A COLÔMBIA QUE MARCHOU E A QUE MARCHOU CONTRA OS QUE MARCHARAM
Por Fredy Muñoz Altamiranda - Rebelión.
Há, pelo menos, duas Colômbias. Uma que marchou e outra que não. Uma que votou e continuaria votando para manter um paramilitar e narcotraficante como Álvaro Uribe na presidência, e outra que continuará se opondo a ele, mesmo que assassinem seus filhos, roubem suas terras ou os deixem sem trabalho.
Há uma Colômbia de sentimentos patrióticos virtualizados, garotos e garotas de “bem” que diariamente se indignam, por meio do Facebook, da violência nacional, enquanto enviam à suas listas de e-mail e círculos de amizades eletrônicas, razões pelas quais se sentir orgulhosos do que crêem que é a Colômbia: Juanes, Shakira e Montoya.
Na outra Colômbia há pelo menos sessenta mil famílias que ainda esperam que os paramilitares amigos do governo mafioso de Uribe lhes digam onde enterraram os pedaços mutilados de suas vítimas. Em que fossa comum, de qual fazenda, de qual congressista uribista, estão os despojos de milhares de homens e mulheres, jovens e crianças que pertenciam a outra Colômbia, a que não marchou.
Como tampouco progrediram os camponeses assassinados na XV Brigada Móvel do exército colombiano, que conforme contou um dos próprios assassinos à Procuradoria Geral da Nação, o sargento Alexander Rodríguez, eram tiroteados para se fazerem passar por guerrilheiros e reivindicar cinco dias de descanso por cada morto.
A Colômbia das universidades privadas, dos empregos bem remunerados em lojas, centros comerciais, bancos e empresas prósperas da máfia, a Colômbia proprietária, a que disse poder viajar agora pelas estradas em suas caminhonetes blindadas para visitar suas propriedades de lazer em terras exclusivas do país, roubadas dos camponeses ou dos indígenas e hoje resguardadas por paramilitares, essa Colômbia marchou sim.
Os jovens de bairros que têm aulas nas universidades públicas, com uma passagem de ônibus no bolso e um café da manhã caseiro no estômago, os meninos e meninas que leram mais de um bom livro sobre a história e a origem de nossa violência, os que insistem na democracia participativa e nas mudanças estruturais de um país tomado pelo paramilitarismo, aos que Uribe nem seus assessores cínicos passam a perna, esses não marcharam.
Na minha terra, a Costa Atlântica, os uribistas pretenderam aproveitar a assistência do povo na programação multitudinária do Carnaval de Barranquilla, para fazer crer aos internautas que aquela manifestação cultural centenária e rica era produto de suas convocações virtuais. Mas, somente puderam fazer um rápido e desluzido desfile de carros luxuosos, de eleitores de Uribe que suspenderam a farra por quinze minutos e saíram para dar uma volta no quarteirão, tocando suas buzinas e tirando fotos com o telefone celular para mostrá-las no “Facebook” e dizerem que “milhões de colombianos marcharam”.
Mas houve uma Colômbia, entre estas duas que falei, que também marchou, para exigir a solução política negociada ao conflito armado, uma troca humanitária de prisioneiros, e a paz com justiça social que mantém em armas a outra Colômbia. E que se essa outra Colômbia armada saiu a marchar, saiu pelas montanhas e pelas selvas do país, a combater, como fazem diariamente, a mercenários estrangeiros, a oficiais e soldados, compatriotas cuja única alternativa de trabalho remunerado tem sido a guerra; e aos novos paramilitares que negociarão com Uribe novos benefícios, em um já lançado terceiro mandato.
Uma Colômbia que marchou (mas não por seguir o jogo do “Facebook”, a extensão da CIA cujos 16 sócios são agentes estadunidenses de inteligência estatal) em Washington cantava em coro: “Uribe, paraco, o povo está até o saco!”
Em Bogotá jovens do Sul da cidade marcharam como de costume nas tribos urbanas, pedindo paz, mas também justiça para seus amigos assassinados por paramilitares cúmplices da polícia, e apontados logo como delinqüentes dados de baixa ou resultado de ajustes de contas entre bandos (quadrilhas), quando realmente eram adolescentes irreverentes, em resistência ao controle social dos paramilitares em seus bairros.
A Colômbia que marchou, marchou convencida de que reelegirão Uribe para quatro anos mais de governo mafioso e paramilitar. Muitos, talvez não sejam conscientes disso.
A Colômbia que marchou contra a marcha de Uribe a realizou, em boa parte, para não serem apontados como amigos dos “violentos”, mas por outro lado para exprimirem saídas distintas ao unanimismo guerrerista.
E a Colômbia que não marchou espera que os ossos de seus familiares apareçam, ou que alguém diga, “Eu os matei” como já fez o narcotraficante, paramilitar e eleitor de Uribe, Hernán Giraldo com 37 assassinatos, entre eles o de Martha Lucía Hernández Turriago, ex-diretora do Parque Tayrona, e o do estudante Hugo Maduro, ex-membro da Juventude Comunista, e hoje uma soma a mais na estatística de um extermínio que não tem fim.
Versão em português: Vanessa Bortucan, Florianópolis.