domingo, 27 de abril de 2008

O modelo Nollywood

Desponta na Nigéria novo modo de fazer cinema. Milhões de DVDs, pequenas salas, alternativas à propriedade intelectual. Qualidade precária, porém crescente — e bebendo na imensa diversidade cultural do país. O maior produtor de filmes do mundo. Um modelo para não copiar mas, sim, para refletir

Felipe Macedo - LeMonde-Brasil

Em texto anterior, descrevemos as características gerais do modelo de cinema que vigora no Brasil. Na verdade, é o mesmo que prevalece no mundo inteiro, já que as grandes empresas de Hollywood, através da sua associação, a Motion Pictures Association of America (MPAA), operam em escala planetária e organizam o mercado mundial em função de seu produto. Mais de 80% dos cinemas de todo o mundo estão ocupados com os filmes dessas empresas. Parece que, entre os mais de duzentos países do mundo, apenas em uma meia dúzia exibe-se mais filmes nacionais que os distribuídos por esse cartel.

Esta situação é indispensável para o cinema que confundimos como "americano". O custo médio de uma produção, nos EUA — não em Hollywood, mas no país todo — já é de mais de 60 milhões de dólares. Esse padrão precisa de um mercado mundial bem controlado para obter lucros significativos. Se é verdade que esse cinema é dominante há décadas, apenas recentemente o faturamento dos filmes no exterior do país passou a ser maior que internamente. Hoje, a receita proveniente de outros países está em torno de 65% do total. Nessa mesma direção, a produção dos EUA tem diminuído significativamente, em favor das superproduções que melhor se adequam à exploração do mercado mundial e de seus diferentes segmentos: salas de cinema, vídeo doméstico, tevê por assinatura e tevê aberta. Especializa-se em filmes mais caros, que não têm concorrência, e são como naves-mães que desovam mil subprodutos e licenças de exploração de mercados subsidiários. Por outro lado, aumenta cada vez mais a reprodução de fórmulas narrativas simplistas, padronizadas, o que dificulta a expressão de diferentes formas de criação — inclusive naquele país.

Já dissemos que esse modelo é velho. Ele luta para assimilar, domesticar e rentabilizar, em novos formatos comerciais, os avanços tecnológicos que ocorrem fora do seu controle. Enquanto isso, atravanca o desenvolvimento das próprias inovações e, principalmente, limita o acesso à comunicação e impede a expressão da diversidade das culturas do mundo.

Mas até que ponto o poder econômico é capaz de segurar ou controlar o desenvolvimento de inovações que apontam para uma acessibilidade fora de qualquer controle, como é o caso da rede mundial de computadores? Ou quando outras formas de exploração comercial se mostram lucrativas, criando novos “modelos de negócio”? Como combater eficazmente a “pirataria” (a exploração comercial sem pagamento de licenças), se o móvel, a ética, a ontologia mesma do comércio se concentram e se esgotam na obtenção de lucro?

Hollywood, riquíssima, depende da globalização. Mas é Nollywood, hoje, quem expande seu jeito de produzir cinema pelo mundo

Um dos objetivos desta coluna é mostrar como os cineclubes, em suas múltiplas formas, constituem a grande alternativa — ainda muito virtual, mas a mais conseqüente — para esse novo modelo. No entanto, outras experiências também merecem ser melhor conhecidas. Um exemplo muito revelador de que outros paradigmas podem ter relações muito mais legítimas com a cultura em que se estabelecem, assim como alcançar resultados econômicos extraordinários, é o de Nollywood, o modelo de indústria audiovisual da Nigéria, que se expande cada vez mais pelos países vizinhos.

A Nigéria, país com cerca de 110 milhões de habitantes, independente desde 1963, tornou-se o maior produtor mundial de títulos de filmes. Com uma produção que oscila entre 1.000 e 1.500 filmes por ano, ultrapassa largamente a Índia, segundo lugar, com cerca de metade dessa produção, e os EUA, com perto de 500 títulos anuais.

Mas não apenas isso: diversas fontes situam o faturamento dessa indústria audiovisual nigeriana em cerca de 250 milhões de dólares por ano, o que também a coloca entre as maiores do mundo. Além de predominar largamente no mercado interno, a produção audiovisual nigeriana cada vez mais se estende pelos países vizinhos, antigas colônias inglesas. Chega igualmente às etnias que se estendem além das fronteiras: Gana, Quênia, Uganda, Gâmbia, Níger, Camarões, Benin, Zâmbia, Togo e mesmo o Sudão. Canais a cabo da África do Sul especializam-se ou dedicam boa parte da programação a essa produção, cobrindo vários outros territórios (Botsuana, Zimbábue, Suazilândia, Namíbia). E uma grande diáspora (7 milhões só de nigerianos) na Europa, EUA e em várias outras partes do mundo – inclusive no Brasil – também serve como elemento de repercussão e multiplicação desse cinema.

Como dissemos, não se trata do modelo hollywoodiano: os filmes são produzidos e circulam em cópias digitais (DVD) e são exibidos em pequenas salas digitais. O custo de uma produção é, em média, de 20 mil dólares. Com isso, diariamente, dois ou três novos títulos são lançados no mercado. Cada filme circula com cerca de 20 mil cópias, vendidas pelo equivalente a poucos dólares ou em salas bem simples, onde se paga ingressos de umas tantas nairas, a moeda nigeriana. Os maiores sucessos freqüentemente ultrapassam 200 mil cópias.

Filmes toscos na forma. Mas capazes de expressar o imaginário e magia da África, e as realidades da vida nigeriana

O “modelo nigeriano” demonstra possibilidades concretas e potencialidades que têm muita importância para os países que não conseguem construir uma indústria e uma cultura cinematográfica independente. Vale a pena conhecer sua gênese.

Em 1972, um decreto de “indigenização” passou para o controle nacional uma rede de cerca de 300 salas de cinema que havia no país. Uma permanente fragilidade econômica e a recorrente instabilidade política levaram à desagregação desse circuito. A diminuição do número de cinemas, a própria insegurança nas grandes cidades e a distância cultural da narrativa “ocidental” em relação à vivência cultural nativa — tudo isso contribuiu para enfraquecer o hábito de ir ao cinema. No entanto, a “nacionalização” ajudou a estimular os talentos nigerianos, principalmente da área teatral. Mais ou menos nos anos, 80 começou a produção sempre crescente de filmes em VHS, copiados e distribuídos precariamente nas feiras e outros eventos públicos e exibidos em salinhas improvisadas. Como a maior parte dos empreendimentos comerciais pioneiros, o padrão dessa produção era pobre, visando garantir um mínimo de rentabilidade. O resultado era medíocre, em termos narrativos. Ainda é ambas as coisas.

Mas, além de se adequar ao bolso da grande maioria, essa produção canhestra trazia a expressão do rico imaginário e das premências da vida nacional e africana: de um lado a magia e o sobrenatural, de outro as dificuldades da vida, a corrupção, as doenças endêmicas, o choque das tradições tribais com a modernidade. O modelo pegou.

Hoje, ainda cheio de carências, esse sistema audiovisual não pára de evoluir e de se consolidar. Criou, como vimos, uma sólida base econômica. Isso tem permitido, cada vez mais, a adoção de melhores técnicas e equipamentos na produção. A própria expansão da indústria, o enfrentamento de concorrentes, a interação com a diáspora, obrigam a um contínuo aperfeiçoamento em termos de linguagem e acabamento. A permanência dessa indústria gera profissionais, talentos em todos os níveis, e inclusive já tem uma espécie de star system e uma rede de eventos promocionais, festivais que ajudam a aprimorar seus produtos.

Na África francesa, filmes que se contam nos dedos, premiados. Na Nigéria, uma prosa nacional expressa, em muitos idiomas, o imaginário popular

No entanto, talvez o mais importante desse processo ainda em desenvolvimento seja o significado cultural da adoção de um modelo diferente daquele implantado pelo ocupante colonial. Em meio à mediocridade ainda prevalecente de uma narrativa banal, que busca o êxito e o retorno econômico mais imediato, uma “prosa” nacional se impõe, ou melhor, encontra espaço para se expressar, trazendo a vivência, os problemas, o imaginário popular.

Nas antigas colônias francesas, por exemplo, de uma maneira geral mantém-se inalterado o modelo de produção e distribuição em película. Os países não têm condição de manter esse modelo e o resultado é a produção de pouquíssimos títulos, na casa das unidades, realizados com apoio de algumas instituições francesas. Esteticamente são filmes muito mais significativos, que têm revelado alguns grandes realizadores. São reconhecidos em alguns eventos internacionais, talvez a maior parte fora da África. Esses filmes são, claro, falados em francês. Já a produção nigeriana produziu um fenômeno inédito e absolutamente fundamental: um percentual significativo dos filmes é realizado nos idiomas das diversas etnias da região, principalmente em iorubá, igbo, hauçá e no pidgin nigeriano.

Sem esse espaço, essa(s) cultura(s) não teria(m) oportunidade de se manifestar, talvez nem de sobreviver. Esboçado um novo paradigma, há muito ainda que avançar. Mas a alternativa já se mostrou viável, abrindo a possibilidade concreta de superação do modelo mundialmente dominante. É uma lição importante, não exatamente a ser copiada, mas sobretudo compreendida. Por aqui, por exemplo, onde a produção só existe com subsídio público, praticamente não é exibida e a população não tem acesso ao cinema.

Chico Buarque - Almanaque (1981)




download





Rossanna Decelso - Mandando Bala: As Canções de Zeca Baleiro (2006)




download





sábado, 26 de abril de 2008

Software livre, pós-capitalismo e... negócios

Encontro da comunidade brasileira ligada ao GNU/Linux reúne público recorde, confirma papel destacado do país na luta pela liberdade de conhecimento e revela: é possível ganhar a vida, criar e empreender praticando uma lógica oposta à da propriedade privada e do interesse egoísta

Débora Pinheiro - LeMonde - Brasil

De 17 a 19 de abril, em Porto Alegre, o 9º Fórum Internacional Software Livre – FISL 9.0 – reuniu mais de 7,4 mil participantes de 21 países no Centro de Eventos da PUCRS. Desavisados encarariam o evento como um encontro de nerds e fissurados por jogos, acessórios tecnológicos e programas de computador que quase ninguém usa. Ledo engano: no FISL, o maior encontro da área de tecnologia da informação na América Latina, a escolha pelo código aberto revela-se muito mais estratégica do que meramente técnica.

Ao confirmar o Brasil na posição de líder latino-americano no uso, no desenvolvimento e na disseminação do software livre, o 9º FISL mostrou que o código aberto é um potente denominador comum entre hackers, gestores do governo, pesquisadores, empresários e militantes de esquerda no País e no cenário internacional. O clima descontraído do evento, em que os hackers fizeram a festa, crianças circulavam com seus XO, representantes de movimentos sociais se manifestavam e um mestre de cerimônias vestido de pingüim fazia pose para todas as câmeras deu a muitos jornalistas a impressão de que o público se compunha maciçamente de estudantes. Mais um engano: os números consolidados do FISL 9.0 mostram que profissionais e empresários foram o público principal do evento, representando 73% dos participantes.

(JPG)
"Encontro da comunidade brasileira ligada ao GNU/Linux reúne público recorde"

Para além da possibilidade de ter acesso ao código do programa que se usa, o lema da comunidade do software livre é compartilhar conhecimento e informação. Esse é o ponto de partida que fez o FISL deslanchar desde 2000, e atingir público recorde em 2008. Atraindo atores importantes entre os que constroem e os que decidem sobre o uso do software livre, a nona edição do FISL acaba de confirmar que no Brasil a opção pelo código aberto consolidou-se em setores que se complementam: governo, comunidades da área de desenvolvimento de softwares e mercado. Por paradoxal que pareça, o evento impressionou pela presença de pesos pesados da indústria da informática e da tecnologia da informação, associados em sua maioria ao software proprietário. UOL, Terra, Telefônica, Google, Globo.com, Intel, Sun Microsystems e Yahoo Brasil foram algumas das empresas que participaram do evento, comprovando que o software livre provocou transformações importantes no mercado.

Não há nenhuma contradição em usar o software livre para fazer dinheiro, dizem os empresários que circularam pelos stands do FISL 9.0. Esse é também o ponto de vista do diretor sênior de estratégias para governo da Sun Microsystems nas Américas, Luiz Fernando Maluf. Para ele, a opção pelos sistemas abertos é um modelo de negócios. "Posso provar matematicamente que funciona", diz, dando como exemplo o programa aberto Java, criado pela Sun e que conta hoje com cerca de 30 milhões de desenvolvedores espalhados pelo mundo. A seu ver, a Sun não atingiria o patamar atual – a companhia conquistou o terceiro lugar no mercado global de servidores – se tivesse optado por obter lucro em cima de registro de patentes. Ele explica que o envolvimento de tanta gente com o programa reduz o custo do desenvolvimento e acelera a chegada de cada novo produto ao mercado. O diretor sênior de estratégias para governo da Sun Microsystems nas Américas considera que o modelo de negócios baseado no registro de propriedade intelectual está com os dias contados.

Alternativa à propriedade intelectual: é possível ganhar dinheiro com software livre. Mas o conhecimento é livre. O que cada um desenvolve, a todos pertence

O novo modelo, baseado em serviços e não mais em patentes explica o trabalho de sedução feito por grandes empresas, que aproveitaram o FISL para prospectar talentos da comunidade do software livre. "Desenvolvedores de software livre trabalham por paixão", descreve a administradora de sistema Unix Fernanda Weiden, 26 anos, que, ao fazer uma palestra sobre software livre na Alemanha, em 2005, recebeu uma proposta da Google, onde ainda trabalha. Nos stands das empresas, anunciam-se vagas dentro e fora do país. Graduação e familiaridade com interoperabilidade Windows/Unix são pré-requisitos incontornáveis, mas muitos desenvolvedores são contratados sem ter terminado o curso universitário. Ao que as empresas consultadas no evento indicam, os salários para desenvolvedores oriundos do software livre são mais interessantes. Um jovem profissional em início de carreira pode começar ganhando R$ 4 mil.

Usuários de programas livres, com código aberto, têm a possibilidade de entender como funciona o programa e de alterar a área em que estão registradas as informações que fazem o programa funcionar — o chamado código-fonte. Empresas públicas e privadas podem ter, assim, controle sobre a tecnologia que usam, adaptando os softwares às suas necessidades específicas. Dessa forma, auditorias podem ser feitas com transparência e sem a intermediação de companhias que detêm as informações sobre o programa usado, e cobram caro pela licença para usar seus programas. A General Public License (GPL), que em português significa Licença Pública de Uso Geral, é a licença mais popular para software livre. Permite que qualquer um copie, distribua, modifique e estude um programa. A GPL também determina que nenhum usuário pode se apropriar das modificações que faz no programa. Melhorias são de uso comum e já não pertencem a ninguém. Dessa forma, a lógica do software livre faz a prestação de serviço valer mais do que o produto estanque.

"Vou contar para vocês por que o software livre vai vencer. Não se trata de saber se vai vencer, mas quando", avisa o presidente da Linux International, Jon "Maddog" Hall. Para ele, a queda dos preços dos computadores destoa do alto custo de softwares, que se tornam rapidamente obsoletos e cuja produção baseada no código fechado não consegue competir com os softwares construídos a partir de um modelo colaborativo. Hall percebe o desempenho do Brasil no desenvolvimento e na disseminação de programas em código aberto como fruto de um encontro feliz entre governo, indústria e a comunidade do software livre. Para ele, o Brasil é exemplar em se tratando de desenvolver soluções em larga escala com softwares de código aberto. Ele considera a Caixa Econômica Federal como um dos exemplos mais emblemáticos em se tratando de uso do software livre em larga escala na América Latina.

No Brasil, programas em código aberto vêm sendo adotados tanto em iniciativas públicas quanto no setor privado, afetando a vida até mesmo de quem não usa computador. Quem paga as contas ou vai fazer uma aposta usando terminais instalados nas Casas Lotéricas da Caixa Econômica Federal (CEF) está usando o sistema operacional o Linux, com a distribuição Debian. Saber isso não faz muita diferença, opina o gerente de tecnologia da informação Júlio Schneiders Neto, da Caixa. Para ele, o importante para o usuário é perceber que o uso do código aberto deixou os terminais mais ágeis e aumentou a qualidade das transações nos momentos de pico. "Antes de migraramos para o código aberto, uma transação durava em média 8 a 10 segundos. Agora, a média fica entre 3 e 4 segundos. Essa diferença representou, no ano passado, um incremento de 17% na quantidade de transações em todos os nossos terminais lotéricos", conta Júlio Schneiders Neto.

Órgãos públcios, grandes empresas privadas e estatais, entram na dança. A Caixa economizou 10 milhões e tornou-se muito mais rápida. E o software livre chega às urnas eletrônicas

Em 2006, a CEF livrou-se do monopólio da multinacional Gtech, prestadora de serviços que dominava o sistema de processamento de dados de nove mil loterias espalhadas pelo Brasil. A Caixa migrou todos os seus cerca de 25 mil terminais financeiros lotéricos — que executam também diversas operações bancárias — para o sistema operacional Linux. "Só com licenças coorporativas, que deveriam ser pagas pelo uso de softwares proprietários, economizamos cerca de 10 milhões de reais desde então", calcula o gerente de tecnologia da informação da Caixa Econômica Federal.

A partir das próximas eleições municipais, quem vota também estará usando software livre, já que a Justiça Eleitoral está migrando todas as 430 mil urnas eletrônicas do Brasil para uma distribuição Linux. Técnicos estão desenvolvendo uma distribuição Linux própria para uso nas eleições brasileiras, de forma a fazer com que o sistema fique mais seguro e possa ser controlado exclusivamente pela Justiça Eleitoral. A decisão de migrar para uma distribuição Linux visa atender a legislação brasileira, que determina o uso de tecnologia não proprietária em áreas estratégicas. Optar pelo código aberto também vai otimizar gastos para o Erário: o TSE estima que só nas eleições deste ano serão economizados R$ 4 milhões em licenças de software e contratos de suporte.

"O mal não está nos sistemas proprietários em si e sim no monopólio deles", ressalta o governador do Paraná, Roberto Requião. Ele anunciou durante o FISL que, dentro de um mês, a telefonia privada do Estado será substituída por um sistema que utiliza voz sobre IP e software livre por meio da infra-estrutura de infovias da Copel, empresa estadual de energia. O novo sistema de telefonia foi desenvolvido pela empresa de tecnologia do Estado, a Celepar, que promete uma velocidade cinco vezes maior na rede e um custo de manutenção cinco vezes menor. Com a medida, Requião estima uma economia de 100 milhões de reais por ano para o Estado do Paraná. Valendo-se de uma lei estadual que estabelece preferência por softwares livres nas compras do governo, Requião comemora o fato de 80% dos contratos do governo do Paraná envolverem software livre. Calcula que, no Paraná, 200 milhões de reais deixaram de ser gastos desde 2003 por causa da implantação de sistemas de software livre.

Paraná e Rio Grande do Sul são Estados pioneiros em se tratando da preferência pelos programas em código aberto, tendência na qual o governo federal está apostando, ao definir novas regras para contratar serviços no setor de tecnologia da informação. Uma instrução normativa em processo de consulta pública privilegia soluções livres, sua publicação e seu compartilhamento por meio do portal do software público. Enquanto isso, o governo não apenas usa, mas também disponibiliza soluções que envolvem programas em código aberto. Para o gerente de Inovações Tecnológicas do Ministério do Planejamento, Corinto Meffe, o governo brasileiro está atendendo a demandas reprimidas da sociedade, ao oferecer soluções e prestação de serviços com ferramentas do software livre no Mercado Público Virtual, inaugurado durante o FISL 9.0. No site, órgãos de governo, universidades, pessoas físicas e jurídicas poderão oferecer e adquirir softwares e serviços de treinamento. A intenção é oferecer um catálogo de prestadores de serviço para as 16 soluções livres disponíveis no Portal do Software Público.

Meffe menciona o sucesso do software livre Cacic, o Configurador Automático de Informações Computacionais, um programa que supervisiona e realiza auditoria nas máquinas do serviço público. "Trata-se da primeira ferramenta disponível no portal do Software Público Brasileiro e o primeiro GPL do governo", lembra. A ferramenta foi desenvolvida pela Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev) e oferecida como um software público à sociedade pela secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI) do Ministério do Planejamento. Com a versão GPL, ficou assegurado que a Dataprev é a mantenedora-raiz do software, tendo portanto direito de receber de volta todas as inovações que forem introduzidas pelos usuários. O Cacic tem agora mais de nove mil pessoas cadastradas e reúne mais de 730 prestadores de serviço, além de ter a participação de oito países e algumas prefeituras latino-americanas, como Montevidéu e Assunção.

mais uma da mídia de esgoto, agora da RBS...

Questionada por leitores sobre seu silêncio a respeito das declarações do delegado Luiz Fernando Tubino sobre a casa comprada pela governadora Yeda Crusius, no final de 2006, a colunista Rosane de Oliveira, de Zero Hora, escreveu.

Diante das cobranças que estão sendo feitas neste blog em relação à falta de uma análise minha do depoimento do delegado Luiz Fernando Tubino à CPI do Detran, esclareço que não pretendo fazer comentários sobre o que considero pauta e não notícia. O delegado Tubino disse que não tem provas das denúncias que fez. Logo, não tenho por que comentá-las. Vou comentar assim que houver fatos concretos.

Minha opinião sobre os fatos que o delegado Tubino cita é bem simples: eles são importantíssimos como ponto de partida para uma investigação — e o procurador Geraldo Da Camino os utiliza como subsídios — mas eu só posso tratá-los como consumados quando tiver alguma confirmação”.

A distinção entre pauta e notícia feita pela jornalista contradiz a prática de sua própria coluna, que já comentou sobre o episódio da casa, quando se tratou de divulgar a versão da governadora sobre o caso. No dia 18 de abril, a Página 10 publicou:

“Questionada no programa Gaúcha Atualidade sobre essa suspeita, Yeda disse que não tinha nenhum problema para explicar a compra da casa. Que era investimento de uma vida inteira – além do salário de governadora, ela e o marido são professores aposentados da UFRGS. Para comprar a casa por R$ 750 mil, Yeda disse que vendeu à vista seu apartamento de Brasília (R$ 385 mil), um imóvel em Capão da Canoa e um carro, financiou uma parte e tomou mais um empréstimo para obras de reforma, porque a casa tinha problemas”.

Ou seja, segundo o argumento da jornalista, ela só trataria de “fatos consumados”, que seriam as “notícias” e não de “pautas”. As explicações de Yeda são, assim, “notícia”. E as declarações do delegado, “pautas”, que só serão comentadas quando comprovadas. O critério de só falar sobre denúncias comprovadas (“fatos consumados”) não resiste à realidade da própria coluna em questão (e da prática cotidiana jornalística, em geral). Todas as denúncias que vieram à tona com a Operação Rodin não foram ainda, tecnicamente, “comprovadas”, no entanto, já foram objetos de quilômetros de “comentários”.






SAMUEL TITAN JR.


Antes que seja tarde, isto é, antes que vire o ano e uma nova onda de efémerides venha nos forçar a uma nova onda de aplausos, vale a pena reparar num aniversário que foi passando sem maiores comentários. No mínimo, uma grosseria, pois estamos falando dos cem anos de cinco senhoritas sem igual: as Demoiselles d’Avignon que Pablo Picasso terminou de pintar no ateliê do Bateau Lavoir, em Paris, no verão de 1907.

Não é um quadro qualquer, como sabe qualquer manual de história da arte ou guia de viagem a Nova York, onde as moças fixaram domicílio desde 1937. As Demoiselles são uma das obras centrais da pintura moderna e, na verdade, de todo a aventura modernista nas artes. Mas tratar a tela feito (mais) um monumento maciço não ajuda a entender por quê.
Primeiro, porque as Demoiselles são, como dizia o historiador Giulio Carlo Argan, “a primeira ação de ruptura” tanto na carreira de Picasso como “na história da arte moderna”. Mas também porque nem sempre gozaram da fama de agora: se a composição do quadro foi marcada por idas e vindas, a primeira recepção crítica não teve nada de efusiva. Voltar à história do quadro pode ajudar a entendê-lo, até porque sua força visual tem muito a ver com a muita história que ele traz entranhada em si.

Picasso passou o verão de 1906 com Fernande Olivier no lugarejo espanhol de Gósol, um período fertilíssimo em que levou adiante seu interesse pelas artes primitivas (ibérica, africana e oceânica), desenhou uma série de retratos de um ancião local, Josep Fontdevila, misto de camponês e contrabandista, fez estudos de teoria das proporções humanas e realizou uma série em torno a Fernande – bustos e nus dos quais deriva uma tela que contém a semente temática das Demoiselles.

É o Harém, hoje no Museu de Arte de Cleveland: num recinto em tons de ocre e rosa, uma poderosa figura masculina reclina-se contra a parede, segurando um porrón (uma frasco de vinho de formas fálicas) e contemplando um grupo de quatro mulheres que se despem e se oferecem a seu olhar. O gênero “cena de bordel” não tinha nada de novo, e o Harém não é exatamente uma grande obra; mas a tela dá início, nesse âmbito temático, a um diálogo intenso com outros pintores, que chegará ao ápice no ano seguinte: sem falar dos traços difusos dos temas mundanos e tons cromáticos de Toulouse-Lautrec, não há como deixar de notar ecos bem nítidos do Banho turco (1862), a fantasia orientalista de Ingres que Picasso vira no Salão de Outono de 1905, e da recente Alegria de Viver (1905-1906) de Matisse, tela com que Picasso logo travará um verdadeiro duelo.

Em meados de agosto, Picasso e Fernande voltaram a Paris, fugindo da febre tifóide que irrompera em Gósol. O primeiro fruto parisiense dos esboços feitos no lugarejos é a reelaboração do Retrato de Gertrude Stein (Metropolitan Museum, Nova York), que o pintor iniciara no inverno anterior: o busto da escritora (e colecionadora) norte-americana ganha traços maciços e recurvos; o rosto, sobretudo, afasta-se do registro mimético para ganhar contornos de máscara, à maneira das estátuas ibéricas de Osuna e Cerro de los Santos. O mesmo vale para os Dois Nus (MoMA. Nova York), da mesma época, em que Picasso parece reler as Cinco Banhistas (Kunstmuseum, Basiléia) e A Tentação de Santo Antônio (Coleção Bührle, Zurique) de Cézanne; desta última, sobretudo, Picasso toma um motivo: a figura da esquerda que entreabre uma cortina rumo a um cômodo que não se chega a ver.

Pouco depois, os dois veios se reúnem. O esforço de “simplificação”, de “primitivação” da linguagem plástica, que ganha corpo com o contato com as artes da África Negra e do Pacífico Sul das coleções do Museu do Homem (muito embora, mais tarde, tentasse empurrar essa data para o fim do ano seguinte), associa-se ao tema do bordel numa série de esboços que Picasso começa no inverno de 1906-1907 e que o levarão às Demoiselles d’Avignon.

A primeira versão mais coerente, em grafite e pastel – Estudante de Medicina, Marinheiro e Cinco Nus em um Bordel (Kunstmuseum, Basiléia) –, é uma composição horizontal e panorâmica: um grupo de cinco mulheres nuas ao redor de um marinheiro sentado a uma mesa e segurando o quase proverbial porrón de vinho, mais um estudante que abre uma cortina e entra pela esquerda.

Muitos elementos do quadro final já estão aí: as cinco prostitutas, a cortina que se abre, o vaso de flores em primeiro plano, a figura quase atlética mais ao fundo, a mulher de cócoras bem à frente. Mas esta é apenas uma parada provisória em meio a um verdadeiro surto gráfico, que na contagem final tomará dezesseis cadernos de desenho (“Je suis le CAHIER”, escreveu Picasso na capa de um deles).

Há muito de convencional e, portanto, de seguro nessa primeira versão narrativa e alegorizante, que logo sugere um contexto explicativo ao espectador. As cinco mulheres olham para a esquerda, para o estudante que presumivelmente as surpreendeu em meio à lide; este, por sua vez, parece estacar diante da visão que se abre para ele; e o contraste entre as duas figuras masculinas e seus atributos opostos (porrón e livro) logo se deixa ler como cifra alegórica (aliás, sabemos pelos cadernos que o estudante carrega ora um livro, ora um crânio, sugerindo o tema do memento mori).

Picasso trabalha e retrabalha cada uma das figuras no estilo “ibérico” desenvolvido no ano anterior. Faz o mesmo com o conjunto da cena, procurando um efeito de maior unidade compositiva. Nesse processo, por exemplo, as cortinas de fundo vão ganhando relevo e feição cônica, tornando a cena mais fechada e mesmo opressiva – na contramão da Alegria de Viver de Matisse, mas no mesmo rumo da Visão Apocalíptica de El Greco (Metropolitan Museum, Nova York), que Picasso vira pouco antes. Mas o resultado mais notável desse trabalho de compactação é, com certeza, o sumiço progressivo dos dois homens: primeiro, o estudante, substituído pela prostituta da esquerda, que avança para o proscênio e se encarrega de abrir a cortina; depois, o marinheiro. Restam as cinco mulheres – como eram cinco as banhistas de Cézanne.

Não se trata aqui de mera subtração. Excluídas as duas figuras masculinas, as prostitutas já não têm a obrigação narrativa de se dispor ao redor de um e de olhar para o outro. À maneira de um retrato de grupo holandês, como percebeu Leo Steinberg, mas também à moda da fotografia etnográfica, como rematou Carlo Ginzburg, elas agora se dispõem quase em fileira, mostrando-se, exibindo-se frontalmente – e para o espectador.

Em junho de 1907, Picasso toma mais uma decisão crucial ao abandonar a disposição horizontal dos estudos e finalmente começar a pintar sobre uma tela grande, verticalizada e quase quadrada. E é sobre a tela, sem muitas antecipações nos desenhos preparatórios, que vai se produzir a mais espantosa das metamorfoses. Se as figuras da esquerda e do centro mantêm as feições ibéricas que tinham nos cadernos, as duas prostitutas da esquerda ganham traços afro-oceânicos, mais “primitivos”, em ângulos fortes que parecem menos pintados que talhados em madeira – veja-se o fantástico seio quadrangular da demoiselle em pé, à direita, ou a torção violenta de sua companheira acocorada à direita.

Não são rostos, são máscaras. E máscaras de horror, que contrastam violentamente com os traços afinal graciosos das cariátides ibéricas à esquerda. Algo do memento mori da primeira versão permanece nesse contraste ou, melhor, nessa fusão de apelo erótico e ameaça teratológica. Mas isso não se dá mais numa narrativa alegórica a ser decifrada por um espectador douto. Como disse Leo Steinberg, é como se a cena inicial tivesse sofrido uma rotação de 90 graus: agora somos nós, e não o estudante, que deparamos a cena infernal no interior do bordel.

Picasso anula a distância, a mediação entre o espectador e a cena. Um dos responsáveis é certamente o tratamento do espaço, que deixa de ser, como bem notou Argan, um elemento passivo e infinito que harmoniza as figuras: “o fundo se aproxima, engasta-se à força entre as figuras, divide-se em inúmeros planos duros e agudos”. Esse espaço volumétrico projeta as figuras para fora do quadro. E, de modo complementar, um detalhe vem confirmar essa impressão: a mesa redonda dos esboços torna-se uma cunha triangular que penetra, visual e metaforicamente, no espaço das Demoiselles e nos arrasta para seu interior.

*

Foi esse o quadro que os visitantes puderam ver no Bateau Lavoir no verão de 1907. O embaraço foi geral. O grupo mais próximo a Picasso – Max Jacob, Guillaume Apollinaire, André Salmon –, que acompanhara a gênese do quadro e o batizara, para uso próprio, de O Bordel Filosófico (provavelmente vinculando a narrativa alegórica à obra do Marquês de Sade, que Apollinaire andava redescobrindo), não sabe o que dizer. Braque e Matisse, em visitas ao ateliê, ficam consternados diante da violência da tela. Mas cabe ao marchand Daniel-Henry Kahnweiler a sentença que selará a fortuna imediata da obra: o quadro é inacabado, a tela ficou a meio-caminho de uma transição estilística que não chegou a se consumar. Ou que ainda não se consumou: anos mais tarde, num livro influente sobre o cubismo, Kahnweiler dirá que o quadro é um prenúncio da abstração cubista que está por eclodir, mas que já se manifesta nas figuras da direita e, mais que tudo, na fruteira central do quadro de 1907.

O fato é que as Demoiselles praticamente somem pelos trinta anos seguintes. Em 1910, o jornalista norte-americano reproduz o quadro em seu artigo “The Wild Men of Paris” para a revista Architectural Record; longos quinze anos depois, André Breton faz o mesmo na revista La Révolution surréaliste, de circulação mais que restrita. Pior, o quadro foi exposto uma única vez, num salão de quinze dias que Salmon organizou em julho de 1916. O mesmo Salmon batizou-as então como Les Demoiselles d’Avignon, título de que Picasso jamais gostou e cujo sentido permanece equívoco: referência à rua de Barcelona em que Picasso comprava materiais de pintura, na versão mais pudica; menção a um bordel localizado ora na mesma rua, ora na cidade francesa de Avignon, na versão mais apimentada; ou lembrança de uma piada de ateliê que identificava as prostitutas às mulheres do grupo de amigos e as punha sob a tutela imaginária da avó de Max Jacob, que era de Avignon.

A partir de 1921, Breton faz campanha para tirar as moças do estúdio de Picasso, afinal convencendo o colecionador Jacques Doucet a adquirir as Demoiselles. Integrada à coleção em 1924, a tela só pode ser vista com hora marcada. Uma tentativa de doá-la ao Louvre não chega a bom termo; finalmente, em 1937, o quadro é comprado pela Galeria Seligmann, que em seguida o doa ao Museu de Arte Moderna de Nova York.

Só então, aos trinta anos de idade, tem início a celebridade mundial das Demoiselles, celebradas por Alfred Barr Jr., diretor do MoMA, como primeira grande pintura da arte contemporânea. Mas, vale notar, o elogio de Barr se faz nos mesmos termos de Kahnweiler. O quadro, ainda visto como incompleto, vale como arauto da modernidade e da abstração, especialmente em seus veios cubista e nègre, e nessa condição será estampado em inúmeros catálogos e monografias.

Por três décadas, essa será a visão canônica do quadro, desafiada apenas, se esse é o termo, por uma tela de 1948, Três Mulheres, em que De Kooning revisita a tela de Picasso fora do registro da abstração. Mas o golpe mais decisivo contra a interpretação de Kahnweiler e Barr só virá em 1972, por obra de um longo ensaio, “O Bordel Filosófico”, em que Leo Steinberg cumpriu magistralmente a árdua tarefa de mostrar, primeiro, que a pintura não era inacabada e, segundo, que de todo modo não era possível lê-la apenas na chave da abstração.

O ensaio de Steinberg abriu um novo estágio de compreensão das Demoiselles. Sob sua influência, organizou-se em 1988 uma grande exposição no Museu Picasso de Paris, toda ela dedicada ao quadro e à sua gênese. O catálogo ultrapassava as 700 páginas. Exibiram-se as centenas de desenhos e versões preparatórias, bem como as obras de outros artistas com que a tela dialoga, de El Greco a Matisse, do Déjeuner sur l’herbe de Manet às máscaras africanas do Museu do Homem.

*

O ensaio de Steinberg – base de muito do que o leitor acaba de percorrer – mostrou conclusivamente que a tal “incoerência estilística” da composição era um efeito desejado e visado por Picasso nas semanas decisivas de trabalho sobre a própria tela, no verão de 1907. Mas a análise da composição não se esgotava em si mesma, mas servia ainda a uma reinterpretação, agora psicanalítica, das Demoiselles.

Longe de ser apenas um prelúdio à aventura cubista e abstracionista, o quadro de Picasso servia-se desse vocabulário incipiente para quase literalmente descortinar uma vista assombrosa da psique humana e, em especial, da natureza ambígua da vida sexual, a igual distância de Eros e Tânatos. A ambigüidade das senhoritas, femininas e masculinas, graciosas e monstruosas, forçava o espectador a uma visão frontal e nua desse “horror primordial”. A cena clássica de bordel cede lugar a uma imagem letal, que teria suas raízes biográficas no horror de Picasso à doença venérea que o assombrava por então – pelo menos se dermos fé à imaginação de Steinberg.

A solução psicanalítica fez fortuna desde então – com destaque para um artigo influente de 1988, em que o crítico francês Yves-Alain Bois, à luz da exposição de Paris, reformulou a hipótese biográfica de Steinberg em termos mais ousados e universais: as Demoiselles seriam o retorno (visual) do reprimido, na forma de cabeças de Medusa que encenariam a noção freudiana de “terror à castração”, arrancando o espectador de sua posição de segurança óptica e erótica.

Estamos nesse pé instável e interessante, no limiar de mais cem anos para decifrar, se for possível, o segredo das Demoiselles. Se for possível e se for o caso, pois há algo de ligeiramente frustrante no empenho de dar um nome cabal, de interpretar taxativamente o sentido do quadro – passando sempre, vale notar, por certa preponderância que se concede ao elemento monstruoso das senhoritas à direita em prejuízo da graça quase helênica das outras à esquerda. Talvez fosse o caso de dar um passo aquém ou além da interpretação psicanalítica, para recobrar o que Steinberg e Bois nos ajudaram a ver: que, mais do que incorrer em contradições, o quadro as encena e faz delas seu meio de se afirmar como imagem poderosa.

Ou, melhor dizendo, imagem dialética, síntese compositiva de contrários que não se anulam nunca: o “ibérico” e o “africano”, para começar, mas também a figuração e a abstração, primitivismo e cubismo, graça e horror, clássico e moderno. Uma tensão que marca o diálogo (e dialética supõe diálogo) de Picasso com a tradição pictorial, feita de admiração e agressão, citação e paródia; que determina sua recusa a se deixar inserir num tempo, numa escola ou num movimento; e que força seus espectadores a um diálogo também infinito com a obra-prima de 1907. Razão a mais para que vejamos as Demoiselles como anjos ou esfinges tutelares da pintura do século XX. Como disse Michel Leiris, grande amigo de Picasso e autor de A idade viril (1939), a prostituição é “parente próxima da profecia”.


"O budismo tibetano, uma filosofia? Essa é para rir!

por Elisabeth Martens
entrevistada por Benito Perez


Clique a imagem para encomendar.
















Bióloga de formação, Elisabeth Martens apaixonou-se pela China depois de uma estadia de três anos destinada a aprimorar os seus conhecimentos de medicina tradicional. A aventura conduziu-a de seguida até às "regiões habitadas por tibetanos", onde aprendeu a conhecer uma cultura tão diferente daquela dos Han (a etnia maioritária na China), e, no entanto, ligada ao mosaico chinês (ler abaixo). Das suas investigações sobre o Tecto do Mundo nasceu uma original História do Budismo tibetano publicada o ano passado nas edições L'Harmattan.

Como é que começou por se interessar pelo Tibete?

Elisabeth Martens: Logo na minha primeira estadia em 1990, fiquei surpreendida com as diferenças profundas entre o budismo chinês e o tibetano. Lembro-me que fiquei particularmente admirada com a quantidade fenomenal de representações de deuses e de monstros ferozes, assustadores e guerreiros dentro dos templos. De certa forma, isso assemelha-se aos ícones nas nossas igrejas: homens trespassados, crucificados, cozidos dentro de caldeirões, etc. Não há nada de semelhante no pensamento chinês, e por conseguinte nas artes. O sofrimento e o meio para uma pessoa se livrar dele não está no centro das preocupações porque ele é considerado um oposto complementar ao bem-estar. Essa diferença e outras fizeram-me reflectir: como é que um país gigantesco como a China consegue conciliar cinquenta e cinco nacionalidades que falam cada uma a sua própria língua, sobretudo com a desproporção de Han que compõem 90% da população?

A violência dessas representações, tal como a dos motins das últimas semanas, não se enquadra na imagem pacífica que se tem do budismo tibetano.

Dalai Lama e os outros membros do governo vestem as cores do pacifismo e estão encarregues de manter a imagem de tolerância e de compaixão que convêm ao budismo tibetano, com o intuito de seduzir o Ocidente. Por ocasião dos motins recentes (ler na página 9), quando os actos de violência atingiram um nível de barbárie sem nome, ele distanciou-se. No seio da comunidade tibetana no exílio existe uma cisão: de um lado, os moderados, entre eles Dalai Lama, que não pedem a independência mas uma "autonomia forte". Do outro lado, os radicais, fracção crescente no seio do governo no exílio, que exigem a independência e que estão preparados para pegar em armas se for necessário. Na verdade, essa dualidade é muito útil ao seu padrinho comum, os Estados Unidos: Dalai Lama e os seus seguidores (europeus, sobretudo) servem para reunir os intelectuais ocidentais em torno de temas sobre "democracia", "direitos do homem", enquanto a fracção mais "dura" reúne cada vez mais membros graças a um discurso musculado. Aparentemente, foram estes últimos que lançaram achas à fogueira. Ao provocarem motins de carácter racista, eles obrigaram o governo chinês a responder agressivamente.

Qual é a natureza do budismo tibetano e quais as suas funções social e política?

Com essa, está a pedir-me que reescreva o meu livro! Em resumo, o budismo tibetano surgiu a partir do tantrismo, uma das três grandes escolas ou "veículos" do budismo e, segundo os especialistas em budismo, aquela que mais se afastou do darma (ensinamento original de Buda). Em primeiro lugar, porque se trata da mais recente, em segundo lugar, porque o budismo tibetano tem a particularidade de exercer em simultâneo um poder espiritual e um poder temporal. De facto, o tantrismo desenvolveu-se no Tibete nos séculos X e XI quando comunidades do norte da Índia aí se vieram refugiar, fugindo das investidas muçulmanas. Nessa época, o Tibete estava totalmente desorganizado ao nível político e social. Os refugiados apoderaram-se da região de modo "espontâneo". O tantrismo transformou-se no budismo tibetano a partir do momento em que se adaptou aos costumes e à religião autóctones (o Bön). Pode-se dizer que na época isso foi benéfico, conduzindo o Tibete a um feudalismo organizado. O problema é que esse feudalismo se reforçou durante um milénio junto de um poder religioso extremamente repressivo e conservador. Os mosteiros possuíam mais de 70% das terras, o resto pertencia às famílias nobres. Jamais existiu um poder teocrático tão poderoso e tão rico. Não se compara com o que se passava entre nós na Idade Média, em que os mosteiros só existiam na sombra dos castelos fortificados.

Com o advento da República Popular da China em 1949, foi difícil para o alto clero tibetano renunciar ao poder. Evidentemente, esta antiga elite no exílio não tem a intenção de voltar ao antigo sistema. Ela preconiza um modelo de "mercado livre", com a re-instauração da propriedade privada das terras.

Será o pacifismo suficiente para explicar a existência de um sentimento tão pró Tibete no Ocidente?

O budismo tibetano enfeitou-se com os seus mais belos ornamentos para seduzir um Ocidente "vazio de valores espirituais". Envolvido na onda do "retorno às origens" dos anos de 1970, não foi difícil fazer-se passar pelo darma, apresentado como um "ateísmo espiritual", uma filosofia de vida, uma maneira de ser, uma terapia interior, etc., tudo menos uma religião. Ora, se olharmos um pouco mais de perto, o budismo de Buda já é uma religião no sentido em que propõe uma transcendência, algo para além dos nossos sofrimentos resultantes dos nossos limites físicos e temporais. O budismo tibetano é ainda mais uma religião, uma vez que reintroduziu dogmas, nomeadamente o da reincarnação, contra o qual se insurgiu, aliás, Buda em pessoa. Reposta a sua honra no século XVI, ela permitiu a oficialização da sucessão da herança espiritual, temporal e, sobretudo, material de um Rinpoche (responsável por um mosteiro) para o seguinte. E consequentemente as terras e os bens sobre as terras, incluindo os servos. Isso explica, por exemplo, por que é que houve tantos assassinatos entre os membros do alto clero e tantas guerras entre escolas… o budismo, graças ao seu carácter plástico, sempre se adaptou bem aos ambientes que elegeu para domicílio, no Tibete e actualmente entre nós. É sinal de boa saúde. O que não é nada são é o facto de um Dalai Lama fazer passar o budismo tibetano por uma não religião – uma filosofia – de tolerância e de compaixão destituída de implicações políticas. Isso é mesmo para rir!

O original encontra-se em http://www.lecourrier.ch/index.php?name=NewsPaper&file=article&sid=439090

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Marin Zapata e a Venezuela hoje....

Entrevista com o ex-sacerdote da Universidade de Santa Rosa(Venezuela), Martin Zapata
que fala sobre "a falta de disciplina e constância podem acabar afastando o processo revolucionário". Vídeo com versão em espanhol, feito por APORREA


parte 1



parte 2



parte 3

Como a Arte Fez o Mundo

Embarque numa excitante jornada do tempo por cinco continentes até o coração da criatividade. Mesclando história social, política, ciência, natureza, arqueologia e religião, esta série de reconhecimento internacional desvenda um mistério universal: porque o mundo ao nosso redor parace do jeito que é. Os mistérios do mundo atual são respondidos voltando-se no tempo até o início da civilização através das mais impressionantes criações humanas do mundo.

Uma linha narrativa poderosa nos leva a cada capítulo com interessantes demonstrações científicas, revelando como nossas mentes e as dos nossos antigos ancestrais se relacionam com a arte. Belo, surpreendente, cativante e, acima de tudo, pertinente, com uma ambição visual que o assunto merece, esta aventura inspiradora atrairá não apenas os amantes da arte, mas a todos que já se perguntaram sobre o lugar da humanidade neste mundo.


Programa Um - Mais Humano do que o Humano...
Uma imagem domina nosso mundo contemporâneo acima de todas: o corpo humano. Como A Arte Fez o Mundo viaja do mundo atual da propaganda até os templos da Grécia clássica e às tumbas do Egito antigo para resolver o mistério do porque os humanos se cercam com imagens do corpo que são tão irreais.

Programa Dois - O Dia em que as Imagens Nasceram
A descoberta de pinturas préhistóricas em cavernas no último século levou à chocante constatação de que os humanos têm criado arte nos últimos 30.000 anos. O episódio 2 revela como as primeiras figuras do mundo foram criadas e como as imagens talvez tenham desencadeado as grandes mudanças na história humana.

Programa Três - A Arte da Persuasão
Os artifícios visuais usados por Tony Blair e George Bush para se elegerem e manterem o poder não são criações do mundo moderno, mas de um mundo há milhares de anos atrás. Como a Arte Fez o Mundo volta no tempo até a criação de Stonehenge e ao reino de Alexandre O Grande para revelar como o imaginário se tornou uma arma indispensável no arsenal de todo líder político.

Programa Quatro - Era uma vez....
A cada ano mais de 7 bilhões de pessoas em todo o mundo são atraídas para assistir o último mega sucesso do cinema. Esse episódio revela como os mais poderosos meios narrativos que já foram criados exploram as técnicas inventadas por artistas do mundo antigo.

Programa Cinco - Morrer e Voltar
Hoje no século 21 as pessoas vêem muito menos cadáveres do que em qualquer outra época da história. Entretanto, no mundo moderno parecemos quase obcecados com as imagens da morte. Numa investigação envolvendo a antiga Jericó, os Astecas na América e a clássica Itália, o programa descobre o que é que compele os seres humanos a se cercarem com imagens da morte há milhares de anos.

Gênero: Documentário
Diretor: Robin Dashwood/Mark Hedgecoe/Outros
Duração: 50 minutos
Ano de Lançamento: 2005
País de Origem: EUA/Inglaterra
Idioma do Áudio: Inglês
Qualidade de Vídeo: DVD Rip
Vídeo Codec: DivX
Vídeo Bitrate: ~800 Kbps
Áudio Codec: mp3
Áudio Bitrate: 128 Kbps
Resolução: 704 x 384
Formato de Tela: Widescreen (16x9)
Frame Rate: 25 FPS
Tamanho: 350 Mb cada parte
Legendas: No torrent
Créditos:Makingoff - xara

NÃO ESQUEÇA DE FAZER SEU REGISTRO NO MAKINGOFF ANTES DE BAIXAR O TORRENT.

Downloads abaixo:

Arquivo anexado BBC.How.Art.Made.The.Word.1of5.More.Human.Than.Human.Legendado.PT_BR.torrent
Arquivo anexado BBC.How.Art.Made.The.World.2of5.The.Day.Pictures.Were.Born.Legendado.PT_BR.torrent
Arquivo anexado BBC.How.Art.Made.The.World.3of5.The.Art.of.Persuasion.Legendado.PT_BR.torrent
Arquivo anexado BBC.How.Art.Made.The.World.4of5.Once.Upon.a.Time.Legendado.PT_BR.torrent
Arquivo anexado BBC.How.Art.Made.The.World.5of5.To.Death.and.Back.Legendado.PT_BR.torrent

John Coltrane and Milt Jackson - Bags and Trane (1959)

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjC6vmznjrzN5JYiL7B2UVe8_CsMiPSQNCJZB01yrYyXNpzCsQ39yUiy2BYLaEAF6vvN3lpu4Q1APwzShqOw1Nzht0Gx9e5y7yun992nnPHkziX7nZDryQp8ty0bKOLdkNf9SRjWHUKETI/s320/2sa017c.jpg


1. Stairway to the Stars (3:58 )
2. The Late Late Blues (9:35)
3. Bags & Trane (7:23)
4. Three Little Words (7:27)
5. The Night We Called It a Day (4:19)
6. Bebop Gillespie (7:57)
7. Blues Legacy (9:00)
8. Centerpiece (7:05)

Downloads abaixo:

http://rapidshare.com/files/109644261/milt_jackson_and_john_coltrane_-_bags_and_trane.part1.rar
http://rapidshare.com/files/109660691/milt_jackson_and_john_coltrane_-_bags_and_trane.part2.rar