Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sábado, 23 de agosto de 2008
E há os que defendem o "sistema capitalista"...
Os vendedores de doenças
Há cerca de trinta anos, o dirigente de uma das maiores empresas farmacêuticas do mundo fez declarações muito claras. Na época, perto da aposentadoria, o dinâmico diretor da Merck, Henry Gadsden, revelou à revista Fortune seu desespero por ver o mercado potencial de sua empresa confinado somente às doenças. Explicando preferiria ver a Merck transformada numa espécie de Wringley’s – fabricante e distribuidor de gomas de mascar –, Gadsden declarou que sonhava, havia muito tempo, produzir medicamentos destinados às... pessoas saudáveis. Porque, assim, a Merck teria a possibilidade de “vender para todo mundo”. Três décadas depois, o sonho entusiasta de Gadsden tornou-se realidade.
As estratégias de marketing das maiores empresas farmacêuticas almejam agora, e de maneira agressiva, as pessoas saudáveis. Os altos e baixos da vida diária tornaram-se problemas mentais. Queixas totalmente comuns são transformadas em síndromes de pânico. Pessoas normais são, cada vez mais pessoas, transformadas em doentes. Em meio a campanhas de promoção, a indústria farmacêutica, que movimenta cerca de 500 bilhões dólares por ano, explora os nossos mais profundos medos da morte, da decadência física e da doença – mudando assim literalmente o que significa ser humano. Recompensados com toda razão quando salvam vidas humanas e reduzem os sofrimentos, os gigantes farmacêuticos não se contentam mais em vender para aqueles que precisam. Pela pura e simples razão que, como bem sabe Wall Street, dá muito lucro dizer às pessoas saudáveis que estão doentes.
A fabricação das “síndromes”
A maioria de habitantes dos países desenvolvidos desfruta de vidas mais longas, mais saudáveis e mais dinâmicas que as de seus ancestrais. Mas o rolo compressor das campanhas publicitárias, e das campanhas de sensibilização diretamente conduzidas, transforma as pessoas saudáveis preocupadas com a saúde em doentes preocupados. Problemas menores são descritos como muitas síndomes graves, de tal modo que a timidez torna-se um “problema de ansiedade social”, e a tensão pré-menstrual, uma doença mental denominada “problema disfórico pré-menstrual”. O simples fato de ser um sujeito “predisposto” a desenvolver uma patologia torna-se uma doença em si.
O epicentro desse tipo de vendas situa-se nos Estados Unidos, abrigo de inúmeras multinacionais famacêuticas. Com menos de 5% da população mundial, esse país já representa cerca de 50% do mercado de medicamentos. As despesas com a saúde continuam a subir mais do que em qualquer outro lugar do mundo. Cresceram quase 100% em seis anos – e isso não só porque os preços dos medicamentos registram altas drásticas, mas também porque os médicos começaram a prescrever cada vez mais.
De seu escritório situado no centro de Manhattan, Vince Parry representa o que há de melhor no marketing mundial. Especialista em publicidade, ele se dedica agora à mais sofisticada forma de venda de medicamentos: dedica-se, junto com as empresas farmacêuticas, a criar novas doenças. Em um artigo impressionante intitulado “A arte de catalogar um estado de saúde”, Parry revelou recentemente os artifícios utilizados por essas empresas para “favorecer a criação” dos problemas médicos [1]. Às vezes, trata-se de um estado de saúde pouco conhecido que ganha uma atenção renovada; às vezes, redefine-se uma doença conhecida há muito tempo, dando-lhe um novo nome; e outras vezes cria-se, do nada, uma nova “disfunção”. Entre as preferidas de Parry encontram-se a disfunção erétil, o problema da falta de atenção entre os adultos e a síndrome disfórica pré-menstrual – uma síndrome tão controvertida, que os pesquisadores avaliam que nem existe.
Médicos orientados por marqueteiros
Com uma rara franqueza, Perry explica a maneira como as empresas farmacêuticas não só catalogam e definem seus produtos com sucesso, tais como o Prozac ou o Viagra, mas definem e catalogam também as condições que criam o mercado para esses medicamentos.
Sob a liderança de marqueteiros da indústria farmacêutica, médicos especialistas e gurus como Perry sentam-se em volta de uma mesa para “criar novas idéias sobre doenças e estados de saúde”. O objetivo, diz ele, é fazer com que os clientes das empresas disponham, no mundo inteiro, “de uma nova maneira de pensar nessas coisas”. O objetivo é, sempre, estabelecer uma ligação entre o estado de saúde e o medicamento, de maneira a otimizar as vendas.
Para muitos, a idéia segundo a qual as multinacionais do setor ajudam a criar novas doenças parecerá estranha, mas ela é moeda corrente no meio da indústria. Destinado a seus diretores, um relatório recente de Business Insight mostrou que a capacidade de “criar mercados de novas doenças” traduz-se em vendas que chegam a bilhões de dólares. Uma das estratégias de melhor resultado, segundo esse relatório, consiste em mudar a maneira como as pessoas vêem suas disfunções sem gravidade. Elas devem ser “convencidas” de que “problemas até hoje aceitos no máximo como uma indisposição” são “dignos de uma intervenção médica”. Comemorando o sucesso do desenvolvimento de mercados lucrativos ligados a novos problemas da saúde, o relatório revelou grande otimismo em relação ao futuro financeiro da indústria farmacêutica: “Os próximos anos evidenciarão, de maneira privilegiada, a criação de doenças patrocinadas pela empresa”.
Dado o grande leque de disfunções possíveis, certamente é difícil traçar uma linha claramente definida entre as pessoas saudáveis e as doentes. As fronteiras que separam o “normal” do “anormal” são freqüentemente muito elásticas; elas podem variar drasticamente de um país para outro e evoluir ao longo do tempo. Mas o que se vê nitidamente é que, quanto mais se amplia o campo da definição de uma patologia, mais essa última atinge doentes em potencial, e mais vasto é o mercado para os fabricantes de pílulas e de cápsulas.
Em certas circunstâncias, os especialistas que dão as receitas são retribuídos pela indústria farmacêutica, cujo enriquecimento está ligado à forma como as prescrições de tratamentos forem feitas. Segundo esses especialistas, 90% dos norte-americanos idosos sofrem de um problema denominado “hipertensão arterial”; praticamente quase metade das norte-americanas são afetadas por uma disfunção sexual batizada FSD (disfunção sexual feminina); e mais de 40 milhões de norte-americanos deveriam ser acompanhados devido à sua taxa de colesterol alta. Com a ajuda dos meios de comunicação em busca de grandes manchetes, a última disfunção é constantemente anunciada como presente em grande parte da população: grave, mas sobretudo tratável, graças aos medicamentos. As vias alternativas para compreender e tratar dos problemas de saúde, ou para reduzir o número estimado de doentes, são sempre relegadas ao último plano, para satisfazer uma promoção frenética de medicamentos.
Quanto mais alienados, mais consumistas
A remuneração dos especialistas pela indústria não significa necessariamente tráfico de influências. Mas, aos olhos de um grande número de observadores, médicos e indústria farmacêutica mantêm laços extremamente estreitos.
As definições das doenças são ampliadas, mas as causas dessas pretensas disfunções são, ao contrário, descritas da forma mais sumária possível. No universo desse tipo de marketing, um problema maior de saúde, tal como as doenças cardiovasculares, pode ser considerado pelo foco estreito da taxa de colesterol ou da tensão arterial de uma pessoa. A prevenção das fraturas da bacia em idosos confunde-se com a obsessão pela densidade óssea das mulheres de meia-idade com boa saúde. A tristeza pessoal resulta de um desequilíbrio químico da serotonina no célebro.
O fato de se concentrar em uma parte faz perder de vista as questões mais importantes, às vezes em prejuízo dos indivíduos e da comunidade. Por exemplo: se o objetivo é a melhora da saúde, alguns dos milhões investidos em caros medicamentos para baixar o colesterol em pessoas saudáveis, podem ser utilizados, de modo mais eficaz, em campanhas contra o tabagismo, ou para promover a atividade física e melhorar o equilíbrio alimentar.
A venda de doenças é feita de acordo com várias técnicas de marketing, mas a mais difundida é a do medo. Para vender às mulheres o hormônio de reposição no período da menopausa, brande-se o medo da crise cardíaca. Para vender aos pais a idéia segundo a qual a menor depressão requer um tratamento pesado, alardeia-se o suicídio de jovens. Para vender os medicamentos para baixar o colesterol, fala-se da morte prematura. E, no entanto, ironicamente, os próprios medicamentos que são objeto de publicidade exacerbada às vezes causam os problemas que deveriam evitar.
O tratamento de reposição hormonal (THS) aumenta o risco de crise cardíaca entre as mulheres; os antidepressivos aparentemente aumentam o risco de pensamento suicida entre os jovens. Pelo menos, um dos famosos medicamentos para baixar o colesterol foi retirado do mercado porque havia causado a morte de “pacientes”. Em um dos casos mais graves, o medicamento considerado bom para tratar problemas intestinais banais causou tamanha constipação que os pacientes morreram. No entanto, neste e em outros casos, as autoridades nacionais de regulação parecem mais interessadas em proteger os lucros das empresas farmacêuticas do que a saúde pública.
A “medicalização” interesseira da vida
A flexibilização da regulação da publicidade no final dos anos 1990, nos Estados Unidos, traduziu-se em um avanço sem precedentes do marketing farmacêutico dirigido a “toda e qualquer pessoa do mundo”. O público foi submetido, a partir de então, a uma média de dez ou mais mensagens publicitárias por dia. O lobby farmacêutico gostaria de impor o mesmo tipo de desregulamentação em outros lugares.
Há mais de trinta anos, um livre pensador de nome Ivan Illich deu o sinal de alerta, afirmando que a expansão do establishment médico estava prestes a “medicalizar” a própria vida, minando a capacidade das pessoas enfrentarem a realidade do sofrimento e da morte, e transformando um enorme número de cidadãos comuns em doentes. Ele criticava o sistema médico, “que pretende ter autoridade sobre as pessoas que ainda não estão doentes, sobre as pessoas de quem não se pode racionalmente esperar a cura, sobre as pessoas para quem os remédios receitados pelos médicos se revelam no mínimo tão eficazes quanto os oferecidos pelos tios e tias [2] ”.
Mais recentemente, Lynn Payer, uma redatora médica, descreveu um processo que denominou “a venda de doenças”: ou seja, o modo como os médicos e as empresas farmacêuticas ampliam sem necessidade as definições das doenças, de modo a receber mais pacientes e comercializar mais medicamentos [3]. Esses textos tornaram-se cada vez mais pertinentes, à medida que aumenta o rugido do marketing e que se consolidas as garras das multinacionais sobre o sistema de saúde.
(Tradução: Wanda Caldeira Brant) wbrant@globo.com
Bibliografia complementar:
* A revista médica PLoS Medecine traz, em seu número de abril de 2006, um importante dossiê sobre “A produção de doenças” – http://medicine.plosjournals.org/
* Na França, as revistas Pratiques (dirigida ao grande público) e Prescrire (destinada aos médicos) avaliam os medicamentos e trazem um olhar crítico sobre a definição das doenças.
*Jörg Blech, Les inventeurs de maladies. Manœuvres et manipulations de l’industrie pharmaceutique, Arles, Actes Sud, 2005.
* Philippe Pignarre, Comment la dépression est devenue une épidémie, Paris, Hachette-Littérature, col. Pluriel, 2003.
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Adital
"O objetivo era observar a situação político, social e econômica em que se encontram @s companheir@s, mostrar-lhes nossa solidariedade por meio da nossa presença, a entrega da coleta que levamos a elas e com o fim de mostrar aos três níveis de governo que nossos companheiros das bases de apoio zapatistas e o EZLN não estão sozinhos", ressaltam.
De acordo com a caravana, houve recuperação das terras que estavam em poder dos proprietários rurais e que hoje se encontra em mãos dos povos originários: "Os zapatistas trabalham e cultivam a terra de maneira comunitária e coletiva, o que permite a eles desenvolver sua autonomia em relação à alimentação. Isso, por sua vez, possibilita a realização de seus próprios sistemas de saúde, educação e um largo etcétera, por meio de suas próprias formas de governo, onde o povo manda e o governo obedece".
Sobre o sistema de saúde, os integrantes da caravana expõem que atualmente há promotores de saúde, clínicas, ambulâncias e instalações adequadas para o atendimento médico, cirúrgico e com aparatos de diagnóstico. Além disso, os moradores conservam sua prática de cultivar ervas e de medicina tradicional. "É importante comentar que esse sistema atende sem distinção pessoas que não são propriamente zapatistas", acrescentam.
Os representantes se surpreenderam ao visitar as escolas onde as crianças participam da sua própria educação, escutam e aprendem sua própria história: "Contaram-nos que antes, o tipo de educação era imposto, alheio a suas necessidades e em um só idioma. Agora, os promotores de educação são jovens da própria comunidade, e o modelo educativo se baseia no que eles necessitam e em sua realidade, de maneira ativa e bilíngüe. É importante mencionar que essa, como todas as atividades comunitárias, não recebe retribuição econômica".
A caravana também se inteirou sobre a questão da autonomia. De acordo com a caravana, as comunidades indígenas em resistência desenvolvem o autogoverno mediante o sistema do mandar obedecendo, com seu próprio esforço e o apoio de muitos. Enfatizam a participação das mulheres em todos os âmbitos de sua autonomia.
Dignidade, resistência, solidariedade e esperança são alguns dos fatores responsáveis pelos êxitos das comunidades zapatistas apontados pela caravana. Os integrantes reafirmam que vão continuar denunciando energicamente aos três níveis de governo qualquer tipo de perseguição, detenções, ameaças, provocações que tentem acabar com o processo de autonomia das comunidades zapatistas. Exigem também a desmilitarização e o fim da reativação dos paramilitares do território zapatista.
sexta-feira, 22 de agosto de 2008
Permacultura - cultura permanente
Gaia Terranova Habitats Sustentáveis
Charlie Parker - Bird's Best Bop on Verve (1995)
Entre a classe não | | | |
Waldemar Rossi | |
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Segundo reportagem do Diário de São Paulo de 19/08 (pág. B5), na tarde do sábado (dia 16) foi realizada uma plenária de trabalhadores da Volks do ABC (na sede do Sindicato dos Metalúrgicos) a fim de debater a questão das negociações sobre o valor da Participação nos Lucros e Resultados (PLR) da empresa. Entretanto, segundo a reportagem, houve a proposta de se aceitar o retorno do "banco de horas" – proposta que já tinha sido rejeitada em assembléia do conjunto dos trabalhadores da empresa.
Diante desse fato, que seria um desrespeito à soberania da referida assembléia, dois operários protestaram. Um deles é membro da Comissão de Fábrica, Ailton Ramos, e oposicionista à direção sindical. O outro é o funcionário Fábio Loredo. O protesto teria dado origem a uma discussão que culminou com a agressão, por membros da Comissão de Fábrica, aos seus dois companheiros de trabalho e de lutas. Os agredidos, feridos, foram submetidos a exames de copo delito e um B.O. foi registrado na Delegacia de Polícias.
"Ailton contou que foi derrubado por outros sindicalistas quando os membros da situação foram questionados sobre a proposta de retorno do banco de horas. ‘Não aceitamos isso porque a prorrogação dessa medida foi rejeitada em assembléia no fim de junho. Agora o sindicato quer recuperá-la para tentar negociar a PLR’".
Enquanto Fábio declarou: "Veio um dirigente e me agrediu. Depois chegaram outras pessoas e passaram a me bater na confusão generalizada".
Alguns aspectos importantes a serem refletidos por todos os trabalhadores brasileiros:
1 – Têm, uma comissão de fábrica e a direção sindical, o direito de desrespeitar uma decisão de assembléia, uma vez que todos os estatutos sindicais garantem que as decisões majoritariamente decididas pelos presentes são soberanas?
2 – É possível se admitir que seja negado a um trabalhador o direito constitucional de livre expressão e da divergência, direito esse garantido a todos os cidadãos em exercício de sua cidadania?
3 – Para se "conquistarem" mais alguns reais no sistema do PLR, é justo que se abra mão do direito de receber corretamente pelas horas trabalhadas, conquistado ao longo de muitos anos de lutas de toda a classe operária?
4 – Esse processo de abrir mão de uma conquista histórica, em troca de algum dinheiro temporário, não tem favorecido estrategicamente as empresas em prejuízo dos trabalhadores? Não foi isso o que aconteceu, por exemplo, com a aceitação da redução do quadro de funcionários da própria Volks, em troca de "estabilidade" dos demais por 2 anos, depois até por tempo menor, e assim progressivamente?
5 - Num sindicalismo democrático, opositores podem ser tratados como inimigos, sujeitos a covardes agressões, para fazer imperar a vontade de uma direção sindical ou mesmo a da Comissão de Fábrica, ainda mais em detrimento de decisões coletivas e soberanas?
Creio que respostas positivas a estas questões devem agradar muitíssimo às empresas, porque atende aos seus objetivos de fazer aumentar o grau da exploração dos seus funcionários e de gerar a divisão entre eles, enquanto vai enfraquecendo o conjunto da classe trabalhadora.
Lamentável tal fato entre trabalhadores de uma empresa que na década de 80 fizeram parte da liderança das lutas operárias no Brasil. Repetiram-se ali deploráveis fatos de agressão de trabalhadores a trabalhadores, como já tinha acontecido em São José dos Campos e em outras partes do país. Tais fatos devem merecer o mais veemente repúdio por parte de todos os movimentos sociais que, por sinal, vêm sendo criminalizados pelos governos de vários estados brasileiros, com anuência do governo federal, pois quem cala consente.
Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.
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quarta-feira, 20 de agosto de 2008
O jornalismo medieval de "Veja"
por Conceição Oliveira, no História em Projetos
Não há nada de novo na matéria de Veja que Kamel já não tenha feito e seus asseclas dado continuidade em matérias publicadas na Época, Estadão, Folha e afins em 2007.
Na reedição de Veja estão presentes as mesmas estratégias que buscam validar o antiesquerdismo doentio de seus editores neocons travestidas de 'verdades científicas'; 'jornalismo de isenção' e outras inverdades que a grande mídia neoconservadora deseja incutir na mente dos leitores.
Pergunto-me como os professores Romano, Villa e Schwartzman ainda se prestam a falar para Veja. Não está suficientemente claro para esses intelectuais que esta revista símbolo do anti-jornalismo buscará encaixar as opiniões acadêmicas (sempre retirando-as de seus contextos) para legitimar a caçada de Veja contra tudo o que se opõe ao seu projeto 'arremedo de liberalismo'?
Dentre tantas bobagens, repletas de juízos de valor, tão ideologizadas quanto a crítica que Veja pretende fazer a seus opositores, destaco um trecho no qual a revista acusa os professores brasileiros de idolatrarem figuras que, segundo ela, não trouxeram nenhuma contribuição significativa ao país e/ou humanidade:
"Ou idolatram personagens arcanos sem contribuição efetiva à civilização ocidental, como o educador Paulo Freire, autor de um método de doutrinação esquerdista disfarçado de alfabetização. Entre os professores brasileiros ouvidos na pesquisa, Freire goleia o físico teórico alemão Albert Einstein, talvez o maior gênio da história da humanidade. Paulo Freire 29 x 6 Einstein. Só isso já seria evidência suficiente de que se está diante de uma distorção gigantesca das prioridades educacionais dos senhores docentes, de uma deformação no espaço-tempo tão poderosa que talvez ajude a explicar o fato de eles viverem no passado."
Como levar a sério uma revista que tem a pretensão de qualificar pejorativamente de 'arcano' um dos pensadores mais significativos do século XX , cujas contribuições para a filosofia da educação são reconhecidas entre seus pares no mundo todo?
Como levar a sério um periódico que obriga seus leitores a escolherem (sob pena de serem taxados de ultrapassados e equivocados) entre um educador e um físico teórico e que, excetuando o que a revista denomina de 'civilização ocidental', não reconhece humanidade no resto do planeta?
Como levar a sério uma revista que sequer se dá ao trabalho de conhecer a vasta produção de Paulo Freire e a reduz a 'um método de doutrinação esquerdista'?
Freire afirma que a pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, é feita de dois momentos distintos: o primeiro, 'em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e vão comprometendo-se na práxis, com a sua transformação; o segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação'. E o pensador complementava que em qualquer um destes momentos, fosse nos trabalhos educativos como parte do processo de organização dos oprimidos ou na educação sistemática como projeto político educacional de uma sociedade revolucionária, 'será sempre a ação profunda, através da qual se enfrentará, culturalmente, a cultura da dominação". (FREIRE, 1968: 44)
Não podemos afirmar que uma revista tão desinformada e capaz de subverter tanto os fatos e valores é um representante genuíno da 'cultura de dominação' da qual falava Freire e diante da qual os educadores comprometidos com a transformação da realidade opressora deveriam se opor. Veja não pode ser associada à cultura de espécie alguma, nem mesmo à dominante, pois o que esta revista produz é lixo cultural.
Veja sequer tem um pensador conservador à altura capaz de debater com um pensamento de esquerda do naipe da produção de Paulo Freire. Esse arremedo de revista nem é original em suas acusações a Freire: repete as mesmas falas dos ditadores e censores do período militar dirigidas ao educador libertário, reproduz a mesma ladainha preconceituosa contra a pedagogia freiriana que recentemente alguns procuradores ultraconservadores do MP-gaúcho que desejavam criminalizar o MST produziram. Veja só se dá ao trabalho de papagaiar tudo que existe de mais retrógrado no país, incluindo aí o jornalismo kameliano.
Não há debate no mundo de Veja, não há conflitos de interesses e projetos políticos que se opõem. Em Veja existe o dicotômico e tedioso mundo do 'bem contra o mal', do 'liberalismo estereotipado versus o esquerdismo estereotipado', do Brasil 'ame ou deixe-o', dos 'cristãos versus os infiéis'. O mundo de Veja é um binômio irreal, sem graça e sem importância no qual somos obrigados a escolher entre a filosofia da educação de Paulo Freire e teoria da relatividade de Albert Einstein. Não podemos buscar conhecer as diferentes contribuições destes dois importantes homens do século XX.
Talvez seja por isso que ao comemorar 40 anos, Pedagogia do Oprimido segue viva e original estimulando historiadores e educadores a refletirem sobre as contribuições e os limites da extensa e rica produção freiriana e Veja (que também faz quarenta anos) no máximo servirá aos historiadores interessados em pesquisar a capacidade de degradação de um veículo de comunicação: ao longo de quatro décadas quais diferenças existem entre a época áurea sob direção de Mino Carta e a era dos bobos da corte feito os Reinaldos e Mainardis, arremedos mal feitos dos neocons? Quem tiver paciência que faça a análise.
O que é patente aos leitores críticos que Paulo Freire ajudou a formar é que na atualidade Veja não faz jornalismo, ela arroga a si o direito de julgar produções, personalidades, projetos, políticas públicas e insiste em nos enfiar goela abaixo a sua visão pobre e restrita e deturpada do mundo.
Veja, tal qual os velhos senhores feudais encastelados que dominavam o governo, o poder de legislar e o poder de Justiça em suas possessões, sequer chegou ao século XIX onde ela julga estarem estagnados os professores que critica. A revista parou na Idade das Trevas seja qual for esse tempo-espaço (façam suas escolhas, qualquer um serve, desde que tenha sido uma era de truculência, intolerância e sectarismo bem ao estilo Veja - inquisição moderna, o terror, a ditadura, o fascismo, o nazismo, o macarthismo ou a era Bush de Guantânamo e Abugrai).
O que Veja ainda não descobriu é que os professores, proprietários de escolas e pais cada dia mais sabem distinguir o jornalismo medieval do estilo Veja do bom jornalismo produzido por profissionais menos subservientes e ignorantes. Veja precisa entender que quarenta anos de Pedagogia do Oprimido fizeram diferença positiva em nosso país, que grande parte da população pouco a pouco briga por sua cidadania, pelo direito de pensar, opinar, refletir e se recusa a permanecer na Idade das Trevas sob a batuta do tribunal arrogante de Veja. Pais e professores cada vez mais abrem mão, de bom grado, do jornalismo medieval produzido por Veja.
créditos: www.viomundo.com.br
terça-feira, 19 de agosto de 2008
Do Período Especial à ascensão de Raul
Raul Castro assumiu o poder em Cuba numa época propícia. Economicamente, o país acabara de emergir do “período especial” [1]. E, internacionalmente, o governo de George W. Bush dava mostras de que seu mandato chegava ao fim, com os partidários do embargo à ilha já bastante inferiorizados. Havia um enorme espaço para manobras e mudanças.
Uma das primeiras medidas do novo presidente foi uma ampla consulta à população: milhares de encontros aconteceram por todo o país [2] e um intenso debate sobre os problemas nacionais tomou conta da sociedade.
Desde então, os ministérios e as empresas vêm tendo maior autonomia e há mais abertura para a crítica direta na imprensa sobre as falhas do sistema. Não resta dúvida de que Raul prefere delegar a controlar ele mesmo, estilo muito diferente do de seu irmão. Com base nos resultados da consulta nacional, ele introduziu uma série de reformas econômicas, incluindo a eliminação de restrições na aquisição de aparelhos eletrônicos, como computadores e celulares. Além disso, quem vive em conjuntos habitacionais do Estado terá a possibilidade de comprar seus imóveis. E o acesso aos hotéis de luxo, antes reservados aos turistas estrangeiros, foi liberado para todos os cidadãos. Raúl anunciou também que o 6º Congresso do Partido Comunista – o primeiro em 12 anos – será realizado no final de 2009 para delinear o futuro econômico e político do país. Fala-se até mesmo da revogação da exigência de autorização para viagens ao exterior.
Sem dúvida, a chave dessas mudanças passa pelo novo comitê executivo do Bureau Político do PC, composto pelo vice-presidente José Ramón Machado Ventura e pelos vice-presidentes do Conselho de Estado, Juan Almeida Bosque, Abelardo Colomé Ibarra, Carlos Lage Dávila, Esteban lazo Hernández e Julio Casas Regueiro, além de Raúl Castro. Juntos, os membros desse grupo carregam todo o peso e experiência da Revolução Cubana em um corpo único, capaz de conduzir o futuro do Partido Comunista, das organizações de massa e do governo. Essa instância surgiu para substituir o comitê provisório, fundado em 31 de julho de 2006, quando Fidel entregou o poder a Raul, e marca a transferência final de autoridade na ilha.
O governo planeja desmanchar 104 fazendas estatais que dão prejuízo. Pela primeira vez em décadas, os cubanos podem comprar suprimentos diretamente dos produtores locais
O Bureau Político aumentou ainda mais a descentralização e criou sete comissões parlamentares permanentes subordinadas a ele. Elas compreendem assuntos como ideologia e cultura, economia, alimentos e agricultura, substituição de importados e aumento das exportações, educação, ciência e esportes, saúde e relações internacionais. As decisões permanecem baseadas no consenso, com o presidente arbitrando no caso de significativo desacordo. No conjunto, essas medidas indicam que os líderes cubanos começam a preparar o Partido Comunista para a eventual transição de poder a uma geração mais jovem.
Correndo paralelamente às reformas na estrutura do governo, há um programa de amplo espectro para revitalizar o setor agrícola. O controle agropecuário do país está passando das mãos de funcionários no ministério da Agricultura para mais de 150 delegações locais. A ação é parte do programa multifacetado para impulsionar a produção de alimentos e baixar os custos da importação: em 2007, Cuba gastou uS$ 1,7 bilhão com a compra de gêneros alimentícios, um montante absurdo. O governo também planeja desmanchar 104 fazendas estatais que dão prejuízo e embargar as demais em operação. Camponeses têm relatado que as decisões, do uso da terra à alocação de recursos, estão se deslocando para a esfera local. Tanto que, pela primeira vez em décadas, armazéns estão sendo abertos para que os cubanos comprem suprimentos diretamente dos produtores locais.
Está claro que tem havido uma resistência estóica a fim de preservar tudo o que é considerado ganho da revolução. O envolvimento radical com o Estado ficou evidente em amplos setores da classe trabalhadora e o governo tem se esforçado para engajar e incorporar a população, especialmente os jovens. Seu apoio durante a transição de poder constituiu o principal fator na sobrevivência do processo revolucionário até agora.
Ao mesmo tempo, é evidente que a revolução está entrando em um estágio novo e sem precedentes. Por exemplo, a filha de Raul Castro, Mariela, lidera uma campanha de modificação da lei para permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo e possibilitar que transexuais façam operações de mudança de sexo custeadas pelo Estado. Suas propostas resultam, sem dúvida, de alterações que vêm ocorrendo desde o Período Especial, principalmente em relação aos papéis sociais: no caso das mulheres, por exemplo, as responsabilidades cada vez maiores, conseqüência das mudanças econômicas, também lhes propiciaram mais direitos dentro da sociedade. Em anos recentes, muitas cubanas optaram por exercer esse poder na pista de dança, ao som do lânguido e sensual reggaeton. Paralelamente a esse estilo, que enfatiza a dança e o corpo feminino sem qualquer preocupação com o conteúdo das letras, o hip hop se desenvolveu como um movimento socialmente consciente e influenciado pelos efeitos da conversão de Cuba em uma “economia mista”.
A admissão do uso do dólar alimentou o mercado paralelo e criou uma “dupla moralidade”: nem o mais ardoroso socialista podia recusar-se a ingressar no setor informal, para conseguir chegar ao fim do mês com alguma renda
Mas o Período Especial não moldou apenas a cultura: permitiu também mudanças em áreas cruciais com as quais o governo de Raul Castro se depara agora. A primeira delas foi a legalização do uso do dólar. Ao consentir que os cubanos possuíssem dólares e mantivessem contas bancárias nessa moeda, o governo tornou possível às famílias no exterior remeterem dinheiro para ajudar seus parentes. Junto com a expansão do turismo, a dolarização permitiu que os turistas gastassem em moeda forte, enquanto os cubanos usavam o peso no dia-a-dia. A taxa permaneceu firme, em torno de 1 para 25 ao longo da maior parte do período. É esse diferencial que alimentou o mercado paralelo e criou uma “dupla moralidade”: não era possível, nem para o mais ardoroso socialista, deixar de ingressar no setor informal de um jeito ou de outro, para conseguir chegar ao fim do mês com alguma renda. Em 2006, o dólar foi retirado de circulação e substituído por um peso conversível, gesto que contou com a acolhida popular: além de significar a rejeição do “dinheiro inimigo”, impunha um imposto extra sobre ele, a fim de encorajar a introdução de outras moedas na economia. Em seu primeiro discurso como presidente de fato, em 24 de fevereiro de 2008, Raul Castro aludiu à moeda dupla em circulação dando a entender que algo seria feito para unificá-las.
A lei de investimentos estrangeiros é outra medida do Período Especial que está sendo revista. Introduzida em 1993, ela permitiu o investimento estrangeiro direto em todos os setores da economia cubana, exceto na defesa, saúde e educação. Em poucos anos, mais de 400 joint ventures haviam sido formadas em áreas como extração e refino de níquel, turismo e produção de tabaco e rum, principalmente com empresas canadenses e da Europa ocidental. O número de joint ventures declinou após 2000, quando o governo começou a restringi-las às grandes corporações estrangeiras, mas desde a chegada de Raul Castro à presidência parece haver sinais de que ocorrerá um novo relaxamento e que serão oferecidas mais oportunidades para o capital vindo de fora.
Este é um dos indícios de que a economia cubana está experimentando um amadurecimento inédito, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. Afinal, o lado negativo do relacionamento com a União Soviética e o Comecon (Conselho para Assistência Econômica Mútua) era o modo como a ilha havia trocado uma forma de dependência, a dos Estados Unidos, por outra, sem diversificar suficientemente seus mercados e sua indústria. Apenas a partir do Período Especial esse estado de coisas começou a ser alterado.
As estatísticas mostram claramente como essa transformação ocorreu e como a economia resgatou sua capacidade de lucrar com as exportações, ao mesmo tempo que o açúcar perdeu terreno. O crescimento se acelerou notadamente a partir de 2004 por intermédio do aumento de ganhos originários de “outros serviços”, que representam, principalmente, acordos de troca de capital humano (professores, médicos etc.), o mais importante deles com a Venezuela de Hugo Chávez. Vale observar também como a exportação de medicamentos tornou-se uma fonte de rendimentos modesta, mas crescente, de 2000 em diante. Sobre o aumento da produção de petróleo, que constitui significativa contribuição para o PIB, é importante mencionar que Cuba reequipou suas instalações de geração de energia para funcionar com óleo diesel produzido internamente e se tornou auto-suficiente em eletricidade.
Desde a chegada de Hugo Chávez ao poder na Venezuela e a introdução de uma nova ajuda chinesa, em 2003, ficou evidente que a economia cubana está se saindo melhor do que muitos esperavam
Já a política exterior é, e sempre foi, uma preocupação central para o governo revolucionário, principalmente devido à proximidade da ilha com os Estados Unidos e a animosidade mostrada pelo poderoso vizinho desde o início. Após a Crise dos Mísseis, em outubro de 1962, a ilha passou a gozar de uma relação favorável sem precedentes com a antiga União Soviética (URSS), que de muito bom grado subsidiou pesadamente a aliada caribenha, situada bem debaixo do nariz do inimigo na Guerra Fria. Nesse contexto, os Estados Unidos justificaram sua política de embargo baseados no fato de haver um representante do regime soviético perto de sua fronteira, o que seria uma ameaça a sua segurança.
Porém, apesar do delínio e queda da URSS, o Congresso norte-americano continou aprovando, ao longo da década de 1990, leis que potencializaram as restrições econômicas. A Emenda Mack, e outubro de 1990, proibiu “todo comércio com Cuba por parte de companhias subsidiárias dos Estados Unidos fora dos Estados Unidos”. Antes da aprovação dessa lei, 70% dos negócios entre Cuba e empresas subsidiárias dos Estados unidos eram direcionados a alimentos e medicamentos. A Lei Torricelli, de outubro de 1992, além de reforçar a anterior, acrescentou o veto a viagens de norte-americanos para a ilha e ao fornecimento de assistência financeira para familiares. Também impediu que barcos que tivessem atracado em Cuba visitassem, por seis meses, portos norte-americanos. Contudo, essa legislação permitiu a grupos privados fornecer ajuda humanitária novamente, na forma de alimento e remédios. Em março de 1996 surgiu a Lei Helms-Burton, que impôs penalidades às empresas estrangeiras que realizassem negócios com Cuba e permitiu aos cidadãos dos Estados Unidos processar investidores internacionais que utilizassem de alguma forma propriedades de norte-americanos tomadas pelo governo cubano.
Em vez de provocar uma mudança nos rumos políticos da ilha, todas essas leis radicalizaram ainda mais, contra os EUA, as políticas cubanas. Tanto que, desde que assumiu o poder, Raul Castro tem reiterado que Cuba não vai negociar com os norte-americanos, a menos que o governo vizinho aceite firmar os diálogos sem quaisquer precondições e respeitando a soberania de cada nação.
Cuba tem continuamente convidado países estrangeiros a estabelecer vínculos comerciais e investirem na ilha. Ao mesmo tempo, o governo revolucionário não retrocedeu em nenhum de seus programas de ajuda médica e outros projetos. Assim, os observadores que prevêem uma mudança na relação entre Cuba e Estados Unidos estão de olho antes nas eleições americanas do que nas transformações experimentadas pela ilha.
Desde a chegada de Hugo Chávez ao poder na Venezuela e a introdução de uma nova ajuda chinesa, a partir de 2003, ficou evidente que a economia cubana está se saindo melhor do que muitos esperavam. Por isso, a convicção de que a política de embargo é um fracasso vem ganhando terreno, nos Estados Unidos . Além do mais, essa estratégia está permeada de contradições, sendo a mais óbvia de todas a exceção à venda de alimentos. Desde 2001, quando uma emenda que permitiiu às companhias americanas vender produtos alimentícios foi aceita por George W. Bush, Cuba tornou-se o nono cliente das exportações dos Estados Unidos para o setor.
Nos EUA, candidatos democratas de origem cubana estão concorrendo contra a velha guarda direitista republicana. Não seria exagero esperar que da próxima eleição saia alguma solução para o impasse do embargo a Cuba
Outra contradição evidente diz respeito à migração. A partir de um acordo de 1995, os Estados Unidos vêm acolhendo 20 mil imigrantes legais por ano, possibilitando que os insatisfeitos e potenciais integrantes de um movimento de oposição dentro da ilha invariavelmente partam e fixem residência em solo norte-americano. Esse fator, mais do que qualquer outro, explica a fraqueza dos oposicionistas à família Castro. A política norte-americana torna-se um tiro pela culatra, já que não fomenta o descontentamento nem ajuda na criação de um movimento contrário ao regime. A oposição que resta por lá permanece reduzida e é facilmente isolada pelo governo cubano. Além do mais, esses novos imigrantes, que hoje moram em Miami estão se registrando para poder votar e devem pressionar os candidatos por mudanças nas regras. Afinal eles têm interesse direto em enviar dinheiro para seus parentes e gostariam de visitá-los sempre que possível.
Na percepção dos imigrantes mais antigos, que lideram o lobby de direita anticastrista, isso constitui um trunfo para o odiado regime fundado por Fidel. Foram eles que, em 2004, conseguiram fazer com que o governo Bush restringisse as remessas de dinheiro e as visitas familiares. Isso provocou uma cisão na comunidade cubano-americana, que ganhou representação pela primeira vez na campanha eleitoral da Flórida. Se vencer as eleições, Barack Obama já prometeu acabar com essas proibições e admitiu conversar com Raul Castro sem precondições. No plano doméstico, candidatos democratas cubano-americanos com credibilidade estão concorrendo contra a velha guarda direitista republicana. Não seria nenhum exagero esperar que da próxima eleição norte-americana saia alguma solução para o impasse do embargo a Cuba, independentemente dos rumos que a ilha tome. Sem dúvida, o processo de reformas conduzido sob a batuta de Raul Castro deve apresentar conseqüências mais a longo prazo que aquelas do Período Especial. Ao mesmo tempo, novos desafios se apresentam — em particular, a crise mundial ecológica e de alimentos, que requer toda atenção do governo.
O que precisa ser percebido, contudo, é que as políticas adotadas objetivam assegurar a continuidade do processo revolucionário que começou em 1959. Sem dúvida, elas terão um impacto na opinião pública norte-americana, num ano eleitoral. Mas não farão Cuba adotar um “processo de democratização”, como imaginou Washington. Enquanto Fidel Castro viver e seu irmão permancer no poder, isso nunca acontecerá..
[1] O termo “Período especial em período de Paz” deriva da expressão “Período especial em tempo de Guerra”, nome dado ao plano de sobrevivência preparado por Cuba durante a Guerra Fria, para o caso de estourar um conflito entre a União Soviética e os Estados Unidos. Em um cenário desses, o país possivelmente estaria sob bloqueio completo, de modo que foi criada uma tática de contingência para assegurar uma resposta coordenada à escassez de alimentos e combustíveis. A guerra não veio, mas quando o bloco soviético entrou em colapso, em 1991, Cuba ficou sem seu principal parceiro comercial e protetor econômico. Na prática, era uma situação muito similar àquela que os cubanos haviam vislumbrado, mas em tempo de paz
[2] Isso ocorreu de modo semelhante ao que foi feito no início do Período Especial, quando houve uma série sem precedentes de consultas à população. Os assim chamados “parlamentos de trabalhadores” foram instituídos por todo o país para discutir os problemas e sugerir soluções. A eles seguiu-se, em 1991, um Congresso do Partido Comunista, em que decisões-chaves foram tomadas para delinear a estratégia do governo ao longo da década seguinte. Pela primeira vez, permitiu-se que pessoas de diferentes convicções religiosas figurassem abertamente nos quadros do partido. Logo depois, o sistema eleitoral foi reformado para permitir que a Assembléia Nacional fosse eleita por sufrágio direto. Essas medidas proporcionaram aos cubanos uma sensação de maior envolvimento
A crise da esquerda e o governo Lula | | | |
Paulo Passarinho | |
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Após a queda do muro de Berlim – que já havia sido precedida por uma forte inflexão à direita dos partidos social-democratas europeus -, boa parte da esquerda mundial passou a observar com muita atenção, e esperança, a trajetória e a ação política do Partido dos Trabalhadores e de seus aliados de esquerda aqui no Brasil, que é um país marcado por gritantes desigualdades sociais, fortemente pressionado por interesses do capital internacional, mas que, desde 1989, experimentava a polarização de uma frente de esquerda que se afirmava como alternativa real de poder. Essa frente de esquerda foi também um instrumento importante de resistência à ofensiva neoliberal, que nos anos 90 empreendeu em nosso país o programa de mudanças ditado pelos interesses das grandes corporações financeiras transnacionais. A realização dos primeiros Fóruns Sociais Mundiais, em Porto Alegre, reforçou ainda mais essa sensibilidade e crença da esquerda internacional. Contudo, a história que se deu a partir de 2002, ainda na campanha eleitoral que acabou por levar Lula à presidência da República, coroou o próprio ajuste do PT e de seus aliados à nova ordem. A história é por demais conhecida, embora haja graves divergências sobre o significado do que de fato ocorreu. Para os que apóiam Lula, a busca de governabilidade, em meio à crise que se esboçou no ano eleitoral, justificou as posições assumidas pelo novo governo. Para os mais críticos, o novo PT foi apenas a conseqüência de uma metamorfose que se iniciara há alguns anos. Hoje, as evidências sobre a natureza da mudança ideológica e programática dessa frente – agora, acima de tudo, lulista – são gritantes. E tristes. A principal liderança do PT depois do próprio Lula, José Dirceu – apresentado por muitos, no primeiro mandato do atual presidente, como o representante de um "pólo de esquerda" –, depois de afastado do governo, cassado e processado pelo Supremo Tribunal Federal, em denúncia apresentada pelo Procurador Geral da República, circula pelo Brasil e pelo mundo afora como lobista de interesses de grandes empresas nacionais e internacionais. A recente reunião da OMC, em Genebra, expôs de forma cristalina a subordinação do governo aos interesses do agronegócio, comprometendo até mesmo a imagem que procurava ser cultivada de uma política externa independente e progressista. Como se isso pudesse ser possível, em meio às opções de uma política econômica – elogiadíssima por Lula – inteiramente controlada por um Banco Central sob o comando direto de executivos indicados por bancos internacionais. O significado dessa verdadeira tragédia ainda não foi bem assimilado pelos diversos setores da esquerda que insistem em manter o seu apoio a Lula e seus partidos satélites. Sempre encontram as mais diferentes explicações e justificativas para as condutas do governo, mesmo quando ensaiam críticas. Na falta de argumentos frente às evidências das opções preferenciais de Lula, optam sempre pela lembrança de que a volta dos tucanos poderia ser muito pior. Manifestam, até mesmo, muitas dúvidas sobre o que poderia ter sido feito de forma diferente. Expressam, dessa maneira, uma espécie de regressão intelectual ou abalo cognitivo. Podem alegar também a surrada razão ditada pela "atual correlação de forças". No tocante à correlação de forças, a vitória eleitoral de Lula em 2002, em meio a sucessivas derrotas da direita e de seus candidatos liberais em todos os países da América Latina, com as exceções da Colômbia, do Peru e do México, deveria ser levada em conta. Bem como o próprio quadro internacional de expansão do comércio global e liquidez financeira que permitia (ao menos até meados do ano passado) uma razoável margem de manobra para mudanças importantes, conforme nos mostrou a vizinha Argentina. É lógico que a coerência com um programa verdadeiro de mudanças implicaria enfrentamentos importantes com interesses estabelecidos. Mas não seria esse o papel de uma esquerda, por mais cautelosa e prudente? O fato é que questões programáticas elementares, para o início de um processo de transformações estruturais em prol do mundo do trabalho, foram abandonadas, esquecidas ou mesmo renegadas. Pior: são as questões do mundo do capital que balizam o que passou a ser "o possível". Mudanças substantivas na política macroeconômica; reforma tributária verdadeira; universalização, com qualidade, dos serviços públicos; fortalecimento da previdência social pública, como fator de seguridade social e de fortalecimento de mecanismos de poupança financeira estatal, sob controle social; reforma agrária para valer, e como suporte para a afirmação e prevalência de um modelo agrícola baseado na agricultura familiar, com estruturas de produção comunitárias e absorção de modernas tecnologias; além de mudanças no padrão dos meios de comunicação de massa, subordinados ao regime de concessões públicas, particularmente os canais de televisão aberta. Seriam exemplos de iniciativas programáticas, essenciais para colocar o país em uma rota de reformas, em prol do povo e do mundo do trabalho. Mas tudo indica que a outrora esquerda se perdeu. Setores da vanguarda de movimentos importantes, como os dos bancários ou dos petroleiros, parecem muito mais interessados nos negócios dos seus fundos de pensão. A acelerada financeirização econômica, em combinação com a aguda fragilização de mecanismos de seguridade e de solidariedade social, como é o caso das instituições de garantia de direitos sociais e igualdade de oportunidades, jogaram setores do movimento dos trabalhadores em um defensivismo que aponta para a atomização de suas bandeiras de luta e a perda da solidariedade de classe com os demais setores do mundo do trabalho. A crise que vivemos, enquanto esquerda brasileira, em meio a um continente em mudanças, não é decorrente, portanto, de uma abstrata carência de projetos alternativos. Ela é fruto da posição política desses setores, que faziam parte da esquerda e que se perderam por completo em meio à mercantilização avassaladora que contamina a sociedade brasileira, sob a hegemonia dos valores e dos projetos das forças neoliberais. Somente a reconstrução de um novo bloco de forças, não contaminado pela ideologia dominante, poderá criar as condições para a retomada das bandeiras da mudança e da esperança. Paulo Passarinho é economista e vice-presidente do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro. |