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domingo, 17 de junho de 2012

Campanha promove mobilização em favor da causa indígena


Cimi e AJD colhem assinaturas para entrega de manifesto em defesa dos povos indígenas aos três poderes


da Redação do BRASIL DE FATO

Através da campanha “Eu apoio a causa indígena”, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) e a Associação de Juízes para a Democracia (AJD) realizam a coleta de assinaturas para entrega de um manifesto em defesa dos povos indígenas aos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário.  A campanha foi lançada nesta quarta-feira (13), no auditório Dom Helder Câmara da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília (DF).
O manifesto denuncia a falta de reconhecimento do Estado brasileiro dos povos indígenas, sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. O documento pede celeridade do Judiciário na definição das demandas judiciais que envolvem os indígenas e declara repúdio à PEC 215, que pretende retirar do Executivo o processo administrativo das demarcações e homologações de terras indígenas, transferindo-o para o Legislativo.
No lançamento da campanha, a desembargadora Dora Martins explicou que a Associação dos Juízes para a Democracia é constituída por juízes que não se conformam com a lentidão do Judiciário brasileiro e, ao se depararem com a situação Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul, se sensibilizaram com a causa indígena e decidiram lançar o manifesto. “Entendemos que como juízes precisávamos fazer alguma ação”, afirmou a desembargadora.
As entidades também denunciam que as terras indígenas não são demarcadas “com a presteza fincada na Constituição Federal”, o que, segundo elas, deixa os povos indígenas vulneráveis a diversas violações de direitos humanos na disputa pela terra. “Assim, temos o extermínio, desintegração social, opressão, mortes, ameaças, marginalização, exclusão, fome, miséria e toda espécie de violência física e psicológica, agravada, especialmente, entre as crianças e jovens indígenas”, afirma o documento.
“A terra é o eixo vital para sobrevivência física e cultural de um povo e, se referindo aos povos indígenas, identifica todas as suas ações e a recuperação da sua identidade como povo, cultura, costume e tradição”, ressaltou Emília Altini, vice-presidente do Cimi, no lançamento da campanha.

Para assinar o manifesto, acesse www.causaindigena.org.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Mulheres rurais e indígenas se somam à Marcha Nacional pela Água


No portal Adital

As mulheres de diferentes regiões são parte do grande rio que vem confluindo na Marcha Nacional da Água impulsionada por movimentos sociais e cidadãos do país em defesa deste recurso básico para a existência humana, em risco, entre outros fatores, pela atividade mineira que se realiza a margem da responsabilidade social e ambiental à que estão obrigados.
O Centro da Mulher Peruana Flora Tristán expressa seu apoio e respaldo à participação das peruanas que desde o norte, centro, sul e oriente do Peru chegaram até a capital para solicitar às autoridades do executivo e do legislativo que preservem este recurso finito para garantir um presente e futuro saudável e sustentável.
As mulheres rurais se encarregam de regar seus campos, dão de beber a seus animais e usam a água para preparar os alimentos em seus lares assim como para seu asseio pessoal, limpeza e lavagem das roupas delas e de suas famílias. Elas gerenciam este recurso e vivem as dificuldades e problemas originados tanto por sua contaminação como carestia.
Problemas de saúde em seus filhos e filhas, complicações nas gestações e partos, desnutrição infantil, incremento do tempo investido em busca de água ante a diminuição de volume dos rios, desaparição de lagoas e secas, são parte de sua realidade cotidiana que deteriora seu direito ao bem-estar físico e emocional.
A isso se soma o impacto econômico em sua produção. A falta de água para regar coloca a perder as colheitas. O que reforça o círculo de pobreza em que se encontram e agrava as dificuldades para assegurar a alimentação para elas e suas famílias e também para aqueles que vivem nas cidades e são abastecidos com estes produtos.
Nesse contexto, as mulheres rurais se identificam com a defesa das reservas de água na região de Cajamarca ante uma mineração que descumpre seus compromissos e que pretende colocar seus interesses privados acima dos direitos humanos, situação que também acontece em outras regiões do país.
Igualmente, com a exigência da regulamentação da Lei de Consulta Prévia, e com a necessidade urgente de que as autoridades estatais adotem medidas deliberadas, com participação de mulheres e suas organizações, frente às mudanças climáticas, fatores que impactam também no acesso à água.
A Marcha Nacional da Água – que chegou ontem a Lima - é um esforço autogestionado que implicou no deslocamento pacífico de mulheres e homens de diferentes regiões, assistidos com seus próprios recursos. O grande rio humano confluirá nesta sexta-feira, 10, na Praça Dois de Maio, onde campesinas, indígenas, mulheres rurais, artistas, intelectuais, trabalhadoras, feministas, exigiremos que não sigam depredando nosso território.
Esta mobilização pacífica e cidadã contará com a presença de uma Missão Internacional de Observadores que é encabeçada por Pedro Arrojo, doutor em Ciências Físicas pela Universidade de Zaragoza, Espanha.

A notícia é do Centro da Mulher Peruana Flora Tristán

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Pinheirinho, índios e quilombolas: marginalidade, direito à propriedade e sua função social

Editorial do SUL21

Moradores de áreas “invadidas” e “irregulares”, índios e quilombolas, todos são tratados como marginais no Brasil. Está correta, portanto, a afirmação do senador Paulo Paim em entrevista ao Sul21, ainda que, em sua fala, se restrinja aos quilombolas.
Na edição do Sul21, de ontem (02) e de hoje (03) podem ser lidas matérias sobre violências cometidas contra os pobres “invasores” de Pinheirinho em São José dos Campos (SP), contra os índios caingangues “invasores” de área no centro de Santa Maria (RS) e contra os negros quilombolas “invasores” de áreas em todo o Brasil onde seus antepassados se refugiaram da escravidão imposta pelos senhores brancos.

O que une todos estes “invasores” é a mesma origem e a mesma causa para suas “agressões”. São todos eles desprovidos da propriedade legal da terra que reivindicam como suas. São todos eles submetidos ao mesmo dominador que lhes usurpou o direito de possuírem o local onde moram.

Expulsos de suas terras ancestrais, os índios perambulam hoje, quais párias, pelo país, se são nômades, ou, ainda, expõem-se a morrer assassinados na defesa do uso das matas, da caça, da pesca e dos locais das roças que lhe provêm a subsistência, se são integrantes de grupos sedentários. Quase todos maltrapilhos, sem assistência médica e/ou sanitária e sem escolas para seus filhos, veem-se ainda hoje forçados a abandonar, além das terras que lhes pertencem imemorialmente, também seus costumes e tradições sem nada receber em troca.

Os quilombolas, reclusos em locais de refúgio histórico de escravos fugidos e, quase sempre, de difícil acesso, permanecem “donos” das terras que ocupam e cultivam há séculos até que alguém reivindique e “prove” a propriedade legal das mesmas. Sem instrução formal, sem assistência médica e/ou sanitária e sem amparo público, quando não morrem à míngua acabam por serem desalojados de suas áreas e casas.

Os moradores das periferias urbanas, muitas vezes ocupantes de áreas irregulares e de loteamentos ilegais, expulsos das áreas rurais nos anos de 1960 e 1970, cumprem, desde então, um périplo de imigração que vai desde os arrabaldes das pequenas cidades interioranas até as periferias das regiões metropolitanas das grandes capitais. Habitam regiões desprovidas de serviços eficientes de transporte coletivo, de saneamento e de saúde, sem creches e sem escolas adequadas para os seus filhos. Ali permanecem, muitas vezes, sob a guarda dos “patrões da vila”, ou seja, dos chefes do tráfico de drogas, que substituem o poder público e provém, sob a lei das máfias, o amparo que o Estado não lhes proporciona. Quando as áreas que habitam se valorizam, pela força da expansão urbana e da especulação imobiliária, são quase sempre expulsos, quase sempre com violência.

Ainda que a situação de desamparo a que estão expostos venha sendo revertida nos últimos anos, com a adoção de políticas de proteção social e de distribuição de renda, com a implantação de políticas e serviços específicos para as populações indígenas e quilombolas e também com a retomada dos financiamentos habitacionais para as populações de baixa renda, a atuação governamental é ainda tímida e insuficiente. Se, por um lado, o governo federal e alguns governos estaduais e municipais se esforçam em minimizar as consequências do descaso histórico, outros governos de nível estadual e municipal recorrem à truculência para expulsar os “marginais”.

Eclodem hoje, por este motivo, conflitos em todo o país. Conflitos que envolvem, de um lado, indígenas, quilombolas, agricultores sem terra e moradores das periferias urbanas e, de outro, os que alegam deter a propriedade legal das áreas cobiçadas pela especulação imobiliária e pela expansão do agronegócio. Enquanto os primeiros são diuturnamente assediados e fustigados, os últimos recebem, quase sempre, o beneplácito dos poderes executivo e judiciário.

O saldo será, sem dúvida, a exacerbação dos confrontos, caso providências urgentes e eficazes não forem adotadas pelos poderes públicos de todos os níveis e instâncias. Conduzidos por partidos de ultraesquerda, como o PSOL e o PSTU, anarquistas e militantes independentes e de movimentos sociais autônomos, bem como por alguns sindicatos e tendências internas do PT, os protestos contra as desocupações tendem a ganhar adeptos e a conquistar as ruas, não só das principais cidades brasileiras como também do exterior, como já ocorreu anteontem (01) em Berlim.

Há que se enfrentar, definitivamente, a raiz do problema, se o que se deseja é eliminar as tensões e promover o bem estar coletivo. Há que se confrontar a questão da propriedade fundiária e imobiliária e da função social que deve orientá-la.  Há que se inverter, portanto, a postura historicamente adotada no país.
Diferente do que ocorreu e ocorre em muitas outras nações capitalistas do mundo, na Inglaterra, na Alemanha e inclusive nos EUA, no Brasil a propriedade só pode ser conquistada por doação ou por compra. Foi assim durante todo a Colônia, continuou assim com a Lei de Terras de 1850, depois da Independência e durante o Império, manteve-se assim com o Código Civil de 1916, já durante a República, e é assim ainda hoje, na vigência do Código Civil de 2003, promulgado sob as regras instituídas pela Constituição Federal de 1988.

Enquanto não se reconhecer efetivamente que o direito à propriedade fundiária e imobiliária não inclui o direito ao abuso e ao desperdício, promovidos pelo não uso e pela especulação, não haverá políticas habitacionais, de assentamentos rurais e urbanos e de reconhecimento de posse imemorial que deem conta dos problemas e que eliminem os conflitos. Sempre existirão contestações e interpretações possíveis sobre a propriedade legal das áreas e edificações ociosas e/ou ocupadas de forma irregular. Continuarão inexistindo áreas de cultivo e de moradia suficiente para todos e, consequentemente, se multiplicarão os conflitos e os enfrentamentos.

É preciso que políticas sociais sejam adotadas e leis de propriedade sejam editadas e aplicadas, mas é preciso, sobretudo, que a consciência da cidadania nacional sobre o direito de propriedade se modifique. São tarefas que precisam ser exercidos pelos governos e pelas autoridades constituídas, mas é dever que precisa ser assumido também pela sociedade civil e por suas organizações autônomas.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Acampamento indígena é atacado com tiros no Rio Grande do Sul


Disparos vieram de matagal vizinho à área onde vivem 13 famílias Kaingang, num total de 70 índios, no município de Santa Maria

Renato Santana
de Brasília para o BRASILdeFATO


Três projéteis percorreram, no início dessa semana, o acampamento indígena Ketyjug Tentu (Três Soitas), disparados de matagal vizinho à área onde vivem 13 famílias Kaingang, num total de 70 índios, no município de Santa Maria, região central do Rio Grande do Sul. Ninguém se feriu.
O autor dos disparos não foi identificado, mas a motivação está bem clara aos indígenas: os quase 13 hectares ocupados desde dezembro pelos Kaingang – com apoio dos Guarani - e agora reivindicados junto à Fundação Nacional do Índio (Funai) como tradicional.
Boletim de ocorrência foi lavrado e a área periciada. Um dos disparos feito na direção de um grupo de crianças, reunidas em brincadeira, atingiu prédio vizinho ao acampamento e por pouco não vitimou uma moradora e sua filha. A polícia iniciará investigação para apurar o ataque, na medida em que outras ocorrências de violência contra a comunidade e apoiadores já tinham sido registradas.
Desde 2000 os Kaingang e Guarani lutam para o Poder Público oficializar a posse permanente do terreno. Os indígenas lutavam para que a Funai comprasse a terra, mas os 12 indivíduos que se dizem proprietários não tiveram interesse em negociar.
Com o intuito de resolver o impasse, em maio do ano passado aconteceu na Câmara dos Vereadores da cidade a 1ª Assembleia Popular Indígena.
“A Funai e a prefeitura firmaram com o MPF (Ministério Público Federal) o compromisso de em 60 dias apresentar uma solução para o caso. Isso não aconteceu e então decidimos pela ocupação da área central do terreno para pressionar. Agora queremos a identificação e demarcação”, explica a liderança Augusto Kaingang.
Em 19 de dezembro último, duas semanas depois da ocupação, a Justiça Federal determinou a situação dos Kaingang como de direito indígena, ou seja, o caso é de competência Federal, de interesse nacional e se enquadra nos termos constitucionais. Uma importante vitória dentro da luta pela terra.
“Através desse documento (da Justiça Federal) estamos tentando o diálogo com todos os setores”, afirmou em entrevista Matias Rempel, integrante do Grupo de Apoio aos Povos Indígenas (Gapin), a Seção Sindical dos Docentes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Rempel afirma que um dos principais problemas é a segurança no acampamento. Com a decisão da Justiça Federal, ele espera que a situação seja resolvida.
Os proprietários pediram a reintegração de posse do terreno. A Justiça negou por entender que a Funai precisa montar Grupo de Trabalho (GT) de identificação da área. Só com o resultado qualquer decisão judicial poderá ser tomada.

Rota de passagem

Santa Maria é secularmente rota de passagem dos povos indígenas do Rio Grande do Sul. Por estar localizada no centro do estado, dezenas de caminhos se cruzavam sobre ela - assim como os povos indígenas que eles percorriam. A cidade também foi palco de diversas batalhas dos indígenas do líder Sepé Tiaraju contra os exércitos de Portugal e Espanha, durante o século 18.
“Pela oralidade, constatamos que há mais de 100 anos as famílias indígenas passam por ali para coletar e vender produtos confeccionados pelos próprios indígenas. Vindos de todos os cantos do estado, encontram nesse local reivindicado uma instalação; algumas são fixas para receber as outras famílias”, explica o historiador e missionário da equipe de Porto Alegre do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Roberto Liebgott.
O missionário explica que na área reivindicada os indígenas conseguem manter um espaço de sobrevivência, manutenção da cultura e convívio entre as aldeias. “Famílias que vivem no Norte do estado foram para o local ajudar na ocupação, porque todas usam o local para a comercialização de artesanatos”, relata Liebgott.
Para ele, o Poder Público municipal nunca aceitou a presença dos indígenas na cidade. Ao contrário da população, composta por 200 mil pessoas, que vê com bons olhos os povos originários ali presentes – inclusive com ajuda de cestas básicas e roupas. O missionário aponta que falta infraestrutura no terreno para o melhor assentamento dos indígenas.
“É um direito desses povos e o Poder Público precisa se organizar para atender. Em Santa Maria ainda temos um grupo Guarani Mbyá acampado na beira da BR-392 e que reivindica a demarcação da terra indígena Arenal. São demandas que precisam ser atendidas”, diz Liebgott.

Ameaças e projetos

Os indígenas têm bem claro o que pretendem para a área. Conforme Augusto Kaingang, duas ideias permeiam a luta: a construção de um centro cultural e um espaço para alojar os estudantes indígenas da Universidade Federal localizada em Santa Maria. “Éramos 22 povos aqui no Rio Grande do Sul. Depois do massacre, restaram três povos (Kaingang, Guarani e Xahua). Para os sobreviventes é muito importante divulgar a cultura”, afirma.
Augusto esclarece que o importante para os indígenas é aprender a conviver com as diferenças, mas para a sociedade envolvente não é assim e, portanto, os direitos indígenas são sempre violados e desrespeitados: “Então temos que ir para a luta. Não resta alternativa a não ser reunir os povos e exigir o que é nosso”.
A reação de quem não quer os indígenas no local ao processo de luta veio com os mecanismos de sempre: ameaças e xingamentos, além dos recentes disparos contra a comunidade. De acordo com boletins de ocorrências registrados, um arrendatário é o principal autor das pressões.
“Ele disse que ia correr comigo de lá e botar fogo nos barracos. Vive dizendo que os brancos fizeram nossa cabeça pelas terras. O que não é verdade”, relata Augusto. Além do indígena, outros Kaingang foram ameaçados, bem como apoiadores, entre eles integrantes do Gapin. A Polícia Federal e o MPF também receberam registros das ameaças.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

À Sombra de um Delírio Verde

À Sombra de um Delírio Verde from Mídia Livre on Vimeo.

Por MIDIA LIVRE



Na região Sul do Mato Grosso do Sul, fronteira com Paraguai, o povo indígena com a maior população no Brasil trava, quase silenciosamente, uma luta desigual pela reconquista de seu território.
Expulsos pelo contínuo processo de colonização, mais de 40 mil Guarani Kaiowá vivem hoje em menos de 1% de seu território original. Sobre suas terras encontram-se milhares de hectares de cana-de-açúcar plantados por multinacionais que, juntamente com governantes, apresentam o etanol para o mundo como o combustível “limpo” e ecologicamente correto.
Sem terra e sem floresta, os Guarani Kaiowá convivem há anos com uma epidemia de desnutrição que atinge suas crianças. Sem alternativas de subsistência, adultos e adolescentes são explorados nos canaviais em exaustivas jornadas de trabalho. Na linha de produção do combustível limpo são constantes as autuações feitas pelo Ministério Público do Trabalho que encontram nas usinas trabalho infantil e trabalho escravo.
Em meio ao delírio da febre do ouro verde (como é chamada a cana-de-açúcar), as lideranças indígenas que enfrentam o poder que se impõe muitas vezes encontram como destino a morte encomendada por fazendeiros.

À Sombra de um Delírio Verde

Tempo: 29 min
Países: Argentina, Bélgica e Brasil
Narração: Fabiana Cozza
Direção: An Baccaert, Cristiano Navarro, Nicola Mu
thedarksideofgreen-themovie.com


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sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Mato Grosso do Sul assumiu “luta anti-indígena” como política de Estado

 Gabriel Brito e Valéria Nader, da Redação   do CORREIO DA CIDADANIA

Na madrugada de 18 de novembro, o Brasil voltou a registrar novos e vergonhosos fatos relativos ao secular genocídio de povos indígenas, desta vez capitaneados pelo agronegócio e pela inoperância do governo federal. O cacique kaiowá guarani Nísio Gomes foi a vítima, executado covardemente dentro do acampamento Tekoha Guayviri, um dos 30 que os guarani mantêm mobilizados em beiras de estradas e portas de fazenda, à espera do sonhado retorno às terras originárias.

O mesmo processo de massacre ocorre com as tribos do Xingu que serão afetadas pela construção de Belo Monte, com quem a presidente Dilma se recusa a qualquer diálogo. Num contexto de radicalização da expansão capitalista no território brasileiro, com apoio e financiamento público, a causa indígena ganha contornos ainda mais dramáticos, uma vez que seus direitos são esmagados de forma escancarada.


Diante do quadro desesperador dos índios guarani, o Correio da Cidadania entrevistou o antropólogo Egon Heck, do Conselho IndigenistaMissionário no estado do Mato Grosso do Sul - local onde o racismo e a intolerância à diversidade se tornaram políticas de Estado, com aparelhamento do judiciário, cooptação da mídia, sempre a serviço do poder econômico, e uso simultâneo e mal disfarçado de forças de segurança públicas e privadas contra os indígenas.


Além de denunciar o mencionado processo de genocídio deliberado dos povos indígenas, Egon cobra ações efetivas do governo federal, único ente capaz de fazer a lei chegar onde a pistola e o dinheiro ainda são os determinantes dos rumos da vida. Com um agronegócio ávido por terras e pelas riquezas do Aqüífero Guarani (cada vez mais contaminado), ele afirma que estamos chegando a uma situação-limite, na qual, de um lado, os povos indígenas buscam o retorno imediato às terras originárias e, do outro, o agronegócio põe em prática ofensiva para dizimar tais povos, passando por cima de todas as leis e direitos humanos que conhecemos.


A entrevista completa pode ser lida a seguir.


Correio da Cidadania: Como você poderia descrever a situação do povo guarani nos últimos meses no Mato Grosso do Sul, agora agravada com o assassinato do cacique Nísio e o desaparecimento de outros dois índios?

Egon Heck: O que a gente percebe é, na verdade, uma prática articulada pelo poder econômico e político no Mato Grosso do Sul, baseada fundamentalmente na produção exportadora e na monocultura da soja, além da agroindústria da cana, que está se agravando em níveis extremamente perigosos e absurdos, pois há em curso uma possibilidade mais ou menos próxima de definição das terras indígenas. E o MS é o estado que menos demarcou terras indígenas, que conseguiu impedir por mais tempo esse cumprimento constitucional, haja vista que 90% delas ainda terão de ser homologadas. E as restantes ainda estão em processos de regularização, na maioria dos casos, paralisados por ações judiciais.

Portanto, temos uma situação muito preocupante do ponto de vista da regularização das terras indígenas, um poder econômico e político muito articulado contra os direitos dos povos indígenas, com opções claras colocadas em prática em sua atuação contra os povos indígenas e os movimentos sociais.

No caso concreto, existe uma avaliação dos setores anti-indígenas de que não se deve mais esperar pela justiça. Qualquer movimentação dos índios deve ser rechaçada imediatamente, através de paramilitares, milícias armadas, pistoleiros dos fazendeiros e todo o poder econômico. Isso por um lado. Como dizem, a justiça demora muito, porque, se se entra com ação de reintegração de posse, esta poderá ser questionada, depois terá de ser acatada ou não pela justiça, e, se acatada, pode ter a execução demorada... Diante disso, eles parecem colocar em prática a estratégia dos caminhos do poder bruto, da violência e da força, passando ao largo de qualquer legalidade.

De outro lado, temos as comunidades indígenas que estão no limite mesmo de espera de promessas, enganações, prazos, que já foram inúmeros, mas nunca cumpridos em favor das comunidades indígenas. Recentemente, foi assinado um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), uma tentativa extrema de obrigar o governo brasileiro a cumprir sua obrigação de demarcar as terras. Mas já era pra terem publicado os relatórios antropológicos das terras e ainda não o fizeram.

Assim, os índios se perguntam: “vamos aguardar o que, até quando, de que forma?”. Praticamente, como última alternativa, viabilizada pelos mais de 30 acampamentos indígenas no estado, resta a pressão sobre o governo federal pra demarcar as terras indígenas. E a única forma de pressão que tem surtido algum efeito em favor dos índios é o retorno às terras. E aí vemos armados os conflitos, em proporções que exigem uma atitude, pois poderão ceifar inúmeras vidas. De um lado, está o fim da paciência; de outro, está a firme decisão de impedir os índios de retornar às suas terras.

Correio da Cidadania: O que esta situação revela das políticas de governo, do poder judiciário, da sociedade e da mídia do estado do Mato Grosso do Sul e sua relação com os povos originários?

Egon Heck: Lamentavelmente, vivemos uma situação que vem historicamente se aprofundando, de negação de direitos ao diferente, à alteridade, principalmente aqui no MS, e isso vem se tornando evidente, vem sendo reforçado pelos meios de comunicação regionais.

Para se ter idéia, desde 2008, quando se assinou o TAC, vimos uma enorme campanha anti-indígena durante os anos que passaram, veiculada e financiada até pelo governo do estado. Repassava recursos aos municípios para ter assessorias jurídicas contra a demarcação de terras. Fez grandes campanhas de imprensa, em outdoors, veiculando intencionalmente mentiras muito óbvias, do tipo que o “estado seria inviabilizado se as terras fossem demarcadas”, “os povos estariam reivindicando 12 milhões de hectares das terras mais férteis do estado” (no cone sul do MS), “estariam inviabilizando 26 municípios”, “ocupando municípios”.  Um conhecido nosso dessas cidades disse expressamente que comprou armas para se defender porque o sindicato rural havia avisado de que os índios iam invadir tudo...

Por aí vemos o absurdo de tantas informações e mentiras no sentido de criar grande animosidade contra os índios, com vistas a impedir de ser efetivado seu direito sagrado a terra.

Essa realidade se acentuou muito nos últimos anos, creio que seja hoje uma das que mais geram violência aos povos indígenas, em função do não cumprimento da determinação constitucional, chegando a esse quadro lamentável de violências, mortes, ameaças, fome, desintegração social, tudo aquilo que se pode imaginar como conseqüência da negação de direitos básicos de sobrevivência de um povo ou comunidade. Um processo de negação da vida, genocida, como dizem claramente os estudiosos do tema.

Correio da Cidadania: E a polícia, pode ser acusada de atuar em perversa parceria com os latifundiários e os donos do poder econômico?

Egon Heck: As mais recentes demonstrações de violência têm mostrado características típicas de ações muito bem articuladas em nível estadual. Por exemplo: a repressão com balas de borracha.

Esta é uma prática comum nos meios urbanos, agora utilizada por milícias, organizadas no interior pra reprimir índios. Outra estratégia é dificultar ao máximo a identificação dos agressores, conseqüentemente garantindo sua impunidade. E há ainda a ocultação de cadáver, coisa que aconteceu três vezes desde 2009, com corpos deixados tanto do lado brasileiro quanto do lado paraguaio da fronteira.

Existem indícios de que os fazendeiros têm atuado com essas forças particulares, nas quais evidentemente existem presença e atuação de policiais aposentados etc.

Correio da Cidadania: E quanto ao governo federal, como avalia a sua postura, atualmente, diante deste episódio, após anos de lutas pela demarcação de terras já homologadas e inúmeras mortes de indígenas, sempre seguidas de impunidade?

Egon Heck: Eu tenho impressão de que o governo federal infelizmente só dá respostas com o mínimo de retorno nesses momentos extremos, em situações de grande violência e morte. Mas a questão indígena é responsabilidade total do governo federal, no sentido de garantir a vida e o acesso aos recursos e patrimônios da natureza.

Infelizmente, não se tem avançado no sentido, diversas vezes sugerido, de contar, ao menos num primeiro momento, com a ajuda da polícia e da Força Nacional de Segurança, equipes com preparação específica para atuar com grupos étnicos diferentes, de culturas diversas.

Infelizmente, a própria atuação da PF, em vários casos, tem deixado a desejar, talvez até pela falta de um preparo específico para atuar em tais áreas. E, por outro lado, notamos que, quanto mais próxima a PF está das áreas e regiões de conflito, mais suscetível ela fica a pressões do poder econômico e político regional. Portanto, as ações acabam não tendo a esperada imparcialidade, que seria o mais justo para se chegar a punições e prevenção a violências – ou seja, a atuação que deveria haver para oferecer segurança às comunidades indígenas.

Correio da Cidadania: Fica evidente que a PF está a serviço do poder econômico do latifúndio no estado.

Egon Heck: Na semana passada, saiu na mídia regional uma notícia da ação do Ministério Público Federal com relação ao assassinato dos senhores Rolindo Vera e Genivaldo Vera, informando que o inquérito da PF recomendava arquivamento, “por falta de provas objetivas” contra os implicados no assassinato. Claro que causou grande estranheza ao Ministério Público, pois existem muitas provas e indícios de vários nomes de participantes do crime.

O procurador Tiago da Luz, em entrevista, disse que viu “vários depoimentos dos índios, únicas testemunhas oculares, inclusive identificando nomes. Por que tais depoimentos não foram levados em conta pela Polícia Federal? Por acaso a palavra dos índios não vale nada?”.

Infelizmente, são esses os atores que têm ditado as regras. Precisamos de uma instância diferente, diversa, para tratar da segurança nas comunidades indígenas, com preparação prévia para se lidar com a cultura indígena, especificamente na agroecologia. Além de uma isenção maior em relação à realidade política e econômica local, porque, queira ou não, isso interfere concretamente contra os direitos indígenas.

Correio da Cidadania: E a FUNAI? Tem estado a serviço dos interesses e direitos indígenas ou vem sendo também varrida por essas mesmas pressões?

Egon Heck: A FUNAI é um pouco isso. Sofreu forte e recente sucateamento, está em processo de tentativa de recuperação, com atuação em favor dos povos indígenas através de contratações e concursos públicos, além de alguns funcionários mais comprometidos com a realidade dos povos indígenas.

Por outro lado, no entanto, sempre vemos a atuação ambígua e contraditória que no fundo marca a FUNAI. Às vezes tem gente, mas não tem recursos para colocar, de fato, 500 pessoas a serviço dos povos indígenas; às vezes tem que defender direitos constitucionais indígenas, mas não pode ofender os “direitos” econômicos e políticos hegemônicos. Quer dizer, tem de fazer de conta que defende o índio, pois não pode afetar o grande capital.

É dentro desse clima de contradições que a FUNAI tem tido na região atuações mais expressivas em favor dos índios, atitudes até corajosas de alguns funcionários - o que até tem feito com que, diante dos povos indígenas, a FUNAI regional tenha recuperado sua credibilidade.

Correio da Cidadania: Como avaliar, ademais, esta evolução dos acontecimentos, tendo em vista a tão comemorada demarcação contínua de Raposa Serra do Sol? Esta demarcação colaborou, de algum modo, no que toca um maior reconhecimento e respeito aos direitos dos índios brasileiros? As 19 condicionantes impostas pelo STF têm resultado em reveses?

Egon Heck: De fato, e é incontestável, a demarcação contínua das terras de Raposa Serra do Sol tem sido uma vitória para os wapichana, macuxi, ingarikó, patamona e taurepang. Porém, o preço para os povos indígenas, especialmente no MS, tem sido muito alto, ou seja, onde existe poder econômico e político,  faz-se uma leitura das condicionantes que inviabiliza qualquer outra demarcação de Terra Indígena. A questão da temporalidade é uma delas. Só teria direito às terras tradicionais os índios que em 1988 estivessem nas terras. Acontece que, evidentemente, o processo de expulsão violenta, seja pela ocupação econômica da região, seja pelos próprios órgãos oficiais da época, como o SPI e a FUNAI, que antes se prestavam a tirá-los da terra e colocá-los em áreas de confinamento, é simplesmente desconsiderado.

Em todos os momentos, dizem que os índios não estavam lá em 1988 e, portanto, não têm direito às suas terras tradicionais. O que é um absurdo, pois, dentro da própria leitura das condicionantes no Supremo, fica claro que os índios deveriam estar nas terras até em 1988, tendo também direito a elas em caso de expulsão anterior. Essa tem sido uma das teclas em que se tem batido. A outra condicionante usada é a da não ampliação das terras indígenas. Usam também a afirmação, falsa, de que as demarcações não são válidas para antigos aldeamentos, quando na verdade esse processo guarani só teve um aldeamento, no século 18, por parte dos jesuítas...

Enfim, procuram-se todos os meios de distorcer as próprias leis em favor do poder econômico e político regional.

Correio da Cidadania: Pode-se dizer que essa demarcação representou o início da imposição de retrocessos?

Egon Heck: Ela dificultou, digamos. Ou deu munição aos interesses contrários para tentar fazer aquilo que já vinham fazendo, mas munidos de argumentos jurídicos. Com isso, tentam barrar todo e qualquer processo de identificação e demarcação de terras.

Temos quase 20 processos de demarcação em andamento, quase todos parados por ações judiciais. Outros, em processo praticamente conclusivo, como no caso da terra dos nhanderu marangatu, homologada pelo presidente Lula, mas cassada liminarmente pelo ministro Nelson Jobim, em 2005. Dizia-se que logo no retorno das atividades do Supremo essa ação seria julgada. Passaram seis anos e a ação não foi julgada. E temos vários outros exemplos.

Podemos ver claramente que existe uma justiça ágil quando se trata de interesses contrários aos indígenas, e uma justiça extremamente morosa quando se trata de garantir os direitos indígenas.

Correio da Cidadania: O que você teria a responder aos argumentos que vêem nas demarcações de terras indígenas, especialmente se feitas de forma contínua, uma ameaça de internacionalização de nosso território, a partir de uma suposta susceptibilidade dos povos indígenas à ingerência externa?

Egon Heck: Responderia que teríamos que nacionalizar nosso país outra vez, já que ele foi entregue ao capital multinacional, às grandes corporações, que fazem o que querem.

Com os indígenas, as terras ficam ainda mais protegidas, pois, sendo terras da União, podem contar com dupla defesa. Além do mais, poderíamos conservar condições mais dignas de sobrevivência, onde ainda não se destruiu totalmente o meio ambiente e os recursos naturais, garantindo ao país as reservas necessárias ao equilíbrio ambiental.

Aqui no MS temos terras totalmente devastadas em relação à mata originária. Alguns municípios têm menos de 10% da mata original. Alguns deles, apesar de toda a pressão e confinamento sobre as terras indígenas, têm um pouco mais de árvores, com maior diversidade de vida preservada.

Creio que os povos indígenas, junto com os movimentos sociais e populares, têm muito a contribuir com um projeto realmente nacional, no lugar de um projeto de multinacionais. Um projeto que, principalmente, tenha como prioridade a vida, não um desenvolvimento desigual que beneficia somente pequenos grupos.

Correio da Cidadania: Qual a capacidade dos guarani de continuar resistindo, em meio a cerco tão violento dos pistoleiros e paramilitares, e quais as expectativas indígenas após essa nova onda de crimes contra suas lideranças, com grande repercussão internacional? Tempos mais sombrios continuam se anunciando?

Egon Heck: Entendemos que os guarani só atravessaram esses mais de 500 anos de turbulências, agressões, extermínios, doenças e tudo mais porque têm uma raiz de sabedoria milenar muito forte, sustentada principalmente em sua forte relação com o sobrenatural, com a espiritualidade, e ao mesmo tempo com a terra, sua mãe, espaço de vida e cura. E isso também lhes permitiu desenvolver uma estratégia de sobrevivência em meio a toda a adversidade. Apesar dessa violência toda, vemos um protagonismo dos guarani, no sentido de se mobilizar contra a violência, muito grande.

Também vemos uma grande mobilização, nacional e internacional, oferecendo recursos e solidariedade, o que é um dos fatores que podem contribuir muito, já que a solidariedade internacional tem um peso muito grande hoje em dia em relação aos direitos humanos e de minorias.

Tanto os movimentos de resistência quanto de solidariedade dão sinais muito fortes de que vão atravessar, não sem sofrimento, dor e sangue, esse difícil momento de recuperação da terra.

Correio da Cidadania: Que tipo de impacto poderá ter a aprovação do Código Florestal em discussão em Brasília sobre a situação dos povos indígenas, a seu ver? Os conflitos de interesses entre os povos indígenas e o capital poderão, por exemplo, acirrar-se, vulnerabilizando ainda mais as riquezas do Aqüífero Guarani?


Egon Heck: Creio que sim, que a aprovação dessa proposta de Código Florestal tende a acentuar os conflitos com os guarani pela questão da água e da agricultura, sem dúvida. O que mais causa devastação, além de toda a carga pesada dos agrotóxicos, é a instalação maciça de indústria da cana, através de vários projetos de usina, o que terá conseqüências muito fortes aos guarani. Em algumas usinas, como a de Rio Brilhante, já se usam as águas do aqüífero pra lavar a cana. Com isso, fragilizam a proteção da vida dos guarani que utilizem água dos rios, poluindo essa água, inviabilizando seu uso por parte dos guarani, afetando matas virgens... A indústria da cana é altamente rentável aos empresários e, infelizmente, utiliza a mão-de-obra indígena, que, por sua vez, tem sido cada vez mais dispensada com o processo de mecanização de tais usinas na região. Isso cria um novo problema social, pois grandes contingentes de indígenas que trabalhavam no corte da cana são dispensados e condenados à miséria.

O que colocamos como perspectivas, que os guarani esperam do governo, da sociedade, do mundo, não é apenas o reconhecimento formal do direito à vida e das legislações, inclusive a constituição, mas ações efetivas de construção de projetos que respeitem a diversidade de vida, de produção, de sociabilidade. E, principalmente, quanto àqueles que tanto mal fizeram à mãe terra, que tanta destruição causaram, que o governo federal assuma com determinação e clareza seu papel. Que não fique só na demarcação de terras, mas possibilite de fato a recuperação de sua economia, subsistência, seus meios de vida, promovendo uma recuperação básica do meio ambiente, rios e matas, que de alguma forma terão de ser recompostos. Que ajude a se começar uma virada histórica nessa situação de violência e miséria a que os índios foram submetidos, com convivência, paz e respeito na diversidade. É isso que esperamos. Os guarani e todo mundo. É um momento crucial, de encruzilhada, de busca de caminhos e alternativas.

Gabriel Brito é jornalista; Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da Cidadania.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Movimento indígena fragmentado

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Por Luis Ángel Saavedra desde Quito
Tradução: ADITAL


Comunidades Kichwas em Puerto El Carmen,
Sucumbíos, protestam pela militarização da
fronteira (Foto> Janet Cuji)

O governo nacional conseguiu fracionar as bases de diversos setores do movimento indígena equatoriano através da cooptação de vários de seus dirigentes, a quem nomearam como funcionários de alto nível; ou mediante acordos feitos com as bases indígenas à margem de suas organizações regionais e nacionais.
Por seu lado, os indígenas tampouco conseguiram articular uma plataforma de luta que enfrente o embate governamental, vinculando suas demandas históricas com os novos problemas que as comunidades enfrentam e nas quais o discurso do governo cada vez tem maior acolhida.
A mediados de setembro desse ano, a Confederação de Organizações Indígenas do Equador (Conaie) reuniu-se em Assembleia Geral na cidade de Bañops, situada na província central de Tungurahua. Dois temas preocupavam essa organização indígena: a nomeação de seu líder histórico, Ricardo Ulcuango, como embaixador na Bolívia e o acordo assinado entre o governo e a Federação Interprovincial de Centros Shuar (FICSH), pela qual o governo se compromete a realizar obras de infraestutura esportiva, viária e sanitária nas comunidades Shuar, enquanto que os compromissos da FICSH não são especificados nesse acordo.
Ulcuango foi vice presidente da Conaie e presidente da Confederação Kichwa do Equador (Ecuarunari) por duas ocasiões. Lidera uma das regiões indígenas com maior capacidade de mobilização, como é Cayambe, na serra norte, e por isso surpreendeu quando, no início de agosto, foi divulgada sua designação diplomática.
A Ecuarunari reagiu e decidiu, em 17 de agosto, expulsá-lo dessa organização. O líder indígena não aceitou a decisão e questionou a atual direção, a quem acusou de aliar-se com a direita e de não entender o processo de mudança vivida no país e de ter-se separado de suas bases.
"Os dirigentes estão longe de sentir as bases; longe de suas necessidades reais”, disse Ulcuango durante a cerimônia de posse de seu cargo de embaixador, realizada em Cayambe, no dia 16 de agosto de 2011.
Ulcuango não é o único dirigente indígena destinado ao serviço no exterior; em setembro passado foi designado a Segundo Andrango, de Cotacachi, província de Imbabura, como novo embaixador em El Salvador. Esse dirigente é pai de Luis Andrango, presidente da Confederação Nacional de Organizações Camponesas, Indígenas e Negras (Fenocin), organização aliada ao governo; porém, que se estava mostrando crítica em temas como a lei de águas, a lei de mineração e a de soberania alimentar, por considerar que são leis elaboradas pelo governo sem consensos com os movimentos sociais e com os usuários das bacias hídricas. A Fenocin voltou a respaldar incondicionalmente ao govenro.

Aproximação com o governo

Francisco Shiki, presidente da FICSH, justificou o acordo assinado com o governo.
"Em vista de tantos discursos vazios, de opositores débeis, como FICSH tomamos a decisão coletiva de sustentar um diálogo e um convênio em benefício das comunidades Shuar”, afirmou, no Congresso da Conaie, em Baños, ao mesmo tempo em que ameaçava com um processo de revocatória do mandato das autoridades Shuar de eleição popular, como Marcelino Chumpí, prefeito de Morona Snatinago, província amazônica de maior população Shuar, e à assembleísta dessa mesma província, Diana Atamaint, caso se oponham a esse acordo.
Apesar dos questionamentos das outras federações indígenas, a FICSH manteve sua posição na Assembleia da Conaie. "Como povo, temos que ser beneficiados com todos os programas de governo”, afirmou Galo Puanchir, vice presidente da FICSH. "Os povos não vivem de discursos, de palavras, mas de ações concretas”.
A decisão da FICSH dividiu a Confederação de Nacionalidades Indígenas da Amazônia (Confeniae), organização regional amazônica pertencente à Conaie, pois seu presidente, Tito Puanchir, também de nacionalidade Shuar, decidiu respaldar o convênio assinado, enquanto que a nacionalidade Kichwa o questionou.
"A Confeniae pedirá que a Conaie formalize o diálogo com o governo”, assegurou, na Assembleia Galo Puanchir; porém, suas declarações foram rechaçadas pelos dirigentes da Federação de Organizações da Nacionalidade Kichwa de Sucumbíos, Equador (Fonakise).
Os Shuar e os Kichwa amazônicos são as duas maiores nacionalidades representadas na Confeniae. Qualquer desacordo entre elas imobiliza essa organização, pois as outras nacionalidades amazônicas são muito débeis para solucionar problemas em um conflito interno de sua organização regional.
A Assembleia da Conaie não pode dar uma resposta a esses problemas e se limitou a reivindicar sua luta histórica pela construção do Estado Plurinacional, o exercício do direito à consulta prévia, a defesa da água e dos territórios. Além de expressar sua solidariedade com as lutas locais das organizações indígenas. Da mesma forma que em ocasiões passadas, a Assembleia concluiu fazendo um chamado a todas as organizações sociais para unir-se em uma "Marcha Nacional pela construção das verdadeiras mudanças profundas no país”, como afirma o Comunicado Final, sem, contudo, marcar a data da realização da marcha.
Para a líder indígena amazônica Mónica Chuji, a aceitação da proposta governamental em setores indígenas obedece a que o movimento indígena não tem podido articular suas demandas históricas com os novos temas que preocupam as comunidades.
"O emprego, a migração, a produção agrícola e as formas de comércio, a educação e a saúde são temas que devem ser incorporados no debate das organizações indígenas e, enquanto isso não seja feito, o governo terá um espaço para ganhar a confiança das comunidades e dividir as organizações”, afirma Chuji.

O Estado de Bem Estar

A proposta governamental é muito mais concreta para as comunidades indígenas e daí o distanciamento com seus dirigentes, pois a oferta do governo pode ser vista e medida, uma vez que é material; enquanto que o discurso de reivindicação indígena tem se repetido por anos e, apesar dos avanços constitucionais alcançados, para as comunidades indígenas não se materializa em resultados tangíveis.
"A Constituição contem uma parte da normativa que o movimento indígena propôs durante anos; porém, essa nova normativa parece não ter um benefício concreto para as bases indígenas porque não se identificou com a forma de vida diária das comunidades”, diz Chuji.
O governo, por outro lado, aparece com um discurso de bem estar geral que tem grande acolhida em setores vulneráveis da sociedade, como são os indígenas. Assim o afirmou Nelson Reascos, decano da Faculdade de Sociologia da Universidade Católica de Quito. Esse discurso se refere a investimento social homogêneo (educação, saúde, habitação etc.) como fonte de bem estar geral. Sem considerar a diversidade social ou a aquisição dos recursos econômicos necessários com base na depredação da natureza.
"O discurso do bem estar, baseado na oferta de maiores serviços sociais, como mais casas, mais escolas, mais hospitais”, sustenta Reascos. "É um discurso assimilável por todos, enquanto que o discurso da plurinacionalidade é um enigma para as pessoas mais simples”.
Para Reascos, o discurso do bem estar geral encerra um perigo, pois se entende por bem estar a uma forma de sociedade homogênea com benefícios iguais, o que contradiz o direito à diversidade.
"Para alcançar o bem estar geral tudo é válido, desde atingir o direito das comunidades a viver sua própria cosmovisão até a depredação da natureza, passando pela repressão aos que não pensam igual”, indica Reascos.
Chuji manifesta que "articular uma nova resistência, que pressione ao governo a cumprir em sério o mandato constitucional implica articular um novo discurso que coordene as demandas históricas do movimento indígena com as novas dinâmicas sociais, pois é necessário dar respostas às necessidades das novas gerações indígenas”.
Enquanto esse debate não é assumido por seus dirigentes nacionais, as comunidades indígenas começaram a mobilizar-se por demandas locais, como a oposição aos danos ambientais provocados pela indústria petroleira em Sucumbíos e Orellana, a declaratória de bosque protetor e a militarização em zonas de fronteira, a ausência de investimentos sociais em setores rurais da costa equatoriana, e, inclusive, a luta antimineração e a defesa da água.
Esses pequenos brotes de resistência são ignorados pelo governo, como o protesto contra a contaminação petroleira que desde o dia 25 de setembro mantém os habitantes fronteiriços do Triángulo de Coembí, na fronteira com a Colômbia e com o Equador da província de Sucumbíos, ou são deslegitimados, como acontece com a autoconsulta que fizeram os habitantes de Kinsakocha, na província de Azuay, na qual decidiram opor-se majoritariamente à mineração.
Entretanto, a fragmentação dos dirigentes indígenas e a ausência de uma agenda nacional que incorpore as demandas das comunidades continuarão alimentando a capacidade de penetração que o governo tem nas bases das organizações indígenas.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Somos uma cultura que não deu certo: o código florestal



Repito o que já escrevi aqui: o jornalista e especialista em questões ecológicas, Washington Novaes nos tem alertado, com dados seguros, dos riscos que passamos, caso não tomarmos mais a sério as mudanças que estão ocorrendo no estado do planeta Terra. Tudo isso será agravado,se o atual Código Florestal for aprovado. Parece que o Estado brasileiro não gosta da naturez, nem se preocupa com o futuro da Terra e da humanidade. Veja quanto destina para o Ministério do Meio Ambiente e com ele ao IBAMA? Apenas 0,5% do orçamento.Isso é fazer-nos ridículos face ao mundo e revelar o farisaismo de nossos discursos oficiais sobre preservação ambiental. O artigo de Novaes foi publicado no dia 4/11/2011 no Estado de São Paulo: lB

O CÓDIGO FLORESTAL NO MUNDO DA ESCASSEZ

Washington Novaes

Aproxima-se a hora de votações decisivas no Senado do controvertido projeto de lei sobre um novo Código Florestal. E crescem as preocupações, tantos são os pontos problemáticos que vêm sendo apontados por instituições respeitáveis como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a Academia Brasileira de Ciência, o Ministério Público Federal, o Instituto de Pesquisas da Amazônia, o Museu da Amazônia, os Comitês de Bacias Hidrográficas e numerosas entidades que trabalham na área, entre elas o Instituto SocioAmbiental e a SOS Mata Atlântica.
Não faltam motivos para preocupações graves. Entre elas: a possibilidade de transferir licenciamentos ambientais para as esferas estadual/municipal, mais suscetíveis a pressões políticas e econômicas; a anistia para ocupações ilegais, até 2008, de áreas de proteção permanente (reconhecidas desde 1998 como crime ambiental); a redução, de 30 para 15 metros, das áreas obrigatórias de preservação às margens de rios com até 10 metros de largura ( a proposta atinge mais de 50% da malha hídrica, segundo a SBPC); a isenção da obrigação de recompor a reserva legal desmatada em todas as propriedades com até 4 módulos fiscais (estas são cerca de 4,8 milhões num total de 5,2 milhões; em alguns lugares o módulo pode chegar a 400 hectares); a possibilidade de recompor com espécies exóticas e não do próprio bioma desmatado; nova definição para “topo de morro” que pode reduzir em 90% o que é considerado área de preservação permanente.
São apenas alguns exemplos. Há muitos. Para que se tenha idéia da abrangência dos problemas: o prof. Ennio Candotti (ex-presidente da SBPC), o Museu da Amazônia e outros cientistas lembram que naquele bioma há uma grande variedade de áreas úmidas, áreas alagadas, de diferentes qualidades (pretas, claras, brancas), baixios ao longo de igarapés, áreas úmidas de estuários etc.; cerca de 30% da Amazônia pode ser incluído entre as áreas úmidas e cada tipo exige uma regulamentação específica, não a regra proposta no projeto. No Pantanal, são 160 mil quilômetros quadrados.
Mas não bastassem todas essas questões, recentes portarias ministeriais (ESTADO, 29!10) e do Ministério do Meio Ambiente mudaram – para facilitar – os procedimentos obrigatórios para licenciamento de obras de infra-estrutura e logística, com o argumento de que há 55 mil quilômetros de rodovias, 35 portos e 12 mil quilômetros de linhas de transmissão de energia sem licenciamento – como se o problema estivesse nos órgãos ambientais, e não nos empreendedores/construtores.
E tudo isso acontece no momento em que as últimas estatísticas dizem que o desmatamento na Amazônia permanece em níveis inaceitáveis: em sete meses deste ano foram mais de 1.800 quilômetros quadrados, número quase idêntico ao de igual período do ano passado (Folha de S. Paulo, 1/11). E no momento em que se reduz a área de vários parques nacionais na Amazônia para facilitar a implantação de hidrelétricas questionáveis. Esquecendo a advertência do consagrado biólogo Thomas Lovejoy: o desmatamento no bioma já chegou a 18%; se for a 20%, poderá atingir o “turning point” irreversível, com conseqüências muito graves na temperatura e nos recursos hídricos, ali e estendidas para quase todo o país. É uma advertência reforçada por estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e Escritório Meteorológico do Hadley Centre, da Grã-Bretanha. Já o prof. Gerd Sparoveck, da USP (ESTADO, 26/10) adverte: o passivo com o desmatamento no país já é de 870 mil quilômetros quadrados.
E ainda se pode perguntar: mesmo admitindo a hipótese otimista de o Congresso rejeitar todas as mudanças indesejáveis – hipótese difícil, dado o desejo de grande parte dos congressistas de “agradar” o eleitorado ruralista e parte do amazônico (que vê no desmatamento oportunidade de empregos e renda) -, mudará o quadro, lembrando que o Ministério do Meio Ambiente (e, por decorrência, o Ibama) tem apenas cerca de meio por cento do orçamento da União ? Não esquecendo que o Ibama só tem conseguido receber cerca de um por cento das multas que aplica a desmatadores ?
Estamos numa encruzilhada histórica, reforçada pelo fato de a população do planeta haver chegado a 7 bilhões de pessoas e caminhar para pelo menos 9 bilhões neste século – o que exigirá o aumento da oferta de alimentos em 70%, quando o desperdício, hoje, nos países industrializados, chega a um terço dos produtos disponibilizados; quando nas discussões do ano passado na Convenção da Diversidade Biológica se demonstrou que o mundo perde entre US$2,5 trilhões e US$4,5 trilhões anuais com a “destruição de ecossistemas vitais”; quando a “pegada ecológica” da humanidade, medida pela ONU, indica que estamos consumindo mais de 30% além do que a biosfera planetária pode repor.
Nessa hora, em que o até ex-ministro Delfim Netto, que admite nunca haver se preocupado antes com a questão, manifesta (no livro O que os economistas pensam da sustentabilidade, de Ricardo Arnt) seu desassossego com a escassez de recursos naturais no mundo e a possibilidade de esgotamento, é preciso mudar nossas visões. Admitir que tudo terá de mudar – matrizes energética, de transportes, de construção, de urbanização, nível de uso de terra, água, minérios, tudo. Relembrar o que diz há décadas o PNUD: se todas as pessoas tiverem o nível de consumo do mundo industrializado, precisaremos de mais dois ou três planetas para supri-lo. A atual crise econômico-financeira está mostrando o quanto nos descolamos da realidade, com um giro financeiro anual (em torno de US$600 trilhões) dez vezes maior que todo o produto bruto no mundo no mesmo espaço de tempo (pouco mais de US$60 trilhões).
Se não nos dermos conta dessa insustentabilidade, razão terá o índio Marcos Terena, quando diz que “vocês (não-índios) são uma cultura que não deu certo”.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A farsa parlamentar do diálogo pela busca de soluções para os problemas indígenas e quilombolas





Um espetáculo teatral: diálogo para solucionar os problemas fundiários envolvendo agricultores, indígenas e quilombolas no Estado do Rio Grande do Sul - O palco: Assembléia Legislativa do Estado – Os atores principais: senadora Ana Amélia Lemos, deputados federais do RS e fazendeiros vinculados à Confederação Nacional da Agricultura – Os Coadjuvantes: pequenos agricultores – As vítimas: povos indígenas e quilombolas.

Assim pode ser descrita a “audiência pública” convocada pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado Federal, realizada no dia 21 de outubro, em Porto Alegre, com o intuito de estabelecer um diálogo para a “busca de soluções à questão da demarcação das terras indígenas e quilombolas no Rio Grande do Sul”. No palco, dirigiu a cena a senadora Ana Amélia Lemos (PP), auxiliada pelos deputados estaduais Edson Brum (PMDB) e Gilberto Capoani (PMDB), e pelos de deputados federais Alceu Moreira (PMDB) e Luiz Carlos Heinze (PP), todos parlamentares do Rio Grande do Sul. E, como toda cena teatral requer apoiadores, lá estavam representadas algumas instituições: Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag/RS), Federação da Associação dos Municípios do Estado do Rio Grande do Sul (Famurs), Fundação Cultural Palmares, Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Ministério Público Estadual (MPE), a subchefe da Casa Civil do Estado Mari Peruzzo e ainda representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA). E, para aplaudir a performance dos protagonistas deste espetáculo, centenas de pequenos agricultores lotaram a platéia da Assembléia Legislativa.  

Da “audiência”, cuja temática versava particularmente sobre os direitos constitucionais dos povos indígenas e quilombolas, representantes destas populações não participaram como convidados. Não bastasse isso, sua entrada, como espectadores, só se deu de maneira forçada sendo que quase não conseguiram adentrar no auditório Dante Barone. Nem mesmo a Funai, que havia sido convidada para a audiência, se interessou em informar e articular as comunidades indígenas da região. Por sua vez ela se fez presente no palco do espetáculo, representando, no enredo, o Governo Federal e seus interesses. Estava lá para prestar esclarecimentos sobre procedimentos de demarcação, para justificar a inoperância do governo, apesar de ter por obrigação constitucional criar e executar uma política indigenista e demarcar todas as terras indígenas do país.

O que desejavam os promotores desta audiência, com ares de espetáculo e direito a aplausos fervorosos e vaias ensandecidas, não era o diálogo e, muito menos, uma solução justa para o conflito fundiário que se estende por décadas, transformando a vida dos povos indígenas e comunidades quilombolas em um drama sem fim. A questão tomou proporções vultosas no estado do Rio Grande do Sul porque há segmentos importantes do agronegócio implicados. Por isso, a justa luta dos povos indígenas e dos quilombolas pela terra é vista como um “problema” que afeta o bem estar, a produtividade, o desenvolvimento do estado. No teatro que se encenou com a alcunha de audiência pública, o interesse era fazer uma demonstração de força, comprometendo os parlamentares com a “causa” dos segmentos econômicos e social (latifúndio e agronegócio), cuja intenção primeira é limitar os direitos constitucionais dos povos indígenas e dos quilombolas que lutam pela garantia da demarcação e o usufruto de suas terras.

E isso ficou evidente quando os personagens principais da peça teatral procederam à leitura de suas propostas para solucionar o problema no estado: a suspensão das demarcações de terras dos quilombolas e indígenas em áreas onde não há consenso (ou seja, todas as áreas indígenas, com exceção, por enquanto, dos barrancos de beira de estrada); revisão dos decretos 1.775/1996 e 4.887/2003(que regulamentam as demarcações de terras indígenas e quilombolas); suspensão de todos os procedimentos administrativos de demarcação de terras em curso no Rio Grande do Sul; garantia de observância do devido processo legal e da ampla defesa (como se essas não estivessem previstas em decretos e na Constituição Federal); revisão da legislação indigenista e da Constituição Federal no que se refere à demarcação das terras indígenas e quilombolas; votação e aprovação da PEC 215/2000 (proposta de Emenda à Constituição Federal que visa transferir a autorização para demarcação de terras ao Congresso Nacional e não ao Poder Executivo); garantir assistência jurídica e antropológica aos produtores rurais; políticas públicas para as comunidades quilombolas e indígenas (essa proposta foi apresentada porque, segundo eles, o problema dos povos indígenas não é fundiário, mas social).

Os efeitos do espetáculo não são, portanto, uma farsa. Longe disso! São reais e estão sendo dinamizadas em diferentes âmbitos, seja por representantes deste novo e articulado movimento ruralista, seja por integrantes do próprio Governo Federal, especialmente da Casa Civil e do Ministério da Justiça. As propostas expostas ao final do último ato daquele bizarro espetáculo falam por si mesmas: são unilaterais, refletem o anseio de impor a vontade de certos segmentos econômicos aos direitos estabelecidos na Constituição Federal e, assim, são propostas que instauram uma insegurança jurídica, uma vez que colocam em questão o teor das leis e também as instituições responsáveis pela sua execução.

O suposto diálogo, que deveria ocorrer nesta audiência realizada no espaço da Assembléia Legislativa do Estado é, então, um grande monólogo que expõe a vergonhosa intenção de restringir os direitos dos povos indígenas e das comunidades quilombolas. Aliás, a teatralidade do evento parece refletir uma tendência que se expressa em âmbito nacional: a de considerar “problemática” a presença indígena e quilombola lutando pela posse e garantia de suas terras, desviando o foco do verdadeiro problema que é a omissão do Estado e a morosidade em fazer valer os direitos territoriais destes povos e comunidades.  

Nesse sentido, a encenação do dia 21 de outubro em Porto Alegre não foi inédita e nem exclusiva.  Ela será reprisada em todos os estados da federação. Haverá, de acordo com a realidade de cada região do país, algumas mudanças e/ou substituições de personagens, mas o conteúdo será o mesmo: alterar os dispositivos constitucionais que asseguram o direito a demarcação das terras indígenas e quilombolas. Iniciativas como esta, propagadas como um momento de “busca de soluções” ou como um espaço democrático de participação e de expressão pública, nem de longe possibilitam que o público seja ouvido e, menos ainda, que os maiores interessados possam se manifestar.

O que ocorreu no Rio Grande do Sul, na verdade, foi uma grande demonstração de intolerância e de desrespeito: os indígenas e quilombolas tentaram manifestar suas posições e foram recebidos com vaias pela platéia. Mesmo estando em franca minoria, e mesmo sendo desrespeitados dentro da Assembléia Legislativa, espaço em que, teoricamente, se resguardam preceitos legais e se legisla, os indígenas e quilombolas exigiram um espaço para se manifestar.  

O líder indígena Kaingang, Sr. Francisco dos Santos, sob muita vaia da platéia, disse: “Nós indígenas sofremos muito e fomos mortos e ainda estamos sendo mortos. Esse país, Brasil, pertence aos povos indígenas. O que eu quero é a demarcação das terras que sobraram. Eu respeito a terra dos brancos, a que eles compraram, mas eu não posso deixar a minha terra, mesmo que os brancos digam que a tenham comprado. Eu respeito a lei, mas não sou culpado se vocês embarcaram em um barco furado quando compraram terras que eram nossas, que nós vivíamos em cima delas. Todos nós sofremos e estamos aqui para dialogar. Mas nós indígenas e quilombolas precisamos defender nossas terras. Quero o que pertence para mim, pro meu povo. Vocês (os brancos) não respeitaram a natureza, não respeitaram os bichos, os peixes. Vocês terminaram com a minha natureza. Quero o meu direito que a Constituição determina. Eu vou até a morte. Os culpados são os políticos, os governos que assentaram vocês nas terras indígenas”.

Este pronunciamento emocionado, feito por uma liderança Kaingang, dá conta do sofrimento que tem sido imputado aos povos indígenas, sistematicamente perseguidos e desrespeitados pelos políticos que defendem exclusivamente interesses econômicos, que não encontram no poder público o amparo e a proteção que lhes é devida. O pronunciamento feito por um representante quilombola foi igualmente comovido, e expressou a profunda tristeza de ver que, em pleno século XXI, são ainda vistos como improdutivos, como ineficientes, como incômodos que não se moldam aos preceitos da vida para consumo.

E essa idéia se evidenciou claramente na audiência, quando esse representante fez referência, em seu discurso, ao fato de serem os indígenas e os quilombolas também agricultores, o que gerou uma estridente e prolongada vaia. Tal manifestação coletiva mostra o quanto aquele espetáculo e seus espectadores vindos em caravana estavam armados contra os povos indígenas e as comunidades quilombolas. As faixas espalhadas do lado de fora da assembléia também demonstravam a falta de abertura ao diálogo.

Os povos indígenas e as comunidades quilombolas são, na concepção da grande maioria dos políticos, governos e dos “produtores rurais”, um estorvo. Seus direitos tratados como penduricalhos e suas culturas consideradas atrasadas. Impera, nesta lógica de pensamento dominante, a idéia de que alguns são seres superiores e os demais povos e culturas precisam submeter-se aos seus interesses e ideologias. Lamentavelmente as vaias destinadas aos povos indígenas e quilombolas refletem o quanto a sociedade “branca” é intolerante e racista. 

Porto Alegre, RS, 24 de outubro de 2011.

Roberto Antonio Liebgott
Cimi Regional Sul - Equipe Porto Alegre

sábado, 22 de outubro de 2011

O dia do Saci Pererê

Elaine Tavares no PALAVRAS INSURGENTES

Não há nada mais servil do que se deixar dominar culturalmente. Quando a força das armas vem, pode-se até entender. Mas quando o domínio se dá de forma sub-reptícia, via cultura, parece mais letal. O Brasil vive isso de forma visceral. A música estadunidense invade as rádios e a juventude canta sem entender a mensagem. No comércio abundam os nomes de lojas em inglês e até as marcas de roupa ou sapato são na língua anglo-saxônica, “porque vende mais” dizem as atendentes. Nas vitrines, cartazes de “sale”, ou “50% off” embandeiram a escravidão cultural. E tudo acontece automaticamente, como se fosse natural. Não é!
Outra prática que vem invadindo as escolas e até os jardins de infância é a comemoração do Halloween, o dia das bruxas dos estadunidenses. Lá, no país de Obama, esta data, o 31 de outubro, é um lindo dia de festividades com as crianças, no qual elas saem fazendo estripulias, exigindo guloseimas. Tudo muito legal dentro da cultura daquele povo, que incorporou esta milenar festa irlandesa lá pelo início do 1800. Nesta festa misturam-se velhas lendas de almas penadas, de gente que enganou o diabo e outras tantas comemorações pagãs. Além disso, hoje, ela nada mais é do que mais uma boa desculpa para frenéticas compras, bem ao estilo do capitalismo selvagem, predador.
Aqui no Brasil esta festa não tem qualquer razão de ser, exceto por conta das mentes colonizadas, que também associam o Halloween ao consumo. Não temos raízes celtas, nem irlandesas ou inglesas. Nossas raízes são outras, Guarani, Caraíba, Tupinambá, Pataxó... Nossos mitos – e são tantos – guardam relação com a floresta, com a vida livre, com a beleza. O mais conhecido deles é ainda mais bonito, fala de alegria e liberdade. É o Saci Pererê. Uma figurinha buliçosa que tem sua origem nas lendas dos povos originários, como guardião das generosas florestas que garantiam a vida plena das gentes. Com a chegada dos povos das mais variadas regiões da África, o menino guardião foi agregando novos contornos. Ficou negro, perdeu uma perna e ganhou um barrete vermelho na cabeça, símbolo da liberdade. Leva na boca um cachimbo (o petyngua), muito usado pelos mais velhos nas comunidades indígenas. Sua missão no mundo é brincar, idéia muito próxima do mito fundador de quase todas as etnias de que o mundo é um grande jardim.
Pois é para reviver a cada ano as lendas e mitos do povo brasileiro que vários movimentos culturais e sociais usam o 31 de outubro para comemorar o Dia do Saci. Com atividades nas ruas, as gentes discutem a necessidade da libertação - coisa própria do Saci - das práticas culturais colonizadas. Ao trazer para o conhecimento público figuras como o Saci, o Caipora, o Boitatá, o Curupira, a Mula Sem Cabeça, todos personagens do imaginário popular, busca-se, na brincadeira que é próprias destes personagens mitológicos, incutir um sentimento nacional, de brasilidade, de reverência pela cultura autóctone. Não como sectária diferença, mas como afirmação das nossas raízes.
Em Florianópolis, quem iniciou esta idéia foi o Sindicato dos Trabalhadores da UFSC, que decidiu instituir o 31 de outubro como o Dia do Saci e seus amigos. Assim, neste dia, durante vários anos, os mitos da nossa gente invadiam as ruas, não para pedir guloseimas, mas para celebrar a vida. Tendo como personagem principal o Saci, o sindicato discutia a necessidade de valorizarmos aquilo que é nosso, que tem raiz encravada nas origens do nosso povo. Mas, agora, sob outra direção, que não conspira com estas idéias de nacionalismo cultural, o Saci não vai sair com a pompa usual.
Mas, não tem problema, porque ainda assim, prenunciando seu dia, por toda a cidade, se ouvirão os loucos estalos nos pés de bambu. É porque dali saem, às carreiras, todos os Sacis que estavam dormindo, esperando a hora de brincar com as gentes. Redemoinhos, ventanias, correrias e muito riso. Isso é o Saci, moleque danado, guardião da floresta, protetor da natureza. Ele vem, com seus amigos, encantar o povo, fazer com que percebam que é preciso cuidar da nossa grande casa. Não virá pela mão do Sintufsc, mas pelo coração dos homens, mulheres e crianças que estão sempre em luta contra as maldades do mundo. O Saci é protetor da natureza e vai se unir a todos nós, os que batalham contra os vilões do amor. Ah Saci, eu vou te esperar... Que venhas com o vento sul...