A invasão bárbara
No ensino, ao contrário do que sempre ocorreu, o professor terá de partir partir do mundo real para o pedagógico. Isso significa que a escola começa se alimentar da inteligência coletiva que emerge da rede. Uma revolução não-televisionada, que rompe os muros da educação
Hernani Dimantas
A palavra "bárbaro" provém do grego antigo, e significa "não grego". Era como os gregos designavam os estrangeiros e os povos cuja língua materna não era a sua. Porém, foi no Império Romano que a expressão passou a ser usada com a conotação de "não-romano" ou "incivilizado". O preconceito em relação aos povos que não compartilhavam os mesmos hábitos e costumes é natural dos habitantes dos grandes centros econômicos, sociais e culturais. Atualmente, uma das acepções da expressão "bárbaro" equivale a não civilizado, brutal ou cruel.
No uso informal, "bárbaro" também qualifica pessoas ou coisas com atributos positivos: muito bonito, ótimo, muito afável, compreensivo, uma idéia muito interessante, segundo o dicionário Houaiss.
Eu creio que ainda é uma questão civilizatória. Ou seja, o mundo está em transformação. Tudo está se modificando de forma rápida. Não seria diferente no âmbito da educação.
Uma fala importante do professor Gumercindo de Andrade, da rede pública de ensino, nos faz pensar. Ele diz, inspirado em Paulo Freire, que "o professor, hoje, não vai mais partir do pedagógico para o mundo real. Ele vai partir do mundo real para o pedagógico". Isso significa que a escola começa se alimentar da inteligência coletiva que emerge da rede. Uma revolução não-televisionada que rompe os muros da educação.
Somos estrangeiros no nosso próprio mundo. Imigrantes do conhecimento, aqueles que atingem seus objetivos com trabalho e resiliência. E é certo que venceremos
Na verdade, essa barreira já foi destruída. "Os limites que separam nossas conversações parecem o Muro de Berlim hoje, mas eles realmente são apenas uma amargura. Nós sabemos que eles cairão. Nós iremos trabalhar de ambos os lados para derrubá-los (...) As conversações em rede podem parecer confusas, podem soar confusas. Mas nós estamos nos organizando mais rápido que eles. Nós temos ferramentas melhores, novas idéias, nada de regras para nos fazer mais lentos" [1]. Independentemente de querermos ou não, a cultura de rede está rompendo as sólidas estruturas concretadas desde a modernidade. Não podemos mais explicar o mundo a partir da ótica cartesiana. Descartes não dá mais conta de atender à complexidade do caos. As relações em rede formam multidões que atuam sem controle central, na concretude de um outro paradigma. Ninguém sabe aonde essa transformação vai chegar. Mas sabemos que nada será como antes.
Relembremos Pierre Levy: "ainda que as pessoas aprendam em suas experiências profissionais e sociais, ainda que a escola e a universidade estejam perdendo progressivamente seu monopólio de criação e transmissão do conhecimento, os sistemas de ensino públicos podem ao menos dar-se por nova missão a de orientar os percursos individuais no saber e contribuir para o reconhecimento do conjunto de know-how das pessoas, inclusive os saberes não-acadêmicos. As ferramentas do ciberespaço permitem considerar amplos sistemas de testes automatizados acessíveis a todo o momento e redes de transação entre a oferta e a demanda de competência. Ao organizar a comunicação entre empregadores, indivíduos e recursos de aprendizado de todas as ordens, as universidades do futuro estariam contribuindo para a animação de uma nova economia do conhecimento". Essa é a hora de fomentar incertezas, pois incertezas trazem nas entrelinhas uma descoberta, a busca pelo aprendizado.
Isso tudo é bárbaro! Somos estrangeiros no nosso próprio mundo. Imigrantes do conhecimento. Somos aqueles que atingem seus objetivos com trabalho e resiliência. E é certo que venceremos. Somos a invasão bárbara.