas ele parece adorar o poder auto-atribuído, e aparentemente real que construiu. E aí está o problema. Nossos governantes eleitos serão chantageados, se aliarão por afinidade ou conveniência, ou resistirão, enfrentando esse pessoal para finalmente descobrirmos com quantos paus se faz uma canoa televangelista, e o que é preciso para ela afundar?
Me choca e entristece ver essa mensagem de ódio e intolerância tomar forma e ocupar espaços, sempre com a embalagem de amor divino por todos os lados. Me preocupa pelo futuro, gostaria de saber se vamos neutralizar essa maluquice ou seremos ainda vítimas dela. Hoje, ele ataca as minorias, as historicamente mais frágeis. É inaceitável para pessoas que acreditem em justiça e igualdade. Cabe a nós defendermos vigorosamente a quem quer que ele ataque, dando um sinal claro de que ele pode vender, pode enriquecer, pode se achar o que quiser. Mas nunca deixará de ser o que é, um tolo com uma fatiota e um microfone. E do lado de cá estamos nós, sem livro na mão, mas com o sentido da justiça e da humanidade, dispostos ao que for preciso para que o lado de cá, o do bem, vença.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Pastor Silas Malafaia “se fornicou”


Por Altamiro Borges

O excêntrico pastor Silas Malafaia bateu recordes no twitter na noite de ontem. Milhares de internautas aproveitaram para tirar uma casquinha de um suposto tropeço gramatical do midiático evangélico, que já virou motivo de chacota por suas constantes declarações preconceituosas e por suas posições políticas retrógradas, direitistas.

Em entrevista à revista Época, Malafaia destilou a sua ira – nada santa – contra Toni Reis, atual presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis (ABGLT). “Eu vou arrebentar o Toni Reis... Eu vou fornicar esse bandido, esse safado. Eu vou arrombar com esses...”, esbravejou o pastor, segundo registrou a publicação da famiglia Marinho.

#MalafaiaEscolheuFornicar

Diante da imediata reação dos internautas, Malafaia ainda tentou recuar. No seu twitter, ele retrucou o jornalista da Época que o entrevistou e garantiu que falou “funicar” e não fornicar. “Na linguagem vulgar, ‘funicar’ significa ‘ferrar’ o movimento gay”, esclareceu Malafaia. Pouco tempo depois, ele deletou o seu próprio tuíte. Mas o episódio grotesco já havia chegado às redes sociais.

Segundo informa o sítio Brasil 247, “tuiteiros levaram aos Trending Topics a hashtag #MalafaiaEscolheuFornicar. Afinal, não dá (sem trocadilhos) para deixar passar em branco os instintos mais primitivos da gramática de Malafaia. “Ele podia estar orando, mas #MalafaiaEscolheuFornicar”, brincou @LucasDcan. Teve até canção para o pastor: “Quero ver você não chorar, não olhar pra trás, nem se arrepender do que faaaaz... #CanteParaMalafaia”, ironizou @jufreitascs”.

Homofobia e outros preconceitos

A incontinência verbal do pastor decorre das crescentes críticas aos seus programas de TV. A ABGLT enviou aos órgãos ligados à defesa dos direitos humanos trechos de gravações em que Malafaia faz apologia à violência contra gays. A entrevista à Época só agrava a tensão – com ele “fornicando” ou “funicando”. Vale registrar que o vocábulo “funicar” não consta no dicionário Aurélio.

Silas Malafaia é realmente um personagem “exótico”. Suas posições homofóbicas e seus ataques rasteiros ao direito do aborto já renderam inúmeras críticas. No terreno político, o pastor da Assembléia de Deus Vitória em Cristo não esconde as suas posições direitistas. Na campanha eleitoral do ano passado, ele chegou a gravar vídeos hidrófobos contra a candidata Dilma Rousseff.

Apoio ao tucano José Serra

Num primeiro momento, Malafaia anunciou seu apoio à candidata, também evangélica, Marina Silva. Logo depois, ele apareceu na propaganda eleitoral do candidato tucano, José Serra. Justificou o seu apoio dizendo que Dilma Rousseff apoiava o aborto e o casamento de homossexuais. Na ocasião, levantou-se a denúncia, não comprovada, de que o pastor fora “comprado” pelo PSDB.

As denúncias contra Silas Malafaia, porém, não causam surpresa. O pastor já sofreu várias investigações por desvio de dinheiro e enriquecimento ilícito. Em 2007, por exemplo, ele foi investigado duas vezes pela Receita Federal e três vezes pelo Ministério Público Federal. Ele mesmo admitiu ter havido erro nas contas da sua igreja – não por culpa de dele, mas sim do “meu contador”.

Doações de R$ 40 milhões ao ano

A Assembléia de Deus Vitória em Cristo capta em oferta e doações de fiéis cerca R$ 40 milhões por ano. Seu programa evangélico é transmitido, com milionários custos, pela Rede TV, Band e CNT. Dublado em inglês, ele também atinge 200 países via satélite. O pastor afirma que não recebe da igreja e que vive do dinheiro de sua empresa, a Editora Central Gospel, cujo catálogo tem cerca de 600 títulos, entre livros (incluindo Bíblias), CDs e DVDs.

No ano passado, sua igreja comprou o jato Gulfstream III nos Estados Unidos por US$ 4 milhões. O avião tem autonomia para oito horas de vôo, doze lugares, sofá, cozinha e sistema individual de entretenimento. É um “favor de Deus”, conforme está escrito em inglês na sua fuselagem.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

“Só pude assumir quando fui reconhecida profissionalmente”, diz professora transexual


Rachel Duarte no SUL21


"No segundo ano na escola houve a transformação. Ela nos comunicou e a comunidade escolar se organizou” | Ramiro Furquim/Sul21


Após viver 35 anos como homem, Marina Reidel assumiu sua verdadeira identidade. “Eu sempre brinquei de boneca com as meninas. Quando criança,  imaginava para mim um futuro como professora, professorA”, relata a transexual que hoje leciona em duas escolas da rede pública estadual do Rio Grande do Sul. Há cinco anos Marina convive normalmente com os alunos da mesma escola onde um dia foi o professor Mário, sendo plenamemente aceita pela comunidade escolar. Em sala de aula, ela ensina adolescentes sobre valores, ética e cidadania em disciplina alternativa ao Ensino Religioso, facultativa no ensino fundamental público.
O processo de transformação de professor para professora ocorreu na Escola Estadual Rio de Janeiro, aonde Marina chegou como Mário em 2003. Vindo de Montenegro, onde sofreu alguns casos de discriminação no ambiente profissional por sua orientação sexual e até mesmo uma demissão por preconceito, encontrou na escola uma direção sensível à livre orientação sexual.
“Ela veio como um colega. Um professor atuante e muito ativo. Era o professor Mário. No segundo ano na escola houve a transformação. Ela nos comunicou e a comunidade escolar se organizou”, conta a vice-diretora da escola Anelise de Lima Lorenzoni.
“Quando vim para cá, já estava em processo de transformação, tomando hormônios, deixando o cabelo crescer, furando orelha e usando brinco”, afirma Marina. Quando decidiu assumir a homossexualidade e trocar sua identidade de homem para mulher, pediu licença de um mês na escola. “Coloquei o silicone e assumi minha identidade de gênero como transexual”, relata.
Os alunos foram os mais curiosos na retorno como professora Marina. “No início eles perguntaram como eu queria ser chamada, se era professor ou professora. Eu não obriguei ninguém. Eu quis uma identificação ao natural. Hoje todos me chamam de professora”, fala.
Ainda com o registro de identidade como Mário, Marina ainda sofre alguns pequenos constrangimentos. “Alguém veio procurar o professor de Artes e eu fui chamar o professor Mário, foi um equívoco. Quando eu voltei com a professora Marina, visivelmente uma mulher, tive que remendar a situação”, diz a vice-diretora da escola.

A professora “hipersexuada”


"A escola tem uma imagem de que professor não tem sexo, não pode falar disso." | Ramiro Furquim/Sul21
A aproximação de Marina com os alunos melhorou quando ela se assumiu como mulher. “Eles começaram a se aproximar mais de mim quando me assumi, principalmente os que tinham histórico de discriminação na escola”, conta a professora.
Além de ser vista como a professora liberal que fala sobre sexo em sala de aula, Marina conquistou o respeito de todos e seguidamente recebe homenagens e é eleita como paraninfa em formaturas. As aulas de Ética e Cidadania servem para educar sobre valores, respeito, sexualidade e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. Organizações Não Governamentais que trabalham com o público LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Travestis) já estiveram na escola fazendo oficinas com os jovens.
“Isso é um papel nosso enquanto educadores. Muitos não trabalham com o assunto. Eu trabalho com tudo o que gira em torno do mundo deles nas aulas. A escola tem uma imagem de que professor não tem sexo, não pode falar disso. Há estudos que defendem esta cultura na educação. Então, quando tem um professor ‘hipersexuado’, há uma conotação com a sexualidade e uma identificação maior dos adolescentes que estão despertando para isso nesta fase da vida”, explica Marina.
“Ela é a melhor professora do colégio. A gente pode falar de tudo. Eu não tive problema nenhum com ela ser transexual. Ela nos dá conselhos sobre a vida e fala coisas que outros professores dizem que não falam por que não é coisa de sala de aula”, diz a aluna Thauany Alves (15 anos). Já o colega Lucas de Oliveira Penteado (14 anos) disse que estranhou no começo do ano a professora homossexual. “Depois me acostumei. Ela trabalhou isso com a gente. De não termos preconceito”, afirma.

Ensino Religioso deu lugar à Ética e Cidadania


"“O estado é laico. Então não temos como ensinar apenas uma religião em sala de aula." | Ramiro Furquim/Sul21

A substituição da disciplina de Ensino Religioso pelas aulas de Ética e Cidadania na Escola Estadual de Ensino Fundamental Rio de Janeiro, em Porto Alegre (RS), é assegurada pela Constituição Federal que prevê a liberdade religiosa e adota um Estado laico.
A vice-diretora Anelise de Lima Lorenzoni, diz que há escolas que ainda não mudaram o seu regimento, mas, que na Escola Rio de Janeiro sempre foi trabalhada a diversidade religiosa. “O estado é laico. Então não temos como ensinar apenas uma religião em sala de aula. Ainda mais com o sincretismo que temos no Brasil. Nunca, na prática, os professores daqui privilegiaram o catolicismo. Nós falamos do judaísmo, do islamismo e explicamos a diferença em relação ao terrorismo”, revela.
Segundo a assessora técnica de Gênero e Sexualidade da Secretaria Estadual de Educação, Iris de Carvalho, uma vez que o ensino religioso é opcional, a escola deve oferecer atividades alternativas, mas que isto ainda será regulamentado. “Entendemos que é importante a abordagem da ética e da cidadania. Mas, como o governo está mudando a estrutura do ensino, ainda haverá mudanças dentro do currículo escolar”, afirma.
A proposta do governo estadual é uma formação mais completa dentro das Ciências Humanas, que trabalhe a transversalidade em diferentes áreas, como cultura, direitos humanos, entre outras. “O Ensino Religioso também será uma destas transversalidades, bem como as questões de Gênero e Sexualidade”, explica.
Para enfrentar o preconceito dos próprios educadores e prepará-los para trabalhar este temas, a Secretaria Estadual de Educação (SEC) está retomando espaços de formação de professores, conta Iris. “O professor tem que refletir sobre sua prática e suas próprias crenças. A escola tem que pensar estes temas como uma proposta pedagógica, como algo coletivo”, argumenta a assessora do Departamento Pedagógico da SEC. Ela informa que serão entregues aos educadores cadernos com orientações sobre diversidade sexual aos professores e há uma orientação da pasta para aquisição de livros didáticos que tratem da sexualidade e relações sociais.

Prostituição e omissão da verdadeira identidade


A carteira de identidade ainda é de Mário | Ramiro Furquim/Sul21

Apesar do caso da professora Marina Reidel não ser o único na rede pública estadual, alcançar uma formação profissional não é para a maioria das transexuais. Como coordenadora da Articulação Nacional de Travestis (Antra) na região Sul, Marina conta que 70% das travestis são analfabetas no Brasil. Entre os integrantes da sigla LGBTT, os representantes das letras tês são os que mais sofrem com a exclusão e preconceito. “A maioria, quando chega à adolescência, desiste da escola ou nem pensa em fazer faculdade”, diz Marina. “As pessoas olham para a gente e acham que não podemos estar num espaço constituído, como o de uma escola, acham que temos que estar na calçada”.
Marina atualmente dá aulas para as turmas da 5ª a 8ª séries do ensino fundamental, mas já alfabetizou crianças, adultos e pessoas da terceira idade. Ela é também mestranda em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em novembro do ano passado, recebeu da Global Alliance for LGBT Education o prêmio nacional “Educando para a Diversidade Sexual”.
Segundo Marina, outras transexuais ou travestis não deixam de ser profissionais do sexo por medo de encarar a sociedade ou se conformar com a exclusão do mercado de trabalho. “A vida inteira somos agredidas. Seja na escola ou na rua, por pessoas que nem conhecemos. Para eu poder me assumir entendi que primeiro eu deveria me constituir profissionalmente”, fala.
Só depois da aprovação no concurso público, com a graduação e a especialização é que ela se sentiu permitida a construir sua verdadeira identidade. “Eu sei que muitas se encorajam com a minha história. Isto me deixa feliz. Eu não quero que me amem, só quero ser respeitada. A  sexualidade é de cada um. Há uma confusão na sociedade sobre gênero e sexualidade. O que somos é diferente do que praticamos. O que te incomoda tanto em mim que pode interferir na tua vida?”, critica Marina sobre a homofobia.
“Eu estou mostrando que é possível”

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Nós criamos os Rafinhas Bastos




Ao insultar gente poderosa, o “comediante” da tevê Bandeirantes Rafinha Bastos talvez venha a sofrer alguma sanção de seu empregador, mas a sanha punitiva que ganha corpo por ele ter mexido com quem não devia se abate apenas sobre um dos muitos produtos de um sistema degenerado que reúne os produtores dessas “atrações” e um público que, em última instância, é o grande culpado pela existência desse tipo de “entretenimento”.
Se não, vejamos. Recentemente, o jornal americano The New York Times publicou matéria que dava conta de que o “comediante” Bastos é a personalidade mais influente do mundo no Twitter. Uma empresa que se dedica a estudar essa rede social apurou que o contratado da TV Bandeirantes, com seus milhões de “seguidores”, é a pessoa que mais influencia troca de mensagens entre tuiteiros.
As pessoas pagam para assistir aos shows de mediocridade, intolerância, insensibilidade e da mais pura canalhice de gente como o tal Bastos. Os programas da Band de que ele participa são os de maior audiência da emissora. Ou seja: esse sujeito não “existiria” se não existissem milhões de brasileiros que gostam de ver os mais fracos e discriminados sendo ridicularizados.
Há, no Brasil – mas não só aqui, claro –, uma perversão que seduz legiões: rir de mulheres “feias”, de deficientes físicos e mentais, de negros, de homossexuais, enfim, de todos aqueles que já são alvo de insensibilidade e perversidade no cotidiano por conta de suas características pessoais.
É simples entender por que esse pretenso “humorismo” explora tanto o filão dos socialmente desvalidos vendo o que acontece quando, por descuido, um desses mercenários da perversidade se esquece de que deve se concentrar só nos mais fracos e incomoda gente que tem como protestar e dar conseqüências aos próprios protestos e, nesse momento, é punido – em alguma medida, pois parece difícil que a Band abra mão de contratado tão popular.
Os figurões que se revoltaram com a piada de Bastos sobre estar disposto a “comer” Wanessa e o filho que ela leva no ventre devem ter rido de suas piadas de mau gosto quando não os afetaram. O ex-jogador Ronaldo, sócio do marido de Wanessa, até participou de “brincadeiras” do CQC, o programa que lançou esse “comediante” e que lhe deu sobrevida até quando defendeu o estupro de mulheres “feias”.
Porque esse é o conceito de humor que infesta a mídia. Que diferença há entre o que faz Bastos e o que fizeram o blogueiro da Globo Ricardo Noblat e o chargista Chico Caruso quando publicaram na internet, no último domingo, charge que debocha da aparência de uma ministra de Estado, a ministra Iriny Lopes, da Secretaria de Políticas para Mulheres? Veja, abaixo, o conceito de “humor” dessa gente.
Uma mulher madura que, como quase todas em sua faixa etária, evidentemente não pode se comparar com uma modelo internacional como Gisele Bündchen, do ponto de vista da forma física. Assim sendo, todas as mulheres dessa faixa etária que não ostentam corpos jovens e atraentes foram ridicularizadas.
Noblat e Caruso debocharam de suas mães, talvez das próprias esposas ou irmãs, além de tudo. Esse, aliás, foi o mote da mídia no caso da propaganda de lingerie da Hope: o deboche. Por puro partidarismo político e por interesses comerciais a mídia tratou com escárnio uma posição da Secretaria de Políticas para as Mulheres que reflete o desconforto de um setor da sociedade com a propaganda.
Esse comportamento, aliás, não é novo na mídia. Ano passado, quando a campanha eleitoral esquentava, o blogueiro da Folha de São Paulo (UOL) Josias de Souza, a exemplo de Noblat e Caruso – e no melhor estilo Rafinha Bastos –, acumpliciou-se ao chargista Nani para atacar outra mulher petista, a hoje presidente Dilma Rousseff, retratando-a como prostituta. Eis, abaixo, a “obra” desses degenerados.
No ano anterior, as mulheres petistas já eram alvo. Em fevereiro de 2009, o mesmo Josias de Souza publicou post com foto de Marta Suplicy e Dilma Rousseff sob uma legenda contendo os adjetivos “vadias” e “vagabundas”. Para quem não acredita, basta ver a reprodução daquilo, logo abaixo.
 
A culpa é desses mercenários que fazem de seus blogs ou de seus programas de televisão verdadeiros esgotos ( em que a mulher é uma das principais vítimas) ou é do público que dá audiência a eles? O jornalista americano Joseph Pulitzer disse, há mais de um século, que “Com o tempo, uma imprensa cínica, demagógica e corrupta formará um público tão vil quanto ela mesma”. Seu pensamento permanece atualíssimo.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

O imbecil politicamente incorreto

No Brasil, é aquele sujeito que se sente no direito de ir contra as idéias mais progressistas e civilizadas possíveis em nome de uma pretensa independência de opinião que, no fundo, disfarça sua real ideologia e as lacunas em sua formação.

- Por Cynara Menezes, na CartaCapital

Em 1996, três jornalistas – entre eles o filho do Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa, Álvaro –lançaram com estardalhaço o “Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano”. Com suas críticas às idéias de esquerda, o livro se tornaria uma espécie de bíblia do pensamento conservador no continente. Vivia-se o auge do deus mercado e a obra tinha como alvo o pensamento de esquerda, o protecionismo econômico e a crença no Estado como agente da justiça social. Quinze anos e duas crises econômicas mundiais depois, vemos quem de fato era o perfeito idiota.

Mas, quem diria, apesar de derrotado pela história, o Manual continua sendo não só a única referência intelectual do conservadorismo latino-americano como gerou filhos. No Brasil, é aquele sujeito que se sente no direito de ir contra as idéias mais progressistas e civilizadas possíveis em nome de uma pretensa independência de opinião que, no fundo, disfarça sua real ideologia e as lacunas em sua formação. Como de fato a obra de Álvaro e companhia marcou época, até como homenagem vamos chamá-los de “perfeitos imbecis politicamente incorretos”. Eles se dividem em três grupos:

1. O “pensador” imbecil politicamente incorreto: ataca líderes LGBTs (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trânsgeneros) e defende homofóbicos sob o pretexto de salvaguardar a liberdade de expressão. Ataca a política de cotas baseado na idéia que propaga de que não existe racismo no Brasil. Além disso, ações afirmativas seriam “privilégios” que não condizem com uma sociedade em que há “oportunidades iguais para todos”. Defende as posições da Igreja Católica contra a legalização do aborto e ignora as denúncias de pedofilia entre o clero. Adora chamar socialistas de “anacrônicos” e os guerrilheiros que lutaram contra a ditadura de “terroristas”, mas apoia golpes de Estado “constitucionais”. Um torturado? “Apenas um idiota que se deixou apanhar.” Foge do debate de idéias como o diabo da cruz, optando por ridicularizar os adversários com apelidos tolos. Seu mote favorito é o combate à corrupção, mas os corruptos sempre estão do lado oposto ao seu. Prega o voto nulo para ocultar seu direitismo atávico. Em vez de se ocupar em escrever livros elogiando os próprios ídolos, prefere a fórmula dos guias que detonam os ídolos alheios – os de esquerda, claro. Sua principal característica é confundir inteligência com escrever e falar corretamente o português.

2. O comediante imbecil politicamente incorreto: sua visão de humor é a do bullying. Para ele não existe o humor físico de um Charles Chaplin ou Buster Keaton, ou o humor nonsense do Monty Python: o único humor possível é o que ri do próximo. Por “próximo”, leia-se pobres, negros, feios, gays, desdentados, gordos, deficientes mentais, tudo em nome da “liberdade de fazer rir.” Prega que não há limites para o humor, mas é uma falácia. O limite para este tipo de comediante é o bolso: só é admoestado pelos empregadores quando incomoda quem tem dinheiro e pode processá-los. Não é à toa que seus personagens sempre estão no ônibus ou no metrô, nunca num 4X4. Ri do office-boy e da doméstica, jamais do patrão. Iguala a classe política por baixo e não tem nenhum respeito pelas instituições: o Congresso? “Melhor seria atear fogo”. Diz-se defensor da democracia, mas adora repetir a “piada” de que sente saudades da ditadura. Sua principal característica é não ser engraçado.

3. O cidadão imbecil politicamente incorreto: não se sabe se é a causa ou o resultados dos dois anteriores, mas é, sem dúvida, o que dá mais tristeza entre os três. Sua visão de mundo pode ser resumida na frase “primeiro eu”. Não lhe importa a desigualdade social desde que ele esteja bem. O pobre para o cidadão imbecil é, antes de tudo, um incompetente. Portanto, que mal haveria em rir dele? Com a mulher e o negro é a mesma coisa: quem ganha menos é porque não fez por merecer. Gordos e feios, então, era melhor que nem existissem. Hahaha. Considera normal contar piadas racistas, principalmente diante de “amigos” negros, e fazer gozação com os subordinados, porque, afinal, é tudo brincadeira. É radicalmente contra o bolsa-família porque estimula uma “preguiça” que, segundo ele, todo pobre (sobretudo se for nordestino) possui correndo em seu sangue. Também é contrário a qualquer tipo de ação afirmativa: se a pessoa não conseguiu chegar lá, problema dela, não é ele que tem de “pagar o prejuízo”. Sua principal característica é não possuir ideias além das que propagam os “pensadores” e os comediantes imbecis politicamente incorretos.

domingo, 11 de setembro de 2011

Quem financia o ódio aos muçulmanos nos EUA?


Uma nova reportagem detalha como um pequeno grupo de doadores e "intelectuais" disseminaram a islamofobia.

Por MJ Rosenberg na REVISTA FORUM

Faz cerca de uma década que a islamofobia explodiu neste país. O momento em que o World Trade Center e o Pentágono foram atingidos por terroristas da al Qaeda. A islamofobia existia antes do 11 de setembro, mas as perdas daquele dia e o terror geral que aquilo causou sobre este país fez com que muitos, muitos americanos se tornassem mais cautelosos ainda com árabes e, bastante rapidamente, mais amedrontados da religião que professavam os terroristas.
O primeiro sinal de que o 11 de setembro seria explorado para fazer avançar diversos programas veio de Benjamin Netanyahu, que foi citado no New York Times dizendo que os ataques seriam bom para Israel:
“Quando questionado hoje [11 de setembro de 2001] sobre o que significaram os ataques para as relações entre os Estados Unidos e Israel, Benjamin Netanyahu, ex-primeiro ministro, respondeu, “São ótimos.” E então se explicou: “Bem, não ótimos, mas gerarão simpatia imediata”. Ele previu que os ataques iriam “fortalecer a união entre os dois povos, por terem experienciado o terror durante muitas décadas, mas os Estados Unidos agora haviam experimentado uma hemorragia massiva de terror.”
Netanyahu subsequentemente reiterou seu ponto de vista sobre o 11 de setembro.
E, é claro, desde os ataques o lobby “pró-Israel” obteve sucesso em se utilizar deles para construir um apoio para as políticas da direita israelense nos Estados Unidos.

Mas o lobby não veio sozinho.

É somente um dos componentes de um orquestrado e bem-financiado esforço para fazer com que os norte-americanos temam e odeiem muçulmanos e árabes.
Tenho que admitir, no entanto, que até ter lido uma reportagem publicada hoje pelo Centro de Progresso Americano (CAP, por seu nome em inglês), eu não tinha ideia de precisamente quão orquestrado e bem-financiado era este movimento.
A reportagem “Medo Ltda.: As raízes da Rede de Islamofobia nos EUA” demonstra que um pequeno grupo de autoproclamados especialistas (Frank Gaffney, David Yerushalmi, Daniel Pipes, Robert Spencer, e Steve Emerson) apoiados por um grupo de fundações e doadores (muitos dos quais financiam o lobby) colocaram a islamofobia no mapa.
Para colocar de maneira simples, sem estes “especialistas”, seus doadores e a Fox News (o porta-voz midiático) você jamais teria ouvido falar que um centro comunitário muçulmano (a “Mesquita Marco-Zero”) estava sendo construído em Nova Yorque. E o centro certamente não teria se tornado manchete. Nem mesmo os candidatos republicanos (e até mesmo alguns democratas) à presidência, ao Congresso, e até mesmo à prefeitura, seriam chamados para condenar o Islã e a “Lei da Sharia” ou ter que enfrentar o fato de ser rotulado de apoiador do terrorismo. Nem Newt Gingrich, Herman Cain e Rick Santorum teriam feito com que o ódio por muçulmanos americanos fosse uma parte integral de suas campanhas.

Tudo começa com o dinheiro. De acordo com o CAP:

Um pequeno grupo de fundações e doadores ricos são o sangue da rede de islamofobia nos Estados Unidos, fornecendo financiamento fundamental a uma ninhada de direitistas formadores de opinião que espalham ódio e medo de muçulmanos e do islã – em forma de livros, reportagens, sites, blogues, e apontamentos cuidadosamente concebidos que organizações de base anti-Islã e alguns grupos religiosos de direita usam como propaganda para seus eleitorados.
Algumas dessas fundações e doadores ricos também fornecem financiamento direto a grupos de base anti-Islã. De acordo com nossa extensa análise, aqui estão os sete principais contribuintes responsáveis por promover a islamofobia neste país:

Fundo Donors Capital
Fundações Richard Mellon Scaife
Fundação Lynde e Harry Bradley
Fundações e Fundos de Caridade Newton D. & Rochelle F. Becker
Fundação Russell Berrie
Fundo Beneficente Anchorage e Fundo William Rosenwald Family
Fundação Fairbrook

Muitos destes são novos para mim, ainda que quando trabalhei na AIPAC foi difícil não ver o fato de que alguns deles apoiam tanto a AIPAC como seu formador de opinião, o Instituto Washington de Políticas no Oriente Próximo.
A coisa mais incrível na reportagem do CAP é que ela expõe pessoas que tentam de tudo para cobrir seus rastros. Uma coisa é ser conhecido por apoiar a AIPAC, mas é outra bem diferente ser alinhado a Steve Emerson, Daniel Pipes e Pam Geller, que aparecem na reportagem do CAP somente como um segundo nível de ódio cuja veemência anti-muçulmana não passa de nojenta.
Os financiadores do ódio estão particularmente determinados a se esconder desde o massacre de 76 pessoas na Noruega em julho por um autodeterminado Cristão conservador chamado Anders Breivik, que disse ser influenciado por Robert Spencer, Pam Geller e David Horowitz (outro proeminente propagandista contra muçulmanos e beneficiário de várias fundações anti-Islã).
Mas o CAP seguiu o dinheiro, foi atrás dos nomes de fundações que aparentavam ser inocentes, e cruzou estes nomes. E agora nós temos: a rede do ódio exposta.
E o retrato é bem feio. Judeus cuja principal preocupação é Israel se alinham com os direitistas cristãos que não gostam de judeus. Há até mesmo alguns muçulmanos enviados pela rede para dizer para plateias em igrejas e sinagogas quão más pessoas eles são. É estranho.
Mas também é muito perigoso, como o massacre da Noruega contesta.
A coisa mais estranha sobre a matança é que ela ocorreu na Noruega. Lendo este artigo, você deve se perguntar por que não ocorreu aqui. Ainda.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Será Deus homofóbico?


Maria Berenice Dias no Sul21

Recente pesquisa do IBOPE revelou que mais da metade dos entrevistados se manifestaram contrários ao direito de homossexuais constituírem uma família.
Não foi revelada – e por certo não foi perguntada – a orientação sexual dos pesquisados. Mas caberia. Aliás, a pesquisa, para ter maior legitimidade, deveria ser feita somente entre a população LGBT. Afinal, é a ela que diz respeito!
Qual a justificativa para perguntar a alguém qual o direito do outro? Quem poderia falar, com mais propriedade, sobre o desejo de casar, de ser professor, médico ou policial?
Um dado consolador é que os jovens, as pessoas com melhor nível de escolaridade e maior poder aquisitivo se mostraram mais tolerantes. Pelo jeito este é o caminho. Educação. Só ela permite melhor renda e mais condições sociais.
Talvez o resultado mais surpreendente seja o quesito que identifica a religião dos pesquisados. Os mais intransigentes são os quem se dizem evangélicos ou protestantes, seguidos pelos católicos e os adeptos de outras crenças e credos.
De qualquer modo, das religiões que existem, não deve haver nenhuma que não pregue o amor ao próximo. As mais próximas, por terem sido trazidas com a colonização, acreditam em um Deus que veio à Terra encarnado na pessoa do próprio filho. Jesus Cristo desde menino exercitou a tolerância. Em nenhuma de suas pregações incitou o ódio ao semelhante ou negou a alguém o direito de subir ao reino do céu. Basta lembrar que impediu que Madalena fosse apedrejada, multiplicou pães para dar de comer a quem tinha fome e morreu na cruz para salvar toda a humanidade.
Assim, cabe questionar qual a justificativa de evangélicos, protestantes e católicos se posicionarem de modo tão assustadoramente preconceituoso contra quem tem orientação sexual diversa da maioria, mas não significa alguma ameaça e nem causa mal a ninguém.
Afinal, o que querem lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis são os direitos mais elementares: direito à cidadania, à inclusão social. Direito de terem sua integridade física resguardada. Para isso é indispensável a garantia de acesso ao trabalho, para exercerem a profissão que lhes aprouver. Também precisam que lhes seja assegurado o direito de constituírem família, terem filhos. Enfim, eles, como todos as pessoas querem somente o direito de ser felizes.
Mas o que se vê nos meios de comunicação, em face do chocante número de concessões a segmentos religiosos, é a instigação sistemática e reiterada ao preconceito e à discriminação. As caminhadas e marchas que proliferam, ao invés de pregarem o amor ao Deus que professam, nada mais fazem do que incitar o ódio a um determinado segmento da população.
A tudo isso a sociedade se mantém indiferente. Como o legislador se omite, vem o Judiciário fazendo justiça e o Executivo criando alguns mecanismos protetivos.
Ainda assim, não há justificativa para tamanha rejeição. Não se atina a origem de tanta perseguição. Ao certo não pode ser a suposta incapacidade de procriar. Este óbice, aliás, nem mais existe, quer com o advento de modernas técnicas de reprodução assistida, quer pela disposição dos casais homoafetivos de adotarem crianças cujos pais não souberem amar ao ponto de protegê-las.
Deste modo, cabe perguntar: Quem disse aos pregadores, padres e pastores que é pecado amar o seu igual? Quem lhes outorgou a missão de banir a diversidade sexual da face da Terra?
Será que Deus é homofóbico?

Maria Berenice Dias é advogada, desembargadora aposentada do TJ-RS e presidenta da Comissão da Diversidade Sexual da OAB.

domingo, 14 de agosto de 2011

O Dia dos (dois) Pais de João Vitor



Rafael (e), João Vitor e Lucimar comemoram neste domingo o primeiro Dia dos Pais da família | Foto: Arquivo Pessoal

Rachel Duarte no Sul21

Nascido em 14 de junho de 2010, João Vitor teve um segundo nascimento no dia 8 de outubro do mesmo ano, quando trocou a casa de adoção por sua nova família. Há dez meses, o bebê de cabelos crespos e sorriso fácil vive com o primeiro casal gay de Gravataí, na região metropolitana de Porto Alegre, a adotar uma criança: o consultor Rafael Gerhardt, 36 anos, e o bancário Lucimar Quadros da Silva, 46. Neste domingo (14), os três irão comemorar o primeiro Dia dos Pais. Rejeitado pela mãe biológica e por outros três casais heterossexuais, João Vitor hoje tem um lar, dois pais e muito amor.
Desde que se conheceram, em 1995, Rafael e Lucimar cultivam muitos amigos, o carinho e o respeito das suas famílias e partilham solidariedade. Ex-proprietários de um bar em Gravataí, eles realizavam festas para arrecadar fundos e ajudar entidades assistenciais. “Foi aí que começamos a nos aproximar de crianças e despertar para a vontade de ter um filho”, conta Lucimar.
Pelas relações de amizade que fizeram com clientes que eram funcionárias do Foro de Gravataí, Rafael e Lucimar conheceram a casa de passagem Restaurar, local em que conheceriam o futuro filho João Vitor. “Na primeira vez em que fomos lá, não deixaram a gente entrar nem conhecer as crianças. Queríamos ajudar e fazer uma festinha lá. Mas eram as regras, nos disseram”, explica Lucimar.
O primeiro passo até a adoção foi o alistamento no Programa Apadrinhamento Afetivo. Após um ano de espera, nenhuma criança apareceu. Por conselho de uma assistente social do programa, optaram em ir direto para a fila de espera da adoção, já que o tempo normal de espera era de cinco anos.  Em 2007, eles deram entrada no procedimento jurídico e, então, surgiu dúvida: adotar individualmente ou como casal?

Moradores de Gravataí, Rafael e Lucimar se dividem nos cuidados com o filho João Vitor | Foto: Rachel Duarte/Sul21

Adoção homoafetiva

Com o auxílio de uma advogada, Rafael e Lucimar levaram quatro meses até saber que poderiam ser pais adotivos. A ajuda e dedicação dos amigos foram fundamentais. “O Rafael ia toda semana no Foro. Ele sabia mais do processo que a advogada”, conta Lucimar. O medo era não conseguirem adotar, o que havia ocorrido com um casal de lésbicas que eles conheciam.
O telefonema veio depois de três anos e meio. O tempo de espera é considerado razoável para a adoção, até porque o casal em questão é livre de discriminação. “Não limitamos nem cor, nem sexo e poderiam ser crianças de zero a cinco anos de idade. Como a maioria dos casais não quer negros ou crianças, prefere bebês brancos, a gente foi chamado antes dos cinco anos”, diz Lucimar.
Tanto esperavam pela notícia que Lucimar lembra a hora exata em que foi oficializar a adoção. “Nos ligaram para avisar que tinha um bebê para adoção. Eu saí mais cedo do trabalho e chegamos lá às 17h15″, recorda. “Ele quase infartou”, revela o companheiro Rafael.

Na certidão de nascimento, Rafael e Lucimar aparecem como pais de João Vitor | Foto: Reprodução/Sul21

João Vitor frequenta a escola e tem aulas de natação todas as semanas | Foto: Arquivo Pessoal

O “nascimento” de João Vitor

Depois de três casais desistirem do pequeno bebê de quatro meses de pele parda e cabelos crespos, Rafael e Lucimar ao chegarem na sala para conhecê-lo tiveram uma surpresa. “Ele segurou na minha camiseta e depois segurou também na camiseta do Lucio”, conta Rafael. O gesto da criança emocionou as escrivãs e demais funcionárias do Foro. Sozinhos com o bebê, os dois começaram a trocar fraldas e a cuidar do menino, sem saber que a equipe jurídica tratava da adoção em tempo recorde. “Normalmente temos três visitas para ir conhecendo a criança, até termos certeza e a criança também acostumar. Mas saímos às 21 horas do Foro com o João Vitor naquele mesmo dia”, lembra Lucimar.
A chegada em casa, em uma véspera de feriado, foi um desafio como para qualquer outro casal de pais em primeira viagem. “Nós não tínhamos experiência. Pedimos ajuda para uma amiga que tinha criado um filho já. O guri começou a chorar e eu a suar. Me deu um desatino”, recorda Lucimar. “Quando eu vi, estavam o João Vitor e o Lucio chorando”, brinca Rafael.
A adoção foi surpresa para familiares e amigos. Ninguém sabia que eles estavam na fila de espera da adoção e quando conheceram o novo integrante da família, todos se emocionaram. “Chegamos na porta da casa da vizinha no primeiro dia que trouxemos o João Vitor para casa, e ela se emocionou perguntando quem era. Falamos que era nosso filho e ela começou a chorar. Eu disse: ‘chora depois, primeiro me dá algo para eu dar para esse guri”, diz Rafael.

A vida em família

A festa de um ano de João Vitor, no dia 14 de junho, teve tudo o que qualquer criança tem direito. O álbum de fotos revela o amor da família constituída. Com bons empregos, Rafael e Lucimar conseguem proporcionar comida, roupa, brinquedos, escolhinha e aulas de natação para o filho. Mas o mais visível na família Quadros da Silva é o amor incondicional.
Ambos trocam fraldas, fazem comida, levam ou buscam na escolhinha. A qualquer sinal de perigo nas aventuras de João Vitor, dispara nos dois o sinal de alerta. “Cuidado”, “aí não”, diziam durante conversa com o Sul21. Musicas e brincadeiras também fizeram parte da entrevista, já que João Vitor é um menino com bastante energia.

Bilhetinhos de João Vitor para o Dia dos Pais. "Falaremos que ele é diferente porque tem dois pais. E isso não é ruim", diz Lucimar | Foto: Rachel Duarte/Sul21

Na escolinha, o casal enfrentou o primeiro problema relacionado ao preconceito. “A diretora perguntou quando a mãezinha iria vir conhecer a escola”, conta Rafael. Aceitos na escolinha, o casal já passou datas comemorativas, como Dia das Mães e Natal, de forma tranquila. “No Dia das Mães, foi a avó, e no Natal tiveram algumas reações sobre nossa foto em família, mas todos nos tratam igual”, conta Rafael. “Nos olham como dois homens e uma criança”, complementa Lucimar.
Em maio deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu os mesmos direitos civis da união estável para casais do mesmo sexo. A decisão sinaliza um período de mudanças na sociedade brasileira, e o casal de Gravataí vê com otimismo o futuro de João Vitor. “Ele não vai sofrer ou ter vergonha de nós, porque iremos explicar para ele que isso é uma coisa legal. Falaremos que ele é diferente porque tem dois pais. E isso não é ruim. É maravilhoso ter dois pais que dão muito carinho e muito amor para ele”, fala Lucimar. “Ele vai dizer para os coleguinhas, ‘olha lá meus dois pais me esperando’”, brinca Rafael.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Os efeitos do jornalismo de esgoto


Um dos pontos centrais das políticas de direitos humanos é o chamado direito à privacidade. Desde que não afete a vida de terceiros nem desrespeite as leis, toda pessoa tem o direito à sua privacidade.
O caso Murdoch expôs uma das características mais repelentes do jornalismo-espetáculo e do jornalismo "partido político": a exposição da vida de pessoas, os ataques pessoais, os chamados assassinatos de reputação como ferramentas não apenas para aumento de audiência, mas como arma política.
***
Ocorreu nas eleições de Barack Obama. Comentaristas da Fox News, acumpliciados com redes anônimas de internautas, espalhavam que Obama não teria nascido nos Estados Unidos, que seria muçulmano, uma liderança infiltrada na política norte-americana visando destruir o país.
Esse mesmo modelo foi utilizado na campanha eleitoral do ano passado. Em qualquer escola de São Paulo, crianças eram contaminadas pela versão de que a candidata Dilma Rousseff "assassinou pessoas", que seria a favor do aborto. Ao mesmo tempo, havia ataques destemperados contra nordestinos. Na outra ponta, o preconceito contra qualquer pessoa que pertencesse à classe média para cima.
***
A intolerância global foi particularmente feroz contra muçulmanos e árabes em geral, especialmente após o episódio terrorista que derrubou as Torres Gêmeas. Proliferaram sites e analistas preconizando o fim da civilização ocidental, com a invasão da Europa pelos muçulmanos.
Na França, proibiu-se o uso da burka. Diferenças culturais foram apontadas como desvios morais. Em um mundo cada vez mais globalizado, e enfrentando o fantasma da crise econômica, essa pregação espalhou-se como um rastilho, especialmente pelos países europeus. Da mesma maneira que a intolerância que se seguiu ao crack de 1929 da Bolsa de Nova York.
Por aqui, a pregação limitou-se ao chamado Foro de São Paulo - que, segundo alguns alucinados, visaria tomada do poder na América Latina pelos esquerdistas.
***
O massacre de Oslo foi conseqüência direta de um clima de intolerância que teve em Murdoch o ponto central de disseminação, o exemplo no qual se espelharam grupos de mídia pelo mundo afora. Esse movimento foi facilitado pela ampliação da Internet, com o caos inicial que marca a entrada de novas mídias - especialmente uma descentralizada e onde é possível a prática dos ataques anônimos.
Nesse ambiente, houve o oportunismo de muitos comentaristas de mídia, explorando a intolerância que se manifestava na classe média - acossada, de um lado, pela tributação pesada, de outro, pela ascensão das novas massas consumidoras.
Abriu-se espaço para um modismo repelente, o "politicamente incorreto", que tornou de bom tom zombar das minorias, dos defeitos físicos, da feiura.
***
O episódio Murdoch-Oslo deve servir de reflexão não apenas na Inglaterra, mas sobre a comunicação de massa em geral, sobre o respeito às diferenças, sobre os direitos individuais, sobre a responsabilidade na hora de se atacar pessoas ou grupos.
El Pais chamou a esse jornalismo de Murdoch de "cloaca". Por aqui, tornou-se comum a expressão "jornalismo de esgoto" para definir esse estilo.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Religiosidade sem preconceito



Setores religiosos marcam posição contra homofobia para mostrar que conservadorismo não é unanimidade entre fiéis


Joana Tavares
da Redação do BrasilDeFato

De um lado, representantes de bancadas religiosas atacam os homossexuais e seus direitos como cidadãos. De outro, a apropriação da palavra bíblica no lema da parada LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) de São Paulo: “Amai-vos uns aos outros: basta de homofobia”. Apesar de recentes e constantes demonstrações de intolerância religiosa contra as pessoas que se atraem pelo mesmo sexo, nem sempre a religião e a homossexualidade estão de lados opostos.

Promovido pela Rede Ecumênica de Juventude (Reju), pela entidade Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço, pela Paróquia Anglicana Santíssima Trindade e pela Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, um ato inter-religioso e um painel foram dedicados ao tema “Religião e homoafetividade”, nos dias 9 e 10 de junho. Um grupo de igrejas cristãs organizaram uma petição pública em apoio ao PLC 122, que criminaliza a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero e tramita atualmente no Senado. Na programação oficial do 15º Mês do Orgulho LGBT de São Paulo – que culmina com a parada, dia 26 – diversas atividades colocam a relação entre religião e sexualidade em discussão. Um dos blocos previstos na marcha é dos religiosos contra a homofobia.

O amor lança fora todo medo”
Com esse tema bíblico, um luterano doutor em teologia, um padre e teólogo católico e uma mãe de santo se sentaram à mesma mesa para debater as concepções das religiões e a relação com a homossexualidade e a homofobia.
Anivaldo Padilha, membro da Igreja Metodista e militante do movimento ecumênico desde a década de 1960, fez a mediação da mesa, apontando que nenhum religioso com posições contrárias aceitou participar do debate. “A homofobia muitas vezes é justificada por argumentos teológicos. No entanto, os conservadores não representam todos os religiosos”, apontou.
Iya Maria Emilia d´Oyá, da Casa de Culto ao Orixá Ventos de Oyá (candomblé da tradição Ketu), presidente da Associação Federativa da Cultura e Cultos Afro-Brasileiros de São Bernardo do Campo e assistente social da prefeitura da mesma cidade, apontou que as religiões afro-brasileiras, como o candomblé e a umbanda, possuem uma relação diferente com o sagrado em relação às religiões cristãs. Para essas religiões, os orixás são a ligação com os sentimentos e com a natureza. “Não temos livros sagrados. Nossa tradição é oral. A sexualidade é vivida e experimentada de maneira muito tranquila. A relação sexual é vista como uma troca de energia, sem indicação de formas”, disse.

Mãe Emília, como é conhecida, complementa que há homossexuais fazendo parte dos cultos de candomblé e umbanda porque são religiões que os acolhem. “Quem já é excluído na sociedade, se sente confortado”, aponta. Ela coloca que o grande desafio é colocar a questão para diálogo, dentro e fora dos templos de qualquer religião. “A religiosidade, de qualquer tipo, pode ser uma grande arma para enfrentar a discriminação”.
James Alison, padre e teólogo católico, apresenta as bases da doutrina para explicar a tensão entre a Igreja e a homossexualidade, colocando a relação entre a natureza e a graça. “A graça aperfeiçoa a natureza. Chegamos a ser filhos de Deus sendo o que a gente é; no florescimento da graça”. Ele explica que até muito recentemente – há menos de 50 anos – não havia conflitos entre a população LGBT e a doutrina da Igreja católica porque não havia reconhecimento dessa população. “Não era reconhecido o ser das pessoas, eram apenas atos homossexuais”, aponta.
Com a visibilidade da causa gay e o reconhecimento de que não se poderia confundir o ser e o ato, o Vaticano finalmente se pronunciou sobre o assunto, reconhecendo que a orientação sexual não é pecado, apesar de que algumas práticas ligadas a ela podem ser assim consideradas por membros do clero. “Compreende-se que ser gay não é ser um heterossexual defeituoso; é criação de Deus. Aí vem o problema da inércia clerical, em fazer valer o entendimento que ser gay é algo que algumas pessoas simplesmente são”, coloca.

Sequestro simbólico
O luterano André S. Musskopf, doutor pela Escola Superior de Teologia, argumenta que a questão está ligada ao controle dos corpos e do desejo das pessoas, para o controle da riqueza e do poder. “Religião, sexo, política e poder não podem ser separados. É através desse controle que se mantém o status quo”, aponta. Ele reforça que a escolha do tema da Parada LGBT foi muito oportuna, pois salienta que a palavra de Deus pertence ao povo, não a instituições religiosas que promovem um “sequestro” dos bens materiais e simbólicos.
“O ‘amai-vos’ tem uma dimensão política e civil, da garantia de direitos, mas também uma dimensão teológica e religiosa, na medida em que o amor é o que nos move em direção aos outros, o que nos motiva na vida. Precisamos parar de ter medo dos fantasmas e entender que a homossexualidade não precisa ser justificada, é algo comum e próximo de todos”, afirma.