Wladimir Pomar
A trágica morte de uma criança de seis anos, durante o roubo de um carro no Rio de Janeiro, é sem dúvida uma demonstração da barbárie em que já estão envolvidas as grandes cidades brasileiras, com freqüentes respingos pelas cidades do interior. Isso para não falar do que acontece pelas áreas rurais do centro e norte do país, onde a pistolagem mata com selvageria e, em geral, impunemente, lavradores e os que os defendem.
Por outro lado, a morte daquela criança também serviu de pretexto para um ataque paranóico de hipocrisia daquela parte da sociedade brasileira que é responsável pelo sistema gerador de facínoras que mal alcançaram a maioridade legal, ou ainda não a alcançaram. Ao invés de reconhecer sua responsabilidade pela desagregação do tecido social brasileiro, e por milhões de jovens vegetarem sem oportunidade de educação e trabalho digno, sua reação exclusiva foi exigir penas mais duras, e até mesmo a pena de morte.
Em outras palavras, ao invés de sugerir medidas que solucionem a situação de abandono em que vive grande parcela da juventude pobre, para retirá-la das teias que a prendem ao tráfico e ao banditismo, quer fazer crer que o que falta é rigor nas leis e na repressão. É incapaz de reconhecer que a legislação e o aparato repressivo e prisional brasileiros estão falidos, eles próprios fazendo parte do sistema de re-alimentação do crime organizado e desorganizado. E que, ao invés de reduzir a incidência de crimes e atos de barbárie, conjugado à falta de educação e trabalho, esse sistema só a tem agravado nos últimos anos.
É evidente que a existência de instrumentos sociais de educação, trabalho e moradia dignos não é suficiente para evitar crimes bárbaros e hediondos. Mas a existência de tais instrumentos, coadjuvados por um sistema repressivo e prisional com credibilidade pública, é condição necessária para reduzir de forma consistente uma situação que já se tornou epidêmica, em grande medida porque a própria polícia concorre com a bandidagem na prática da barbárie contra a população.
Num quadro como esse, a gritaria hipócrita de parte da elite pode até angariar alguns pontos e conseguir algumas leis mais duras. Porém, com certeza, não conseguirá sucesso e, no próximo ato de barbárie, voltará com a mesma ladainha. Ou seja, além de hipocrisia, enganação.
Wladimir Pomar é escritor e analista político.
Fonte: correio da cidadania