POR UM AMENDOIM
Por Carola Chávez.
Uma vez vi um documentário sobre os elefantes do circo, em que explicavam como faziam os domadores para conseguir que tão majestosos animais deixaram de lado sua dignidade paquidérmica e fizessem bobagens para um punhado de humanos idiotas em troca de aplausos e amendoim.
O domador explicava com muito orgulho que o segredo estava em quebrar o espírito do animal. Depois de fazer isto, um elefante, esquecendo que era um elefante e tudo o que isso implica, faria o que fosse com amendoim ou sem ele.
O espírito, descobri minutos mais tarde, se quebra a pauladas, a força de fome, torturas, humilhações de todo tipo até que o elefante se dá conta de que ser um palhaço é mais seguro que continuar sendo o que é.
Algumas vezes acontece que o elefante não consegue se conter. Algo lhe faz click em sua cabecinha e se torna mais elefante que nunca. É então quando pega o domador com sua tromba e o lança com toda a raiva acumulada em sua memória elefântica por anos de torturas e humilhações.
Tempo depois de ter visto os elefantes do circo tive a oportunidade de ir a um circo pior porque é maior, os domadores más cruéis e os elefantes são pessoas.
Me refiro ao circo da ‘’civilização’’ entendendo que esta só é civilizada se vier de Mayami ou Nova Iorque.
A coisa funciona desta maneira: Nos apresentam um modelo ideal de civilização, nos dizem que precisamos pertencer a ela e nos põe um amendoim frente aos olhos. Em troca só temos que deixar que nos quebrem o espírito, que nos amputem os instintos, mas, tranqüilos, que o amendoim é grande e encandeia como um diamante.
Devemos desumanizar-nos para ser civilizados.
Tudo começa durante a gravidez: Uma mãe mayamera deve aprender desde cedo a enterrar o instinto mais poderoso de todos. As mães mayameras freqüentam cursos pré-natais onde lhes ensinam, entre outras coisas, a parir deitadas em uma cama, conectadas a mil cabos, a mil máquinas que fazem uns barulhinhos que lhes lembram que parir não é coisa fácil, que sem doutor nem maquininhas não há forma de fazê-lo, que não são animais, senão mulheres civilizadas e graças aos céus que estão no primeiro mundo para que possam parir em paz.
Também aprendem no cursinho que o leite materno não é mau, mas é inconveniente porque te amarra ao bebê dia e noite, porque você perde sua individualidade, porque você não pode trabalhar se está amamentando, porque tem fórmulas para lactantes que superam o leite materno, isso, graças aos céus e, já sabem, à civilização. Assim que enfermeiras que vestem alegres cores, ensinam as mães a secar seu leite, vendando, de maneira muito moderna, as tetas carregadas de alimento. Dói, mas vale a pena…
Assim chega um humaninho ao mundo, buscando a teta e encontrando uma tetinha de látex, buscando o calor de sua mamãe e encontrando um travesseirinho a pilha, que não só o esquenta senão que também lhe reproduz o ‘’ som uterino’’ de acordo com o que diz a caixa.
O humaninho tem uma mamãe moderna e civilizada que o adora. Ela se promete a se mesma que fará tudo o que estiver em suas mãos para que a seu rebento não lhe falte nada durante os próximos dezoito anos. Sim, ouviu bem, na aula de parto lhe relembraram algo que ela sabia por experiência própria: Os filhos vão embora do ninho ao terminar o segundo grau e você pode voltar a ser feliz com seu parceiro, isso se antes não se divorciaram civilizadamente.
Para dar-lhe tudo o que necessita o bebê, a mãe lhe tira o único que realmente precisava e o inscreve na creche de 8 a.m a 6 p.m. Assim fica o pequeno em um berço comunitário olhando pro teto, enquanto “mommy’’ trabalha para comprar-lhe um carrinho lindo, roupinhas para desmaio, e, claro, depositar desde já em uma poupança universitária porque “baby’’ será médico.
Baby tem avós que moram longe, graças a Deus. Toda pessoa civilizada sabe que os velhos incomodam com suas dorzinhas e suas manias. Por tanto, temos um bebê numa creche de infância e uns avós em outra, quando seria muito mais sadio, mais feliz e mais econômico ter todos em casa. Os avós não se sentiriam como bagaços inúteis e o bebê teria uns braços amorosos onde passar o dia.
Mas temos um bebê civilizado, independente, que não tem apego a sua mãe e ao sair do segundo grau irá embora de sua casa, e chegará o dia que, sem muito problema, executará sua maior vingança: enfiar seus pais desvalidos em uma casa de saúde.
A família humana, a ancestral, a verdadeira, não tem cabida no mundo civilizado, não é produtivo ter pessoas que parem de trabalhar para cuidar uma gripe de um filho, o cuidar do avô com tosse, não é produtivo deixar de pagar creches cheinhas de funcionários que por sua vez pagam outras creches cheinhas de funcionários que por sua vez…
Se suportamos esta dolorosíssima amputação do instinto maternal, os seguintes instintos poderão ser extirpados sem anestesia. Ao desbaratar os vínculos mais fortes entre os seres humanos, nos quebram o espírito como fazem com os elefantes.
Mas por que chegamos a fazer essas idiotices?
Pelo amendoim.
Um amendoim de quatro quartos, cozinha minimalista, e sacada com alguma vista. Amendoim 4X4 com DVD e porta copos, amendoim em classe turista com orelhas de rato, um amendoim cheio de logotipos que mostrem que não é um amendoim qualquer embora qualquer um possa tê-lo. Um amendoim privado bilíngüe com atividades extracurriculares, um amendoim com campo de golfe solo para sócios seletos…Em fim o cobiçado amendoim do sucesso.
Como os pobres elefantes do circo, perdemos a nossa essência, funcionamos por impulsos externos aos quais somos vulneráveis e suscetíveis a sermos manipulados. Mas, como os elefantes, podemos fazer clique e jogar para longe o domador com a tromba e cagar-nos no sistema, no sucesso, no amendoim e, desde o melhor de nossa humanidade, fazer uma revolução.
Tanta miséria por um amendoimzinho…
Versão em português: Tali Feld Gleiser de América Latina Palavra Viva.