Por Marcelo Salles | |
A Folha de S.Paulo quer o fim da TV Brasil. Em editorial publicado na sexta-feira (31/7) argumenta que a audiência é baixa, que sua criação não foi um ato democrático (porque nasceu de um decreto) e que gasta, por ano, 350 milhões de reais do dinheiro do contribuinte. Por isso, encerra o texto da seguinte forma: "Os vícios de origem e o retumbante fracasso de audiência recomendam que a TV seja fechada – antes que se desperdice mais dinheiro do contribuinte" [veja a íntegra abaixo]. Tenho críticas à TV Brasil, mas nenhuma delas tem a ver com a opinião da Folha. Aliás, seria bom perguntar: a quem serve a Folha? No cabeçalho se diz que é "um jornal a serviço do Brasil", o que soa como piada para quem conhece minimamente a história da imprensa do país. Para não ir muito longe, basta dizer que o jornalão emprestou veículos para a ditadura. Mas talvez isso seja uma questão de ponto de vista: estavam, diria o jornal da "ditabranda", a serviço do Brasil contra a Comunidade Comunista, que pretendia se instalar no governo federal. "Inimigo interno" Voltando. A TV Brasil é uma tentativa de cumprir a Constituição, que determina a complementariedade entre os serviços privado, público e estatal. Hoje só existe o privado e, tenho certeza, isto tem a ver com o lixo jogado no ar todos os dias. Sim, a televisão privada brasileira é um lixo. Não presta. Raríssimos são os programas razoáveis. Na Globo, por exemplo, nada menos que metade da programação entre 12h e 24h é de novela. E de uma novela que dissemina os piores valores morais que existem. Posso concordar que existem erros graves na TV Brasil, e o primeiro deles foi a entrega dos cargos de direção para jornalistas oriundos das corporações de mídia. Com isso o governo indicou uma conciliação, não uma mudança substancial no jeito de fazer jornalismo. Assim, não é à toa que muito do conteúdo veiculado pela TV Brasil, sobretudo nos telejornais, tem sido muito parecido com aquele das corporações privadas (ver "Carta à TV Brasil"). Por outro lado, não dá para dizer que é tudo igual. Se pegarmos a programação como um todo, veremos a existência de iniciativas que jamais teriam vez no atual sistema privado de televisão. É o caso dos documentários, que dão voz e vez aos segmentos da sociedade que só aparecem na mídia corporativa como bandidos. Por isso, o governo precisa se manter firme diante da pressão da Folha. E contra-atacar. Para começar, coloque em pauta a mudança na lei que criminaliza as rádios comunitárias e determine que sua Polícia Federal vá se preocupar com aqueles que realmente ameaçam a sociedade. Essa babaquice de inimigo interno já fez muito mal ao país. Enquanto calam as vozes do povo, armas e drogas atravessam nossas fronteiras numa boa. O Rio está infestado delas, e boa parte da culpa é da falta de fiscalização. Comunicação apátrida No Brasil arcaico do século 21, as emissoras privadas de televisão, todas golpistas, ainda recebem dinheiro grosso do governo (meu, seu, nosso) para veicular campanhas publicitárias de saúde pública. Em países um pouquinho mais civilizados isso não é assim, pois como as emissoras privadas são concessões públicas (decididas pelo meu, seu, nossos representantes no Congresso), trata-se de uma obrigação ceder espaço para veiculação de mensagens de interesse público, sobretudo em relação a epidemias (como, atualmente, a gripe suína). Isso a Folha não critica. Assim como não vê problemas na existência de um oligopólio privado na televisão aberta. Justo o jornal que faz propaganda dizendo-se democrata ("quem lê a Folha fortalece a democracia"). Deveria ser processado por propaganda enganosa. A Folha não se incomoda com a SS brasileira, a Sociedade Sinistra que congrega TV Globo, RedeTV!, Band, CNT, SBT e Record. É como se fosse natural que apenas seis empresas tivessem o direito de se comunicar via TV com 191 milhões de pessoas. E, pior, é como se fosse natural que esse oligopólio se posicionasse, compacto, pela economia de mercado, pela cultura enlatada, pela política coronelista (Sarney foi "descoberto" com 30 anos de atraso), pelo imperialismo e pela exploração das riquezas e do povo brasileiro. É isso que veiculam, todos os dias, e, se discordam, desafio qualquer diretor de qualquer uma dessas empresas para um debate público, de preferência veiculado em cadeia nacional de rádio e televisão. Eis a dupla desgraça brasileira. Um sistema de comunicação apátrida, a serviço do capitalismo internacional, e um governo – eleito pelo povo e pelos movimentos sociais organizados – que não se livra disso. |
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sábado, 1 de agosto de 2009
A midia de esgoto volta a atacar....
Al Di Meola - Di Meola Plays Piazzolla (1996)
Al Di Meola - Di Meola Plays Piazzolla (1996)
Artista: Al Di Meola
Album: Di Meola Plays Piazzolla
Ano: 1996
Genero: Jazz/ Tango progressista
Formato: mp3@320 / 134Mb
Músicas
1. Oblivon (6:03)
2. Cafe 1930 (6:15)
3. Tango Suite Part I (8:48)
4. Tango Suite Part II (8:50)
5. Verano Reflections (4:12)
6. Night Club 1960 (5:49)
7. Tango II (5:35)
8. Bordel 1900 (4:32)
9. Milonga Del Angel (3:48)
10. Last Tango For Astor (6:18)
Músicos:
Al DiMeola (guitar);
Dino Saluzzi (bandoneon).
Luto no 4 de Julho
Neste ensaio para o New Statesman, Pilger argumenta que enquanto os liberais agora celebram o retorno da América aos seus "ideais morais", mantêm-se silenciosos acerca de um tabu venerável: o do americanismo, uma ideologia que se caracteriza por não se reconhecer como ideologia. O presidente Obama é a sua corporificação.
John Pilger*
A monção entrelaçara-se em espessos novelos de neblina sobre as terras altas centrais do Vietname. Eu era um jovem correspondente de guerra, acampado na aldeia de Tuylon com uma unidade dos US marines cujas ordens era conquistar corações e mentes. "Não estamos aqui para matar", dizia o sargento, "estamos aqui para difundir o Caminho Americano da Liberdade tal como declarado no Manual de Pacificação. Isto destina-se a conquistar os corações e mentes dos sujeitos, como se diz na página 86".
A página 86 era intitulada WHAM ("Winning Hearts And Minds"). A unidade do sargento era chamada uma companhia de acção combinada, o que significava, como ele explicou, "nós atacamos estes sujeitos às segundas-feiras e conquistamos os seus corações e mentes às terças-feiras". Estava a brincar, apesar de não muito. De pé num jipe à beira de um arrozal, anunciou através de um alto-falante: "Venham para fora, toda a gente. Temos arroz, doces e escovas de dentes para dar a vocês".
Silêncio. Nem uma sombra se moveu.
"Agora ouçam, ou vocês bastardos (gooks) saem de onde quer que estejam ou nós vamos aí e apanhamos vocês!"
O povo de Tuylon finalmente saiu e fez fila para receber pacotes de arroz Uncle Ben's Long Grain Rice, barras de chocolate Hershey, balões de festa e vários milhares de escovas de dentes. Três sanitários portáteis com descarga amarela, operados a bateria, foram preparados para a chegada do coronel. E quando o coronel chegou naquela noite, o chefe do distrito foi convocado e os sanitários com descarga amarela foram inaugurados.
"Sr. Chefe do Distrito e todos vocês aqui", disse o coronel, "o que estas prendas representam é mais do que a soma das suas partes. Elas transportam o espírito da América. Senhoras e senhores, não há um lugar sobre a terra como a América. É uma luz orientadora para mim, e para si. Vocês vêm, quando voltamos para casa, consideramo-nos como realmente felizes por ter a maior democracia que o mundo alguma vez conheceu e queremos que vocês, bons sujeitos, participem da nossa boa fortuna".
Thomas Jefferson, George Washington e Davy Crockett ganhavam uma menção. "Farol" era outra favorita e ele evocava a "cidade sobre uma colina" de John Winthrop, os marines aplaudiam e as crianças aplaudiam, sem entenderem nem uma palavra.
Isto era uma lição do que os historiadores chamam o "excepcionalismo", a noção de que os Estados Unidos têm o direito divino de levar o que descrevem como liberdade e democracia ao resto do mundo. Que isto disfarçava simplesmente um sistema de dominação, o qual Martin Luther King, pouco antes do seu assassinato, descreveu como "o maior fornecedor de violência do mundo" era algo indizível.
Como destacou Howard Zinn, o grande historiador do povo, a muito citada descrição de Winthrop da Massachusetts Bay Colony no século XVII como uma "cidade sobre uma colina", um lugar de ilimitada bem aventurança e nobreza, era raramente contrastada com a violência dos primeiros colonos, para os quais queimar vivos uns 400 índios Pequot era uma "alegria triunfante". Os incontáveis massacres que se seguiram, escreveu Zinn, eram justificados pela "ideia de que a expansão americana é divinamente ordenada".
Não há muito, visitei o American Museum of History, parte da celebrada Smithsonian Institution, em Washington, DC. Uma das exposições populares era "O preço da liberdade: Americanos em guerra". Era um feriado e filas de pessoas, incluindo muitas crianças, entravam reverencialmente numa gruta de guerra e conquista onde eram dispensadas mensagens acerca da "grande missão" do seu país. Isto incluía tributos aos "americanos excepcionais que salvaram milhões de vida" no Vietname, onde estavam "determinados a travar a expansão comunista". No Iraque, outras boas almas "utilizavam ataques aéreos de precisão sem precedentes". O que era chocante não era tanto a descrição revisionista de dois dos tremendos crimes dos tempos modernos mas sim a escala de omissão total.
"A história sem memória", declarava a revista Time no fim do século XX, "confina os americanos a uma espécie de eterno presente. Eles são especialmente fracos em recordar o que fizeram a outros povos, em oposição ao que eles lhes fizeram". Ironicamente, foi Henry Luce, fundador da Time, que em 1941 previu o "século americano" como uma "vitória" americana social, política e cultural sobre a humanidade e o direito da "exercer sobre o mundo o pleno impacto da nossa influência, para os propósitos que consideremos adequados e pelos meios que considerarmos adequados".
Nada disto é para sugerir que o orgulho é exclusivo dos Estados Unidos. Os britânicos apresentaram a sua dominação de grande parte do mundo, muitas vezes violenta, como o progresso natural de cavalheiros cristãos a civilizarem os nativos de forma abnegada e os actuais historiadores da TV perpetuam os mitos. Os franceses ainda celebram a sua sangrenta "missão civilizadora". Antes da Segunda Guerra Mundial, "imperialista" era um título político honroso na Europa, ao passo que nos EUA era preferido o de "idade inocente". A América era diferente do Velho Mundo, diziam os seus mitólogos. A América era a Terra da Liberdade, não interessada em conquistas. Mas e quanto ao apelo de George Washington por um "império ascendente" e o de James Madison por "lançar a fundação de um grande império"? E quanto à escravidão, ao roubo do Texas ao México, à sangrenta subjugação da América Central, de Cuba e das Filipinas?
Uma memória nacional comandada destinou isto às margens da história e "imperialismo" foi quase desacreditado nos Estados Unidos, especialmente após Adolf Hitler e os fascistas, com as suas ideias de superioridade racial e cultural, deixaram um legado de culpa por associação. Os nazis, afinal de contas, haviam sido imperialistas orgulhosos e a Alemanha era, também, "excepcional". A ideia de imperialismo, a própria palavra, foi quase expurgada do léxico americano, "com o fundamento de que ela falsamente atribui motivos imorais à política externa do ocidente", argumentou um historiador. Aqueles que persistiam em utilizá-la eram "infames agitadores" e estavam "inspirados pela doutrina comunista", ou eram "intelectuais negros que tinham ressentimentos contra o capitalismo branco".
Enquanto isso, a "cidade sobre a colina" permanecei um farol de voracidade quando o capital estado-unidense começou a realizar o sonho de Luce e a recolonizar os impérios europeus nos anos do pós-guerra. Isto foi a "a marcha da livre empresa". Na verdade, foi conduzida por um boom de produção subsidiada num país não devastado pela guerra: uma espécie de socialismo para as grandes corporações, ou capitalismo de estado, o qual deixava metade da riqueza do mundo em mãos americanas. A pedra fundamental deste novo imperialismo foi colocada em 1944 na conferência dos aliados ocidentais em Bretton Woods, New Hampshire. Descrita como "negociações acerca da estabilidade económica", a conferência marcou a conquista da maior parte do mundo pela América.
O que a elite americana pedia, escreveu Frederic F. Clairmont em The Rise and Fall of Economic Liberalism, "era não aliados mas estados clientes servis. O que Bretton Woods deixou como legado para o mundo foi um plano totalitário letal para a repartição dos mercados mundiais". O Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, o Banco de Desenvolvimento Asiático, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o Banco Africano de Desenvolvimento foram com efeito estabelecidos como braços do Tesouro dos EUA e conceberiam e policiariam a nova ordem. Os militares estado-unidenses e seus clientes guardariam as portas destas instituições "internacionais" e um "governo invisível" dos media asseguraria os mitos, disse Edward Bernays.
Bernays, descrito como o pai da era dos media, era o sobrinho de Sigmund Freud. "Propaganda", escreveu ele, "acabou por ser uma palavra má devido aos alemães... de modo que o que fiz foi tentar e encontrar outras palavras [tais como] Relações Publicas". Bernays utilizou teorias de Freud acerca do controle do subconsciente para promover uma "cultura de massa" destinada a promover o medo dos inimigos oficiais e o servilismo ao consumo. Foi Bernays quem, em prol da indústria tabaco, fez campanha para as mulheres americanas assumirem o fumar como um acto de libertação feminista, chamando os cigarros de "tochas da liberdade"; e foi a sua noção de desinformação que aplicada para a derrubada de governos, tal como a democracia da Guatemala em 1954.
O objectivo, acima de tudo, era distrair e desviar os impulsos democráticos e sociais do povo trabalhador. O big business, com a sua reputação pública de uma espécie de máfia, foi elevado à de força patriótica. A "livre empresa" tornou-se uma divindidade. "No princípio da década de 1950", escreveu Noam Chomsky, "20 milhões de pessoas por semana estavam a assistir filmes patrocinados pelos negócios. A indústria do entretenimento foi alistada na causa, retratando os sindicatos como o inimigo, o intruso que rompe a "harmonia" do "American way of life"... Todo aspecto da vida social era visado e permeava escolas, universidades, igrejas e mesmo programas recreativos. Por volta de 1954, a propaganda de negócios nas escolas públicas atingiu a metade da quantia gasta com manuais escolares.
O novo "ismo" era americanismo, uma ideologia cuja distinção é negar que seja uma ideologia. Recentemente, vi o musical de 1957 Silk Stockings, estrelado por Fred Astaire e Cyd Charisse. Entre as cenas de dança maravilhosas e uma actuação de Cole Porter havia uma série de declarações de lealdade que aquele coronel no Vietname poderia muito bem ter escrito. Eu havia esquecido quão bruta e penetrante era a propaganda; os soviéticos nunca poderiam competir. Um juramento de lealdade para com todas as coisas americanas tornava-se um compromisso ideológico aos gigantes dos negócios: desde o negócio de armamentos e guerra (o qual consome 42 centavos de cada dólar hoje) ao negócio dos alimentos, conhecido como "agripower" (o qual recebe US$157 mil milhões por ano em subsídios do governo).
Barack Obama é a corporificação deste "ismo". Desde os seus primeiros tempos na política, o tema infalível de Obama tem sido não "mudança", o slogan desta campanha presidencial, mas o direito de a América dominar e ordenar o mundo. A partir dos Estados Unidos, afirmou ele, "conduzimos o mundo na batalha aos males imediatos e pela promoção do bem final... Devemos conduzir pela construção de uma força militar do século XXI para assegurar a segurança do nosso povo e o avanço da segurança de todos os povos". E: "Em momentos de grande perigo no século passado os nossos líderes asseguraram que a América, pelos feitos e pelo exemplo, conduzisse e levantasse o mundo, que nos sustivéssemos e combatêssemos pelas liberdades procuradas por milhares de milhões de pessoas para além das suas fronteiras".
Desde 1945, pelos feitos e pelo exemplo, os EUA derrubaram 50 governos, incluindo democracias, esmagaram 30 movimentos de libertação e apoiaram tiranias desde o Egipto até a Guatemala (ver histórias de William Blum). Bombardeamento é torta de maçã. Tendo apinhado o seu governo de belicistas, compadres da Wall Street e poluidores das eras Bush e Clinton, o 45º presidente está meramente a manter a tradição. A farsa dos corações e mentes que testemunhei no Vietname é hoje repetida em aldeias no Afeganistão e, por procuração, no Paquistão, as quais são guerras de Obama.
No seu discurso de aceitação do Prémio Nobel de Literatura de 2005, Harold Pinter notou que "todos sabem que terríveis crimes foram cometidos pela União Soviética no período do pós guerra, mas "os crimes dos EUA no mesmo período foram apenas superficialmente registados, muito menos documentados, muito menos admitidos, muito menos reconhecidos como crimes". É como se "isto nunca aconteceu. Nada alguma vez aconteceu. Mesmo enquanto estava a acontecer, não estava a acontecer. Você tem de apoiar a América... mascará-la como força para o bem universal. É um acto de hipnose brilhante, mesmo astuto, altamente bem sucedido".
Quando Obama enviou drones [1] para matar (desde Janeiro) uns 700 civis, distintos liberais rejubilaram porque a América é mais uma vez uma "nação de ideais morais", como Paul Krugman escreveu no New York Times. Na Grã-Bretanha, a elite viu há muito na excepcional América um lugar permanente para a "influência" britânica, embora como serviçal ou fantoche. O historiador pop Tristram Hunt diz que a América sob Obama é uma terra "onde os milagres acontecem". Justin Webb, até recentemente o homem da BBC em Washington, refere-se reverencialmente, um tanto como o coronel no Vietname, à "cidade sobre a colina".
Para além desta fachada de "intensificação do sentimento e degradação do signficado" (Walter Lippman), os americanos comuns estão a agitar-se talvez como nunca antes, como que a abandonar a deidade do "Sonho Americano" de que a prosperidade é uma garantia com trabalho árduo e parcimónia. Milhões de emails irados provenientes de pessoas comuns inundaram Washington, exprimindo uma indignação que a novidade de Obama não acalmou. Ao contrário, aqueles cujos empregos desapareceram e cujos lares são retomados vêem o novo presidente a premiar bancos desonestos e uma obesa força militar, no essencial a proteger o terreno de George W. Bush.
Minha suposição é que um populismo emergirá dentro de poucos anos, ateando uma força poderosa que jaz sob a superfície da América e que tem um passado orgulhoso. Não posso prever que caminho irá tomar. Contudo, a partir de um autêntico americanismo de raiz veio o sufrágio das mulheres, o dia de oito horas, o imposto escalonado sobre o rendimento e a propriedade publica. No fim do século XIX, os populistas foram traídos pelos líderes que os pressionaram ao compromisso e fundiram-se com o Partido Democrata. Na era Obama, a familiaridade disto ressoa.
O que é mais extraordinário acerca dos Estados Unidos de hoje é a rejeição e o desafio, em tantas atitudes, à propaganda histórica e contemporânea que tudo permeia do "governo invisível". Inquéritos críveis confirmaram há muito que mais de dois terços dos americanos mantêm pontos de vista progressistas. A maioria quer que o governo cuide daqueles que não podem cuidar-se a si próprios. Eles pagariam impostos mais altos para garantir cuidados de saúde para toda a gente. Querem completar o desarmamento nuclear, 72 por cento quer que os EUA finalize as suas guerras coloniais; e assim por diante. São informados, subversivos e até "anti-americanos".
Certa vez pedi a uma amiga, a grande correspondente de guerra americana Martha Gelhorn, a explicar-me a expressão. "Vou dizer-lhe o que é 'anti-americano' ", disse ela. "É ao que os governos e os interesses a ele ligados chamam aqueles que honram a América ao objectarem à guerra e ao roubo de recursos e acreditarem em toda a humanidade. Há milhões destes anti-americanos nos Estados Unidos. Eles são pessoas ordinárias que pertencem à elite e que julgam o seu governo em termos morais, embora chamem a isso decência comum. Não são pessoas fúteis. São as pessoas com consciência desperta, o melhor dos cidadãos americanos. Pode-se confiar neles. Estavam no Sul com o movimento dos direitos civis, acabando com a escravatura. Estavam nas ruas a exigir o fim das guerras na Ásia. Certamente desapareceram da vista agora e então, mas são como sementes debaixo da neve. Eu diria que eles são realmente excepcionais".
[1] Drones: Aviões sem piloto que os EUA estão a utilizar no Afeganistão e Paquistão para disparar mísseis contra populações civis.
Adaptado do discurso "Império, Obama e o último tabu", de John Pilger, na conferência Socialism 2009, em San Francisco, a 04 de Julho.
* Jornalista australiano
O original encontra-se em http://www.johnpilger.com/page.asp?partid=539
Este artigo foi publicado em resistir.info .
sexta-feira, 31 de julho de 2009
Divulgando...
Assista ao Fórum da Cultura
Nesta sexta-feira, 31 de julho, em auditório improvisado no saguão do prédio da Fiesp/Sesi, na avenida Paulista, em São Paulo, à partir das 15 horas, teve lugar um debate público com o ministro da Cultura, Juca Ferreira.
A convite da jornalista Lia Rangel (ex-Roda Viva, da TV Cultura, onde fazia excelentes entrevistas de “bastidores” com entrevistados e entrevistadores e a quem conheci quando me convidou para participar de um dos programas) participei desse evento e nele pude fazer minhas colocações e um questionamento importantíssimo ao ministro por conta da Conferência Nacional de Comunicação, que terá lugar no fim deste ano, quando serão discutidos temas candentes como a concentração da propriedade midiática, sobretudo da eletrônica, e, acima de tudo, para onde continuarão indo as verbas oficiais que irrigam a comunicação brasileira.
O vídeo acima é longo, porém de excelente qualidade. Minha participação, mais correlata aos assuntos dos quais tratamos aqui, acontece aos 38 minutos do vídeo e se estende por cerca de três minutos. À minha manifestação seguem-se duas questões correlatas de outros dois blogueiros, que, como eu e mais umas duas dezenas, foram convidados pela jornalista para o evento. Em seguida, um membro do ministério da Cultura responde, sendo novamente aparteado por mim (porém, sem que, desta vez, minha voz e imagem apareçam no vídeo) sugerindo-lhe uma campanha publicitária anunciando a Conferência Nacional de Comunicação, sugestão à qual acedeu. Por fim, aos 50 minutos de vídeo, o próprio ministro da Cultura aborda minha questão e, fora do vídeo, faço alguns apartes que ele responde depois de concordar com suas premissas.
Contudo, quem tiver coragem e paciência para assistir às mais de duas horas totais do vídeo, com certeza entenderá o que se quer dizer com Cultura Digital, tema de uma importância e de uma abrangência que, como o vídeo mostrará a quem assisti-lo atentamente, são muito maiores do que pode supor nossa vã filosofia.
Para localizar algum ponto específico do vídeo, há que clicar com o cursor do mouse pelos diversos pontos da barra de progresso e atentar para o contador de tempo no canto inferior direito da tela. Como exemplo, para localizar minha fala, aos 38 minutos, há que localizar, no contador, a posição 00:38:00. Demora alguns segundos para aparecer a nova contagem.
Espero que assistam. Travaram-se ali discussões importantíssimas para o futuro da comunicação no Brasil.
Está no Correio da Cidadania...
Boaventura de Sousa Santos
Tragicamente para FHC e seus aliados a frase de autoria do ex-presidente brasileiro mostrou-se errada em todos os seus significados desde a eleição de Lula até à crise do agora defunto (ressuscitará?) neoliberalismo.
A frase “a esquerda é burra” é de autoria de Fernando Henrique Cardoso (FHC), sociólogo de renome internacional e Presidente do Brasil entre 1995 e 2003. Ficou famosa pelo simplismo com que desqualificava os adversários das políticas neoliberais do seu governo. Curiosamente tais políticas desqualificavam tudo o que ele antes tinha escrito enquanto sociólogo, o que o levou a pronunciar outra frase que ficou igualmente famosa: “esqueçam tudo o que eu escrevi”.
Tive ocasião de discutir com ele o significado da frase sobre a esquerda. Discordava do seu sentido mais óbvio e intrigava-me a sua arrogância. Para FHC a frase tinha vários significados: a esquerda ainda não entendera que o neoliberalismo era a única solução para a economia mundial e a melhor garantia contra as propaladas crises do capitalismo; o principal líder da esquerda, Inácio Lula da Silva, era um operário ignorante e sem preparação para governar o país; a esquerda estava minada pelo fraccionismo e nunca se uniria (ao contrário da direita) para assumir o poder. Tragicamente para FHC e seus aliados a frase mostrou-se errada em todos os seus significados desde a eleição de Lula até à crise do agora defunto (ressuscitará?) neoliberalismo.
Mas, apesar disso, a frase ficou como um fantasma da esquerda brasileira, como se a esquerda tivesse de demonstrar a cada momento que não era burra e como se o mesmo ônus não impendesse, por outras razões mas com a mesma justificação, sobre a direita, ela sim, afinal perdedora. É sabido que os fantasmas, tal como os espíritos, atravessam tempos e fronteiras. Tal como discordei da caracterização simplista da esquerda brasileira, discordaria dela se aplicada à esquerda portuguesa. Apesar disso, ante os atos eleitorais que se aproximam, pergunto-me se, a título preventivo e como dúvida metódica, não fará sentido pôr a questão: será a esquerda portuguesa burra? Ou melhor: nos próximos atos eleitorais quem se revelará menos burra, a esquerda ou a direita?
Ao contrário dos confusionistas do costume, dou de barato que há esquerda e direita. Tanto uma como outra são plurais, estão divididas em vários partidos e em várias tendências dentro de cada partido. Se tomarmos como referência as últimas eleições para o parlamento europeu e talvez a maioria dos actos eleitorais desde o 25 de Abril de 1974, os portugueses votam majoritariamente à esquerda. De algum modo, a ideia de solidariedade social tem-se sobreposto à de darwinismo social, a ideia de um Estado protetor à ideia de um Estado predador, a ideia do bem público à ideia do interesse privado. E se é verdade que a esquerda governante tem frustrado consistentemente as expectativas que decorrem destas ideias, não é menos verdade que os portugueses têm teimado em crer que tal não é uma fatalidade e que a direita não oferece uma alternativa exceto em desespero de causa.
Daí que as frustrações com a esquerda governante se tenham traduzido, menos no crescimento da direita, do que no crescimento de opções pela esquerda até agora não governante, um fenômeno inédito na Europa de hoje. Em face disto, e a menos que os portugueses se sintam numa situação de desespero de causa, podemos concluir que, se nos próximos atos eleitorais a direita ganhar, a esquerda é mais burra que a direita.
Nas condições portuguesas, a esquerda corre o risco de ser mais burra que a direita por duas razões principais: confundir-se com a direita; dividir-se ao ponto de não poder unir-se no principal: impedir a eleição de um governo de direita. Pelo que disse acima, quando a direita tenta se confundir com a esquerda (o que tem acontecido frequentemente) corre sempre menos riscos que a esquerda quando esta se confunde com a direita. Por outro lado, a direita tem uma história unitária muito mais consistente que a esquerda. Para que estes riscos se não concretizem, as esquerdas têm de mostrar aos portugueses que o coração da esperança continua a bater mais fortemente que o coração do desespero. Não é tarefa fácil mas não é impossível. E isto que é válido para as eleições legislativas é igualmente válido para as eleições autárquicas. No que respeita a estas últimas, o caso de Lisboa será paradigmático. Parece óbvio que só por desespero se pode votar no candidato da direita. Por sua vez, o candidato principal da esquerda é um dos mais brilhantes políticos da nova geração de líderes de esquerda, só comparável ao líder da esquerda mais inovadora da última década. Se ele sair derrotado nas próximas eleições, obviamente a esquerda é burra. Espero vivamente que tal não seja o caso.
Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).
Está no sitio do CPERS-sindicato...
Pesquisa revela que 87% da comunidade escolar têm preconceito contra homossexuais |
Nas escolas públicas brasileiras, 87% da comunidade - sejam alunos, pais, professores ou servidores - têm algum grau de preconceito contra homossexuais. O dado faz parte de pesquisa divulgada recentemente pela FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo) e revela um problema que estudantes e educadores homossexuais, bissexuais e travestis enfrentam diariamente nas escolas: a homofobia. O levantamento foi realizado com base em entrevistas feitas com 18,5 mil alunos, pais, professores, diretores e funcionários, de 501 unidades de ensino de todo o país. "A violência dura, relacionada a armas, gangues e brigas, é visível. Já o preconceito a escola tem muita dificuldade de perceber porque não existe diálogo. Isso é empurrado para debaixo do tapete, o que impera é a lei é a do silêncio", destaca a socióloga e especialista em educação e violência, Miriam Abromovay. Um estudo coordenado por ela e divulgado este ano indica que nas escolas públicas do Distrito Federal 44% dos estudantes do sexo masculino afirmaram não gostariam de estudar com homossexuais. Entre as meninas, o índice é de 14%. A socióloga acredita que o problema não ocorre apenas no DF, mas se repete em todo o país. "Isso significa que existe uma forma única de se enxergar a sexualidade e ela é heterossexual. Um outro tipo de comportamento não é admitido na sociedade e consequentemente não é aceito no ambiente escolar. Mas a escola deveria ser um lugar de diversidade, ela teria que combater em vez de aceitar e reproduzir", defende. A coordenadora-geral de Direitos Humanos do Ministério da Educação (MEC), Rosiléa Wille, também avalia que a escola não sabe lidar com as diferenças. "Você tem que estar dentro de um padrão de normalidade e, quando o aluno foge disso, não é bem-compreendido naquele espaço." As piadas preconceituosas, os cochichos nos corredores, as exclusões em atividades escolares e até mesmo as agressões físicas contra alunos homossexuais têm impacto direto na autoestima e no rendimento escolar desses jovens. Em casos extremos, os estudantes preferem interromper os estudos. "Esse aluno desenvolve um ódio pela escola. Para quem sofre violência, independentemente do tipo, aquele espaço vira um inferno. Imagina ir todo dia a um lugar onde você vai ser violentado, xingado. Quem é violentado não aprende", alerta o educador Beto de Jesus, representante na América Latina da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexo (ILGA). Para Rosiléa Wille, o enfrentamento do preconceito não depende apenas da escola, mas deve ser um esforço de toda a sociedade. "A gente está tendo a coragem de se olhar e ver onde estão as nossas fragilidades, perceber que a forma como se tem agido na escola reforça a rejeição ao outro. Temos uma responsabilidade e um compromisso porque estamos formando nossas crianças e adolescentes. Mas o Legislativo, o Judiciário, a mídia, todas as instâncias da sociedade deveriam se olhar também”. |
"Flatrate": a crise chega aos bordéis
Por Flávio Aguiar
Site de bordel promete "mulheres e bebidas" por € 99: polêmica deflagrou operações policiais (Foto: Reprodução sueddeutsche.de)
Há uma polêmica enorme nos jornais alemães. O tema chama-se “Flatrate Bordell”. O que é isso? É uma “Freudenhaus” – literalmente “casa do prazer ou da alegria” – como na Alemanha se chamam essas casas, que cobram um preço único (“Flatrate”, “Pauschaltarif”, em alemão) do freguês, pelo direito de lá ficar a noite inteira. O preço inclui mulheres, comida e bebida, o quanto o freguês quiser e puder, e varia de € 70 a € 100 por até 16 horas.
Esse tipo de casa, que, ao que parece, foi inventada na Alemanha por uma empresária romena, levantou poeira nos jornais, entre autoridades, organizações de direitos humanos, jornalistas, empresários do ramo, juristas, com posições contra e a favor, a partir de uma ampla gama de valores, que vão desde um moralismo conservador até as preocupações trabalhistas implicadas, passando, é claro, pela situação mais ou menos precária quanto a direitos e tratamento das “Sexarbeiterinnen” (“trabalhadoras do sexo”), denominação mais respeitosa com que se chamam as prostitutas, ou “Huren”, como se diz vulgarmente por aqui.
A polêmica ganhou tal amplitude que uma associação de casas do gênero (“Dona Carmen”) divulgou uma matéria paga em sua defesa, em dois dos principais jornais alemães (o Frankfurter Rundschau e o Süddeutscher Zeitung), assinada por 77 “Sexarbeiterinnen”, ao custo de aproximadamente € 25 mil (cerca de R$ 72 mil).
A polêmica também deflagrou algumas batidas da polícia nessas casas. Pelo menos duas foram fechadas, mas não pelo “Flatrate”, e sim por irregularidades quanto às normas para esse tipo de casa. Mas a pressão teve efeitos: uma dessas casas (Calígula – que nome!) em avenida no bairro onde moro (Schöneberg), que anunciava com estardalhaço o “Flatrate” a € 99 por noite, retirou o anúncio da fachada, embora o tenha mantido em seu site na internet.
Um ponto interessante foi levantado por uma porta-voz da Hydra, uma organização fundada por mulheres (algumas delas prostitutas, outras não) para lutar contra o preconceito e pelos direitos das prostitutas. A preocupação manifesta era de que isso podia significar uma quebra de preços, com o peso disso recaindo, é claro, sobre as mulheres trabalhadoras. Ou seja, a crise financeira mundial e seus desdobramentos chegaram também a esse ramo de trabalho.
Em Berlim, assim como em outras cidades, há um processo espantoso de ofertas e liquidação em lojas de todo o tipo, numa espiral deflacionária inquietante. As que não estão quebrando vêem-se obrigadas a também rebaixar seus preços diante dessa “concorrência falimentar”. O “Flatrate” seria, assim, uma resposta também a esse encurtamento generalizado dos meios de pagamento disponíveis. Um dos argumentos oferecidos pelos proprietários e gerentes de tais casas é que nelas as mulheres têm uma renda fixa garantida – de € 100 a € 200 por noite – independentemente do número de fregueses que as frequentem.
A Hydra (www.hydra-ev.org) foi fundada em 1980 e, desde 1985, recebe verbas públicas, oferecendo todo o tipo de apoio às “Sexarbeiterinnen”, e também a homens. Segundo a associação, há 400 mil mulheres trabalhando no ramo na Alemanha (um pouco menos do que 1% da população economicamente ativa). Desde 2002 o “Sexarbeit” (“trabalho com sexo”) é uma profissão reconhecida, dando direito à seguridade social sob a forma de seguro-saúde, seguro-desemprego e aposentadoria. As mulheres têm também o direito assegurado legalmente de escolha do lugar onde exercer a profissão, do tempo de trabalho, bem como de com quem exercê-la e também sobre o que fazer e o que não fazer, e isso inclui as casas “Flatrate”.
Mas na prática a realidade é mais complicada, e mais difícil. Para começo de conversa, segundo a mesma Hydra, metade das 400 mil mulheres são estrangeiras. Uma grande parte delas vêm do leste europeu, onde grassa o desemprego, potenciado pela crise. Outras vêm da América Latina, Ásia e África. Desse contingente de 200 mil, um grande número está na Alemanha em condições ilegais. Essas mulheres são refratárias a buscar o amparo legal, pois isso pode lhes custar a permanência no país ou até na União Européia. Elas passam a ser dependentes dos seus “chefes” e “chefas” para tudo, até em termos de cuidados médicos, o que se aproxima da condição que no Brasil chamaríamos de “moderno trabalho escravo”. Por isso um dos esforços da Hydra, além do de assistir às mulheres que queiram continuar na profissão, é o de oferecer ajuda a quem quiser buscar outro tipo de trabalho. Não se trata de moralismo, mas de assegurar um direito: a liberdade.
Goa e suas riquezas...
Goa: amaldiçoada pela sua riqueza mineral
Situada na costa ocidental da Índia, Goa é famosa como praia paraíso tão apreciada pelos indianos como pelos turistas estrangeiros. No interior, apenas a alguns quilómetros dos restaurantes elegantes e das ondas cristalinas que lambem as praias prateadas do mais pequeno estado indiano, as minas de minério de ferro estão a destruir o ambiente, afirmam os activistas e os locais.
Shirgao não passa de uma das muitas aldeias goesas do norte que estão a sofrer os efeitos do boom da exploração do minério de ferro desde 2000. "As companhias mineiras escavaram por baixo do lençol aquífero e destruíram todas as nossas fontes", diz Francis Fernandes (não é o seu nome verdadeiro), de 55 anos, morador na aldeia. "Na nossa aldeia, as pessoas dependem dos arrozais para viver. Mas nos últimos sete anos, não têm conseguido cultivar as terras porque deixou de haver possibilidade de irrigação. As ocupações tradicionais estão a ser destruídas. As pessoas também estão a sofrer de tuberculose e de outras doenças [agravadas ou] provocadas pela poluição. Neste momento estamos a ter uma vida miserável".
A paisagem à volta da aldeia de Fernandes está sulcada por enormes minas, profundamente escavadas no rico solo vermelho. As companhias que ali operam incluem duas das maiores operadoras de extracção de minério de ferro no estado – a Dempo Mining e o Chowgules Group.
Desde 2008 que o estado de Goa contribui com mais de 30 por cento das exportações de minério de ferro da Índia, segundo os números de exportação. Os lucros da indústria vão para o governo federal e para mais de 100 companhias mineiras no estado, muitas das quais são operadoras privadas de pequena dimensão. A maior companhia mineira de Goa é a Sesa Goa, uma subsidiária da Vedanta Resources, com sede na Grã-Bretanha. A Sesa Goa exportou 4 milhões de toneladas de minério de ferro em 2008 e declarou lucros após impostos de 296 178 660 dólares. Outros importantes actores na indústria incluem a Dempo Mining, a Sociedade de Fomento, o Chowgules Group e as Salgaocar Mining Industries. Todas estas companhias têm a sua sede em Goa.
Entre 2002 e 2007 estas companhias e as outras mais pequenas contribuíram para duplicar as exportações de minério de ferro de Goa para cerca de 40 milhões de toneladas por ano. Este boom foi estimulado fundamentalmente pela procura crescente da indústria de aço da China. Os ambientalistas ainda se queixam mais perante o facto de que todo o minério de ferro de Goa é exportado para o estrangeiro e insistem em que as minas devem ser fechadas, afirmando que o estado está a ser destruído a fim de desenvolver a economia da China.
Com efeito, a indústria do minério de ferro que enriquece o governo federal e as companhias mineiras contribui com menos de 1 por cento para as receitas totais de Goa. Os activistas e os críticos da indústria dizem que as companhias mineiras não estão a recompensar suficientemente o estado e as pessoas como Fernandes.
Um dos problemas é o sistema de royalties pelo qual Goa e outros estados ricos em minério de ferro recebem uma taxa fixa entre 0,08 e 0,52 dólares por tonelada, de acordo com a qualidade do minério. Este sistema leva a que o minério de ferro da Índia se situe entre os mais baratos do mundo, já que a maior parte dos países usa uma avaliação ad valorem (uma proporção do valor do artigo) que é ajustável ao preço do mercado internacional.
Os estados ricos em minério como Goa estimam que podiam duplicar os seus ganhos com a indústria mineira se a Índia mudasse para um sistema ajustável. "As royalties são totalmente arbitrárias", diz Ritwick Dutta, um eminente advogado ambientalista e fundador da Environmental Impact Assessment Resource and Response Center (ERC), com base em Delhi. "Como é que se chega a esse número? Os impactos ambientais e sociais não estão a ser considerados".
As receitas para os estados ainda são mais reduzidas porque se permite que a indústria auto declare os níveis de produção, oferecendo assim às companhias a grande oportunidade de declarar por defeito a fim de aumentar os seus lucros. Sujay Gupta, vice-presidente de comunicações de uma das maiores companhias mineiras de Goa, a Sociedade de Fomento, confirma que existem abusos, mas diz que estes se limitam a companhias recém-estabelecidas para se aproveitarem do boom do minério de ferro.
"As operadoras temporárias estão pura e simplesmente a roubar. Está a ser extraído muito mais [minério de ferro] do que o que é declarado", afirma.
O departamento de minas de Goa está "actualmente a examinar estas queixas e à procura de formas de impor restrições à actividade ilegal", diz Shri A. T. D'Souza, geólogo sénior da divisão de minas do governo do estado de Goa.
Companhias, como o Resourceful Group, que opera uma mina na área Sanguem no sul de Goa, defendem a indústria como a "espinha dorsal da economia de Goa", assinalando que a indústria mineira emprega 11 000 pessoas directamente e um número semelhante indirectamente, através do transporte do minério. Mas a maior parte destes empregados são trabalhadores migrantes de estados como Bihar e Uttar Pradesh, com altos níveis de pobreza e de desemprego.
"Em Goa, não é a indústria que determina o padrão de vida, mas o padrão de vida que determina a indústria", diz o Dr. Claude Alvares, director da Fundação Goa, uma organização ambientalista com 20 anos de existência. "Os goeses param aquando dos festivais religiosos e noutras ocasiões. Por isso as companhias mineiras preferem empregar não goeses que são uma fonte de mão-de-obra mais dependente".
Impactos ambientais
Embora os benefícios para Goa e para a sua gente sejam limitados, os prejuízos para o ambiente são extensos.
A Fundação Goa diz que a actividade mineira provocou muito maior destruição ao ecossistema de Goa do que todas as outras actividades económicas no estado, incluindo o turismo e as fábricas químicas.
A prática vulgarmente utilizada de mineração "a céu aberto" cria mais de 3 toneladas de desperdício por cada tonelada de minério de ferro produzido. Este desperdício polui rios e lagos – muitos dos quais se tingem de vermelho com o minério de ferro. As práticas mineiras também poluem a terra, prejudicando a vida animal, invadindo as quintas e dando cabo da fertilidade do solo. A paisagem está juncada de enormes montes de terra deslocada pelas escavações.
Gupta reconhece que o ambiente está a ser prejudicado, mas culpa novamente os recém-chegados que apareceram depois do boom. "Dado o aumento do número de actores – e a quantidade de exploração mineira actual – provocaram-se prejuízos no ambiente e aumentou a pressão sobre o lençol aquífero. É necessário muito trabalho para melhorar a sustentabilidade da indústria mineira em Goa".
O impacto ambiental é exacerbado pela coincidência da cintura de minério de ferro da Índia com o Ghats ocidental, um frágil ecossistema listado como um dos 12 pontos ecológicos sensíveis do mundo. Rico em diversidade biológica de plantas e de vida animal, a área montanhosa estende-se por 1 600 quilómetros, entrando terra adentro ao longo do comprimento da costa oeste da Índia, através dos estados de Goa, Maharashtra, Karnataka, Tamil Nadu e Kerala.
Os efeitos da exploração mineira no estado ultrapassam os da poluição directa. A indústria também está a provocar impacto nas infra-estruturas, na qualidade do ar e na segurança pública. Todos os dias, mais de 12 mil camiões vão e voltam das minas até ao principal porto de Goa, Marmugão, libertando pó e gases de escape. Embora a carga máxima legal seja de 10 toneladas por camião, a maior parte dos veículos anda com sobrecarga, transportando 15 ou 16 toneladas, e danificam as estreitas estradas de Goa. Como os motoristas são pagos por carga, precisam de fazer o maior número de viagens por dia e têm pouco incentivo para andar devagar e com cuidado. "Há muitos acidentes por causa dos camiões", disse Anthony Da Silva numa manifestação anti-mineira em Goa em Fevereiro de 2009.
Alguns activistas exigem a cessação das actividades mineiras até serem tratadas as preocupações ambientalistas. "Será mesmo possível suspender a actividade mineira?" pergunta Gupta. "A exploração mineira ocorre em todos os países. Há uma enorme procura de aço que só é satisfeita através da extracção do minério de ferro. Os argumentos contra a actividade mineira são defeituosos. Em vez deles, devia haver uma exigência forte de uma actividade mineira sustentável".
Respondendo às acusações de que a indústria está a fazer muito pouco para proteger o ambiente, D'Souza, da divisão de minas do governo de Goa, pergunta, "Quanto é que é o suficiente? Com exploração mineira a céu aberto há sempre prejuízos".
A água está a tornar-se rara
Os activistas alertam para que "parte" dos prejuízos ambientais a quintas, a florestas e aos recursos de água já se tornaram irreversíveis. O medo pelo futuro e a destruição já visível desencadearam a inquietação do público.
"É uma questão de sobrevivência para o estado", diz o activista local, Sebastian Rodriques. "Estamos perante uma destruição geral – uma grande catástrofe na próxima década". A Sociedade de Fomento está agora a processar o conhecido activista por difamação.
"A situação vai piorar significativamente durante os próximos cinco anos, em especial no que se refere ao abastecimento de água", avisa Ramesh Gaunes, professor em Bicholim no norte de Goa, que há uma série de anos tem vindo a fazer campanha contra os abusos ambientais da indústria mineira.
Muitos activistas concentram-se na vulnerabilidade do abastecimento de água na região, apesar da sua vasta rede de rios e lagos. Algumas comunidades deixaram de ter água potável, e em muitas aldeias, incluindo Pisfurlem e Shirgao, no norte de Goa, e Muscauvrem, no sul de Goa, os recursos de água secaram quase totalmente.
Estas comunidades dependem agora das companhias mineiras para serem abastecidas de água por camião. "Costumávamos ter água canalizada na nossa aldeia", explica Fernandes da aldeia Shirgao, "mas agora há muito pouca quantidade de água. De vez em quando as companhias trazem-nos água, por exemplo, durante as épocas festivas, mas só porque o governo as obriga a isso. Na maior parte do tempo debatemo-nos com falta de água".
"Depois da destruição dos sistemas subterrâneos, é preciso trazer carros-tanques para fornecer água. O que acontecerá a estas comunidades quando as companhias mineiras deixarem de enviar os carros-tanques?" pergunta o Dr. Claude Alvares, director da Fundação Goa.
Esse dia está a chegar. Os proprietários das minas prevêem que as reservas de minério de ferro estarão esgotadas dentro de 10 a 20 anos e nessa altura as companhias ir-se-ão embora, deixando as comunidades a braços com a seca.
Projectos simbólicos de responsabilidade empresarial social
"Há pessoas a ganhar lucros enormes à nossa custa" disse D'Silva em público num encontro anti-mineiro em Goa em Fevereiro.
Mas as companhias afirmam que estão a recompensar as comunidades em termos de projectos sociais e ambientais. Em 2000 cerca de 14 companhias mineiras goesas fundaram a Fundação Mineira de Goa para implementar esquemas de responsabilidade empresarial social (CSR) em comunidades afectadas pela extracção mineira. "No início, fazíamos sobretudo trabalho de caridade", explica o director executivo da Fundação, Swaminathan Shridhar. "Actualmente, estamos a fazer CSR em sentido verdadeiro".
Mas o altruísmo não é a única motivação. "É uma boa imagem para as companhias ser membro da Fundação Mineira, quando requerem as suas dispensas ambientais", diz Shridhar. As despesas totais da fundação em 2007-08 foram de 607 357 dólares. Embora algumas companhias também implementem os seus próprios projectos CSR independentemente da fundação, este orçamento é uma ninharia em comparação com os seus enormes lucros. As duas maiores companhias – a Sesa Goa e a Dempo Mining – declaram lucros conjuntos após impostos de mais de 530 milhões de dólares por ano.
A qualidade de alguns dos projectos CSR também tem levantado dúvidas. Embora alguns projectos de educação e de saúde tenham beneficiado as comunidades locais, outros esquemas, como o pagamento de 2 dólares por dia a mulheres para varrer a poeira das estradas depois de os camiões passarem, são considerados genericamente como uma perda de tempo e de recursos, e estão desfasados das necessidades da comunidade. Na aldeia de Shirgao, onde o meio de vida foi fortemente afectado pela actividade mineira, "As companhias nada fizeram por nós", diz Fernandes. "Não trouxeram nem escolas nem hospitais para a nossa aldeia".
Algumas companhias contra argumentam que a sua capacidade de realização de boas obras é embaraçada por activistas ambientalistas e organizações comunitárias que se recusam a trabalhar com elas para melhorar a situação. "Estamos a estender a mão a activistas anti-minério, mas eles não estão dispostos a entender-se connosco", diz Gupta da Sociedade de Fomento.
Mas enquanto que o ritmo da reforma é lento, a exploração mineira de ferro está em expansão. Segundo o Centro de Ciência e Ambiente, uma organização de investigação e consultoria com sede em Delhi, 8 por cento do estado já está abrangido pela actividade mineira. E, se forem autorizados todos os pedidos de concessão actualmente pendentes, mais de 25 por cento deste estado paradisíaco ficará vulnerável à devastação ambiental já iniciada.
Parece que Goa, abençoada por um solo fértil e praias cintilantes, está amaldiçoada pela sua riqueza em minério. "Agora que a actividade mineira já destruiu o nosso abastecimento de água, as pessoas estão a tentar abandonar a aldeia. Mas é difícil – são gente pobre, dependente da terra para sobreviver", diz Fernandes.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
quinta-feira, 30 de julho de 2009
Os genocidas apoiados pela Igreja e ocultados pela História
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Por Stefano, no blog In Go(l)d We Trust A grande mídia adora falar da Alemanha Nazista, mas omite outro regime sanguinário: a Ustasha croata. O regime Ustasha — Estado "Independente" da Croácia (NDH, em croata Nezavisna Država Hrvatska) nasceu em 1941 graças à invasão nazi-fascista na Iugoslávia durante a 2GM. O Vaticano apoiou o regime de Ante Pavelic porque desejava um poderio católico nos Balcans. O NDH (mistura de nazismo com inquisição católica) exterminou cerca de 1 milhão de sérvios (cristãos ortodoxos), 60 mil judeus, 30 mil ciganos e milhares de opositores. A cumplicidade da igreja católica com este regime sanguinário foi intensa, a ponto de padres liderarem conversões forçadas de sérvios, massacres e campos de extermínio (Jasenovac, por exemplo). A crueldade Ustasha era tão grotesca que chocava até mesmo os alemães e italianos, que tiveram que dar um freio na Ustasha. O chefe religioso do NDH, cardeal Stepinac, foi beatificado pelo papa JP2 em 1998. O assunto Ustasha é um grande tabu na grande mídia nacional e internacional, graças ao lobby da igreja católica. O El País da Espanha chegou a relatar em 1986 o atrito entre a imprensa oficial e a católica se o clero romano estava envolvido ou não com os crimes de Andrija Artukovic (ministro do NDH). O Vaticano, após a queda do NDH, jamais admitiu qualquer responsabilidade, nem mesmo parcial pelas atrocidades aí cometidas, nem mesmo um pedido de perdão. Em verdade, quando acusado, ele nega qualquer conexão com todo o regime croata. Quando solicitado a expressar o seu repúdio pelos feitos cometidos pela Ustasha no NDH, ele faz um silêncio cúmplice. Nem mesmo o site oficial do Vaticano possui texto repudiando as barbaridades do regime do NDH (nem um pedido de perdão). O papa JP2 nunca aceitou visitar Jasenovac, atitude compartilhada pelo atual papa B16. O Vaticano, através de $eu banco, receptou e lavou o dinheiro roubado pelos fugitivos do regime nazi-católico da Croácia (Ustasha) no final da 2GM, além de ajudar vários figurões do NDH que nem Ante Pavelic,Andrija Artukovic e Dinko Sakic fugirem pra América do Sul(Operação Ratlines). A cumplicidade vaticana com os croatas lhe rendeu uma ação judicial. Advogados dos Estados Unidos, representando sobreviventes e parentes de vítimas do regime Ustasha, estão tentando processar, sem sucesso, o Banco do Vaticano. Este texto se encontra em: www.vermelho.org.br |
Resistência em Honduras...
Greve civil nacional em novo dia antigolpista em Honduras | | | |