sexta-feira, 26 de outubro de 2007

La Jornada: O Explosivo Curdistão


As consequências para os EUA do atoleiro em que se afundam por causa da invasão do Iraque estão longe de se esgotar neste país. Provocado pela invasão do Iraque, o incremento do problema curdo — outra nação a qual é recusado o direito a um Estado — é mais um beco sem saída provocado por George Bush. Editorial do jornal La Jornada, de 22 de outubro de 2007.


Os recentes combates entre o exército turco e as forças do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) nas fronteiras turco-iraquianas constituem um novo fator explosivo numa região do mundo cheia deles, como a faixa que vai da Ásia Menor à Ásia Central, passando pelo Oriente Médio, e vêm deitar mais gasolina no fogo do drama iraquiano.


Ontem [21 de Outubro], enquanto as tropas de Washington bombardeavam a população xiita de Bagdá — com um saldo provisório de meia centena de mortos e outros tantos feridos e várias casas e escolas destruídas pelo ataque —, a artilharia de Ankara atacava povos curdos do Iraque, em resposta à humilhante derrota sofrida pelas suas tropas regulares na localidade de Colemerg, a zona do Curdistão controlada pela Turquia. Como resultado, o preço do petróleo nos mercados internacionais conhecia o enésimo aumento.


Reprimidos com extrema crueldade pelo regime encabeçado por Saddam Hussein, os curdos iraquianos apoiaram majoritariamente a invasão anglo-estadunidense de 2003 e, posteriormente, um dos mais importantes líderes dessa etnia, Jalal Talabani, foi colocado como presidente no governo títere de Bagdá, enquanto outro, Masud Barzani, preside ao regime semi-autônomo do Curdistão iraquiano no norte do país, onde estão as principais reservas petrolíferas da nação ocupada. Se é verdade que ambos reagiram com prudência e espírito conciliador aos ataques turcos, o segundo declarou que não entregará à Turquia os chefes do PKK refugiados no Iraque nem — compreende-se — os milhares de combatentes dessa organização.


A intervenção empreendida por George Bush perturbou, em suma, a correlação de forças entre o Curdistão histórico e os países que o repartiram, ao arrepio do Tratado de Sèvres (1918), em que se definia o desmantelamento do império otomano, derrotado na Primeira Guerra Mundial. Cabe recordar que a região curda estende-se do oriente da Anatólia turca até ocidente do Irão, e desde a Armênia até ao noroeste da Síria. Esse povo foi perseguido e reprimido, em diferentes momentos, pelos governos de Ancara, Bagdá, Damasco e Teerã.


O problema curdo é, por outro lado, mais um dos becos sem saída em que Washington se meteu o invasor do Iraque, pois com o desaparecimento do regime de Hussein os curdos iraquianos obtiveram uma apreciável margem de manobra para apoiar — admitam-no ou não — os seus compatriotas do Curdistão turco, o que provoca a ira do governo de Ancara, imprescindível aliado dos Estados Unidos, contra o governo fantoche de Bagdá.


A solução do problema curdo parece impossível nas atuais circunstâncias históricas, porque passa necessariamente pela constituição de um Estado para essa nação despojada; isso requereria que a Turquia, o Iraque, o Irão e a Síria fizessem as cessões territoriais simultâneas. Face à dificuldade desta possibilidade, a opção teria sido manter a reivindicação nacional num baixo nível de conflitualidade, através dum intenso trabalho diplomático do Ocidente, mas a intervenção estadunidense no Iraque deu um impulso bélico ao diferendo.


Eis aí um dos saldos do desastre das incursões militares ordenadas por Bush com o pretexto de combater “o terrorismo internacional”, ainda que com o propósito real de multiplicar os lucros do círculo imperial que o rodeia.


Tradução de José Paulo Gascão. Publicado no site O Diario.info

Fonte:Vermelho


BO prova que dirigente do MST estava marcado para morrer


O líder do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Valmir Mota de Oliveira, o Keno, morto no último domingo (21) em um confronto com seguranças particulares, estaria marcado para morrer desde março deste ano. A Subdivisão de Cascavel registrou, no dia 28 de março, um boletim de ocorrência sobre a ameaça de morte, alertada em um telefonema anônimo, contra Keno, Celso Ribeiro Barbosa e Célia Lourenço.


De acordo com o registro da ocorrência, a pessoa fez o alerta dizendo para que tomassem cuidado porque a “UDR (União Democrática Ruralista) estava preparando uma armadilha para eles”.

A advogada da ONG Terra de Direitos, Gisele Cassano, informou que o presidente da Sociedade Rural do Oeste, Alessandro Meneghel, contratou seguranças particulares para ameaçar os sem-terra.


“Meneghel declarou à imprensa que a cada reintegração que o governo não cumprisse, os próprios ruralistas iriam retirar os sem-terra das propriedades”, afirma Gisele. Segundo ela, a NF segurança é contratada pela Syngenta, Sociedade Rural do Oeste e pelo Movimento de Produtores Rurais para fazer as reintegrações de posse.

Os sem-terra confirmam que a intenção dos seguranças ao voltar na fazenda Syngenta no domingo passado era a de matar as lideranças.

"Temos certeza de que a intenção deles era matar o Keno, a Celinha e eu. Eu não estava lá à tarde e atiraram na Isabel Maria Nascimento de Souza, achando que era a Celinha, pois são parecidas. Deu para perceber que só atiraram para matar nos líderes, nos outros deram tiros no pé e em outros membros não vitais. Se eu estivesse lá naquela hora, com certeza teria sido assassinado e Keno já era carta marcada para morrer”, contou Celso Ribeiro Barbosa, uma das vítimas da ameaça e que pertence à coordenação estadual do MST e da Via Campesina.

Segundo Barbosa, os telefonemas de alerta no início do ano foram anônimos e feitos para o número da Secretaria do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, em Cascavel.

“A recepcionista atendeu as ligações da pessoa avisando que nós iríamos morrer. Achamos que as ameaças vieram mesmo da UDR, mas é complicado de dizer ao certo quem é”, disse Barbosa.

Sob tortura psicológica

Ele contou que sua casa, que fica em um assentamento a 15 quilômetros da Syngenta, em Santa Tereza do Oeste, está sendo cercada e vigiada pela empresa NF de segurança o tempo todo.

“Eles ficam rondando a casa e acendem os faróis dos veículos todas as noites para ver se não tem ninguém. Por conta disso, eu e minha família não temos ido mais lá, por medo das ameaças. Muitos vizinhos estão dizendo para a gente não ir e não vamos mesmo, por medo”, relatou.

Ele contou ainda, que vigilantes da empresa NF teriam entrado algumas vezes no assentamento que faz divisa com a fazenda da Syngenta, dando tiros para o alto e fazendo ameaças.

“Eles ameaçam as famílias assentadas com o objetivo de intimidá-las, para que não ousem mais invadir”, disse.

Violação dos direitos humanos

A advogada da ONG Terra de Direitos, Gisele Cassano, confirma a informação fornecida por Barbosa sobre as ameaças e diz que entrou no caso por causa da violação dos direitos humanos.

“Eles vêm sofrendo ameaças e em novembro do ano passado, Keno já havia sido agredido pela Sociedade Rural Oeste (SRO) durante o encerramento da Jornada da Educação na Reforma Agrária, promovida pelo MST em Cascavel”.

Segundo ela, enquanto os participantes se dirigiam à fazenda da Syngenta, para uma manifestação pacífica, dentro de um ônibus, na estrada que liga Cascavel a Foz do Iguaçu, foram parados por um bloqueio feito pela Sociedade Rural do Oeste.

Seus integrantes, liderados pelo presidente Alessandro Meneghel, aguardavam o ônibus com pedaços de pau, barras de ferro e armas de fogo, fazendo uma barreira humana.

Mesmo com o bloqueio, os trabalhadores decidiram continuar a rota a pé, mas foram violentamente atacados.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007




Formato: RMVB
Idioma: Francês
Legendas: Português
Duração: 129 min.
Tamanho: 413 MB
Dividido em: 05 Partes
Servidor: Rapidshare



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Le Fabuleux destin d'Amélie Poulain

Copiado de:RapaduraAzucarada

Direção: Jean-Pierre Jeunet
Roteiro: Guillaume Laurant, Jean-Pierre Jeunet
Gênero: Comédia/Romance
Origem: Alemanha/França
Duração: 122 minutos
Tipo: Longa


Com: Audrey Tautou, Mathieu Kassovitz, Rufus, Lorella Cravotta, Serge Merlin, Jamél Debbouze, Claire Maurier, Clotilde Mollet, Isabelle Nantey, Dominique Pinon

Amélie Poulain (Tautou), uma jovem parisiense recatada e tímida, foi educada pelos pais, com poucos contactos com o mundo exterior. Com vinte e poucos anos, Amélie trabalha num pequeno café e mora num apartamento antigo, onde encontra uma caixa escondida há mais de 40 anos. Ao procurar o dono, virá a descobrir a satisfação de trazer a alegria aos outros. Numa estação de comboios depara com o hábito peculiar de um jovem (Kassovitz), que colecciona fotos tipo passe mandadas fora, frequentemente rasgadas, por utilizadores de uma máquina automática.

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CHAPAEV - O SOLDADO VERMELHO...


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quarta-feira, 24 de outubro de 2007



Direito ao silêncio

Frei Betto * Adital


Há demasiados ruídos à nossa volta. O coração sobressalta, os nervos afloram, a mente atordoa-se. É o televisor ligado quase o tempo todo, o fluxo incessante de imagens sugando-nos num carrossel de flashes. O rádio em monólogo inclemente, a música rítmica desprovida de melodia, o som alojado nos orifícios auditivos, o telefone trinando supostas urgências, o celular a invadir todos os espaços, suas musiquetas de chamada destoando em teatros, cinemas, templos, cerimônias e eventos, seus usuários nele dependurados pelas orelhas, publicitando em voz alta conversas privadas. De todos os lados sobem ruídos: da construção civil vizinha, do latido dos cães, dos carros na rua e das aeronaves que cortam o espaço, das motos estridentes, do anunciante desaforado em seu carro de som, do apito fabril disciplinando horários. Tantos ruídos causam tamanho prejuízo à saúde humana que o Exército usamericano criou, em sua sanha assassina, um arsenal de "projéteis sonoros", capazes de produzir som de 140 decibéis. Bastam 45 para impedir o sono. O rumor do tráfego na esquina de uma avenida central atinge 70 decibéis. Aos 85 produz-se uma lesão auditiva. Elevado para 120, o som provoca dor aguda nos ouvidos. Imagine-se, pois, o que significa essa tecnologia de tortura a 140 decibéis! Nosso silêncio não é quebrado apenas por ruídos auditivos. Agridem-nos também os visuais. Assim como o silêncio da zona rural ou de uma igreja nos impregna de paz, levei um choque ao visitar, anos atrás, Praga antes da queda do Muro de Berlim. Não havia outdoors. A cidade não se escondia atrás de anúncios. A poluição visual era zero, permitindo contemplar a beleza barroca da terra de Kafka. Nas cidades brasileiras, subjugadas pelo império do mercado, somos vorazmente engolidos pela proliferação de propagandas, exceto a capital paulista, agora em fase de despoluição visual por iniciativa da prefeitura. Sem silêncio, ficamos vulneráveis, expostos à voracidade do mercado, a subjetividade esgarçada, a epiderme eriçada em potencial violência. Contra esse estado de coisas, o professor Stuart Sim, da Universidade de Sunderland, na Inglaterra, acaba de lançar Manifesto pelo silêncio, contra a poluição do ruído. O autor enfatiza que a cacofonia de sons que nos envolve ameaça a saúde, provoca agressividade, hipertensão, estresse, problemas cardíacos. Todos os grandes bens infinitos da humanidade - arte, literatura, música, filosofia, tradições religiosas - exigiram, como matéria-prima, o silêncio. Sem ele perdemos a nossa capacidade de raciocinar, ouvir a voz interior, aprofundar a vida espiritual, amar além do jogo erótico meramente epidérmico. Quando um casal de noivos me procura, interessado em preparar-se para o matrimônio, costumo indagar se os dois são capazes de ficar juntos uma hora, em silêncio, sem que um se sinta incomodado. Caso contrário, duvido que estejam em condições de uma saudável vida a dois, pois o respeito ao silêncio do outro é um dos atributos da confiança amorosa. Assisti ao filme O grande silêncio, do diretor alemão P. Gröning, que nos convida a penetrar a vida de uma comunidade cartuxa nos Alpes franceses. Nenhuma palavra no decorrer de três horas de filme, exceto o canto gregoriano das liturgias monásticas e o bater do sino. Um convite à mais desafiadora viagem: ao mais profundo de si mesmo. Quem ousa, sabe que lá se desdobra um Outro que, por sua vez, espelha nossa verdadeira identidade. Viagem que tem como veículo privilegiado a meditação. Na fase inicial, é tão árduo quanto escalar montanha para quem não esta acostumado ao alpinismo. Porém, em certo momento, é como se u’a mão invisível nos elevasse, tornando a subida suave e agradável. Só então se descobre que, no imponderável do Mistério, não se sobe, se desce, mergulha-se em si mesmo para vir à tona, do outro lado de nosso ser, naquele Outro silenciosamente presente em nossas vidas e na tecitura do Universo. Aqui a palavra se cala e o silêncio se faz epifania. [Autor, em parceria com Leonardo Boff, de "Mística e Espiritualidade" (Garamond), entre outros livros].
* Frei dominicano. Escritor.

Equador avança contra os lucros das petroleiras

por jpereira

Medida anunciada pelo presidente Rafael Correa decreta que o Estado ficará com 99% dos lucros extras; hoje, recebe 50%

Medida anunciada pelo presidente Rafael Correa decreta que o Estado ficará com 99% dos lucros extras; hoje, recebe 50%


Claudia Jardim,

de Caracas (Venezuela)


Enquanto os principais países consumidores de petróleo e gás acirram a disputa para garantir o abastecimento de seu mercado, alguns governos da América Latina se impõem regras do jogo na contramão dos interesses das transnacionais e das grandes potências.


Dessa vez, foi o Equador. “Em nome da soberania nacional” – s eguindo os exemplos de Venezuela e Bolívia –, o presidente Rafael Correa determinou que o Estado deverá arrecadar 99% do lucro excedente obtido com a produção do petróleo. Antes, o percentual era dividido igualmente: 50% para o Estado; 50% para a empresa.


¡°O petróleo é de todos. Jamais voltaremos a perder nossa propriedade”, anunciou Correa, ao apresentar o decreto que estabelece um maior controle do Estado sobre os recursos petrolíferos. "O governo da Revolução Cidadã considera que é insuficiente que o Estado equatoriano receba 50% dos lucros extraordinários”, avaliou.


A proposta de assumir um maior controle dos recursos naturais faz parte de uma antiga reivindicação dos movimentos sociais equatorianos que foi capitalizada por Correa durante sua campanha eleitoral em 2006. O decreto atinge empresas como Petrobras (Brasil), Repsol-YPF (Espanha), Perenco (França), Andes Petroleum (China) e City Oriente (EUA).


Originalmente, os contratos estabeleciam um preço médio de 25 dólares por barril para um período de 20 anos, ficando o Estado excluído dos lucros extras pelo aumento da cotização do petróleo cru no mercado. Em 2006, os contratos foram modificados, dividindo em partes iguais os beneficios adicionais.


De acordo com o procurador da República do Equador, Xavier Garaicoa, as transnacionais não cumpriram com o pagamento de 50% dos lucros extras. Entre as empresas que atuam com irregularidades, está a estadunidense City Oriente. Apenas em 2006, a transnacional deixou de pagar ao Estado equatoriano cerca de 30 milhões de dólares, segundo informou Garaicoa ao canal de televisão Ecuavisa.


Com a nova medida, as transnacionais ficarão apenas com 1% dos excedentes. O governo equatoriano ainda não esclareceu qual será o preço estabelecido nos novos contratos. Até o fechamento desta edição o preço do petróleo OPEP estava estimado em 76 dólares por barril.


Nacionalismo petroleiro

A medida de Correa foi interpretada por alguns setores como um passo “radical” de parte do presidente equatoriano. A s companhias transnacionais que atuam no país foram convocadas a uma reunião para renegociar seus contratos e não compareceram. Alegaram que precisavam de mais tempo para consultar as matrizes.


Para o especialista em petróleo Carlos Mendonza, a medida equatoriana obedece a uma tendência mundial de parte dos Estados produtores de petróleo que não só tendem a assumir o controle dos recursos, como também a participar dos lucros, antes destinados exclusivamente às transnacionais. “Os países têm o direito de tirar vantagem de um recurso que lhes pertence e que, além disso, vai acabar. Trata-se de uma reivindicação nacionalista petroleiro”, avalia Mendoza.


O decreto firmado por Correa também tende a fortalecer a economia do país. Cerca de 35% dos dólares que entram no país vêm da venda do petróleo. C om a medida, cerca de 840 milhões de dólares anuais deverão ingressar diretamente para os cofres públicos.


O ministro equatoriano de Minas e Petróleo, Galo Chiriboga, explicou que os acordos devem mudar de figura jurídica. A partir de agora deixariam de ser um convênio de participação e assumiriam um caráter de prestação de serviços. Ou seja, o novo contrato proposto pelo governo equatoriano reforça que o Estado é o dono do petróleo. (Leia a cobertura completa na edição 242 do jornal Brasil de Fato)

O crime imperdoável

da dignidade


História de racismo na civilização ocidental


Eduardo Galeano


A democracia haitiana vem sendo duramente castigada. Recém-nascida nos dias de festa de 1991, foi assassinada por um golpe de Estado comandado pelo general Raoul Cedrás. Três anos mais tarde, ressuscitou. Após ter posto e deposto tantos ditadores militares, os Estados Unidos tiraram e recolocaram o presidente Jean-Bertrand Aristide, o primeiro governante eleito por voto popular em toda a história do país, que teve a insensata pretensão de querer um país menos injusto.

Para eliminar qualquer vestígio da participação estadunidense na ditadura sanguinária do general Cedrás, os marines retornaram ao seu país levando 160 mil páginas dos arquivos secretos. Aristide voltou acorrentado. Deram-lhe permissão para governar, mas lhe negaram o poder. Seu sucessor, René Préval, obteve quase 90% dos votos nas últimas eleições presidenciais, mas qualquer chefe de quarta categoria do Fundo Monetário Internacional ou do Banco Mundial tem mais poder no país do que o próprio presidente.

O veto pode mais que o voto. Veto às reformas: toda vez que Préval, ou algum dos seus ministros, pede empréstimos internacionais para dar pão aos famintos, palavras aos analfabetos ou terra aos lavradores, fica sem resposta. Ou, na melhor das hipóteses, obtém uma resposta em forma de ordem: "Recita a lição". No momento em que o governo haitiano se nega a entender que precisa se desfazer dos poucos serviços públicos que ainda restam – últimos míseros refúgios para um dos povos mais abandonados do mundo –, os professores o reprovam no exame.

"INCAPAZ DE SE GOVERNAR" – No ano passado, quatro deputados alemães visitaram o Haiti. Sentiram um profundo mal-estar, ficaram muito chocados ao ver tanta miséria. O embaixador da Alemanha em Porto Príncipe explicou a eles qual é o problema: "Tem gente demais neste país", disse. "A mulher haitiana sempre está a fim, e o homem haitiano sempre pode." E riu. Os deputados ficaram calados. Naquela mesma noite, um deles, Winfried Wolf, deu uma verificada nos números. E constatou que o Haiti, juntamente com El Salvador, é o país mais populoso das Américas..., tão populoso quanto a Alemanha: têm quase a mesma quantidade de habitantes por quilômetro quadrado.

Durante os dias em que esteve no Haiti, o deputado Wolf não se impressionou apenas com a miséria. Ficou também maravilhado com a beleza das pinturas populares. E chegou à conclusão de que o Haiti é superpovoado... de artistas.

Os Estados Unidos invadiram o país em 1915 e o governaram até 1934. Retiraram-se quando conseguiram realizar dois objetivos: resgatar as dívidas do City Bank e abolir o artigo constitucional que proibia a venda de plantações a estrangeiros. Na época, Robert Lansing, secretário de Estado, justificou a longa e feroz ocupação militar explicando que a raça negra é incapaz de governar a si mesma. Tem "uma tendência à vida selvagem e uma incapacidade física de civilizar-se".

"ESCRAVOS POR NATUREZA" – O Haiti tinha foi a pérola da Coroa francesa, a sua colônia mais rica: uma grande plantação de cana-de-açúcar, com mão-de-obra escrava. Na obra "O Espírito das leis", Montesquieu explicou, sem papas na língua: "O açúcar sairia muito caro, se na sua produção não trabalhassem os escravos. Escravos que são negros da cabeça aos pés e têm o nariz tão achatado que é quase impossível sentir pena deles. Resulta impensável que Deus, que é tão sábio, tenha posto uma alma, e sobretudo uma alma boa, em um corpo completamente negro".

Em troca, Deus havia colocado um chicote na mão do capataz. Os negros eram escravos e vadios por natureza, e a natureza, cúmplice da ordem social, era obra de Deus: o escravo devia servir ao patrão, e o patrão devia castigar o escravo, que não demonstrava o mínimo entusiasmo em cumprir o desígnio divino.

Karl Von Linneo, contemporâneo de Montesquieu, fez um retrato do negro com precisão científica: "Vagabundo, preguiçoso, negligente, indolente e de costumes devassos". Mais generosamente, outro contemporâneo, David Hume, comprovou que o negro "pode desenvolver certas habilidades humanas, como o papagaio que pronuncia algumas palavras".

LIBERDADE E SOLIDÃO – Em 1803, os negros do Haiti deram uma grande surra nas tropas de Napoleão Bonaparte, e a Europa jamais perdoou essa humilhação infligida à raça branca. O Haiti foi o primeiro país livre das Américas. Os Estados Unidos conquistaram a independência antes, mas meio milhão de escravos continuavam a trabalhar nas suas plantações de algodão e tabaco. Jefferson, que era proprietário de escravos, dizia que todos os homens são iguais, mas dizia também que os negros foram, são e serão inferiores.

A bandeira dos libertados foi hasteada sobre as ruínas. A terra haitiana fora devastada pela monocultura da cana-de-açúcar e pela guerra contra a França. Um terço da população tinha morrido em combate. Então teve início o bloqueio. A nação recém-nascida foi condenada à solidão.

Nem Simón Bolívar teve a coragem de assinar o reconhecimento diplomático. Graças ao apoio do Haiti, Bolívar pudera recomeçar a luta pela independência americana, depois que a Espanha já o tinha derrotado. O Haiti enviou sete navios, muitas armas e soldados, com a única condição de que Bolívar libertasse os escravos – uma idéia que não tinha passado pela cabeça do Libertador. Bolívar assumiu o compromisso, porém, após a vitória, quando já governava a Grã Colômbia, virou as costas para quem o tinha salvo. E, quando convocou as nações americanas ao Panamá, não convidou o Haiti.

Os Estados Unidos reconheceram o Haiti só sessenta anos depois, enquanto Etienne Serres, um gênio francês em anatomia, descobria que os negros são primitivos por causa da pouca distância que separa o seu umbigo do pênis. Na época, o Haiti já padecia nas mãos de sanguinárias ditaduras militares, que destinavam os famélicos recursos do país ao pagamento da dívida francesa: a Europa tinha obrigado o Haiti a pagar uma gigantesca indenização à França, como forma de pedir perdão pelo delito da dignidade.

A história da prepotência contra o Haiti, que nos dias de hoje assume dimensões de tragédia, é também uma história do racismo na civilização ocidental.
Eduardo Galeano, jornalista e escritor uruguaio, é autor de várias obras sobre a América Latina. As veias abertas da América Latina é a mais conhecida e divulgada.
_____http://ospiti.peacelink.it/zumbi/news/semfro/sf246p29.html


terça-feira, 23 de outubro de 2007

Carta do Chefe Seattle

Carta do Chefe Seattle
"O que ocorrer com a terra, recairá sobre os filhos da terra.Há uma ligação em tudo."
Este documento - dos mais belos e profundos pronunciamentos já feitos a respeito da defesa do meio ambiente - vem sendo intensamente divulgado pela ONU (Organização das Nações Unidas). É uma carta escrita, em 1854, pelo chefe Seatle ao presidente dos EUA, Franklin Pierce, quando este propôs comprar grande parte das terras de sua tribo, oferecendo, em contrapartida, a concessão de uma outra "reserva". Como é que se pode comprar ou vender o céu, o calor da terra? Essa idéia nos parece estranha. Se não possuímos o frescor do ar e o brilho da água, com é possível comprá-los? Cada pedaço desta terra é sagrada para meu povo. Cada ramo brilhante de um pinheiro, cada punhado de areia das praias, a penumbra da floresta densa, cada clareira e inseto a zumbir são sagrados na memória e experiência de meu povo. A seiva que percorre o corpo das arvores carrega consigo as lembranças do homem vermelho.Os mortos do homem branco esquecem sua terra de origem quando vão caminhar entre as estrelas. Nossos mortos jamais esquecem esta bela terra pois ela é a mãe do homem vermelho. Somos parte da terra e ela faz parte de nós. As flores perfumadas são nossas irmãs; o cervo, o cavalo, a grande águia, são nossos irmãos. Os picos rochosos, os sulcos úmidos nas campinas, o calor do potro, e o homem - todos pertencem a mesma família. Portanto quando o Grande Chefe de Washington manda dizer que deseja comprar nossa terra, pede muito de nós. O Grande Chefe diz que nos reservará um lugar onde possamos viver satisfeitos. Ele será nosso pai e nós seremos seus filhos. Portanto, nós vamos considerar sua oferta de comprar nossa terra. Mas isso não será fácil. Essa terra é sagrada para nós.Essa água brilhante que escorre nos riachos não é apenas água, mas o sangue de nossos antepassados. Se lhes vendermos a terra, vocês devem lembrar-se que ela é sagrada e devem ensinar as suas crianças que ela é sagrada e que cada reflexo nas águas límpidas dos lagos fala de acontecimentos e lembranças da vida de meu povo. O murmúrio das águas é a voz de meus ancestrais. Os rios são nossos irmãos e saciam nossa sede. Os rios carregam nossas canoas e alimentam nossas crianças. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem lembrar e ensinar a seus filhos que os rios são nossos irmãos e seus também. E, portanto, vocês devem dar aos rios a bondade que dedicariam a qualquer irmão Sabemos que o homem branco não compreende nossos costumes. Uma porção da terra, para ele, tem o mesmo significado que qualquer outra, pois é um forasteiro que vem à noite e extrai da terra aquilo de que necessita. A terra não é sua irmã, mas sua inimiga, e quando ele a conquista, prossegue seu caminho. Deixa para trás os túmulos de seus antepassados e não se incomoda. Rapta da terra aquilo que seria de seus filhos e não se importa. A sepultura de seu pai e os direitos de seus filhos são esquecidos. Trata sua mãe, a terra, e seu irmão, o céu como coisas que possam ser compradas, saqueadas, vendidas como carneiros. Seu apetite devorará a terra, deixando somente um deserto. Eu não sei, nossos costumes são diferentes dos seus. A visão de suas cidades fere os olhos do homem vermelho. Talvez seja porque o homem vermelho é um selvagem e não compreenda.Não há lugar quieto na cidade do homem branco. Nenhum lugar onde se possa ouvir o deabrochar das flores na primavera ou o bater das asas de um inseto. Mas talvez porque eu sou um selvagem e não compreenda. O ruído parece somente insultar os ouvidos. E o que resta da vida se um homem não pode ouvir o canto solitário de uma ave ou o debate dos sapos ao redor de uma lagoa à noite? Eu sou um homem vermelho e não compreendo. O índio prefere o suave murmúrio do vento encrespando a face do lago, e o próprio verão limpo por uma chuva diurna ou perfumado pelos pinheiros.O ar é precioso para o homem vermelho pois todas as coisas compartilham o mesmo sopro - o animal, a árvore, o homem, todos compartilham o mesmo sopro. Como um homem agonizante há vários dias, o homem branco é insensível ao mau cheiro. Mas se verdermos nossa terra ao homem branco, ele deve lembrar que o ar é precioso para nós, que o ar compartilha seu espírito com toda a vida que mantém. O vento que deu a nosso avô seu primeiro aspirar também recebe seu último suspiro. Se lhes vendermos nossa terra, vocês devem mantê-la intacta e sagrada, como um lugar onde até mesmo o homem branco possa ir saborear o vento açucarado pelas flores dos prados. Portanto, vamos meditar sobre sua oferta de comprar nossa terra. Se decidirmos aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais dessa terra como irmãos.Sou um selvagem e não compreendo outra forma de agir. Vi um milhar de búfalos apodrecendo na planîcie, abandonados pelo homem branco que os alvejou de um trem ao passar. Eu sou um selvagem e não compreendo como é que o fumegante cavalo de ferro pode ser mais importante que o búfalo, que sacrificamos somente para permanecermos vivos. O que é os homens sem os animais? Se todos os animais se fossem, os homens morreriam de uma grande solidão de espírito. Pois o que ocorre com os animais, breve acontecerá com o homem. Há uma ligação em tudo. Vocês devem ensinar as suas crianças que o solo a seus pés é a cinza de nossos avós. Para que respeitem a terra, digam a seus filhos que ela foi enriquecida com as vidas de nosso povo. Ensinem as suas crianças o que ensinamos as nossas que a terra é nossa mãe. Tudo o que acontecer à terra, acontecerá aos filhos da terra. Se os homens cospem no solo, estão cuspindo em si mesmos.Isto sabemos: a terra não pertence ao homem, o homem pertence à terra. Isto sabemos: todas as coisa estão ligadas como o sangue que une a família. Há uma ligação em tudo. O que ocorrer com a terra recairá sobre os filhos da terra. O homem não tramou o tecido da vida; ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizer ao tecido, fará a si mesmo.Mesmo o homem branco, cujo Deus caminha e fala com ele de amigo para amigo, não pode estar isento do destino comum. É possível que sejamos irmãos, apesar de tudo. Veremos. De uma coisa estamos certos e o homem branco poderá vir a descobrir um dia: nosso Deus é o mesmo Deus. Ele é o Deus do homem, e Sua compaixão é igual para o homem vermelho e para o homem branco. A terra lhe é preciosa, e ferí-la é desprezar seu criador. Os brancos também passarão; talvez mais cedo que todas as tribos. Contaminem suas camas, e uma noite serão sufocados pelos próprios dejetos. Mas quando de sua desaparição, vocês brilharão intensamente, iluminados pela força do Deus que os trouxe a esta terra e por alguma razão especial lhes deu o domínio sobre o homem vermelho. Esse destino é um mistério para nós, pois não compreendemos que todos os búfalos sejam exterminados, os cavalos sejam todos domados, os recantos secretos da floresta densa impregnadas do cheiro de muitos homens, e a visão dos morros obstruídos por fios que falam. Onde está o arvoredo? Desapareceu. Onde está a águia? Desapareceu. É o final da vida e o início da sobrevivência.
Che: Homem e Exemplo (final)



Pietro Lora Alarcón

Ingressamos, nesta fase final das nossas anotações sobre a contribuição de Ernesto CHE Guevara, a alguns aspectos de seu pensamento sobre as formas de luta e as vias para a revolução. Com relação a tais pontos, CHE não somente argumenta sobre as possibilidades cubanas de triunfo e construção do programa socialista, mas também sobre as perspectivas de uma mudança no cenário da América Latina na sua plenitude e, ainda, de uma mutação na correlação de forças internacional contra os Estados que promovem o colonialismo, em tempos de Guerra Fria.

A real dimensão do humanismo revolucionário do CHE somente pode ser explicada a partir da ação em favor da libertação dos povos. CHE entendia que os aliados naturais do processo revolucionário não eram necessariamente os governos, nem sequer, como ele mesmo expressou várias vezes, aqueles que se apresentavam como amigos e, no entanto, eram presas fáceis das tentações dos Estados mais poderosos, senão os povos. Assim, a luta popular em outros países não somente da América Latina, mas da África e da Ásia, assim como a resposta solidária que fosse dada desde o interior dos países centrais, seria de fundamental importância para o sucesso da Revolução Cubana e de todo e qualquer processo que empreendesse o caminho ao socialismo.

Duas questões importantes devem ser levadas em conta nesta ação libertadora: a primeira, a ação militar propriamente dita, que implica no Che a preparação que obtém com o General Bayo, sua leitura sobre os fundamentos de tática e estratégia de Clausewitz e, obviamente, sua experiência na guerra de guerrilhas; a segunda, a vocação internacionalista, a qual nunca abandonou e que foi o resultado, não somente da compreensão de que a Revolução Cubana somente teria possibilidades de sucesso sobre a base da solidariedade internacional, das contínuas convocações ao conjunto dos povos à luta antiimperialista, senão, essencialmente, da sua vivência, a que o colocou em contato com a realidade desesperada e sem esperanças dos homens e mulheres da América.

Como acertadamente lembra Roberto Massari em sua Che Guevara: grandeza y riesgo de la utopia”, a preparação militar do Che começa na Guatemala em 1954, quando se alista nas brigadas juvenis, e prossegue no México sob as ordens do General Bayo. O General, veterano da Guerra Civil Espanhola, tinha a virtude de complementar conhecimentos militares próprios das práticas de um exército regular com os conhecimentos da guerra de todo o povo e das históricas guerras de trincheiras no cenário americano. CHE lembra especialmente dos seus ensinamentos por ocasião da vitória em Las Villas. Quando, após sua morte física, publica-se a obra Táctica y Estratégia de la Revolución Latinoamericana, é possível observar a influência de Bayo aliada às formulações sobre a guerra e a política oriundas de Clausewitz.

Tema de obrigatória abordagem é sua percepção sobre a questão moral e seu entrelaçamento com a questão militar. As forças revolucionárias, sustenta, devem crescer moralmente, posto que essa é a base para o cumprimento das tarefas no dia a dia. O agir está ligado à espiritualidade. Essa opinião a levará em conta até o final em solo boliviano. E, a essa questão moral, Che adiciona na prática dois elementos: a tática de guerra de movimentos - por isso, na Bolívia, Che divide seus homens, como ele mesmo coloca no seu Diário, em grupos de vanguarda, centro e retaguarda em permanente mobilidade – e a unidade com os setores do povo – “La guerra de guerrillas no es outra cosa que una expresión de la lucha de masas y no se puede pensar aisladamente de su medio natural, que es el pueblo”.

Há que dizer que a ignorância de alguns lhes permite, sem qualquer pudor, qualificar o CHE como terrorista. Com efeito, demonstrando seu desconhecimento sobre o conceito de terrorismo, sobre a natureza real das ações militares – ecoando sobre o que outros perigosamente dizem –, o acusam sem, minimamente, fazer uma leitura prévia do seu pensamento. É de bom alvitre, quando algo se desconhece, dar-se ao trabalho de ler e, se isto não é possível, então, talvez calar a boca seja a melhor opção.

Na obra La Guerra de Guerrillas, publicada em 1960, CHE expõe seu pensamento com relação ao terrorismo: “El sabotaje no tiene nada que ver con el terrorismo; el terrorismo y el atentado personal son fases absolutamente distintas. Creemos sinceramente que el terrorismo es un arma negativa, que no produce de ninguna manera los efectos deseados, que puede inducir al pueblo a ponerse en contra de un determinado movimiento revolucionario y que comporta una perdida de vidas entre sus ejecutores muy superior a la ventaja obtenida”.

CHE também não é alguém que reconheça apenas um caminho para a transformação social. Novamente, na sua Táctica y Estratégia de la Revolución Latinoamericana, expressa: “(...) Existe, sin embargo, alguna posibilidad de tránsito pacífico (...) pero, en las condiciones actuales de América, cada minuto que pasa se hace más difícil para el empeño pacifista y los últimos acontecimientos vistos en Cuba muestran un ejemplo de cohesión de los gobiernos burgueses con el agresor imperialista, en los aspectos fundamentales del conflicto. Recuérdese nuestra insistencia: tránsito pacífico no es logro de un poder formal en elecciones o mediante movimientos de opinión pública sin combate directo, sino la instauración del poder socialista, con todos sus atributos, sin el uso de la lucha armada”.

Como é possível perceber claramente, CHE não descartava a possibilidade de assumir o poder e iniciar a construção de uma sociedade mais justa atravessando a luta popular sem o poder das armas. Contudo, também é enfático em reconhecer que a agressão imperial contra Cuba e contra as manifestações populares em prol das mudanças democráticas e progressistas impede os caminhos menos dolorosos para o povo, que, indubitavelmente, se vê forçado a implementar recursos e homens para uma defesa diante de um inimigo poderoso.

Pois bem, certamente, muitas questões ainda podem ser ditas sobre a vigência do pensamento de CHE. Nosso propósito não poderia ser esgotar sua ação, vida e obras. Focalizamos, por isso, em três segmentos, os elementos que nos parecem hoje mais determinantes e dos quais podemos extrair lições concretas, não para uma reprodução dogmática, mas para um aprendizado dialético: em primeiro lugar, em tempos de integração, o pensamento do CHE implica reconhecer que a unidade decorre não de pressões econômicas nem políticas, mas de gestos concretos que se dirijam a criar um cenário de paz e de segurança para todos. Falar de integração enquanto as tropas do país destroem, agridem, torturam e enquanto Guantánamo se constitui em terra imune à aplicação da legalidade internacional é a postura mais hipócrita que se pode esperar de um Estado.

Em segundo lugar, o resgate do ser humano, como mola propulsora do trabalho, da sua dignidade como agente de mudanças democráticas; e, finalmente, a idéia de que a paz é uma bandeira vigorosa, e que a vocação popular não é a guerra, mas que esta pode ser uma necessidade política, quando se é injustamente agredido e é preciso a defesa mais intransigente dos direitos do ser humano.

CHE não era um Quixote lutando contra moinhos, mas um ser humano convencido até a alma dos seus sonhos, o que o une a todos os progressistas do mundo, nos quais a dor ou o cansaço não matou a utopia.

É CHE, como diz a canção. (...) depois de tanto tempo e tanta tempestade, seguimos para sempre esse caminho longo, longo, por onde tu vais.....

Pietro Alarcón, advogado, colombiano, é professor da PUC-SP.

Benditas foices que roçaram eucaliptos



Frei Pilato Pereira

Foices não roçam sozinhas, então é preciso dizer benditas mãos que foram erguidas ao céu empunhando bandeiras, ao som de gritos e canções em defesa da terra, da água e de tudo o que Deus criou. Benditos trabalhadores que, no dia 16 de outubro de 2007, deixaram suas casas e, com suas foices, ferramentas de trabalho, foram defender o amanhã, o futuro do planeta e da humanidade - o MST realizou no Rio Grande do Sul dois atos de protestos contra as monoculturas de eucaliptos em Santana do Livramento e na região de Bagé. Parece estranho dizer que alguém foi defender o futuro da humanidade com uma foice nas mãos. Também parece estranho o que se lê no Evangelho quando Jesus de Nazaré disse aos fariseus que queriam ver seus discípulos calados: “Se eles se calarem, as pedras gritarão” (Lc 19,40).

Tivemos o histórico ato das mulheres no dia 8 de março de 2006. Onde elas arrancaram mudas de eucaliptos como a mãe que arranca o espinho que faz doer a carne do filho indefeso. Aquela ação acordou a sociedade para a questão das monoculturas de plantas exóticas. Mas as multinacionais da celulose, com apoio do governo gaúcho, tentaram calar todas as vozes de denúncia contra essas monoculturas no Rio Grande do Sul. O governo do estado realizou ações fortes e severas para garantir o ambicioso projeto das papeleiras multinacionais. E alguns já pensavam que o fato estava consumado e que não tinha mais volta. Mas quando achavam que a voz profética tinha sido calada, eis que as foices gritaram, roçando caminhos para a vida.

Com medo das foices e dos que não temem a opressão, o governo da Yeda mandou sua polícia com todo seu aparato de guerra para agredir e prender os trabalhadores que lá estavam apenas roçando com suas foices para resgatar a terra aprisionada pela ambição. Junto com a polícia estava também a imprensa de plantão para registrar um fato político de direito constitucional como ato criminoso.

E o chefe da polícia disse na imprensa que agiram contra o crime, prenderam os criminosos que danificaram o patrimônio alheio. Concordamos que este é o papel da polícia. Então, deveriam prender os donos, gerentes, diretores das papeleiras multinacionais que estão danificando o Pampa gaúcho com suas monoculturas de plantas exóticas. Pois crime mesmo é fazer monocultivos de eucaliptos, porque provocam terríveis e irreparáveis danos ambientais e sociais. Por serem desenvolvidos no modelo de monocultura, esses plantios geram poucos empregos e causam a perda da biodiversidade. Os eucaliptos, por exemplo, consomem grande quantidade de água e provocam enorme desequilíbrio ao ambiente natural. A experiência que temos no Brasil, no estado do Espírito Santo, é que a indústria de celulose, além de devastar a mata nativa, também expulsou muitas comunidades de suas terras. E naquele estado já secaram centenas de córregos e nascentes de água. É apenas um pouco das conseqüências destas monoculturas. E quem não vê que isto é crime?

E a polícia deveria prender também a dona Yeda Crusius por sua conivência e cumplicidade com o crime organizado das indústrias de celulose no Rio Grande do Sul. São elas que estão cometendo crime contra o patrimônio do povo gaúcho e não podemos ser cúmplices disso. As futuras gerações poderão herdar uma Pampa mais pobre que esta que nós herdamos de nossos pais. Poderão herdar os campos desertos virados em tocos de eucaliptos, sem cavalos e sem tropas. Uma terra sem vida para germinar a semente, para fazer florir o trigo e produzir o pão. Se é isto que queremos deixar de herança para nossos descendentes, então fiquemos de braços cruzados. Mas, do contrário, se queremos preservar a vida com justiça e paz, então devemos continuar a luta contra as monoculturas e as indústrias de celulose.

E se tentarem calar as vozes que clamam contra os desertos verdes, as foices gritarão. Não é isso que queremos. Desejamos que os ouvidos do entendimento e do diálogo se abram para escutar as diversas opiniões da sociedade e assim construirmos caminhos alternativos para um outro desenvolvimento. Que seja um desenvolvimento economicamente viável, político-socialmente justo e ecologicamente sustentável.

Frei Pilato Pereira é membro da CPT e do Serviço de Justiça, Paz e Ecologia da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos.