“O Irão é demasiado independente e desobediente".
“O que aparece constantemente nos media é que a comunidade internacional exige que o Irão suspenda o enriquecimento de urânio. Em quase nenhum meio se explica que a designação «comunidade internacional» é utilizada convencionalmente para se referir a Washington e a quem estiver de acordo, não só sobre este assunto mas em geral.”
Kourosh Ziabari - ODiario
Noam Chomsky não precisa de apresentação. De acordo com o The Guardian, trata-se, indiscutivelmente, do catedrático e analista sócio-político mais importante da era contemporânea e está considerado junto a Marx, Shakespeare e a Bíblia, como uma das dez fontes mais citadas das humanidades, e é também o único escritor, entre eles, que ainda está vivo.
Em referência ao livro Hegemonia e Sobrevivência de Chomsky, o presidente da Venezuela, Hugo Chavez, dirigindo-se à Nações Unidas, disse: “Convido-os, com todo o respeito, a quem ainda não tenha lido o livro, a que o façam.”
Em resposta à pergunta formulada numa entrevista em 2006 sobre que acções tomaria se fosse presidente, Chomsky respondeu: «Instauraria um Tribunal de Crimes de Guerra para os meus próprios crimes pois caso tivesse assumido essa posição teria que tratar com a estrutura institucional e com a cultura, a cultura intelectual. A cultura deve ser curada».
Nesta entrevista, conversei com o professor Chomsky sobre o Irão, os assuntos nucleares, as relações entre Washington e Teerão e o impacto global dos lobbies sionistas. Um extracto desta conversa foi primeiramente publicado no diário iraniano de língua inglesa “Teheran Times.”
Kourosh Ziabari (KZ): - Professor Chomsky, o senhor tem reiterado em numerosas ocasiões que a maior parte dos países do mundo, incluindo os membros do Movimento dos Países Não Alinhados, apoia o programa nuclear iraniano, no entanto, os neoconservadores dos Estados Unidos continuam a proclamar o seu lema agressivo.
Noam Chomsky (NC): - O Movimento dos Países Não Alinhados, mas também a grande maioria dos americanos pensa que o Irão tem o direito de desenvolver energia nuclear. Todavia, quase ninguém nos Estados Unidos tem consciência disso. Isto inclui todos aqueles que são inquiridos e que provavelmente acreditam que são os únicos que pensam assim. Nunca se publica nada sobre este tema. O que aparece constantemente nos media é que a comunidade internacional exige que o Irão suspenda o enriquecimento de urânio. Em quase nenhum meio se explica que a designação «comunidade internacional» é utilizada convencionalmente para se referir a Washington e a quem estiver de acordo, não só sobre este assunto mas em geral.
(KZ): A maioria dos analistas de assuntos internacionais ainda não pôde assimilar o duplo critério nuclear do governo dos Estados Unidos. Apesar de apoiar o arsenal atómico de Israel continua a pressionar o Irão para que suspenda os s seus programas nucleares. Quais são as razões? Possui a IAEA (Agência Internacional de Energia Atómica) autoridade suficiente para investigar os casos de armamento nuclear em Israel?
(NC): O ponto fundamental foi explicado com franqueza por Henry Kissinger. O Washington Post perguntou-lhe por que razão ele agora afirma que o Irão não necessita energia nuclear e que, por conseguinte, deve estar a trabalhar para construir uma bomba, enquanto em 1970 insistiu que o Irão necessitava de ter energia nuclear e que os Estados Unidos deviam prover o xá com os meios necessários para o conseguir. Foi uma resposta típica à Kissinger. Era um país aliado e, por isso, precisava de energia nuclear. Agora, que já não era um país aliado, não necessitava de energia nuclear. Israel, pelo seu lado, é um país aliado, mais precisamente um estado-cliente. Por isso, herda do amo o direito a fazer o que quer.
A IAEA possui a autoridade, contudo os Estados Unidos nunca permitiriam que a exerça. A nova administração dos Estados Unidos não tem dado provas de nenhuma alteração nesse sentido.”
(KZ): Existem quatro estados soberanos que ainda não ratificaram o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP) e que desenvolvem livremente bombas atómicas. Será o Irão libertado das pressões constantes; deve obter a sua ratificação e abandonar o tratado?
(NC): Não, isso só faria aumentar as pressões. Excluindo a Coreia do Norte, todos esses países recebem apoio extensivo dos Estados Unidos. O governo de Reagan, fingia ignorar que o seu aliado Paquistão desenvolvia armas nucleares, para que a ditadura recebesse ajuda massiva dos Estados Unidos. Também os Estados Unidos, aceitaram ajudar a Índia a desenvolver as suas instalações nucleares; Israel é um caso especial.
(KZ): Que prováveis factores poderiam dificultar a realização de conversações directas entre o Irão e os Estados Unidos? É maior a influência do lobby israelita do que a dos sistemas empresariais dos Estados Unidos?
(NC): O lobby israelita tem alguma influência mas é limitada. Isto foi demonstrado, uma vez mais, no caso do Irão no Verão passado, durante a campanha presidencial, quando a influência dos lobbies se encontrava no seu apogeu. O lobby israelita pretendia que o Congresso aprovasse uma legislação que se aproximasse de um acto de bloqueio ao Irão, um acto de guerra. A medida obteve um apoio considerável, mas desapareceu de imediato, provavelmente devido à Casa Branca deixar bem claro, discretamente, que se opunha.
Quanto aos verdadeiros factores, ainda não temos registos suficientes, de modo que é necessário especular. Sabemos que a grande maioria dos americanos quer ter uma relação normal com o Irão, mas a opinião pública raramente influencia a política. As grandes companhias dos Estados Unidos, incluindo as poderosas empresas de energia, gostariam de explorar os recursos petrolíferos do Irão. Contudo, o Estado insiste no contrário. Suponho que a razão principal, é que o Irão é demasiado independente e desobediente. As grandes potências não toleram aquilo que eles consideram ser parte dos seus domínios e as regiões de maior produção de energia do mundo há muito que são consideradas domínio da aliança anglo-americana, agora com a Grã-Bretanha reduzida a sócia subalterna.
(KZ): Haverá uma transformação táctica ou sistemática na aproximação dos principais meios de comunicação social ao Irão durante a presidência de Obama? Podemos esperar uma redução da propaganda anti-Irão?
(NC): Em geral, os media aderem ao sistema geral da política de estado embora algumas vezes os programas políticos sejam criticados com fundamentos tácticos. Muito irá depender, portanto, da postura que assuma o governo de Obama.
(KZ) : Finalmente, acredita que o presidente dos Estados Unidos deveria seguir a proposta do Irão e pedir desculpa, pelos seus crimes históricos contra o Irão?
(NC): Creio que os poderosos sempre devem reconhecer os seus crimes e pedir desculpa às vítimas e ainda reparar os danos causados. Infelizmente, o mundo rege-se maioritariamente pela máxima de Tucidides: os fortes fazem o que querem e os fracos sofrem como lhes é devido. Lentamente, a pouco e pouco, o mundo, em geral, torna-se mais civilizado. Mas ainda tem muito caminho a percorrer.
Este Texto foi publicado em www.foreignpolicyjournal.com
Tradução de João Manuel Pinheiro