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segunda-feira, 25 de junho de 2012

O papel da Monsanto na morte dos camponeses e no golpe contra Lugo



 Por Idilio Méndez Grimaldi
Na Carta Maior via PORTAL DO MST



Quem está por trás desta trama tão sinistra? Os impulsionadores de uma ideologia que promove o lucro máximo a qualquer preço e quanto mais, melhor, agora e no futuro. No dia 15 de junho de 2012, um grupo de policiais que ia cumprir uma ordem de despejo no departamento de Canindeyú, na fronteira com o Brasil, foi emboscado por franco-atiradores, misturados com camponeses que pediam terras para sobreviver.
A ordem de despejo foi dada por um juiz e uma promotora para proteger um latifundiário. Resultado da ação: 17 mortos, 6 policiais e 11 camponeses, além de dezenas de feridos graves. As consequências: o governo frouxo e tímido de Fernando Lugo caiu com debilidade ascendente e extrema, cada vez mais à direita, a ponto de ser levado a julgamento político por um Congresso dominado pela direita.

Trata-se de um duro revés para a esquerda e para as organizações sociais e campesinas, acusadas pela oligarquia latifundiária de instigar os camponeses. Representa ainda um avanço do agronegócio extrativista nas mãos de multinacionais como a Monsanto, mediante a perseguição dos camponeses e a tomada de suas terras. Finalmente, implica a instalação de um cômodo palco para as oligarquias e os partidos de direita para seu retorno triunfal nas eleições de 2013 ao poder Executivo.

No dia 21 de outubro de 2011, o Ministério da Agricultura e Pecuária, dirigido pelo liberal Enzo Cardozo, liberou ilegalmente a semente de algodão transgênico Bollgard BT, da companhia norteamericana de biotecnologia Monsanto, para seu plantio comercial no Paraguai. Os protestos de organizações camponesas e ambientalistas foram imediatos. O gene deste algodão está misturado com o gene do Bacillus thurigensis, uma bactéria tóxica que mata algumas pragas do algodão, como as larvas do bicudo, um coleóptero que deposita seus ovos no botão da flor do algodão.

O Serviço Nacional de Qualidade e Saúde Vegetal e de Sementes (Senave), instituição do Estado paraguaio dirigida por Miguel Lovera, não inscreveu essa semente nos registros de cultivares pela falta de parecer do Ministério da Saúde e da Secretaria do Ambiente, como exige a legislação.

Campanha midiática

Nos meses posteriores, a Monsanto, por meio da União de Grêmios de Produção (UGP), estreitamente ligada ao grupo Zuccolillo, que publica o jornal ABC Color, lançou uma campanha contra o Senave e seu presidente por não liberar o uso comercial em todo o país da semente de algodão transgênico da Monsanto. A contagem regressiva decisiva parece ter iniciado com uma nova denúncia por parte de uma pseudosindicalista do Senave, chamada Silvia Martínez, que, no dia 7 de junho, acusou Lovera de corrupção e nepotismo na instituição que dirige, nas páginas do ABC Color. Martínez é esposa de Roberto Cáceres, representante técnico de várias empresas agrícolas, entre elas a Agrosan, recentemente adquirida por 120 milhões de dólares pela Syngenta, outra transnacional, todas sócias da UGP.

No dia seguinte, 8 de junho, a UGP publicou no ABC uma nota em seis colunas: “Os 12 argumentos para destituir Lovera”. Estes supostos argumentos foram apresentados ao vice-presidente da República, correligionário do ministro da Agricultura, o liberal Federico Franco, que naquele momento era o presidente interino do Paraguai, em função de uma viagem de Lugo pela Ásia.

No dia 15, por ocasião de uma exposição anual organizada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária, o ministro Enzo Cardoso deixou escapar um comentário diante da imprensa que um suposto grupo de investidores da Índia, do setor de agroquímicos, cancelou um projeto de investimento no Paraguai por causa da suposta corrupção no Senave. Ele nunca esclareceu que grupo era esse. Aproximadamente na mesma hora daquele dia, ocorriam os trágicos eventos de Curuguaty.

No marco desta exposição preparada pelo citado Ministério, a Monsanto apresentou outra variedade de algodão, duplamente transgênica: BT e RR, ou Resistente ao Roundup, um herbicida fabricado e patenteado pela transnacional. A pretensão da Monsanto é a liberação desta semente transgênica no Paraguai, tal como ocorreu na Argentina e em outros países do mundo.

Antes desses fatos, o diário ABC Color denunciou sistematicamente, por supostos atos de corrupção, a ministra da Saúde, Esperanza Martínez, e o ministro do Ambiente, Oscar Rivas, dois funcionários do governo que não deram parecer favorável a Monsanto.

Em 2001, a Monsanto faturou 30 milhões de dólares, livre de impostos (porque não declara essa parte de sua renda), somente na cobrança de royalties pelo uso de sementes de soja transgênica no Paraguai. Toda a soja cultivada no país é transgênica, numa extensão de aproximadamente 3 milhões de hectares, com uma produção em torno de 7 milhões de toneladas em 2010.

Por outro lado, na Câmara de Deputados já se aprovou o projeto de Lei de Biossegurança, que cria um departamento de biossegurança dentro do Ministério da Agricultura, com amplos poderes para a aprovação para cultivo comercial de todas as sementes transgênicas, sejam de soja, de milho, de arroz, algodão e mesmo algumas hortaliças. O projeto prevê ainda a eliminação da Comissão de Biossegurança atual, que é um ente colegiado forma por funcionários técnicos do Estado paraguaio.

Enquanto transcorriam todos esses acontecimentos, a UGP preparava um ato de protesto nacional contra o governo de Fernando Lugo para o dia 25 de junho. Seria uma manifestação com máquinas agrícolas fechando estradas em distintos pontos do país. Uma das reivindicações do chamado “tratoraço” era a destituição de Miguel Lovera do Senave, assim como a liberalização de todas as sementes transgênicas para cultivo comercial.

As conexões

A UGP é dirigida por Héctor Cristaldo, apoiado por outros apóstolos como Ramón Sánchez – que tem negócios com o setor dos agroquímicos -, entre outros agentes das transnacionais do agronegócio. Cristaldo integra o staff de várias empresas do Grupo Zuccolillo, cujo principal acionista é Aldo Zuccolillo, diretor proprietário do diário ABC Color, desde sua função sob o regime de Stroessner, em 1967. Zuccolillo é dirigente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP).

O grupo Zuccolillo é sócio principal no Paraguai da Cargill, uma das maiores transnacionais do agronegócio no mundo. A sociedade entre os dois grupos construiu um dos portos graneleiros mais importantes do Paraguai, denominado Porto União, a 500 metros da área de captação de água da empresa de abastecimento do Estado paraguaio, no Rio Paraguai, sem nenhuma restrição.

As transnacionais do agronegócio no Paraguai praticamente não pagam impostos, mediante a férrea proteção que tem no Congresso, dominado pela direita. A carga tributária no Paraguai é apenas de 13% sobre o PIB. Cerca de 60% do imposto arrecadado pelo Estado paraguaio é via Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Os latifundiários não pagam impostos. O imposto imobiliário representa apenas 0,04% da carga tributária, cerca de 5 milhões de dólares, segundo estudo do Banco Mundial, embora a renda do agronegócio seja de aproximadamente 30% do PIB, o que representa cerca de 6 bilhões de dólares anuais.

O Paraguai é um dos países mais desiguais do mundo. Cerca de 85% das terras, aproximadamente 30 milhões de hectares, estão nas mãos de 2% de proprietários, que se dedicam à produção meramente para exportação ou, no pior dos casos, à especulação sobre a terra. A maioria desses oligarcas possui mansões em Punta del Este ou em Miami e mantém estreitas relações com transnacionais do setor financeiro, que guardam seus bens mal havidos nos paraísos fiscais ou tem investimentos facilitados no exterior. Todos eles, de uma ou outra maneira, estão ligados ao agronegócio e dominam o espectro político nacional, com amplas influências nos três poderes do Estado. Ali reina a UGP, apoiada pelas transnacionais do setor financeiro e do agronegócio.

Os fatos de Curugaty

Curuguaty é uma cidade na região oriental do Paraguai, a cerca de 200 quilômetros de Assunção, capital do país. A alguns quilômetros de Curuguaty encontra-se a fazenda Morombi, de propriedade do latifundiário Blas Riquelme, com mais de 70 mil hectares nesse lugar. Riquelme provém das entranhas da ditadura de Stroessner (1954-1989), sob cujo regime acumulou uma intensa fortuna. Depois, aliou-se ao general Andrés Rodríguez, que executou o golpe de Estado que derrubou o ditador Stroessner. Riquelme, que foi presidente do Partido Colorado por muitos anos e senador da República, dono de vários supermercados e estabelecimentos pecuários, apropriou-se mediante subterfúgios legais de aproximadamente 2 mil hectares que pertencem ao Estado paraguaio.

Esta parcela foi ocupada pelos camponeses sem terra que vinham solicitando ao governo de Fernando Lugo sua distribuição. Um juiz e uma promotora ordenaram o despejo dos camponeses, por meio do Grupo Especial de Operações (GEO), da Polícia Nacional, cujos membros de elite, em sua maioria, foram treinados na Colômbia, sob o governo de Uribe, para a luta contra as guerrilhas.

Só uma sabotagem interna dentro dos quadros de inteligência da polícia, com a cumplicidade da promotoria, explica a emboscada, na qual morreram seis policiais. Não se compreende como policiais altamente treinados, no marco do Plano Colômbia, puderam cair facilmente em uma suposta armadilha montada pelos camponeses, como quer fazer crer a imprensa dominada pela oligarquia. Seus camaradas reagiram e dispararam contra os camponeses, matando 11 e deixando uns 50 feridos. Entre os policiais mortos estava o chefe do GEO, comissário Erven Lovera, irmão do tenente coronel Alcides Lovera, chefe de segurança do presidente Lugo.

O plano consiste em criminalizar, levar até ao ódio extremo todas as organizações campesinas, para fazer os camponeses abandonarem o campo, deixando-o para uso exclusivo do agronegócio. É um processo doloroso, “descampesinização” do campo paraguaio, que atenta diretamente contra a soberania alimentar, a cultura alimentar do povo paraguaio, por serem os camponeses produtores e recriadores ancestrais de toda a cultura guarani.

Tanto o Ministério Público, como o Poder Judiciário e a Polícia Nacional, assim como diversos organismos do Estado paraguaio estão controlados mediante convênios de cooperação com a USAID, agência de cooperação dos Estados Unidos.

O assassinato do irmão do chefe de segurança do presidente da República obviamente foi uma mensagem direta a Fernando Lugo, cuja cabeça seria o próximo objetivo, provavelmente por meio de um julgamento político, mesmo que ele tenha levado seu governo mais para a direita, tratando de acalmar as oligarquias. O ocorrido em Curuguaty derrubou Carlos Filizzola do Ministério do Interior. Em seu lugar, foi nomeado Rubén Candia Amarilla, proveniente do opositor Partido Colorado, o qual Lugo derrotou nas urnas em 2008, após 60 anos de ditadura colorada, incluindo a tirania de Alfredo Stroessner.

Candia foi ministro da Justiça do governo colorado de Nicanor Duarte (2003-2008) e atuou como procurador geral do Estado por um período, até o ano passado, quando foi substituído por outro colorado, Javier Díaz Verón, por iniciativa do próprio Lugo. Candia é acusado de ter promovido a repressão contra dirigentes de organizações campesinas e de movimentos populares. Sua indicação como procurador geral do Estado em 2005 foi aprovada pelo então embaixador dos Estados Unidos, John F. Keen. Candia foi responsável por um maior controle do Ministério Público por parte da USAID e foi acusado por Lugo no início do governo de conspirar para tirá-lo do poder.

Após assumir como ministro político de Lugo, a primeira coisa que Candia fez foi anunciar o fim do protocolo de diálogo com os campesinos que ocupam propriedades. A mensagem foi clara: não haverá conversação, mas simplesmente a aplicação da lei, o que significa empregar a força policial repressiva sem contemplação. Dois dias depois de Candia assumir, os membros do UGP, encabeçados por Héctor Cristaldo, foram visitar o flamante ministro do Interior, a quem solicitaram garantias para a realização do tratoraço no dia 25. No entanto, Cristaldo disse que a medida de força poderia ser suspensa, em caso de sinais favoráveis para a UGP (leia-se: liberação das sementes transgênicas da Monsanto, destituição de Lovera e de outros ministros, entre outras vantagens para o grande capital e os oligarcas), levando o governo ainda mais para a direita.

Cristaldo é pré-candidato a deputado para as eleições de 2013 por um movimento interno do Partido Colorado, liderado por Horacio Cartes, um empresário investigado em passado recente nos Estados Unidos por lavagem de dinheiro e narcotráfico, segundo o próprio ABC Color, que foi ecoado por várias mensagens do Departamento de Estado dos EUA, conforme divulgado por Wikileaks. Entre elas, uma se referia diretamente a Cartes, no dia 15 de novembro de 2011.

Julgamento político de Lugo

Enquanto escrevia esse artigo, a UGP (4), alguns integrantes do Partido Colorado e os próprios integrantes do Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), dirigido pelo senador Blas Llano e aliado do governo até então, começaram a ameaçar com a abertura de um processo de impeachment de Fernando Lugo para destituí-lo do cargo de presidente da República. Lugo passou a depender do humor dos colorados para seguir como presidente do país, assim como do de seus aliados liberais, que passaram a ameaçá-lo com um julgamento político, seguramente buscando mais espaços de poder (dinheiro) como condição para a paz. O Partido Colorado, aliado a outros partidos minoritários de oposição tinha a maioria necessária para destituir o presidente de suas funções.

Talvez esperassem “os sinais favoráveis” de Lugo que a UGP – em nome da Monsanto, da pátria financeira e dos oligarcas – estava exigindo do governo. Caso contrário se passaria à fase seguinte, de interrupção deste governo que nasceu como progressista e lentamente foi terminando como conservador, controlado pelos poderes da oposição.

Entre outras coisas, Lugo é responsável pela aprovação da Lei Antiterrorista, patrocinada pelos EUA em todo o mundo depois do 11 de setembro. Em 2010, ele autorizou a implementação da Iniciativa Zona Norte, que consiste na instalação e deslocamento de tropas e civis norteamericanos no norte da região oriental – no nariz do Brasil – supostamente para desenvolver atividades a favor das comunidades campesinas.

A Frente Guazú, coalizão das esquerdas que apoia Lugo, não conseguiu unificar seu discurso e seus integrantes acabaram perdendo a perspectiva na análise do poder real, ficando presos nos jogos eleitorais imediatistas. Infiltrados pelo USAID, muitos integrantes da Frente Guazú, que participavam da administração do Estado, sucumbiram ao canto de sereia do consumismo galopante do neoliberalismo. Se corromperam até os ossos, convertendo-se em cópias vaidosas de novos ricos que integravam os recentes governos do direitista Partido Colorado.

Curuguaty também engloba uma mensagem para a região, especialmente para o Brasil, em cuja fronteira se produziram esses fatos sangrentos, claramente dirigidos pelos senhores da guerra, cujos teatros de operações estão montados no Iraque, Líbia, Afeganistão e, agora, Síria. O Brasil está construindo um processo de hegemonia mundial junto com a Rússia, Índia e China, denominado BRIC. No entanto, os EUA não recuam na tentativa de manter seu poder de influência na região. Já está em marcha o novo eixo comercial integrado por México, Panamá, Colômbia, Peru e Chile. É um muro de contenção aos desejos expansionistas do Brasil na direção do Pacífico.

Enquanto isso, Washington segue sua ofensiva diplomática em Brasília, tratando de convencer o governo de Dilma Rousseff a estreitar vínculos comerciais, tecnológicos e militares. Além disso, a IV Frota dos EUA, reativada há alguns anos após estar fora de serviço desde o fim da Segunda Guerra Mundial, vigia todo o Atlântico Sul, caracterizando um outro cerco ao Brasil, caso a persuasão diplomática não funcione.

E o Paraguai é um país em disputa entre ambos países hegemônicos, sendo ainda amplamente dominado pelos EUA. Por isso, os eventos de Curuguaty representam também um pequeno sinal para o Brasil, no sentido de que o Paraguai pode se converter em um obstáculo para o desenvolvimento do sudoeste do Brasil.

Mas, acima de tudo, os mortos de Curuguaty representam um sinal do grande capital, do extrativismo explorador que assola o planeta e aplasta a vida em todos os rincões da Terra em nome da civilização e do desenvolvimento. Felizmente, os povos do mundo também vêm dando respostas a estes sinais da morte, com sinais de resistência, de dignidade e de respeito a todas as formas de vida no planeta.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

A pobre classe média na Espanha

Por Ana Muñoz Álvarez, no sítio da Adital: via BLOG DO MIRO
Mais de 400.000 famílias vivem graças à pensão dos avós. 22% da população estão em risco de pobreza e, segundo a ONU, a pobreza infantil atinge 26% das crianças. Não estamos falando de um longínquo país asiático ou da pobreza na África. São cifras da Espanha, até agora a quarta economia da zona do Euro.


A crise alterou a agenda e o calendário de muitas famílias. Pessoas que até agora viviam bem, tinham trabalho, casa, seus filhos, sua hipoteca... e que, hoje, têm que buscar ajuda junto a organizações como a Cáritas ou a Cruz Vermelha, para poder dar de comer a seus filhos. Um milhão e setecentas mil famílias espanholas estão com 100% de seus membros em situação de desemprego, e seiscentas mil famílias não dispõem de nenhuma fonte de renda. As organizações da sociedade civil espanhola já vinham alertando sobre a situação que poderia atingir a Espanha. 
"A crise trouxe à tona as coisas que estavam aí, mas parece que não eram vistas: desigualdades, injustiças...”, explicam membros da Cáritas. Relatórios de antes de 2008, quando a crise estava no começo, falavam que a Espanha não estava reduzindo os índices de pobreza. E essa era época de bonança! Hoje, colhemos o que foi plantado. Se crescia, havia trabalho...; porém, eram empregos precários e de baixa qualificação.

A infância e a terceira idade são os grupos mais vulneráveis em qualquer crise; e também no caso espanhol isso se repete. Segundo a Unicef, mais de dois milhões de crianças vivem em famílias cujo salário não chega ao fim do mês; recortaram sua lista de compras; não podem arcar com os gastos da lista de material escola. Porém, o pior, segundo os especialistas, ainda está por vir; e explicam que a pobreza infantil ainda pode crescer mais. Há uns dois anos, o perfil de pobreza infantil era o de uma crianças de classe baixa, de famílias desestruturadas ou unifamiliares. Atualmente, isso mudou. São crianças de classe média, que viviam bem, tinham de tudo...; porém, seus pais perderam o trabalho e enfrentam uma realidade difícil.

Na Cáritas explicam que muitas crianças que sofrem fracasso escolar passam por isso como um reflexo do fracasso social e familiar em que vivem. No entanto, a partir das organizações ressalta-se que não se trata de um fracasso do indivíduo, mas de um fracasso coletivo, do conjunto da sociedade, que não soube criar as redes suficientes para que as famílias não caiam no vazio.

Para muitas famílias, as pensões dos avós são a única entrada que recebem. Os avós voltam a exercer o papel de pais de família; os pais, o de filhos mais velhos; e os netos passam a ser filhos caçulas. Para os avós, essa é a quarta crise grave que viveram em democracia. São pessoas que trabalharam durante toda a sua vida e, hoje, voltam a ser o suporte da família; pagam as hipotecas dos filhos; ajudam a pagar o carrinho de compras...

A Cruz Vermelha alerta que 23% das famílias não podem comer nenhum tipo de proteína na semana; nem frango e nem embutidos. Muitas famílias não podem ligar a calefação, nem usar água aquecida.

O rosto da pobreza mudou nos últimos anos. Hoje, finalmente, percebemos que qualquer um de nós pode estar sujeito a fazer fila para receber alimentos da "caridade”. O egoísmo, a avareza, o individualismo, um capitalismo levado ao extremo... nos trouxe uma sociedade onde as desigualdades crescem. Estamos colhendo o que vou plantado. Porém, ainda podemos mudar as coisas. Vamos nos unir para que a voz do povo seja escutada, porque queremos outra Europa, outra sociedade, outra maneira de fazer política e de viver. E hoje, mais do que nunca, porque é necessário.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Cumplicidade com o atraso

Por Raul Silva Telles do Valle no BLOG DO JUREMIR MACHADO




Em setembro de 2010, em plena corrida presidencial, um grupo de organizações da sociedade civil encaminhou aos então candidatos um conjunto de questões relativas às propostas de modificação do Código Florestal. Já àquela época, avançava na Câmara dos Deputados o projeto ruralista de modificação da legislação florestal e as organizações queriam saber o que pensavam os aspirantes ao cargo maior do País. A hoje presidenta da República, Dilma Rousseff, questionada se apoiava ou não a anistia proposta pelo texto então em tramitação, disse textualmente: “construímos no governo Lula um consenso de que a eventual conversão de multas só deve ocorrer após ações efetivas de recuperação das áreas desmatadas ilegalmente. Temos que estimular e apoiar esta transição, dando condições técnicas e materiais para nossos agricultores recuperarem estas áreas” (veja aqui).
A partir daí, a candidata e depois presidenta teve a oportunidade de repetir diversas vezes que não passaria a mão na cabeça de quem desmatou ilegalmente. Isso alimentou um sentimento difuso de esperança na sociedade, que, depois de aprovado o projeto ruralista pelo Congresso Nacional, passou a manifestar de forma inequívoca, por todos os meios disponíveis, amplo apoio à presidenta para que ela cumprisse com sua palavra. Ciente de que ela estava emparedada entre sua palavra e os anseios da sociedade, de um lado, e os interesses de uma parte expressiva de sua base de apoio parlamentar, os cidadãos brasileiros sinalizaram que ela poderia contar com eles para confrontar a chantagem dos representantes da elite agrária brasileira.
Na tarde da última sexta-feira, 25 de maio, exatamente um ano após a aprovação do relatório Aldo Rebelo na Câmara dos Deputados, três ministros vieram a público, com muitas palavras e nenhum documento, para reafirmar que o projeto seria vetado. Não na sua íntegra, como sinal de respeito ao Congresso Nacional. Mas os pontos que significassem anistia teriam sido extirpados. Mais desmatamentos? De jeito nenhum, tudo seria eliminado.
O Brasil dormiu desconfiado, mas esperançoso, durante o final de semana, e acordou indignado na segunda-feira. Com 12 vetos e uma Medida Provisória, nasceu já remendado o Código Florestal do século 21 – e repleto de anistias.
Perguntam-se muitos: mas como? A presidenta não disse que não aceitaria? Os ministros não afirmaram veementemente que a anisitia havia sido retirada? Então, como alguns ainda dizem que há anistia na lei?
A partir de agora vai começar a guerra de comunicação. Tal como Goebbels, o Governo Federal vai insistir na tese de que uma mentira contada mil vezes vai virar verdade. Assim, para que não fique o dito pelo não dito, explico porque Dilma Roussef, contrariando tudo o que havia dito até agora, assinou embaixo da maior anistia ambiental da história do país.
A ministra do Meio Ambiente, repetindo um mantra ecoado pelos ruralistas, afirmou publicamente que o projeto não tem anistia. Teria como objetivo, simplesmente, legalizar ocupações “antigas”, feitas de acordo com as regras da época.
A Lei Federal 12.651, de 25 de maio de 2012, o novo Código “Florestal”, continua mantendo, no entanto, a figura de “área rural consolidada”. Segundo o artigo 3o, ela é uma “área de imóvel rural com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008” (inciso IV).
Um incauto leitor da lei deve logo pensar: “então, antes de 2008, os proprietários rurais não precisavam proteger as florestas existentes em suas terras ou a quantidade de área protegida era menor”. Ledo engano. Desde 1934, com o “velho” Código Florestal, o proprietário é obrigado a manter as florestas das áreas “vulneráveis a erosões” e respeitar os 25% da propriedade que não poderiam ser convertidos para agropecuária, o que posteriormente veio a ser denominado de “reserva legal”.
Em 1965, como todo mundo desmatava alegando que não sabia quais eram essas tais áreas vulneráveis, veio o “novo” Código Florestal e deixou claro que essas áreas eram os topos de morro, as encostas íngremes, as nascentes, as beiras de rio. E fixou padrões e metragens, para ninguém dizer que não sabia que ali não podia desmatar.
Em 1986, houve uma alteração pontual: as matas ciliares deveriam ser protegidas em, no mínimo, 30 metros contados das margens, e não apenas cinco como era até então. Em 1996, veio outra modificação: na Amazônia Legal (e só lá), a reserva legal seria aumentada de 50% para 80% do imóvel, em áreas de floresta, e diminuída de 50% para 35%, em áreas de cerrado (clique no quadro abaixo para ampliar).

Dessa brevíssima digressão espero ter ficado claro que um desmatamento realizado em 2008 em encostas íngremes ou nascentes, por exemplo, assim como na área destinada à reserva legal, era absolutamente ilegal. Mesmo que realizado dez anos antes, era ilegal. Em muitos casos, mesmo que realizado várias décadas antes seria ilegal.
O “novíssimo” Código Florestal isenta de recuperação todas as Áreas de “Preservação Permanente” e a grande maioria das áreas de reserva legal que tenham sido desmatadas até 2008 (e não em 1965, 1989 ou 1996). Ou seja, desmatou, fica desmatado. Se havia multa, está anulada. Se a área havia sido embargada, está liberada. Isso é anistia. Mas como?
O artigo 63 (não vetado) diz que nas encostas com mais de 45º de inclinação, nas bordas de chapadas, nos topos de morro e áreas com altitude superior a 1.800 metros de altitude – todos protegidos desde 1965 – serão mantidas as atividades agropecuárias implantadas até 2008. Mesmo pastagens, altamente degradadoras de áreas montanhosas, estão permitidas. Recuperação? Zero.
O artigo 67 (não vetado) diz que, nos imóveis de até quatro módulos fiscais, não é preciso recuperar a reserva legal irregularmente desmatada antes de 2008 (e não em 1934 ou 1996). Isso significa que em mais de 90% dos imóveis rurais – que ocupam 24% da área do país – não haverá recuperação. Com as brechas que essa regra traz é muito provável que essa anistia se estenda para parte significativa dos 10% de imóveis restantes, impactando uma área bem maior (saiba mais).
O artigo 11-A (incluído pela MP) permite, em seu §6º, que haja nos manguezais a “regularização das atividades e empreendimentos de carcinicultura e salinas cuja ocupação e implantação tenha ocorrido antes de 22 de julho de 2008”. Os manguezais, não custa lembrar, estão indiretamente protegidos pela lei desde 1965, e diretamente desde 1993, na Mata Atlântica, e 2002, na Amazônia. Esse artigo, além de promover essa anistia, permite que novas áreas sejam abertas para instalação de criações de camarões, contrariando o conselho unânime dos cientistas brasileiros (veja aqui).
Mesmo no caso das matas ciliares e nascentes, que erroneamente foi tomado pela grande mídia como “o” caso de anistia (como se as anteriores não existissem), e que o Governo Federal, na pirotecnia feita no dia 25/5, usou como exemplo para dizer que “não havia mais anistia”, ela está lá, inteirinha. O art.61-A (incluído pela MP) prevê a “recuperação” de uma faixa de 5 a 100 metros em beiras de rio desmatadas até 2008 (e não em 1965 ou 1986), quando a área que deveria ter sido preservada variava de 30 a 500 metros. No caso de nascentes, protegidas desde 1965, mas cuja área exata de proteção (raio de 50 metros) foi estabelecida em 2002, a “recuperação” vai variar de 5 a 15 metros, mesmo para desmatamentos realizados em 2007. Nesse último caso, diga-se de passagem, a MP diminui a proteção mesmo em relação ao texto que fora aprovado pela Câmara dos Deputados há menos de um mês, no qual a recuperação prevista era de 30 metros. Em todos os casos, com exceção das beiras de rio situadas em imóveis com mais de 10 módulos fiscais, a “recuperação” será de apenas parte daquilo que deveria ter sido protegido.
E por que estou usando aspas para falar de recuperação em beiras de rio e nascentes? Porque a MP incluiu uma novidade surpreendente: essa – pouca – restauração poderá, agora ser feita com “espécies lenhosas perenes ou de ciclo longo, nativas ou exóticas”. Para quem não sabe, isso quer dizer eucalipto, laranja, café, videiras, palma de dendê etc. Ou seja: o que era vegetação nativa, será – parcialmente – recomposto com espécies de uso econômico e nenhuma função ambiental. Portanto, recuperação ambiental mesmo, zero. Anistia 100%. Uma “correção” publicada hoje no Diário Oficial determina que esse dispositivo vale apenas para áreas de até quatro módulos fiscais.
Mas o problema da anistia não é apenas, ou principalmente, moral. É ambiental. O “novíssimo” Código Florestal diz em seu Art. 3º que as áreas de preservação permanente têm a função de “preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”. Com a anistia promulgada pela Presidente Dilma Rousseff, haverá uma grande parte dessas áreas que nunca mais cumprirão com essa função, pois jamais voltarão a ter vegetação nativa. Em várias regiões do país há mais APPs e reservas legais desmatadas do que preservadas (leia mais). Justamente nessas regiões falta água, sobram enchentes, morrem nascentes, acaba a fauna. E assim será.
Somando-se todas as anistias com todos os pontos onde há uma diminuição na proteção das florestas que não foram ainda derrubadas e como prenunciado aqui (leia aqui), deixamos de ter, na prática, uma lei de proteção às florestas existentes em áreas privadas. O remendo de lei aprovado tem todos os defeitos das leis anteriores (poucas medidas de apoio a sua implementação), mas poucas de suas virtudes. É contraditório e complexo de interpretar.
Ao não cumprir com a palavra empenhada perante a sociedade, a presidenta Dilma Rousseff se tornou cúmplice do projeto de país que a ala mais retrógrada de nossa elite econômica está desenhando. E entrará para história como aquela que, mesmo podendo, mesmo tendo todo o apoio da sociedade, não evitou o maior retrocesso nos padrões de proteção ambiental da história brasileira. E talvez mundial, pois não me consta que em outros países a proteção às florestas esteja diminuindo, muito pelo contrário. Em pleno século 21, voltaremos a um patamar anterior ao de 1934, quando nosso primeiro Código Florestal foi aprovado.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Dia Internacional da Biodiversidade: a atração da humanidade pela destruição


Há uma década, o mundo tinha um total de 11 mil espécies ameaçadas de extinção. A ONU estabeleceu então a meta de reduzir significativamente esse número. Não deu certo. Desde a Rio 92, o mundo teve uma perda de biodiversidade de 12%, emitiu 40% mais gases poluentes e as florestas diminuíram 3 milhões de metros quadrados.


Os filmes-catástrofe trazem uma situação recorrente: em algum momento, um cientista considerado meio maluco ou alguma outra pessoa (um policial, jornalista, bombeiro, etc) alerta para um perigo iminente. O alerta inicial é ignorado e, muitas vezes, rechaçado por argumentos que, na maioria dos casos, tem uma base econômica. Os fatos se sucedem, as ameaças tornam-se realidade e aqueles que desprezaram o alerta inicial muitas vezes acabam vitimados na tela. Na vida real, não são só os vilões irresponsáveis que morrem. As tragédias abatem-se democraticamente sobre todos. O cinema não inventou essa lógica do nada, mas a retirou da vida real, onde ela segue hegemônica. Os crescentes e repetidos alertas sobre a destruição ambiental no planeta seguem sendo subjugados por argumentos de natureza econômica.

Todo mundo hoje, em tese, se preocupa com o meio ambiente, desde é claro, que ele não se torne um “entrave” para o desenvolvimento, como se viu, mais uma vez, no recente debate sobre as mudanças no Código Florestal brasileiro. O policial está na beira da praia alertando o prefeito para que mantenha a interdição da mesma porque tem tubarão na área. O prefeito não quer nem saber da ideia, pois a interdição atingiria em cheio o turismo, principal fonte de renda da comunidade. O geólogo pede a evacuação imediata de uma cidade em função da ameaça de um vulcão. Mais uma vez, o turismo ergue-se reivindicando seu espaço. Uma jornalista denuncia o risco de acidente em uma usina nuclear. A bancada ruralista é universal e está sempre pronta a bloquear “alertas catastrofistas” e outras formas de entraves ao desenvolvimento. E assim vamos.

Este 22 de maio, Dia Internacional da Biodiversidade, foi marcado por novos alertas sobre a destruição da diversidade biológica no planeta Terra, em especial nos oceanos, que ganharam atenção especial da ONU este ano. Algumas das informações mais recentes de órgãos ligados às Nações Unidas e a centros de pesquisa apontam o seguinte quadro no planeta:

Apenas no século XX, graças à ação humana, sumiram do planeta metade das áreas pantanosas, 40% das florestas e 30% dos manguezais.

Desde a Rio 92, o mundo teve uma perda de biodiversidade de 12%, emitiu 40% mais gases poluentes e as florestas diminuíram 3 milhões de metros quadrados.

Cerca da metade das reservas de pescas mundiais estão esgotadas;

Um terço dos ecossistemas marítimos mais importantes foi destruído;

O lixo plástico segue matando a vida marinha e criando áreas de águas litorâneas quase sem oxigênio.

Há uma década, o mundo tinha um total de 11 mil espécies ameaçadas de extinção. A ONU estabeleceu então a meta de reduzir significativamente esse número. Não deu certo. Ele aumentou.


Em 2002, os países signatários do Convênio sobre a Diversidade Biológica acordaram que deveriam obter essa redução no ritmo da perda de biodiversidade em 2010, Ano Internacional da Diversidade Biológica. A avaliação dessa meta foi coordenada pelo Centro de Monitoramento para a Conservação Mundial do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Ela baseou-se em uma série de indicadores, tais como a apropriação de recursos naturais, o número de espécies ameaçadas, a cobertura de áreas protegidas, a extensão de bosques tropicais e manguezais e o estado dos arrecifes de coral.

Os resultados foram conclusivos: a biodiversidade vem caindo nas últimas quatro décadas. Caindo significa: extinção de espécies, redução da extensão de bosques e manguezais e, deterioração de zonas com arrecifes de coral. Além disso, a avaliação mostrou que ambientes naturais estão se fragmentando, com destruição de flora e fauna. A Mata Atlântica brasileira seria um exemplo disso. No passado, o segundo bosque mais extenso da América do Sul, hoje se conservam aproximadamente 10%, numa área fragmentada em parcelas diminutas.

A situação dos oceanos também é motivo de crescente preocupação. A Convenção sobre a Diversidade Biológica da Organização das Nações Unidas lançou hoje (22) o livro “Um oceano: muitos mundos de vida”. A obra destaca a importância dos oceanos, que cobrem cerca de 70% do planeta, e alguns dos principais problemas que os afetam hoje, como o aumento da acidez causado pela poluição, a destruição de reservas marinhas e a crescente pressão econômica pela exploração de seus recursos naturais. Ao todo, estão ameaçadas pelo menos 250 mil espécies, conforme o censo marinho realizado entre 2000 e 2010 por 2.700 cientistas de mais de 80 países.

Há um aparente paradoxo cercando essa profusão de alertas e advertências sobre o estado ambiental do mundo. Nunca houve tanta informação disponível e tanta manifestação de preocupação com a degradação física do planeta, inclusive por parte das autoridades governamentais. No entanto, os números da destruição vêm aumentando e a crise econômica em escala internacional pressiona os países a empurrar esse debate com a barriga para um futuro incerto. Há vários níveis de ignorância e incompreensão neste debate. A extinção de uma espécie de bromélia no interior do Rio Grande do Sul ou de uma espécie de besouro no leste da Tanzânia são tratadas quase que como excentricidades. Isoladamente até poderiam ser. O “detalhe” é que, em se tratando de vida e ecossistemas, nunca são acontecimentos isolados, resultando de uma mesma lógica destrutiva hegemônica em escala planetária.

O cientista maluco, a jornalista sensacionalista e o policial paranoico seguem fazendo seus alertas e divulgando seus números. O imaginário da humanidade, porém, como vem antecipando o cinema há algumas décadas, parece ter uma atração irresistível pela destruição e pela morte.

Marco Aurélio Weissheimer é editor-chefe da Carta Maior (correio eletrônico: gamarra@hotmail.com)

quinta-feira, 24 de maio de 2012

O Novo (e nefasto) Código Florestal às vésperas de ser sancionado

230512 cfl2Brasil - Diário Liberdade - No próximo dia 25 de maio, termina o prazo de 15 dias úteis para que a presidente Dilma Rousseff sancione, vete partes ou a íntegra do texto no novo Código Florestal que foi aprovado no último dia 26 de abril pela Câmara dos Deputados.

O projeto representa um enorme retrocesso em relação à proteção do meio ambiente e mais uma submissão do governo do PT às políticas dos setores mais direitistas. Grandes áreas protegidas de florestas serão abertas legalmente para a pecuária, agricultura, mineração e especulação. Os latifundiários que desmataram ilegalmente áreas de florestas antes de 2008 serão anistiados. Os grandes proprietários de terras na Amazônia poderão reduzir a área de proteção de 80% para 50%, levando assim a uma perda de mais de 190 milhões de hectares de floresta.
A propaganda do chamado agronegócio, dominado pelas multinacionais imperialistas e do qual os latifundiários fazem parte, divulga usando, em larga escala, a imprensa burguesa, que o novo Código Florestal seria necessário para "promover o desenvolvimento" da economia do Brasil. Esse "desenvolvimento" seria a produção de carne, soja, açúcar, aves, cana de açúcar e outras matérias primas, em cima dos métodos depredadores do monocultivo e do uso maciço de agrotóxicos e transgênicos. Essas matérias primas são exportadas através dos mercados futuros de commodities que formam a base da especulação financeira internacional e é um dos componentes fundamentais da desindustrialização e do foco do País na exportação de matérias primas imposto pelo imperialismo após o colapso capitalista de 2008. O Brasil está muito longe de direcionar-se para o chamado primeiro mundo, conforme tem sido propagandeado pelo PT. O Brasil está se dirigindo, de maneira acelerada, para uma situação muito similar à existente na República Velha, que era altamente dependente da especulação do café. Mas agora, o Brasil está extremamente exposto e dependente da especulação financeira em larga escala; de fato, ainda mais exposto que no período da bancarrota da especulação do café em 1929. A dependência das exportações ao mercado manufatureiro asiático, encabeçado pela China, cuja economia está mostrando caros sinais de esgotamento, é muito alta; e o efeito contágio do aprofundamento da crise capitalista na zona do euro se faz sentir fortemente – inflação em alta, disparada das importações, queda das importações, aumento do déficit no balanço das contas correntes e o aumento da dívida pública entre outros.
O novo Código Florestal é a continuidade da claudicação dos governos do PT às políticas da direita
A aprovação do novo Código Florestal apresenta-se como a culminação de uma sequência de políticas de depredação do meio ambiente que se intensificaram nos governos de FHC, mas que continuaram nos governos do PT. O avanço legislativo em defesa do meio ambiente tem sido praticamente nulo desde 2001; só tem havido retrocesso. Os transgênicos plantados ilegalmente no sul do País foram liberados. A primeira lei sobre Biossegurança revogada. Vários decretos empurraram para frente o cumprimento do Código Florestal. A Lei de Mudanças Climáticas (Lei 12.187/2009) foi inócua. A Lei Complementar 140/2011, que disciplinou a distribuição de competências administrativas ambientais entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios, continuou abrindo brechas para a depredação. O Programa Amazônia Legal permitiu a legalização da depredação do Amazonas.
O governo do PT tem, na prática, implementado a política da direita em vários setores fundamentais. A privatização dos aeroportos, estradas e dos Correios. O contínuo sucateamento da saúde e da educação. A manutenção e crescimento dos repasses dos principais recursos dos País para os especuladores imperialistas.
A presidente Dilma poderá vetar demagogicamente partes do novo Código Florestal, principalmente perante a proximidade do Rio + 20. O ministro da agricultura, Mendes Ribeiro Filho, têm declarado que as peças do projeto de lei são inaceitáveis, sugerindo que a opção poderia ser um veto parcial de partes do projeto de lei. O problema é que o novo Código está muito amarrado em cima de artigos e subterfúgios da Lei e tem brechas que permitem a continuidade do desmatamento, principalmente de algumas áreas recém-florestadas perto de rios.
O novo Código Florestal é um projeto de bastidores, alinhado entre a oposição e o governo. A chamada sociedade civil não foi consultada em nenhum nível, nem houve qualquer debate público com especialistas, universidades, organizações sociais, dos trabalhadores e camponesas.
O governo do PT tem sucumbido aos interesses dos latifundiários na questão do Código Florestal, pois assumiu esse desgaste político como condição para que a bancada ruralista aprovasse outras leis também altamente nocivas para a soberania do País, como a famigerada Lei da Copa pela qual a FIFA, que é controlada pelas multinacionais imperialistas, impôs um supraestado sobre o estado brasileiro violando, inclusive a própria Constituição.
No contexto da ofensiva dos latifundiários, que representam o setor mais atrasado e reacionário da burguesia nacional, a proposta da PEC do trabalho escravo foi adiada, de maneira também demagógica, para depois do Rio + 20, pois eles querem impor a retirada da expropriação das propriedades onde a exploração da mão de obra escrava for flagrada.
O próprio projeto de "desenvolvimento" do Brasil, que o governo do PT encabeça, contempla grandes projetos de energia na Amazônia, que são defendidos veementemente pela presidente Dilma, e que, além de serem altamente depredadores do meio ambiente, também têm sido impostos contra os moradores da região. De fato, estes projetos visam o repasse de recursos públicos às grandes construtoras, que são controladas pelas multinacionais imperialistas, e promover um certo crescimento econômico que possibilite a manutenção dos repasses para os especuladores financeiros mediante o pagamentos dos serviços da dívida pública. As condições precárias dos trabalhadores nesses projetos têm levado a uma escalada das greves num dos maiores patamares dos últimos anos.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Militante dos seringais fala da luta em defesa da floresta e políticas atuais



Por Flavia Alli
Especial para Caros Amigos

Osmarino-seringalOsmarino Amâncio Rodrigues, seringueiro e militante, em Brasileia (Acre), esteve presente em duras lutas contra a destruição do meio ambiente e enfrentamentos contra fazendeiros e o governo na expulsão da população acreana dos seringais. Esteve ombro a ombro com Chico Mendes, nos embates na Floresta Amazônica, opondo-se à entrada do capitalismo e à destruição da região pelas madeireiras desde a década de 1970. Cercado por um cenário de angústia e miséria, Osmarino continua na resistência, organizando os trabalhadores em uma guerra incansável contra o capitalismo.
Osmarino viajou pelo Brasil nesse semestre em um circuito de debates e palestras organizado por sindicatos e movimentos sociais. Em suas passagens, abordou a criminalização dos seringueiros, o extermínio dos povos indígenas e nativos. Denunciou a compra de trabalhadores através de propinas, os projetos de capitalismo verde de Marina Silva, e alertou sobre a destruição da Amazônia com o Novo Código Florestal. No movimento sindical, reafirma a importância da organização dos trabalhadores por um novo projeto de sociedade e o fortalecimento de uma central sindical que reorganize o movimento na luta de classes.
Na entrevista abaixo, Osmarino Amâncio fala da luta na defesa da floresta e suas dificuldades, de agronegócio como política de estado e do trabalho junto aos seringueiros.

Em relação à organização dos trabalhadores no movimento sindical, quais as dificuldades encontradas, no Acre, para uma resistência de enfrentamento ao governo, e os ataques que ele vem apresentando junto à burguesia?

Osmarino Rodrigues - Primeiro são as instancias geográficas da floresta. Para mobilizar a associação, o sindicato, uma cooperativa dos extrativistas depende de caminhar muito para fazer uma convocatória boa. Depois vem a falta de formação e informação, pois aquela população vive no isolamento, onde o único meio que eles tem é a rádio nacional de Brasília, ou uma rádio local. A gente só escuta a ideia do agronegócio e a política governamental fazendo a parceria com o setor da burguesia daquela região. Outra questão é mesmo a falta de educação, pois é um local precário, em que a educação é muito fragilizada. Na floresta, as pessoas em geral terminam apenas a 4ª série do ensino primário. Isso tudo não tem impedido da classe trabalhadora resistir contra aqueles grandes megaprojetos de madeireiras, de mineradoras, de barragens, de hidrelétricas. É um processo que chamamos de um processo revolucionário na luta pela reforma agrária adequada àquela região. Uma luta pelo socialismo, que nós não reivindicamos a propriedade privada. Nós não queremos títulos de propriedades, reivindicamos o usufruto dos seringueiros. Mas, hoje, o Instituo Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio), entidade criada pela Marina Silva para fiscalizar a floresta e as reservas extrativistas, tem criminalizado as lideranças dos seringueiros, -os quais antes podiam colocar um roçado de subsistência, e já não podem mais queimar o roçado para plantar a lavoura para a própria subsistência. Hoje, você não pode mais matar uma caça, porque o ICMBio está proibindo. Então, eles estão criminalizando as lideranças e a população, fazendo terrorismo dentro da reserva, andando armado. Esse é o mesmo órgão que dá licença para as barragens na Amazônia, para o manejo madeireiro, é o órgão que veio para facilitar a vida do agronegócio na Amazônia, das multinacionais e das ONGS. E, veio a serviço do grande capital, com essa ideia da nova política da “economia verde” naquela região para exploração dos meios naturais. Eles tiram o único modo de subsistência de vida dos trabalhadores. E a alternativa que eles estão dando para a gente é uma “bolsa verde”: 100 reais por mês, que não dá para comprar um saco de farinha e ficamos impedidos de extrair os nossos produtos, pois estão proibindo de fazer ramais para escoação do produto dentro da reserva; e ao mesmo tempo fazem vista grossa ao manejo madeireiro, que está muito acelerado na nossa região. Hoje, esses são os principais temas, pois se você não adere à bolsa verde, você tem que ceder ao plano de manejo. Se você não fizer o plano de manejo, tem que ceder a sua área como concessão para uma madeireira. Nenhum seringueiro tem condições de fazer plano de manejo, pois este exige uma assistência técnica, um trabalho especializado. Assim, o trabalhador fica com sua área à mercê das madeireiras, das ONGS, para uma empresa multinacional fazer o plano.
O que mais preocupa é que não é só uma política do agronegócio, é uma política do estado, do governo. O ICMBio e o Ministério do Meio Ambiente obedecem à regra da monocultura, organizada pela Monsanto. Tem-se um grande investimento do BNDES e do Banco Interamericano do Desenvolvimento (BID) para as barragens na Amazônia, para o programa de manejo madeireiro e à política do mercado de carbono. Na nossa região tem mais de 20 megaprojetos que vai (sic) detonar com aquele bioma! Se não tivermos uma atitude radical de brecar esse avanço acelerado das multinacionais, a destruição será total. O cerrado, por exemplo, está sendo implementado naquela região para a monocultura da soja, cana para o etanol e as barragens. A construção das barragens na Amazônia também atendem a essa política. Temos agora a construção da BR do Pacífico que corta a região meio a meio para escoação dos produtos de exportação. Então, são investimentos para a “integração” da América do Sul, e que precisa ter uma atenção especial do mundo acadêmico, das comunidades de fora da Amazônia para que possamos fazer um grande empate (e não é um empate contra os fazendeiros e madeireiras) contra o estado, contra a legalização dessa destruição através da certificação do Conselho de Manejo Florestal (selo FSC). Aí, eu pergunto: o que é destruição? Se a pessoa consegue um selo de exportação, deixa de ser “destruição” e passa a ser “sustentabilidade”. Esse é o perigo da política “auto-sustentável” que, ao conseguir a certificação, é liberado para você fazer qualquer atrocidade naquele bioma. Lá está o maior banco genético do planeta! Se não tiver uma atenção para conhecer aquela região, vamos ficar sem Amazônia em pouco tempo!

O governo e as empresas têm muito dinheiro para injetar em organizações para combater os trabalhadores na Amazônia, com respaldo logístico grande. De que forma eles têm intervido na realidade e a resposta dos trabalhadores frente a esta situação?

Osmarino - Quando nós organizamos os empates, na década de 1970 e 1980, 100% desse pessoal era analfabeto, não sabia ler e escrever. Osmarino-iMas, eles tinham uma vontade de defender a vida. Então, quando se tem vontade de viver, você cria as condições, o “anticorpo” como chamamos na floresta. Na Amazônia, para você viver, você tem que se adaptar e criar anticorpos. Pois, você não vai enfrentar somente o estado, só a UDR, só as grandes indústrias, as mineradoras. Vai enfrentar, também, a cobra, a febre amarela, a malária. É uma série de inimigos que o seringueiro consegue combater. E conseguiu fazer esse enfrentamento. Mas, o seringueiro está adaptado à floresta. Eu diria que o pessoal que consegue sobreviver com a dor, por conta da vontade de viver! Não tem um dia que o seringueiro não sinta dor na floresta. Ou ele é mordido por tucandeira, cobra, marimbondo, topada, sofre um corte... Mas, ele convive diariamente com dor. Então, ele está adaptado a estas questões.
Para discutir a intervenção do grande capital na nossa comunidade, estamos nos organizando em associações. Cada seringal, cada comunidade que tem 50 ou 100 famílias, organiza um núcleo de base. Além dos sindicatos, das oposições sindicais, estamos, também, na discussão de desfiliação dos sindicatos da CUT, já que ela vive em lua de mel com o governo. Estamos em um processo de fortalecer a CSP Conlutas, uma central que para nós tem tido uma postura de defender as propostas da classe trabalhadora, a reforma agrária sob controle dos trabalhadores, e enfrentar o grande capital contra a depredação dos meios naturais. Essas são algumas das entidades. Outro movimento é em direção às universidades, fazendo um desfio à juventude, ao setor acadêmico e intelectual. Vamos intervir na Rio+20, com todas nossas ideias e documentos, denunciando o governo, inclusive as ONGs, como USAID, WWF, Greenpeace - todas as entidades que defendem o desenvolvimento sustentável para evitar o aquecimento global, que acham só ser possível evitar isso colocando os meios naturais no mercado. Isso diz respeito à política do mercado de carbono, por exemplo, que libera para o Norte e os países ricos (Japão, EUA, Alemanha...) continuarem poluindo no resto do mundo, e comprando terras na Amazônia. Assim como os grandes plantadores de soja vão continuar trabalhando no monocultivo do plantio e dizendo “Nós podemos destruir aqui, mas estamos preservando na Amazônia”. E tem um povo nativo que não é levado em consideração nessa região, o qual vive da pesca, da caça, da castanha, do roçado de subsistência. Esse povo está se tornando para os governantes o principal empecilho para implementar os megaprojetos. Estão sendo criminalizados por uma coisa que sempre fizeram. Agora foi decretado em nossa região “fogo zero”: todo mundo tem que cozinhar à lenha. Como você vai decretar “fogo zero” quando o seringueiro cozinha à lenha? O trabalhador precisa do carvão para fazer comida, da lenha para fazer a comida e queimar o seu roçado para plantar a macaxeira, o milho, criar os seus bichinhos. Nós trabalhamos com leguminosas, não vamos desmatar na beira dos igarapés, ou derrubar a floresta, pois dependemos da floresta para nossa sobrevivência. No entanto, o governo incentiva o desmatamento através do plano de manejo. Quando o governo o implementa, ele está incentivando essa destruição, pois a cada 50 mil hectares desmatados, cinco mil ficam sem floresta alguma.
Para nós a organização está se dando por um “trabalho formiga”, pois é muito difícil devido ao deslocamento e locomoção para a convocação dos trabalhadores às reuniões no seringal. Cada seringal tem uma associação, um núcleo de base, onde são feitas as discussões. Porém, elas estão sendo minadas pelo governo com esses projetos, em que ele passa a pagar um salário para algumas lideranças para fazerem propaganda dos programas governamentais. Isso traz muitas dificuldades ao movimento naquela região. Já conseguimos ganhar o sindicato de Xapuri, tiramos a pelegada; e estamos organizando a oposição sindical em Brasileia. Será um processo difícil, mas não impossível, porque nós não temos opção. Ou a gente se organiza e enfrenta esse grande capital, ou então seremos expulsos e eles farão toda a destruição na Amazônia.

Como é feita a cooptação dos trabalhadores para que se retirem dos movimentos e eleições sindicais e qual a interferência na luta de classes?

Osmarino - Essa “compra” das pessoas é feita de várias formas: oferecem bolsas de estudo, na Bolívia, para tirar as lideranças do movimento; pagam salários; dão cargos no governo. O último investimento foi 500 mil reais, na compra de tratores, dizendo que se as pessoas fechassem com tal chapa, eles dariam tratores para a comunidade. Tínhamos quatro chapas disputando o sindicato; hoje estamos com duas... As pessoas que não têm consciência política ficam vulneráveis a serem compradas por essa política do governo, pois a pobreza é muito grande. A comunidade que ganha um trator acha uma coisa estupenda. E as pessoas não têm consciência da Bolsa Verde que estão assinando, a qual dura apenas por dois anos – e não sabem que qualquer “deslize” que ele tiver será expulso da reserva. A criminalização é tática para o governo do estado. Ele atrelou todo o movimento. Levou os parentes do Chico Mendes, por exemplo, que receberam cargos comissionados e salários do governo para fazer o comercial do manejo madeireiro, ficar contra o movimento e defender o governo. Nós estamos resistindo a isso há quatro décadas! A gente achava que com a CUT e o PT teríamos um alívio. Mas, essas entidades se voltaram contra nós, contra os próprios trabalhadores. A CUT vive em lua de mel com o governo. O PT obedece às regras do agronegócio. O Lula, antes de sair da presidência, disse que os usineiros eram os heróis! As áreas indígenas não foram demarcadas e a reforma agrária não foi feita nesse país! Nós sofremos um golpe, uma traição muito grande, inclusive pela Marina Silva, que criou a Lei de Florestas Públicas, a qual privatiza 50 mi de hectares de floresta para fazer a biopirataria. O próprio estado cria, aparelha, atrela o movimento e as pessoas.
A luta de classes é uma luta muito dura. O estado é corrupto, as instituições estão apodrecidas, para sobreviver oferecem propina às lideranças. Imagina uma liderança que está na maior pobreza, recebe qualquer proposta, e ela cede... Mas, é preciso reconhecer que se você receber a propina, a consciência vai se voltar contra si próprio. Então temos que fazer o trabalho que acreditamos.

A aprovação do Novo Código Florestal vem para alargar as possibilidades de exploração na floresta amazônica, ou apenas é para legitimar burocraticamente uma prática e uma política existente no país há décadas?

Osmarino - O Novo Código Florestal só está legalizando toda a destruição que foi feita pelas multinacionais na Amazônia. Tem perdoado toda a atrocidade do desmatamento que foi feito e consolidado a proposta da economia verde, facilitando o mercado dos bens naturais. O Novo Código Florestal é, mais do que nunca, concentrar terras nas mãos de quem tem condição financeira, vem para legitimar aquelas mesmas pessoas que deveriam repor o estrago que fizeram. Essa política vem para oficializar as práticas do agronegócio, o monocultivo, a soja, o eucalipto, a cana para o etanol... E em nome do “desenvolvimento sustentável” se tem uma lei que garante, sem critério algum, a implementação dessa política, na Amazônia, de forma inconsequente. A BR do Pacífico, por exemplo, acabou de ser consumada. O que vamos exportar? A madeira, os produtos naturais etc extraídos pelas empresas e pelo latifúndio.
Uma lei do Sistema Nacional de Unidade e Conservação (SNUC) tirou o poder dos seringueiros de decidir sobre os projetos para a Amazônia. Antes havia um plano de utilização que dizia que qualquer projeto para a Amazônia teria de passar primeiro pelo crivo da assembleia dos seringueiros. O SNUC tirou esse poder. Hoje, quem decide é o conselho deliberativo, criado pelas entidades governamentais. A criação da Lei de Florestas Públicas, da Marina Silva, facilitou a concessão para desmatar a região. Essa concessão dura 40 anos e ao fim deste prazo, após explorar tudo o que poderia, ela pode ser renovada por mais 30 anos. Então, a lei privatiza a Amazônia por pelo menos 70 anos. Isso vai destruir com culturas milenares que vivem nesses locais, com a população nativa. Acabarão com a vida, sendo que ali se encontra o maior ar condicionado do planeta, o ar que refrigera a terra!
A Belo Monte, por exemplo, tem 500 quilômetros quadrados que serão inundados. A Santo Antônio e Jirau são duas obras que estão ultrapassando os 40 bilhões de reais. Tudo isso daria para resolver o problema da educação; da saúde; implementar bancos de hemoplasma; investir em pesquisa; e evitar os desastres ecológicos, consequências do desastre econômico e social do sistema que vivemos. O Novo Código Florestal é o menino dos olhos do latifúndio, do agronegócio, do hidronegócio.

Nesse cenário, de que modo tem se dado a repressão aos povos indígenas e nativos daquela região com a entrada massiva das grandes corporações no extermínio dessa população?

Osmarino - Primeiro, eles tentam usar essas populações que tem dificuldade de entender o que está por trás de cada projeto e passam a fazer a tal da “formação” para convencer os índios a aceitar o plano de manejo madeireiro nas áreas indígenas. É a mesma coisa que a igreja fez quando queria “salvar” os índios, e mandar eles para o céu. Então, todos lá estão virando evangélicos, obedecendo à cartilha governamental. A grande maioria é desinformada e sem condições de avaliar o conteúdo disso. Essa é uma das práticas que eles têm usado.
A outra é a criminalização. Por exemplo, no meio indígena, os jovens quando completam 16 anos casam-se. Então, eles acusam de estupro esses jovens ou até mesmo as lideranças para exterminar esse povo e também impedir que se reproduzam. Os índios estão casando e ficando escondidos, pois não podem mais se relacionar por serem acusados de estupradores. A justificativa é que tem uma lei no Brasil que diz que ter relações sexuais com uma menina menor de idade é estupro. No entanto, na floresta é cultural homens e mulheres se casarem com esta idade. Eles confundem a população e acabam criminalizando não só os índios, mas os seringueiros também.
Podemos ver que não é somente com as leis e programas ambientais (Bolsa Verde, Plano de Manejo, etc.) que eles criminalizam. Outras leis, como a questão da prostituição infantil têm sido usadas para este fim. Nas cidades, por exemplo, o narcotráfico tem de fato praticado isso e o governo não tem fiscalizado. O exemplo disso é Belo Monte. Altamira tem 100 mil pessoas. Mas, está chegando 120 mil para trabalhar, é um caos social. A prostituição naquele lugar vai triplicar, o narcotráfico vai se aproveitar da juventude e como o estado vai evitar o estupro e a barbárie? Não vai evitar! O estado cria mecanismos, a gente vê como exemplo as obras da Copa do Mundo, em que estão expulsando as populações dos bairros das periferias e jogando para fora das cidades e dos centros urbanos, e indenizando com migalhas. As obras da Copa institucionalizam a criminalização, jogando as pessoas em lugares que não se tem estrutura para sobreviver, sem escolas, postos de saúde, transporte etc. É um problema orquestrado pelo próprio sistema, e que nós estamos no meio disso tudo.
Eu assisti pela televisão o que fizeram em Pinheirinho (SP). Teve um despejo numa cidade inteira praticamente, para defender o Naji Nahas, para defender o sistema capitalista, a propriedade privada! A sociedade capitalista que vivemos é só barbárie! Na floresta, nós compreendemos que essas populações estão sendo expulsas de suas residências, que colocaram o nome de “remoção”. O estado tem utilizado de vários nomes para deturpar a realidade nua e crua que é esse sistema de acumulação de riqueza na mão de poucas pessoas.

Como o capitalismo Verde de Marina Silva é compreendido pelos trabalhadores e seringueiros na Amazônia?

Osmarino - Virou uma doença! As pessoas não entendem o significado da nova economia verde implementada na Amazônia. O desenvolvimento sustentável, na nossa compreensão, é diversificar uma economia sem ameaçar a fonte de renda e as gerações futuras. No caso, a implementação dessa economia verde está ameaçando a fonte de renda, pois, por exemplo, a Belo Monte não é sustentável – tem gerado energia para um grupo de empresas para continuar depredando a natureza, explorando trabalhadores e inundando uma grande área da floresta, que vai acabar com várias espécies, culturas - e tampouco a energia da usina vai servir para a população.
Outro exemplo é o manejo madeireiro. Se você tira toda a floresta para o manejo - sendo que ela é fonte de renda da população local -, é ela que evita, também, o aquecimento global, desequilibra ambiental e socialmente toda a região. Eu vivo da castanha, se acabar a floresta como vou sobreviver? Não fui ensinado a trabalhar na agricultura, e muito menos a região é propícia à agricultura. O aproveitamento racional daquela região não está sendo feito pelos grandes projetos de expansão com a proposta da economia verde. A Marina Silva organizou junto com o Lula este projeto, de mãos dadas com a Monsanto – o primeiro estrago foi a aprovação dos transgênicos – e depois veio a Lei de Florestas Públicas e o mercado de exportação dos bens naturais. Quem tem o selo de exportação pode destruir o que é ilegal, que por conta do selo vira “legal”.
O grande desmatamento vem do latifúndio, não dos pequenos proprietários. Em 1980, no estado do Acre, 10 pessoas eram donas de oito milhões de hectares de floresta – que é mais da metade do estado. A MANASA, hoje, é dona de 4 milhões de hectares de terra. As pessoas no governo foram as que tiveram mais capacidade de dar estrutura para o agronegócio, em especial o governo Lula com a Marina Silva no Ministério, e agora a Dilma Rousseff com essa ministra do meio ambiente. Eles não têm critérios para aprovar leis que destroem todo um potencial natural. As barragens são feitas sem se quer discussão em audiência pública. É uma vergonha! Os projetos vem todos prontos para serem implementados. Se as pessoas resistem, vão para o enfrentamento com o exército e a polícia. A Força Nacional, hoje, não sai de dentro da floresta para criminalizar os seringueiros e os índios.
E a Rio+20 nesse cenário?
Osmarino - A Rio+20 será para selar como um todo entre sociedade e governo um proposta de “economia sustentável”. Esta proposta é uma ideia do modelo capitalista que temos, que se apropriou da natureza e da ecologia para ganhar muito dinheiro, sem se preocupar com o desastre que vai acontecer nas gerações futuras. A Marina foi a peça chave no Ministério do Meio Ambiente, arrodeada de ONGs e entidades que fazem o comercial do selo de exportação FSC. Isso é uma proposta perigosa, de lucro imediato, de concentração da riqueza da natureza. Não deveria estar se comercializando a floresta, pois ela é direito de todos. A natureza que se evoluiu para a humanidade tem hoje uma minoria de capitalistas se apropriando dela, que cria as leis e privatiza em nome da “sustentabilidade”.
É muita responsabilidade de todos fazer o enfrentamento a essa proposta que será selada na Rio+20. Essa é uma discussão que vem desde a década de 1970, em que já estávamos realizando os empates na Amazônia contra a destruição, depois veio a ECO-92 com essa discussão. O agronegócio não está preocupado com as consequências disso. Apenas com a soja, com a cana para o etanol, as barragens. Na Amazônia tem uma onda de açudagem em complemento às barragens, tudo pensando na exportação dos meios naturais. O seringueiro que vive do seu roçado de subsistência, da castanha, da caça e da pesca, hoje é o vilão, considerado criminoso, mas eles vivem há centenas de anos na floresta e nunca destruíram. No entanto, é ignorado que o grande capital faz, e é criminalizado o seringueiro que vive da sua cultura e costumes de subsistência na região.
Qual projeto que você acredita que falta para o Brasil e como se deve dar essa unidade entre movimentos populares, trabalhadores e juventude para superar o sistema que vivemos?
Osmarino - O que todo mundo tem que ter consciência é que esse projeto que está colocado não se deve aderir, pois ele é do sistema capitalista. Ele tem que ser descartado! Temos que pensar que a sociedade capitalista não serve para a classe trabalhadora, não serve para a humanidade. Precisamos pensar numa sociedade socialista, numa sociedade humana, numa sociedade libertária. Em relação ao projeto econômico, é só respeitar as iniciativas das populações tradicionais que sempre sobreviveram sem financiamento de banco. Os índios, seringueiros e populações tradicionais nunca precisaram de dinheiro de banco. Tem que respeitar, pois cada povo indígena é uma nação... índios, ribeirinhos, pescadores. O que a gente precisa, na verdade, é uma educação de qualidade. E o sistema capitalista não dá isso, além de excluir a classe trabalhadora das universidades, da escola, do acesso à educação. Precisamos de uma sociedade libertária. E vai se respeitando cada categoria, que implemente a sua arte, a sua cultura.
A educação precisa ter participação dos estudantes e professores na elaboração do que vai ser investido nela. Tem que ter transparência do calendário aos currículos formulados. A comunidade tem que participar deste processo e tem que estar de acordo com a necessidade de cada realidade. Temos de fazer este novo projeto econômico. Não podemos aceitar essa receita pronta, que já demonstrou não ser mais viável - um projeto para meia dúzia de pessoas, organizado pelas multinacionais, pelo agronegócio e o latifúndio.
Estamos em luta de classes, e temos que ter consciência disso. Temos que fazer um desafio à juventude, que em sua maioria, está “viajando” na internet, e acredita que vai fazer uma mudança por ela; ou então passeando nos shoppings, delirando com o mercado de consumo. E vai ser preciso três planetas para suportar essa demanda. Se não tivermos cuidado com o conto do comercial do consumismo, não vamos evitar a depredação. As famílias nas grandes cidades têm três, quatro carros. A indústria automobilística é a que mais polui no mundo. No Brasil, Lula tirou o imposto dos carros para as pessoas comprarem mais. E, no entanto, não criou condições para a reforma agrária, não tirou a terra da concentração da mão de poucas pessoas. Esse projeto não presta, temos que construir um novo. E, este novo projeto, todos sabem qual é: discutir o lucro, o respeito à vida, o fim da concentração de riqueza e da exploração do homem. Isso só vai ser possível quando a sociedade se rebelar, se levantar contra o sistema capitalista, dando um basta. Temos que apoiar as ocupações de terra, questionar a gestão das fábricas, da educação, da saúde. Temos que ir nos apropriando de acordo com a capacidade de mobilização que precisamos.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

“A Dilma vai vetar”, diz ministro do Desenvolvimento Agrário


“O Código Florestal não será sancionado da forma como a Câmara aprovou”, garante Pepe Vargas | Foto: Brizza Cavalcante/Ag.Câmara

Samir Oliveira no SUL21

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas (PT), é categórico ao afirmar que a presidente Dilma Rousseff (PT) irá vetar o novo Código Florestal que foi aprovado pela Câmara dos Deputados no dia 25 de abril. “A Dilma vai vetar. Se no todo ou em parte, essa é a discussão”, assegura o petista nesta entrevista ao Sul21.
Pepe garante que o texto não permanecerá intocado. “O Código Florestal não será sancionado da forma como a Câmara aprovou. Terá ou um veto total, ou um veto parcial”, comenta.
O ministro considera que há dois extremos nesse debate: o dos ruralistas que somente querem flexibilizar a legislação e o dos ambientalistas que defendem o que ele chama de “conservacionismo elitista”. Pepe diz que o governo federal não está comprometido com nenhuma dessas duas agendas.
Nesta entrevista ao Sul21, o ministro fala também sobre as perspectivas para a reforma agrária no país e critica a proposta de emenda à Constituição (PEC) que transfere responsabilidade sobre a titulação de terras indígenas ao Congresso Nacional.
“Além de anistiar grandes desmatadores, a Câmara diz que o pequeno produtor tem que recompor igual ao grande”
Sul21 – Como o senhor avalia o texto do novo Código Florestal aprovado na Câmara dos Deputados?
 
Pepe – A Dilma vai vetar. Se no todo ou em parte, essa é a discussão. Parte do texto final aprovado é consenso entre Câmara e Senado. O texto do Senado é muito mais equilibrado, mas algumas coisas aprovadas representam avanços importantes. Há uma legislação bastante protetora para aquilo que não foi desmatado. As disposições permanentes têm pontos muito positivos. E tem um capítulo inteiro sobre a agricultura familiar que é importante que seja preservado. Se o veto for total, zera todo esse avanço. Mas também há aspectos extremamente negativos, como a parte que previa a recomposição de áreas de preservação que foram devastadas. Queremos que haja recomposição e admitimos que ela tenha diferenciações. O agricultor que possui até quatro módulos fiscais não pode ter o mesmo tratamento de quem tem 400 módulos. Defendemos que até quatro módulos fiscais haja diferenciação nas exigências de recomposição de reserva legal. O Senado também tinha entendido assim, mas a Câmara botou isso a perder. Além de anistiar grandes desmatadores, o que é inadmissível, e prever que não haverá recomposição nenhuma em determinadas áreas de preservação permanente, a Câmara diz que o pequeno produtor tem que recompor igual ao grande.
Pepe Vargas: " Há dois extremos nocivos a esse debate. O primeiro é o polo que defende as piores práticas agropecuárias. Mas há um ambientalismo que defende um conservacionismo elitista" | Foto: Marcelo Brandt/Ag.Câmara

Sul21 – Então o texto final terá artigos vetados pela presidente?
 
Pepe – O Código Florestal não será sancionado da forma como a Câmara aprovou. Terá ou um veto total, ou um veto parcial. Há dois extremos nocivos a esse debate. O primeiro é o polo que defende as piores práticas agropecuárias, é a turma da motosserra. Mas no outro polo, há um ambientalismo que defende um conservacionismo elitista. Não entendem que a parte ambiental precisa estar ligada à inclusão social de assentados, de quilombolas, de comunidades de povos tradicionais e de pequenos agricultores. Não concordamos com esse conservacionismo elitista que desconsidera a dimensão social vinculada à ambiental. Esse ambientalismo conservador e elitista não é o nosso horizonte. Queremos denunciar esse tipo de gente, que muitas vezes está a serviço de interesses daqueles que querem mercantilizar a natureza, colocando papeis financeiros para especular na Bolsa. Aí os países em desenvolvimento se limitam a vender serviços ambientais enquanto as nações ricas podem desmatar e comprar esses papeis de serviços.

Sul21 – O senhor assumiu no dia 14 de março. Quais são as metas do ministério para este ano?
 
Pepe – A prioridade é fortalecer os instrumentos de apoio e fomento à agricultura familiar. Dos 5,1 milhões de estabelecimentos rurais no Brasil, cerca de 4,3 milhões são unidades produtivas de agricultores familiares. Elas representam 84% dos estabelecimentos e ocupam 74% da mão de obra no meio rural. Há propriedades familiares já bem desenvolvidas e inseridas no mercado, com capacidade de comercialização e produção, mas que precisam do nosso apoio. E há também as propriedades que ainda estão em desenvolvimento.

Sul21 – Que tipo de apoio o governo federal dá a esses produtores?
 
Pepe – Queremos fortalecer os instrumentos de acesso a crédito, como o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que tem financiamento para custeio de safra e para investimentos. Há também os instrumentos de apoio à comercialização. Queremos consolidar a Rede Brasil Rural, que é uma plataforma eletrônica que viabiliza que as cooperativas e associações de produtores cadastrem seus produtos. Já temos mais de 400 cooperativas cadastradas e um universo grande de fornecedores de insumos participando. Além disso, queremos fortalecer a assistência técnica da extensão rural, que é muito importante para o desenvolvimento produtivo das propriedades. E há os programas de garantias de preços mínimos, que são importantes para dar estabilidade a essa parcela de agricultores familiares que já está numa situação desenvolvida ou em desenvolvimento.
"Criou-se a ideia que só o agronegócio exporta e é responsável pela balança comercial brasileira. Temos que pensar em uma estratégia de desenvolvimento da agricultura familiar" | Foto: Gustavo Lima/Ag.Câmara
“O Estado brasileiro, ao longo da história, assentou pessoas e as deixou abaixo da linha da pobreza”
Sul21 -  E que tipo de assistência pode ser dada às famílias que tentam chegar a esse estágio?
 
Pepe – Há uma parcela da agricultura familiar que vive na extrema pobreza. Para isso temos o programa Brasil Sem Miséria, que é coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social. Como metade das 16 milhões de pessoas que estão abaixo da linha da pobreza vivem no meio rural, uma parte do programa fica sob nossa responsabilidade. Estamos antecipando todas as metas de 2013 para 2012. São metas de atendimento a famílias com assistência técnica diferenciada e continuada, e um subsídio de fomento para atividade produtiva com fornecimento de sementes. Começou ano passado no Nordeste, mas vamos atender também o Sul e o Sudeste, desde que os estados entrem com a assistência técnica. No Rio Grande do Sul, por exemplo, já acertamos com o governo. Nossa meta era atender três mil famílias, mas o Estado nos disse que tem condições de atender 6 mil famílias.

Sul21 – Como estão as demarcações e desapropriações para a reforma agrária no país?
 
Pepe – A reforma agrária é um instrumento de combate à extrema pobreza no campo. A agricultura familiar tem um papel importante no projeto nacional de desenvolvimento, porque distribui melhor a renda, ocupa mais gente no campo e produz 70% dos alimentos no país. Criou-se a ideia que só o agronegócio exporta e é responsável pela balança comercial brasileira. O peso do setor agrário nas exportações brasileiras foi de 36% do total exportado em 2011. Nesse montante, 28% é relativo à agricultura familiar na base. Temos que pensar em uma estratégia de desenvolvimento da agricultura familiar para que ela exporte ainda mais. Há um grande mercado a ser conquistado nos Estados Unidos e na Europa. Segmentos das classes médias e altas desses países querem comprar produtos feitos de forma justa e sustentável. Países com menor capacidade estão ocupando esse nicho.
Pepe Vargas garante que há disposição para dialogar com movimentos sociais do campo a melhora na infraestrutura dos assentamentos | Foto: Janine Moraes/Ag.Câmara

Sul21 – E como estão as demarcações de terras atualmente?
 
Pepe – Não temos contingenciamento de recursos orçamentários para obtenção de terras. Temos condições de executar todo o orçamento – previsto em R$ 106 milhões. Já liberamos R$ 200 milhões em Títulos da Dívida Agrária (TDAs) para que o Incra possa encaminhar o pagamento de decretos de desapropriação. Liberamos também R$ 44 milhões para pagamento de benfeitorias de imóveis cujas TDAs já estavam lançadas. Só com essa liberação, já atendermos 11 mil famílias. Estamos mudando o processo para fortalecer a infraestrutura dos assentamentos, começando pela moradia. Historicamente, a moradia entrava no crédito de habitação do Incra. O valor era R$ 15 mil por família, com três anos de carência e 17 anos para pagar. Mas temos o Minha Casa, Minha Vida, que financia residências no valor de R$ 25 mil e tem 96% de subsídio. Não há por que não colocarmos esse programa nos assentamentos. Iremos atender melhor e o assentado irá gastar menos. Aceitamos discutir com os movimentos sociais do campo uma nova metodologia do crédito de instalação. Estamos debatendo uma melhor maneira, não formatamos nada ainda, mas vai haver uma mudança. Queremos também levar os programas Água Para Todos e Luz Para Todos para dentro dos assentamentos. Não há por que o Incra assumir o financiamento dessas infraestruturas se existem programas que podem arcar com esses custos. Com isso o Incra pode usar seus recursos para priorizar outras questões fundamentais.

Sul21 – Como conciliar a realização de novos assentamentos com a melhoria dos já existentes?
 
Pepe – Tem anos que assentaram 100 mil famílias, mas davam terra sem infraestrutura. Temos um passivo social a ser resgatado. Há assentamentos que se desenvolveram, exportam e possuem tecnologia aplicada. Mas há um número expressivo de assentamentos com famílias que vivem na linha da pobreza. O Estado brasileiro, ao longo da história, assentou pessoas e as deixou abaixo da linha da pobreza. A estratégia do Brasil Sem Miséria é recuperar as estruturas desses locais. Vamos reconhecer que assentados da reforma agrária também são cidadãos que precisam ter acesso aos programas do governo federal. Não podemos achar que só o Incra tem responsabilidade de resolver essas questões.
“A turma da casa grande, que sempre defendeu a predação do país por uma elite minoritária, articulou a PEC 215 para impedir que o Estado brasileiro reconheça os direitos dos quilombolas e dos povos indígenas”
Sul21 – O MST diz que o governo federal possui um teto de até R$ 100 mil para desapropriações de terras. Os Sem-Terra alegam que isso faz com que 90% das propriedades permaneçam intocáveis.
 
Pepe – Não há nada que defina a existência de um teto de R$ 100 mil. Mas é verdade que, quando se vai desapropriar uma terra, o custo dela interessa. Quando o poder público vai desapropriar uma área para construir uma escola ou fazer um projeto habitacional, o preço da terra é levado em consideração. E, eventualmente, se a terra é muito cara, se opta por outro lugar. Na reforma agrária não pode ser diferente. O valor por hectare e o custo por família assentada são elementos importantes. O administrador precisa zelar pelo princípio da economicidade. Isso não significa dizer que se vá deixar de comprar terras. Mas também não iremos comprar terras que custem R$ 30 mil por hectare. Assim como não iremos comprar uma propriedade que custe R$ 2 mil por hectare e jogar as famílias num local onde não há estrada, água ou luz. É preciso bom senso.
"O trabalho escravo é uma abominação. Quem utiliza trabalho escravo na produção precisa ter suas terras desapropriadas" | Foto: Leonardo Prado/Ag.Câmara

Sul21 – O que encarece o custo das desapropriações?
 
Pepe – Há um processo de encarecimento do preço da terra no Brasil. Precisamos que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgue a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que questiona a medida provisória que estabeleceu que os juros compensatórios de uma terra desapropriada seriam de 6% e não de 12% – fixados por uma jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Nenhum fundo de investimento remunera a esse valor. O Judiciário brasileiro estabelece juros compensatórios numa desapropriação de terras que remunera muito mais do que qualquer aplicação no sistema financeiro. É possível especular muito mais tendo uma terra desapropriada do que no mercado financeiro. Isso é um absurdo. O governo, há muitos anos, fez uma medida provisória fixando os juros em 6% e houve uma Adin que foi acolhida pelo STF em caráter liminar. Continua-se pagando juros compensatórios de 12% e o julgamento do mérito é aguardado há mais de 10 anos. Isso impacta o orçamento do Incra. Quando o proprietário de uma terra não concorda com a avaliação do Incra, o Judiciário demora cinco anos para decidir quanto é o preço de uma terra desapropriada. Nesse meio tempo, o governo fica pagando 12% de juros compensatórios. É óbvio que isso diminui a capacidade do Estado brasileiro de desapropriar áreas para fins de reforma agrária. O orçamento não é um elástico que pode ser esticado. Precisamos que o Supremo julgue essa Adin. Se a taxa Selic está em 9%, por que os juros compensatórios são 12%?

Sul21 – Qual sua posição sobre PEC 215, que transfere para o Congresso Nacional a titulação de terras indígenas?
 
Pepe – A PEC 215 é uma reação dos setores mais retrógrados e conservadores que querem impedir o reconhecimento por parte do Estado brasileiro dos direitos dos povos e comunidades tradicionais. Temos uma posição contrária a essa PEC e defendemos a constitucionalidade do decreto que regulamenta a demarcação e o reconhecimento dos territórios quilombolas, que está sendo julgado pelo STF. A turma da casa grande, que sempre defendeu a predação do país por uma elite minoritária, articulou a PEC 215 para impedir que o Estado brasileiro reconheça os direitos dos quilombolas e dos povos indígenas.

Sul21 – Há também a PEC do trabalho escravo, que propõe o confisco das propriedades que utilizem mão de obra escrava.
 
Pepe – Queremos que seja aprovada. O trabalho escravo é uma abominação. Quem utiliza trabalho escravo na produção precisa ter suas terras desapropriadas para que elas cumpram uma função social.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Proposta que confisca propriedade com trabalho escravo deve ser votada nesta terça


Foto: Renato Alves/Ministério do Trabalho e Emprego
Desde 1995, 42 mil trabalhadores foram libertados de trabalho escravo | Foto: Renato Alves/Ministério do Trabalho e Emprego

Felipe Prestes no SUL21

Após oito anos parada, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 438/2001, conhecida como PEC do Trabalho Escravo, deve ser votada nesta terça-feira (8) pela Câmara dos Deputados. A proposta determina que o empresário que tiver explorando trabalho escravo terá suas terras ou imóvel urbano confiscado para reforma agrária ou uso social nas cidades. No que depender do presidente Marco Maia, estará pautada uma sessão extraordinária para votá-la, no início da noite, após a sessão ordinária. O petista, entretanto, vai colocar o tema em debate na reunião de líderes, que ocorre no início da tarde.
A PEC do então senador Ademir Andrade (PSB-PA) foi aprovada no Senado em 2001, chegou à Câmara, onde foi aprovada em primeiro turno em2004. A votação em segundo turno pode ocorrer agora, oito anos depois, fruto da pressão do Governo Federal e de movimentos sociais. No mês de março, a presidenta Dilma Rousseff estabeleceu, inclusive, prazo para votação da PEC: até o dia 13 de maio, aniversário de 124 anos da Lei Áurea, que acabou com a legalidade da escravidão no país. Maia apoiou a escolha da data e prometeu colocar em pauta nesta semana.
Para ativistas que combatem o trabalho escravo, a PEC é importante, porque as multas e sanções que são aplicadas a empresários não têm sido suficientes para conter a prática. “A PEC do Trabalho Escravo é hoje a lei mais relevante em trâmite no Congresso no combate ao trabalho escravo, porque confisca a propriedade. É muito paradigmática, porque deixa claro que o Estado brasileiro não aceita esta violação à dignidade humana”, afirma Leonardo Sakamoto, jornalista e diretor da ONG Repórter Brasil, que desde 2001 reporta casos de violação aos trabalhadores rurais.
Sakamoto relata que, desde 1995, quando o Governo Federal reconheceu a existência do trabalho escravo no país e criou um sistema público de combate à prática, 42 mil trabalhadores já foram libertados desta condição. Hoje, 291 empregadores estão no cadastro do trabalho escravo, atualizado semestralmente, a maior parte deles está no campo. Para o jornalista, contudo, o tema é mais próximo da população das cidades do que parece. “Faz parte da nossa alimentação e do nosso vestuário. É interessante que a gente, que se beneficia disto, pressione para que não aconteça mais”, diz.
José Cruz / ABr
Terça-feira será de manifestações pela aprovação da PEC em Brasília | Foto: José Cruz / ABr

Voto aberto pode ajudar na aprovação

Nesta terça (8), às 11h, movimentos sociais como o MST e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), entre outras entidades, e artistas como Osmar Prado. Letícia Sabatella, Bete Mendes e Paulo Betti, além de intelectuais e integrantes da Igreja farão ato na Câmara dos Deputados para entrega de abaixo-assinado com cerca de 50 mil assinaturas pela aprovação da PEC. Entidades farão vigília no Congresso durante todo o dia.
Para Leonardo Sakamoto, a aprovação depende de não haver subterfúgios, como a falta de acordo entre líderes ou a falta de quórum para a votação. “O voto é aberto, isto ajuda. Acredito que uma vez colocado em votação, será aprovado”, diz. Para ser aprovada, uma PEC precisa de 3/5 dos votos. Normalmente, a bancada ruralista tem tido bem mais que 2/5 dos votos na Casa, mas, como o voto é aberto, o diretor da Repórter Brasil crê que pouco se arriscariam em votar contra uma matéria que ajuda a combater o trabalho escravo. “Qual deputado vai querer votar contra uma lei que vem sendo chamada de nova Lei Áurea, em ano eleitoral?”, questiona.
Ainda assim, Sakamoto diz que na Câmara “tudo pode acontecer” e considera uma incógnita se a PEC chegará a ser votada mesmo. “Não tenho resposta. Depende muito se o Governo Dilma vai entrarem campo. Depende se o Governo ainda tem base aliada, se o Congresso ainda se importa com os temas que o Governo prioriza, se base aliada não é aliada apenas em temas que lhe interessa”, diz. Caso seja aprovada, a PEC precisa voltar ao Senado, porque a Câmara fez alterações no texto, incluindo os imóveis urbanos.
valdircolatto
Colatto: Se for votada, PEC será derrotada | Foto: Janine Moraes/Ag. Câmara

Deputado ruralista acredita que trabalho escravo não está bem definido na PEC

Para o deputado Valdir Colatto (PMDB-SC) ainda não é o momento da PEC ser apreciada. “A PEC não tem um conceito definido de trabalho escravo. Vai deixar na mão do fiscal que for na fazenda? Fiscal não pode ser quem decide, cada fiscal faz o que quer, é uma ditadura do fiscal”, diz.
Segundo Colatto, o Ministério do Trabalho tem uma instrução normativa com 255 exigências aos produtores e eles poderiam perder sua propriedade por questões não tão importantes. “Nenhuma propriedade no Brasil cumpre todas estas exigências, e é uma instrução normativa, não tem respaldo em lei. Quando o funcionário toma água na bica, o produtor pode ser enquadrado. Tem que ter um banheiro para cada dez funcionários, azulejo na cozinha. Como vai fazer isto?”.
Para o peemedebista, o produtor rural também não pode ser cobrado da mesma maneira que uma indústria, por exemplo. “Uma propriedade rural no meio da Amazônia não pode ter a mesma estrutura que em uma indústria”.
O deputado também ressalta que está ocorrendo na Câmara uma CPI do Trabalho Escravo e que, portanto, seria mais adequado esperar o fim dos trabalhos para apreciar a PEC com mais subsídios. “Tem uma CPI que vai ouvir todos os lados. Agora não é o momento de votar. Não sei por que tanta pressão se tem uma CPI. Seria uma irresponsabilidade aprovar agora, vai criar mais conflitos, pode criar desemprego”, diz.
Colatto acredita que se a proposta entrar em votação será derrotada. “Se o governo quer tanto colocar, tem que colocar na pauta. Vai ser derrotado”.
Divulgação / MTE
Uma realidade Brasil afora: adolescentes libertados de trabalho escravo | Foto: Divulgação / MTE

Conceito de trabalho escravo é claro, garante Sakamoto

Para Leonardo Sakamoto, o conceito de trabalho escravo é claro, tanto que está na lei brasileira, no artigo 149 do Código Penal. De acordo com o texto legal, a condição análoga à da escravidão se dá quando o trabalhador é submetido a trabalho forçado, a jornada exaustiva, ou a trabalhar em condições degradantes. O trabalho forçado pode se dar, segundo a lei, por dívidas contraídas com o empregador, por cerceá-lo de meios de transporte, manter vigilância ostensiva para que ele não deixe o local de trabalho ou se apoderar de seus documentos.
O diretor da Repórter Brasil ressalta que o trabalho escravo não está apenas na legislação brasileira, mas em convenções e tratados subscritos pelo país na esfera internacional, em instituições como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e as Nações Unidas. Além disto, afirma o jornalista, o STF, o TST e outros tribunais brasileiros já têm inúmeras decisões contra o trabalho escravo. “Primeiro, os ruralistas diziam que o trabalho escravo não existia. Quando as evidências contrariavam muito isto, passaram a dizer que o conceito não é claro. Para estas pessoas não adianta mostrar convenções da OIT, da ONU, o artigo 149 do Código Penal. Não adianta apresentar fatos para quem não quer ouvi-los”, diz.
Sakamoto também rebate o argumento de que fazendeiros poderiam perder sua propriedade por pequenas coisas como não ter azulejo na cozinha. Segundo ele, é muito comum proprietários que são enquadrados mostrarem apenas parte de suas autuações, ocultando os motivos principais. “O trabalho escravo é conjunto da obra”, diz. O jornalista explica que na maioria das propriedades que descumprem alguma exigência do Ministério do Trabalho, os empregadores corrigem os erros e não são enquadrados na lista suja do trabalho escravo. “Apenas 42 mil trabalhadores foram libertados e existem 18 milhões de trabalhadores rurais no país. Se fosse como o deputado diz, este número seria muito maior”.
leonardo sakamoto
| Foto: Alexandra Martins/Ag. Câmara

Para jornalista, função social da propriedade é o cerne da discordância

Leonardo Sakamoto ressalta que a imensa maioria dos proprietários rurais cumpre com suas obrigações trabalhistas. No entanto, a PEC preocupa grande parte deles porque mexe com a propriedade, dando caráter efetivo à função social da propriedade, pouco cumprida no Brasil. “Certa vez o Ronaldo Caiado (deputado federal, DEM-GO) chegou a dizer que se podia jogar na cadeia quem tivesse trabalho escravo em sua fazenda, mas que não se tirasse a propriedade. O medo é vincular à função social. É que haja outros mecanismos, como desapropriar propriedades por crimes ambientais, por trabalho infantil. Para eles a propriedade é inviolável”, diz.
O ativista afirma que os produtores deveriam entender que há concorrentes praticando dumping social, levando vantagem ao submeter trabalhadores a condições degradantes. “A maioria fica dentro da lei, dá qualidade de vida a seus trabalhadores e sofre concorrência desleal de quem não dá”, diz.
Ele afirma também que é comum empresários agradecerem depois de sofrerem pressão da Repórter Brasil e regularizarem sua situação. “Ruralistas já me agradeceram por terem sido fiscalizados. Hoje, podem dizer, por exemplo, para o cliente europeu que seu algodão é limpo, o que não se pode dizer da produção no Paquistão e na Índia”.