A revista Veja soltou em sua edição deste final de semana mais uma de suas "criativas" reportagens, que trazem documentos obtidos de fonte não revelada e que a revista diz, sem apresentar uma mísera prova, ter sido o governo quem preparou. Com a "denúncia" a revista tenta alcançar três objetivos: transformar a corrupção do governo FHC em mera chantagem petista; forçar a CPI dos Cartões a entregar para a imprensa os dados sigilosos da Presidência da República e desgastar a imagem da ministra Dilma Roussef, da Casa Civil.
A revista, famosa por inventar reportagens inverídicas e trabalhar com documentos de origem duvidosa, alega que teve acesso a um suposto dossiê que teria sido preparado pelo governo para intimidar a oposição na CPI dos Cartões Corporativos. O suposto dossiê traz informações sobre os gastos com suprimento de fundos durante o governo Fernando Henrique. Cita gastos com caviar, champagne, viagens e outras futilidades que são citadas apenas para escamotear o real objetivo da reportagem: acusar o governo Lula de chantagista.
Como costuma fazer quando o assunto é delicado e pode comprometer a revista, já que as "acusações" carecem de qualquer tipo de prova, a Veja deu apenas uma singela chamada no topo da capa para a reportagem. A capa mesmo foi dedicada a outro assunto --o desmatamento da Amazônia-- que a revista menospreza mas resolveu tratar para defender os interesses empresariais que rondam a floresta.
Já sobre o suposto dossiê, a revista diz com todas as letras que o documento ao qual teve acesso foi "construído dentro do Palácio do Planalto, usado pelos assessores do presidente na CPI em tom de ameaça e vazado pelos petistas como estratégia de intimidação". Mas não apresenta nenhuma mísera prova ou indício para sustentar estas afirmações.
A revista também mente ao dizer que foi esta suposta intimidação que permitiu a divisão de cargos na CPI, com o PT ficando com a relatoria e o PSDB com a presidência. Além de não ter lógica ---afinal para que o governo cederia um posto à oposição se tinha informações para atacá-la durante a CPI? --- a hipóstese de Veja também esbarra num elemento que no jornalismo sério é fundamental, mas na Veja faz tempo que não é levado em conta: o fato. E o fato concreto é que a negociação dos postos na CPI dos Cartões foi amplamente discutida no Congresso e só permitiu que o PSDB ocupasse a presidência da comissão graças à atuação do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).
A maior parte das informações "reveladas" por Veja sobre os gastos da gestão FHC já foram divulgadas em outros veículos de comunicação nas últimas semanas. O suposto dossiê pode, portanto, ter sido uma invenção da própria revista com dados colhidos na imprensa, no Portal da Transparência e até mesmo com funcionários do governo que tiveram acesso a estas informações. A Veja sabe, de experiência própria, que informações podem ser compradas. O dossiê, se é que existe, pode ainda ser obra de pessoas interessadas em desgastar o governo.
Infelizmente, a revista usa a legislação que protege suas fontes para esconder quem "vazou" as tais informações que a Veja alega ser um dossiê preparado pelo governo. Esta informação poderia ajudar o Ministério Público a descobrir se houve realmente intenção de chantagear a oposição.
Os dados não batem
Em nota, a Casa Civil disse hoje que "o que a revista apresenta são fragmentos extraídos de uma base de dados do sistema informatizado de acompanhamento do suprimento de fundos (Suprim)".
O sistema foi criado por orientação do TCU (Tribunal de Contas da União) para que fossem estabelecidos mecanismos que dessem maior transparência ao acompanhamento dos gastos.
O Suprim começou a ser alimentado em 2005. O processo de alimentação retroagiu para 2004 e 2003 e agora estariam sendo digitalizados os documentos dos três anos citados na reportagem da Veja.
A Casa Civil também contesta os valores de gastos apresentados pela revista: "Nos três anos referidos pela matéria, o gasto médio anual em suprimento de fundos da Presidência da República não ultrapassa a R$ 3,6 milhões de reais em valores nominais."
Estratégia funcionou para blindar Serra
A "denúncia" de Veja é muito semelhante à estratégia usada em outro episódio, que a própria revista cita na reportagem deste final de semana. O episódio ocorreu durante a campanha de 2006 e a imprensa conseguiu transformar o corrupto em vítima e, assim, neutralizar a acusação. Trata-se do dossiê preparado pela família Vendoim, donos da Planam, com sérias acusações contra o governador de São Paulo, José Serra. Quando foi ministro da Saúde, Serra teria convivido, dentro do Ministério da Saúde, com um esquema de corrupção envolvendo a compra de ambulâncias. Os Vedoins colocaram as informações sobre este esquema num dossiê e tentaram vendê-lo para tucanos (que tinham interesse na papelada para escondê-la) e para petistas, que tinham interesse no dossiê para desmascarar Serra, se fosse preciso, durante a campanha para o governo de São Paulo, em 2006.
Por uma destas coincidências que de coincidência não tem nada, a polícia acabou flagrando pessoas ligadas ao PT negociando a aquisição do dossiê. Foi a senha para que a grande mídia, toda comprometida com a campanha tucana, passasse a acusar petistas de tentar chantagear Serra e o PSDB. A partir daí e com a ajuda dos próprios petistas que caíram nessa armadilha, passou-se a discutir apenas a suposta "chantagem" e nada mais foi falado sobre o conteúdo do dossiê. Até hoje, a opinião pública está sem saber até onde ia o envolvimento de Serra com a corrupção no Ministério da Saúde. Da história toda, restou apenas a vitória eleitoral de Serra e o apelido de "aloprados" para os petistas envolvidos no episódio.
Desta vez, a Veja tenta ser a ponta de lança de um estratagema semelhante. Busca jogar as chamas de seu denuncismo sobre o Palácio do Planalto na esperança de que o governo passe para a defensiva e, assim, qualquer denúncia que surja contra o governo FHC durante a CPI dos cartões venha carimbada como "chantagem".
Outros dois objetivos da reportagem, que a própria Veja deixou claro, são o de forçar a CPI a divulgar informações sobre gastos da Presidência da República e envolver a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, no embróglio. Os dados sobre os gastos da Presidência são protegidos pois podem colocar em risco a segurança do presidente e de sua família. Mas a oposição tem a esperança de, com eles, criar factóides para tentar desgastar a imagem do presidente Lula.
A presidente da CPI, Marisa Serrano (PSDB-GO) já entendeu a mensagem e disse que a oposição usará a repercussão da reportagem de Veja para exigir a abertura das contas secretas do governo e convocar a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil). "Se o sigilo foi aberto para um lado, temos que abrir para o outro. "Se o sigilo foi aberto para um lado, temos que abrir para o outro. Agora os governistas não têm mais desculpa", afirmou a tucana, que prometeu pôr em votação na quarta-feira a convocação de Dilma.
Resta saber se, a exemplo de 2006, o governo vai novamente cair na arapuca preparada pelo pasquim dos Civita.