É inegável que o afastamento definitivo de Fidel fecha uma era em Cuba e abre outra. Estamos diante de um dos personagens mais extraordinários da história do século XX. No Paquistão e nos EUA, duas eleições também movimentam o tabuleiro político internacional.
Flávio Aguiar - Carta Maior
Numa carta dirigida ao povo cubano e divulgada na página do jornal Granma Fidel diz que não se apresentará mais para os cargos de Presidente do Conselho de Estado e de Comandante em Chefe, quando da próxima escolha do mais alto órgão do governo cubano.
Na carta, Fidel diz que quando se afastou do cargo, por doença, em julho de 2006, não o fez de modo definitivo para não dar uma alegria aos seus adversários que tanto fizeram para dele “se desfazer” ao longo do tempo. Porém, assinala, a recuperação da doença, “não isenta de perigos”, deu-lhe tempo para pensar e refletir sobre sua situação e o alcance de suas forças.
Acrescentou que numa mensagem enviada a Randy Alonso, diretor do programa Mesa Redonda da Televisão Nacional e nele divulgada em 17 de dezembro do ano passado, já antecipava discretamente o conteúdo da mensagem de agora, em que renuncia definitivamente àqueles cargos.
“Meu dever elementar não é o de aferrar-me a cargos”, escreveu ele na carta à TV, “muito menos o de obstruir o caminho de pessoas mais jovens, mas sim o de trazer experiências e idéias cujo modesto valor provém da época excepcional que me coube viver.
Penso, como [o arquiteto brasileiro Oscar] Niemeyer que se deve ser conseqüente até o fim”. Diz a seguir que sua consciência o impede de se apresentar para cargos cujas responsabilidades exigem mobilidade e entrega total, o que ele não tem mais condições de dar.
Fidel conclui a mensagem de renúncia alertando que sempre é necessário preparar-se para a pior das eventualidades, porque “o adversário a derrotar é extremamente forte”. Diz ainda que esta não é uma mensagem de despedida, porque continuará a combater como “um soldado das idéias”, e que continuará a escrever sob a rubrica “Reflexões do companheiro Fidel”. Ao final, escreve: “Serei cuidadoso”. E assina: “Obrigado, Fidel Castro Ruz”.
Agora não faltam as aves de arribação do governo norte-americano, na Espanha, e em outros países que vêm no afastamento de Fidel uma “oportunidade para a democracia”. De todo modo, é inegável que o afastamento definitivo de Fidel fecha uma era em Cuba e abre outra. Estamos diante de um dos personagens mais extraordinários da história do século XX, e esperemos que os avanços notáveis que ele ajudou a construir na sociedade cubana não desapareçam depois.
Já nas eleições do Paquistão já se sabe quem perdeu, mas ainda não se sabe muito bem quem ganhou. Dizer que “a oposição” ganhou não quer dizer muita coisa. É certo que o partido do general e ditador Pervez Musharraf, o Partido da Liga Muçulmana – facção Q, foi fragorosamente derrotado nas eleições parlamentares, o que enfraquece e talvez comprometa o poder do governante, que tradicionalmente contou com o apoio do governo norte-americano e que deveria, por incitação deste, criar um governo de coalizão com Benazir Bhutto, morta num atentado ao final de dezembro.
Já o partido de Benazir, o Partido do Povo Paquistanês teve o maior número de cadeiras no Parlamento (pelo menos até o momento, quando ainda falta definir 30 cadeiras de 272), mas não a maioria: ficou até agora com 80 assentos.
Em segundo lugar ficou o Partido da Liga Muçulmana – facção N, liderado pelo antigo primeiro ministro Nawaz Sharif, uma dissidência recente do partido de Musharraf, criada depois que este expulsou juízes não alinhados com ele dos tribunais superiores do país e impôs medidas de censura e controle da imprensa e da mídia. O PLM-N ficou com 64 assentos, uma performance notável para um partido recém criado e que mal teve tempo de escolher candidatos em muitas províncias. Segundo analistas, este na verdade é o fator decisivo nestas eleições e em seu resultado. (ver a análise do comentarista Jason Burke, desde o Paquistão para o The Guardian).
A imagem de Benazir continua dominando o noticiário e talvez corações e mentes, ainda abalados com seu brutal assassinato. Mas o que vem sendo analisado é que a força de seu partido está sobretudo nas áreas rurais e mais tradicionais do país, enquanto o novo partido de Sharif tem bases nas ascendentes classes médias urbanas, baixa, média e alta, para quem a ditadura de Musharraf é insatisfatória mas que tampouco se satisfazem com o apelo do PPP, ainda mais que ele agora não é mais liderado pela contraditória mas carismática Benazir, mas pelo seu marido visto como um aproveitador de oportunidades, para amenizar a qualificação, e sobre quem pesam diversas acusações de corrupção. Assim, tudo vai depender da inclinação do PLM-N, se optar por uma aliança com seus antigos companheiros, ou se optar por uma aliança com o PPP.
É verdade que no enfraquecido partido de Musharraf, que reunia como acontece nesses casos, os caçadores de poderes e favores, as aves já começam a abandonar o navio – também para não usar qualificativos piores.
Do outro lado do mundo, numa eleição que pode ser vital para o futuro paquistanês, entre outras coisas, Hillary Clinton e sua equipe fazem um esforço desesperado peara recuperarem a iniciativa na disputa pela candidatura do Partido Democrata nos Estados Unidos. A equipe de Hillary levanta agora acusações de plágio sobre os discursos de Obama, dizendo que ele se vale seguidamente de trechos de discursos do seu correligionário, Deril Patrick, governador do Massachussets, além de se valer de idéias da proposta econômica da senadora por Nova Iorque para definir a sua.
Diante do favoritismo de Obama em mais duas primárias dessa semana, a equipe da senadora quebra a cabeça para tentar quebrar a de Obama. Vai ser difícil. A acusação, além de irrelevante, mostra uma certa falta, na verdade, de idéias próprias e de iniciativa. Hillary está nas cordas. Mas é claro que ainda não perdeu.