Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
segunda-feira, 23 de julho de 2007
Carlos Pompe*
Tudo tem seu preço?
Esses crimes se multiplicam pelo mundo afora. No Brasil, no ano passado, a Procuradoria do Estado de São Paulo pediu à Igreja indenização pelos crimes do padre Alfieri, que molestou 13 crianças, duas delas com apenas 5 e 6 anos. O sacerdote as colocava numa instituição de caridade que dirigia na região de Sorocaba. O padre filmou e escreveu num diário os crimes que cometeu.
É comum, quando um religioso é flagrado nesses casos, ele ser transferido pela alta cúpula de Igreja para outra região, evitando assim que seja punido pela lei e que a instituição fique exposta, podendo então continuar posando de mantenedora dos bons costumes e portadora oficial da ética e dos valores humanos mais sublimados. Quando a mera transferência do pervertido não acalma as ovelhas violadas e violentadas, a alta hierarquia apela para as indenizações. O atual caso da indenização pecuniária nos EUA envolve 113 criminosos, dos quais apenas 4 enfrentam os tribunais. Em 2004, a arquidiocese de Orange pagou 100 milhões de dólares para encerrar 90 processos; em 2005 a diocese de Oakland pagou 56 milhões de dólares para 56 vítimas; em 2006 a diocese de Convington pagou 84 milhões de dólares a 350 vítimas.
No caso das penas indenizatórias, pode-se dizer que a Igreja está pagando na mesma moeda punições que outrora prodigalizou em distribuir. Em 1517, o papa Leão X promulgou a Taxa Camarae, para vender indulgências. Determinava o segundo dos seus 35 artigos: "Se o eclesiástico, além do pecado de fornicação, quiser ser absolvido do pecado contra a natureza ou de bestialidade, deve pagar 219 libras e 15 soldos”. Talvez refletindo já na época uma preferência dos senhores que envergam batina e continuam sexualmente ativos, mandando aos diabos o voto de castidade, o artigo 2º anunciava um abatimento: “Mas se tiver apenas cometido pecado contra a natureza com crianças ou com animais e não com mulheres, pagará unicamente 131 libras e 15 soldos."
Mas, infelizmente, são pouquíssimos os depravados punidos. Quase nem sempre se realiza o ditado popular: aqui se faz, aqui se paga.
*Carlos Pompe, Jornalista e Curioso do mundo.
O renascimento da tensão russo-americana | | | |
Virgílio Arraes | |
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O tema principal da última reunião do G8, que congrega os sete países mais ricos do globo e a Rússia, estava previamente relacionado com a questão ambiental, ao buscar-se estabelecer um percentual comum na emissão de gases provocadores do efeito estufa. Sediada na Alemanha, a proposta havia sido originada pela primeira-ministra do país, Angela Merkel, ela mesma ministra do Meio Ambiente entre 1994 e 1998.
Virgílio Arraes é professor de Relações Internacionais na UnB. Copiado de:CorreioDaCidadania |
Necrocombustíveis | | | |
Frei Betto | |
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O prefixo grego bio significa vida; necro, morte. O combustível extraído de plantas traz vida? No meu tempo de escola primária, a história do Brasil se dividia em ciclos: pau-brasil, ouro, cana, café etc. A classificação não é de todo insensata. Agora estamos em pleno ciclo dos agrocombustíveis, incorretamente chamados de biocombustíveis.
Este novo ciclo provoca o aumento dos preços dos alimentos, já denunciado por Fidel Castro. Estudo da OCDE e da FAO, divulgado a 4 de julho, indica que “os biocombustíveis terão forte impacto na agricultura entre 2007 e 2016.” Os preços agrícolas ficarão acima da média dos últimos dez anos. Os grãos deverão custar de 20 a 50% mais. No Brasil, a população pagou três vezes mais pelos alimentos no primeiro semestre deste ano, se comparado ao mesmo período de 2006.
Vamos alimentar carros e desnutrir pessoas. Há 800 milhões de veículos automotores no mundo. O mesmo número de pessoas sobrevive em desnutrição crônica. O que inquieta é que nenhum dos governos entusiasmados com os agrocombustíveis questiona o modelo de transporte individual, como se os lucros da indústria automobilística fossem intocáveis.
Os preços dos alimentos já sobem em ritmo acelerado na Europa, na China, na Índia e nos EUA. A agflação – a inflação dos produtos agrícolas – deve chegar, este ano, a 4% nos EUA, comparada ao aumento de 2,5% em 2006. Lá, como o milho está quase todo destinado à produção de etanol, o preço do frango subiu 30% nos últimos doze meses. E o leite deve subir 14% este ano. Na Europa, a manteiga já está 40% mais cara. No México, houve mobilização popular contra o aumento de 60% no preço das tortillas, feitas de milho.
O etanol made in USA, produzido a partir do milho, fez dobrar o preço deste grão em um ano. Não que os ianques gostem tanto de milho (exceto pipoca). Porém, o milho é componente essencial na ração de suínos, bovinos e aves, o que eleva o custo de criação desses animais, encarecendo derivados como carne, leite, manteiga e ovos.
Como hoje quem manda é o mercado, acontece nos EUA o que se reproduz no Brasil com a cana: os produtores de soja, algodão e outros bens agrícolas abandonam seus cultivos tradicionais pelo novo “ouro” agrícola: o milho lá, a cana aqui. Isso repercute nos preços da soja, do algodão e de toda a cadeia alimentar, considerando que os EUA são responsáveis por metade da exportação mundial de grãos.
Nos EUA, já há lobbies de produtores de bovinos, suínos, caprinos e aves pressionando o Congresso para que se reduza o subsídio aos produtores de etanol. Preferem que se importe etanol do Brasil, à base de cana, de modo a se evitar ainda mais a alta do preço da ração.
A desnutrição ameaça, hoje, 52,4 milhões de latino-americanos e caribenhos, 10% da população do Continente. Com a expansão das áreas de cultivo voltadas à produção de etanol, corre-se o risco dele se transformar, de fato, em necrocombustível – predador de vidas humanas.
No Brasil, o governo já puniu, este ano, fazendas cujos canaviais dependiam de trabalho escravo. E tudo indica que a expansão dessa lavoura no Sudeste empurrará a produção de soja Amazônia adentro, provocando o desmatamento de uma região que já perdeu, em área florestal, o equivalente ao território de 14 estados de Alagoas.
A produção de cana no Brasil é historicamente conhecida pela superexploração do trabalho, destruição do meio ambiente e apropriação indevida de recursos públicos. As usinas se caracterizam pela concentração de terras para o monocultivo voltado à exportação. Utilizam em geral mão-de-obra migrante, os bóias-frias, sem direitos trabalhistas regulamentados. Os trabalhadores são (mal) remunerados pela quantidade de cana cortada, e não pelo número de horas trabalhadas. E ainda assim não têm controle sobre a pesagem do que produzem.
Alguns chegam a cortar, obrigados, 15 toneladas por dia. Tamanho esforço causa sérios problemas de saúde, como câimbras e tendinites, afetando a coluna e os pés. A maioria das contratações se dá por intermediários (trabalho terceirizado) ou “gatos”, arregimentadores de trabalho escravo ou semi-escravo. Após 1850, um escravo costumava trabalhar no corte de cana por 15 a 20 anos. Hoje, o trabalho excessivo reduziu este tempo médio para 12 anos.
O entusiasmo de Bush e Lula pelo etanol faz com que usineiros alagoanos e paulistas disputem, palmo a palmo, cada pedaço de terra do Triângulo Mineiro. Segundo o repórter Amaury Ribeiro Jr, em menos de quatro anos, 300 mil hectares de cana foram plantados em antigas áreas de pastagens e de agricultura. A instalação de uma dezena de usinas novas, próximas a Uberaba, gerou a criação de 10 mil empregos e fez a produção de álcool em Minas saltar de 630 milhões de litros em 2003 para 1,7 bilhão este ano.
A migração de mão-de-obra desqualificada rumo aos canaviais – 20 mil bóias-frias por ano - produz, além do aumento de favelas, o de assassinatos, tráfico de drogas, comércio de crianças e de adolescentes destinados à prostituição.
O governo brasileiro precisa livrar-se da sua síndrome de Colosso (a famosa tela de Goya). Antes de transformar o país num imenso canavial e sonhar com a energia atômica, deveria priorizar fontes de energia alternativa abundantes no Brasil, como hidráulica, solar e eólica. E cuidar de alimentar os sofridos famintos, antes de enriquecer os “heróicos” usineiros.
Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros. Copiado de:CorreioDaCidadania
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As grandes manobras
Nos próximos meses, em antecipação da Cúpula Europa-África, a África vai estar na mira de muitos interesses. A minha suspeita é que nenhum deles seja o interesse das populações africanas injustamente empobrecidas.
Boaventura de Sousa Santos
A nova fase da globalização chama-se regionalização. Na Ásia, na África e na América Latina aprofundam-se os laços de cooperação entre os países com vista a melhor responder aos “desafios globais”. Todos estes movimentos ocorrem sob olhar atento das grandes potências.
Nos próximos meses, em antecipação da Cúpula Europa-África, a África vai estar na mira de muitos interesses. A minha suspeita é que nenhum deles seja o interesse das populações africanas injustamente empobrecidas. Temo que, mais uma vez, os desígnios globais se combinem com políticos e políticas locais no sentido de privarem os povos africanos do direito a um desenvolvimento justo e democraticamente sustentável.
No caso da África, a Europa tem uma dívida histórica, decorrente do colonialismo, a qual, para ser paga, obrigaria a uma política africana muito diferente da dos EUA. Para estes, os objetivos estratégicos na África são os seguintes: luta contra o terrorismo, controlo do acesso aos recursos naturais, contenção da expansão chinesa.
Muitos países do continente (por exemplo, Angola) apoiam ativamente os EUA na luta contra o terrorismo. A crescente importância do golfo da Guiné (Nigéria, Angola, São Tomé e Príncipe) para assegurar o acesso ao petróleo está bem patente na recente criação do Comando de África pelo Pentágono.
A contenção da China é mais problemática não só pela força abissal que ela representa – em 2005, a China consumiu 26% do aço e metade do cimento produzido em todo o mundo – como pelo fato de se dispor a investir em todos os países que as potências ocidentais rejeitam, do Sudão à Somália.
Se a Europa não tiver outros objetivos, em nada poderá contribuir para os problemas que se avizinham. Estes têm a ver com o agravamento da injustiça social e com a recusa das populações a sujeitarem-se ao papel de vítimas.
A condenação política de Robert Mugabe não pode deixar de ter em conta que a Inglaterra não cumpriu o compromisso assumido no tratado da independência de co-financiar a reforma agrária do Zimbabué, consciente como estavam as partes de que 1 a 2% da população (branca) ocupava 90% da terra agrícola e 4000 agricultores (brancos) consumiam 90% da água disponível para o regadio.
O fato de a situação na África do Sul e na Namíbia não ser muito diferente faz temer pela estabilidade na África Austral. As relações tensas entre Angola e a África do Sul – com boatos de tentativas cruzadas de assassinatos políticos que não serão totalmente destituídos de fundamento – não são bom prenúncio.
Angola destina-se a ser um grande ator na região. Para isso, é fundamental que se não repita em Angola o que está acontecendo na Nigéria, onde a produção petrolífera baixou para metade devido à violência política no delta do Níger provocada pela injustiça na distribuição da renda petrolífera.
Preocupa que em Angola não se vislumbre o mínimo gesto de redistribuição social (tipo bolsa-família do Brasil) quando é certo que uma migalha (digamos, o equivalente a um dia dos rendimentos do petróleo) permitiria à população dos musseques de Luanda comer uma refeição digna por dia durante um ano.
Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).
domingo, 22 de julho de 2007
Em 68 anos de vida, e muitas décadas de jornalismo pelo mundo afora, jamais havia testemunhado cobertura tão politizada (e vergonhosa) de uma tragédia. O caso do vôo 3054 deverá, no futuro, servir aos professores de comunicação como uma anti-receita de conduta em casos dessa natureza.
Mauro Carrara*
Até agora estou estarrecido com a edição maquiavélica do Jornal Nacional, na noite de 18 de Julho. A dor e o desespero das famílias foram transformados em uma peça de propaganda eleitoral. Apresentou-se a comoção, a "prova" sugerida e o "culpado" por tudo.
Ultimamente, sempre que há mutreta e grave manipulação dos humores nacionais, verifica-se sempre a participação de um mestre oculto: o Sr. Ali Kamel, poderoso demiurgo das sombras a serviço das Organizações Globo. Na revista Veja e no jornal O Globo, esse homem de comunicação foi adestrado para a função que hoje executa com inegável competência: instaurar a desconfiança e destruir imagens públicas.
Na quarta-feira, ainda que sobrassem indícios de que o acidente não tinha sido causado por problemas na pista de Congonhas, todos os telejornais da Globo insistiram na teoria. Depoimentos dissonantes, como o do professor Duarte, da UFRJ, foram grosseiramente limados, desemoldurados, para quem não fossem compreendidos e assimilados pelo público.
A edição do Jornal Nacional de 18/07/2007 deve ser gravada e guardada. Em termos de distorção nada fica a dever àquela que reproduziu seletivamente trechos do último debate eleitoral de 1989. Mostrou gente desesperada, e arrancou lágrimas, até deste jornalista acostumado a ver o sofrimento humano. Em seguida, rumou para Brasília, a indicar solenemente o "culpado".
Num trecho hard-core colocou na tela, como inquisidores impolutos, o rei das menininhas do Amazonas, senador Arthur Virgílio, e o sai-de-finho Raul Jungmann, que até agora não explicou a história do desvio dos R$ 33 milhões no Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Não estranhamente, o Jornal Nacional de Ali Kamel desconsiderou duas entrevistas fundamentais à compreensão das causas do acidente: uma do presidente da TAM, Marco Bologna, e outra do superintendente de engenharia da infraero, Armando Schneider Filho. Motivo evidente: ambos descartaram a ausência do grooving como causa do acidente.
No momento da exibição do Jornal Nacional, o planeta bem informado já sabia de outros detalhes fundamentais à explicação da tragédia. O avião havia percorrido a pista numa velocidade quatro vezes maior que o padrão na aterrissagem. Meu sobrinho me disse que seria como se alguém entrasse a 100 km/h no drive-thru do Habib’s. O assunto também foi ignorado pelo JN. E por quê? Porque provocava fissuras no denso muro da tese vigente.
Logo depois da tragédia, a Rede Globo de Televisão expediu seu "parecer técnico" determinando a causa da tragédia: a ausência das ranhuras na pista. Segundo esse raciocínio, a responsabilidade seria da Infraero e, por tabela, do Governo Federal. Conclusão final da Rede Globo e de Ali Kamel, repassada insistentemente a todos os brasileiros: Lula matara 200 pessoas!
Como referência de informação, a Rede Globo contaminou o resto da cobertura, influenciando todas as concorrentes e oferecendo munição a todos os articulistas anti-governo, de Norte a Sul do Brasil. De Daniel Piza, do Estadão, a Eliane Cantanhêde, da Folha de S. Paulo, todos se puseram a incriminar o Governo Federal.
A bola de neve, ou de fogo, inflamou internautas em todo o País, e não somente estes, posto que gente na rua repetia nos pontos de ônibus e nos botecos a tese do "grooving" e do Lula assassino.
Causa mais estranheza a rapidez com que a Rede Globo montou seu discurso acusador, logo convertido em "reconstituições por computador" que indicavam uma suposta derrapagem. Foi rapidíssima no gatilho e evitou que qualquer outra hipótese ganhasse força.
Durante dois dias, pouca gente questionou essa teoria. Quem já pousou em Congonhas sabe que uma "derrapagem" não levaria o avião para o outro lado da Avenida Washington Luís.
A Rede Globo de Televisão, de Ali Kamel, construiu, portanto, aproveitando-se da tragédia, uma poderosa peça publicitária eleitoral. Manipulou, distorceu, comoveu e incitou o ódio contra o Presidente da República. Por vezes, sutilmente; por vezes, com agressividade.
Cabe ao povo brasileiro decidir, na próxima renovação de concessão, de que maneira se pode coibir a utilização do corredor público de ondas para fins eleitoreiros, ou golpistas.
* Incrível é que William Bonner, com seu pragmatismo bonachão, aparentemente não percebeu nada disso.