LEIA ISSO E NÃO SEJA PEGO DE SURPRESA PELO TOURO MALVADO DE WALL STREET
Luiz Carlos Azenha
SÃO PAULO - Meus leitores habituais sabem de minhas repetidas confissões de ignorância, principalmente quando se trata de economia. Quando segui o conselho de uma amiga, jornalista especializada, que previa dólar a três reais quando éramos colegas de redação, no início de 2006, tomei um tombo. Não duvido da capacidade de minha ex-colega.
Tucana de alto coturno, deixou que seu aparato avaliador fosse contaminado pela paixão política. Acho que ela acreditava no noticiário catastrófico da própria emissora, num período em que um editor do Jornal Nacional de São Paulo, o Marco Aurélio, foi instruído pelo chefe a "pegar leve" com as boas notícias econômicas, sob o argumento de que elas poderiam beneficiar o governo em período eleitoral. Antecipo-me aos fofoqueiros e revelo que a tal colega não é Miriam Leitão, a quem não tive o prazer de conhecer, embora hoje siga seus conselhos. Faço tudo exatamente ao contrário do que ela sugere e espero ótimos rendimentos em 2008.
Sou movido pela curiosidade e olfato de repórter, ainda que este tenha sofrido enormemente com a ação do tempo, que me custou fios de cabelo e memória e que aprofunda seu impacto levando ao surgimento de escamas, verrugas e outros derivativos de caráter não-financeiro.
Meu objetivo é poupar tempo àqueles que acorrem a este site em busca das informações que lhes são sonegadas nos meios. Há, sim, vantagem em ter escamas: urge não perder tempo com o acessório e se concentrar no essencial.
O essencial, neste momento, é que até nosso amigo New York Times, que não é dado a firulas - embora ainda publique uma coluna de casamentos aos domingos -, soou o alarme publicando uma análise assinada por Jenny Anderson e Vikas Bajaj com o título de A Wall Street Domino Theory.
Trata da operação absolutamente inusitada que levou o Banco Central americano a socorrer de forma emergencial e improvisada a gigantesca Bear Stearns, no dia de ontem, em Wall Street, nos Estados Unidos, de maneira a evitar o colapso da companhia e o impacto devastador que isso teria no sistema financeiro.
O Touro, que simboliza a Bolsa de Valores em alta, está com a febre da vaca louca.
É provável que você já tenha lido sobre a crise das hipotecas americanas. Subprime mortgage, dizem os gringos. Prime é o filé mignon. Subprime é o coxão duro. Um empréstimo que você faz a um cliente em tempo de vacas gordas, dinheiro fácil, sem nem checar se ele tem condições de pagar. Centenas de milhares de empréstimos desses foram feitos nos últimos anos nos Estados Unidos. Teve gente que comprou casa sem dar um tostão de entrada e assumiu o compromisso de pagar prestações com juros progressivamente mais altos.
Ou seja, exatamente como eu, que um dia acreditei que o dólar ia bater em três reais. Mas se eu podia perder o meu dinheiro sem colocar em risco o leite das crianças, o mesmo não pode se dizer dos americanos que compraram suas moradias através das hipotecas de segunda classe.
Eles apostavam na bonança financeira que não veio. A economia dos Estados Unidos se retraiu, eles começaram a atrasar as prestações, muitos perderam as casas e o dinheiro investido. Ora, você dirá, isso acontece em qualquer economia. Há ciclos de expansão e retração. Alguns perdem, outros ganham.
Engano seu. Dessa vez é diferente. Imagine aquele esquema da pirâmide, em que uma pessoa passa adiante a sua dívida para duas, que passam adiante para quatro, que passam adiante para oito, que passam adiante para dezesseis e assim sucessivamente, a perder de vista.
Estamos falando de bilhões e bilhões de dólares em risco que foram passados adiante através de transações financeiras cada vez mais sofisticadas e cada vez menos fiscalizadas.
"A Bear Stearns foi uma das primeiras firmas a experimentar um golpe direto da crise das hipotecas quando dois de seus fundos de cobertura (hedge funds) entraram em colapso por causa da queda de valor dos títulos garantidos pelas hipotecas", escreve o New York Times.
Calma que eu vou traduzir!
O hedge fund é um fundo de investimento surgido nos Estados Unidos. Lá, cada fundo aceita no máximo 500 investidores. Não pode fazer propaganda. Não pode ser vendido publicamente. Quem compra deve ter uma certificação de "investidor qualificado". Em contrapartida, praticamente não é fiscalizado pelas autoridades encarregadas de vigiar o mercado financeiro. O investidor em um hedge fund pode aplicar numa cesta variada que inclui de títulos públicos a moedas, de commodities a papéis de outros hedge funds.
No caso da Bear Stearns, dois dos fundos de cobertura dela estavam fortemente calcados naquelas hipotecas de segunda classe, ou seja, em títulos que só dariam retorno se o seo José e a dona Maria fossem pagar todo mês as prestações.
Entenderam agora o efeito cascata?
O verdadeiro problema, como apontou uma competente edição do programa 60 Minutes, da rede americana CBS, é que o pagamento mensal da casa própria de milhões de Joe Doe (é assim que se chama o Zé da Silva americano) era a garantia de papéis do mercado financeiro, que foram passados adiante e securitizados, ou seja, garantidos através de múltiplas operações financeiras, num ritmo tão alucinante e sem fiscalização que hoje não é possível mais ligar as duas pontas. A dívida de um Joe Doe americano pode estar pendurada num boteco de Hong Kong sem que nenhum dos dois saiba.
"Numa empresa do mercado financeiro, confiança é tudo." A frase foi reproduzida pelo New York Times. É do historiador de finanças Richard Sylla, da Universidade de Nova York. "A pessoa do outro lado da linha telefônica ou da tela do computador precisa acreditar que você vai honrar qualquer negócio que feche."
Nos Estados Unidos, o Tesouro garante os depósitos de clientes individuais em até 100 mil dólares. Em Wall Street, a Corporação de Proteção ao Investidor em Títulos de Valores assume os negócios das empresas que quebrarem, mas sem garantir perdas dos clientes. Porém, no caso do colapso de uma empresa como a Bear Stearns o risco para todo o sistema seria tamanho que o Banco Central acaba abrindo os cofres. Ou seja, dá um jeito de estatizar os prejuízos, embora não assuma isso declaradamente.
"Os investidores já estão avaliando se outra firma pode enfrentar problemas financeiros. O preço de segurar a dívida do grupo Lehman Brothers saltou de 478 dólares para cada 10 mil em títulos na sexta-feira à tarde, quando era de 385 dólares de manhã, de acordo com a Thomson Financial", diz o New York Times no artigo sobre a teoria do dominó.
Ou seja, vem aí outra semana de fortes emoções no mercado financeiro. Não se distraia com o Bush, nem com a Condoleezza Rice. Eles são não-notícias ambulantes. Siga o dinheiro.
Quanto à "mão invisível do mercado, que a tudo regula", soube de fontes fidedignas que ela foi botar laquê no cabelo da Miriam Leitão. Ela, mão invisível, promete voltar ao Bom Dia Brasil assim que a situação em Wall Street se acalmar. Até lá, será substituída por um sujeito obeso, incompetente e gastador que atende pelo nome de Tesouro público.