Omelete verde-amarela
Eduardo Guimarães
Segundo informações da agência AFP, “os presidentes de Equador e Venezuela, Rafael Correa e Hugo Chávez, vão propor à União de Nações Sul-Americanas (Unasul) a criação de um órgão regional que defenda os governos dos abusos da imprensa". Já Correa chamou a imprensa de seu país de "corrupta e instrumento da oligarquia”. |
Chávez garantiu que o Equador "conta com todo o apoio da Venezuela em sua luta contra este fenômeno que se aproxima da loucura do fascismo, de forma aberta, descarada e cínica".
Um dos maiores inimigos da América Latina é a imprensa, segundo Correa, pois seria “comprometida com os poderes que sempre dominaram a região” .
O equatoriano também afirmou que “Temos que enfrentar e derrotar este poder tão grande e tão impune", e deu a receita de como fazer isso: "Com leis mais fortes, que punam tanto a desinformação, como a má fé e a corrupção".
Atuando nessa linha de pensamento, o presidente do Equador anunciou “uma drástica auditoria sobre as freqüências concedidas pelo Estado aos meios de comunicação”.
Na Venezuela, a polícia deu uma batida na casa de Guillermo Zuloaga, presidente da televisão Globovisión, veículo aliado da oposição ao governo e que o presidente do país chamou de "terrorista que viola a Constituição e incita ao ódio". A operação encontrou diversos carros de luxo sem documentos.
É verdade que as tevês na Venezuela e no Equador – e também na Bolívia, não devemos nos esquecer –, acima de todos os outros meios de comunicação, agem de forma mais desabrida do que no Brasil.
Como conheço muito de perto todos esses países, vi nas tevês deles convocações da população para protestar contra o governo. Peças publicitárias são veiculadas instigando as pessoas a saírem às ruas, onde acabam acontecendo confrontos entre governistas e anti-governistas.
Contudo, no Brasil, não estamos muito distantes disso. De acusações baseadas em documentos falsos contra uma ministra de Estado publicadas na primeira página de um grande jornal a envolvimento desse jornal e de uma grande revista semanal com banqueiros acusados, processados e condenados por corrupção, temos aí uma organização criminosa.
Claro que, enquanto na Venezuela, no Equador e na Bolívia as forças armadas são legalistas, no Brasil, através das declarações freqüentes de chefes militares feitas de forma pública, o governo de centro-esquerda do país é constantemente ameaçado de levante golpista das forças armadas.
Estou cada vez mais convicto, portanto, de que, enquanto o Brasil não enfrentar essa questão, não haverá jeito. Os grandes interesses continuarão mantendo os governos contra a parede. Falam tanto que Lula deixa os banqueiros ganharem, mas tentasse ele diminuir-lhes o lucro e seria derrubado em semanas.
As forças armadas ainda são as grandes fiadoras da exclusão social e da concentração de renda no país. Isso por força da cúpula dessas forças. Não se sabe, porém, se as tropas contemporâneas atuariam em consonância com o comando militar...
Esses comandantes já são idosos e oriundos do regime de 1964, em boa maioria. Alguns já estão passando à reserva, outros estão morrendo, mas, enquanto ainda contaminarem as forças armadas, sempre irá pairar a dúvida sobre se poderiam contar com os efetivos militares.
Na Venezuela, por exemplo, durante a tentativa de golpe de 2002 a cúpula das forças armadas estava mancomunada com as tevês Globovisión, RCTV e Venevizión, entre outras, bem como com a Fedecámaras (a Fiesp venezuelana), com os partidos Acción Democrática, Copei e com outros partidos menores e alguns sindicatos.
O que aconteceu foi que as tropas se recusaram a obedecer a ordem do comando militar, o qual acabou preso, e o então presidente da Fedecámaras, Pedro Carmona, fugiu do país para não ser preso também. As tevês, porém, apesar de terem confessado no ar sua participação no golpe quando pensaram que ele tinha dado certo, continuam impunes até hoje.
Por incrível que pareça, a liberdade de imprensa, que deveria ser liberdade de opinião e de pensamento, transformou-se em pretexto para censurar essas liberdades. Hoje no Brasil, por exemplo, cinco mil pessoas saem à rua numa das maiores cidades do país e o direito da população de ter essa informação é sumariamente cassado por concessões públicas que são as tevês.
Uma inimiga política do dono da Folha de São Paulo tem publicada contra ela na primeira página do jornal um documento falso acusando-a de ter cometido crimes e ninguém paga por isso. A maior empresa brasileira, a Petrobras, foi acusada ontem, pela mesma Folha, de ter mandado matar um cidadão que a questionava na Justiça.
A atuação da Folha de São Paulo já virou criminosa faz tempo. Ao lado da Veja, que ainda tem histórico de crimes muito menor, por mais que ainda seja extenso.
Folha e Veja são hoje veículos que produzem notícia. São parte da notícia. E parte do jogo político. Há vários indícios de envolvimento delas ao menos com um criminoso condenado, Daniel Dantas.
No Brasil, portanto, a situação é pior. Além das forças armadas, a cúpula do Judiciário também está contaminada por aliados do mesmo criminoso condenado. O governador paulista tem parentes envolvidos com esse criminoso. Enfim, crime organizado e instituições estão fundidos no Brasil.
Tudo isso me leva a uma opinião: não dá para fazer uma omelete sem quebrar os ovos. Assim, com meias palavras, com meias medidas, será difícil civilizar o Brasil. Já está na hora de elegermos um líder mais forte, mais ousado, mais destemido do que Lula.
Chamem de “populista”, do que quiserem. No resto da América Latina, os povos já estão elegendo líderes dispostos a enfrentar o sistema de opressão e exclusão social desenvolvido por essa casta étnica indo-européia.
E o pior é que estamos falando de grupelhos de descendentes de europeus que enriqueceram à sombra do Estado, sobretudo durante a ditadura militar, e montaram aparatos de comunicação enormes que fazem a diferença na condução dos países latino-americanos. E o fato é que tudo, hoje em dia, está centrado na comunicação.
No Brasil, a única iniciativa na questão da comunicação foi a criação da tevê Brasil e a convocação da tal Conferência Nacional de Comunicação, que, segundo informações recentes, já está meio que dominada pelos grandes grupos midiáticos.
Em minha opinião, o Brasil precisa eleger um líder forte, disposto a enfrentar esse monstrengo político-econômico-étnico-regional-midiático-militar. Poderia ser Dilma Rousseff, sim. Se o Brasil conseguir elegê-la, pode ser que, no poder, ela se mostre mais corajosa do que Lula.
Ou poderia ser um Ciro Gomes, também. A meu ver, ele tem mais o perfil de líder do qual o Brasil precisa. O problema é que não dá mais tempo de construir sua candidatura. Ou dá?
Além disso, o brasileiro tem medo de eleger líderes fortes, brigadores. Está na nossa cultura pacifista. Contudo, pacifista só quando se trata de nos levantar como povo, pois somos um dos países mais violentos do mundo.
Enfim, tudo isto não é nada mais do que um desabafo. Lendo os jornais, vendo os telejornais, percebendo o governo acuado o tempo todo enquanto, nos países vizinhos, os governos tomam a ofensiva, a gente acaba ficando meio “down”.
É que o caminho, no Brasil, é muito mais longo do que nos outros países. Até porque, nossa cultura é a de tentar fazer omeletes sem quebrar os ovos.