quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Série Gramsci/2009: Hegemonia(texto longo)


Do blog Na pratica a teoria é outra

Esse post, aviso, vai ser longo. Demorou pra escrever, e só sai agora que o Amiano me arrumou a imagem acima.

Aviso também que não tenho muito entusiasmo para discutir a “ortodoxia” da interpretação que se segue. Não que não acredite que toda interpretação é possível, mas, em geral, algumas são; e, no caso de um autor como o Gramsci, cuja obra é uma coleção de fragmentos, o problema é especialmente grave. Minha sugestão é deixar as interpretações circularem e ver que trabalho elas fazem de interessante, sob os vários critérios pelos quais se pode julgar essas coisas.

Enfim, taí o que você queria:

Um analista frio e distanciado

Hegemonia é provavelmente o conceito mais conhecido do Gramsci. Na versão Olavopop, é uma sacanagem tipo maçonaria pela qual os comuna arranjam um monte de emprego público, escrevem livros didáticos, botam o Vaticano no bolso, dominam as redações dos jornais e mandam ele embora. A partir daí, eles passam a repetir um monte de baboseira que é o exato inverso da verdade, e, como nego é burro pra cacete, todo mundo começa a acreditar nisso. Vamos voltar a falar do Olavo no último post ( e não só mal), mas a primeira coisa que deve ser dita sobre hegemonia é: não é isso não.

Porque os caras do Apostos não gostam de mim?

Para começar, uma boa comparação é com a análise do poder do Foucault. No célebre começo do Vigiar e Punir, o rei da França sai pra dar uma volta e toma umas facada. Pegam o sujeito que fez isso e estrupiam ele todo (e o cabra demora pra morrer). O poder é mostrado como um corpo, o corpo do Rei, que é facilmente identificável pela peruca ridícula e pode ser atingido com uma faquinha vagabunda.

Na modernidade, por outro lado, o poder se exerce em uma rede, composta pela legislação, pelo saber científico, pela medicalização do não-adaptado, pelas instituições difusas, cada qual com seu funcionamento, mas pautadas por uma determinada visão moderna de disciplina (que também se vê na fábrica, na burocracia).

E esse poder mais difuso é menos, muito menos frágil do que o poder do reizinho lá. Exemplifico com uma história que me contaram. Numa discussão no CEBRAP, um estudante reclamou que não aguentava mais ficar estudando conceitos abstratos, como Estado; queria estudar coisas concretas. Aí o Giannotti pega um copinho de plástico e pergunta: o que é mais concreto, esse copo ou o Estado, ou o Capitalismo? E o moleque responde, esse copo. O Giannotti esmaga o copo com a mão, vira pro moleque, e diz: agora faz isso com o Estado, ou com o Capitalismo.

Pois bem: o livro do reizinho do começo do Foucault é “O Príncipe”. O livro desse novo poder é o que o Gramsci quis escrever (”O Moderno Príncipe”), sempre dentro da interpretação que o Gramsci dava ao Maquiavel: Gramsci achava que Maquiavel explicando o poder não servia aos príncipes. Os príncipes já sabiam como alcançar e manter o poder. Quem não sabia era o povo.

Mas há uma diferença crucial entre o Gramsci e o Foucault: o poder do Foucault é um negócio descentrado, uma nuvem de redes na qual o poder circula. Para Gramsci, marxista que era, essa nuvem de redes tinha um núcleo duro: a dominação de classe burguesa, à qual correspondia, não apenas a dominação na fábrica, mas também uma visão de mundo que se impunha cada vez mais à medida em que o capitalismo se consolidava, mas tinha sua própria história: o capitalismo também se desenvolvia à medida em que as condições ideológicas, por sua própria dinâmica, se tornavam mais favoráves - com a reforma protestante, por exemplo.

(note-se que Weber, cuja obra Gramsci conheceu muito pouco, não deixou de notar algo parecido, por exemplo, quando falava das semelhanças entre a separação entre produtor e meios de produção na fábrica e administrador e meios de administração na burocracia)

Quando a burguesia consegue articular essa visão de mundo (em grande parte, porque o capitalismo se desenvolve rapidamente), passa a exercer liderança sobre as outras classes, inclusive a classe dominada (em momentos de hegemonia particularmente consolidada). Hegemonia é um conceito que expressa essa idéia de que a classe dominante é a que leva a sociedade em uma determinada direção.

Uma idéia frequentemente levantada como objeção a isso: ora, não há evidência de uma conspiração burguesa para implementar valores burgueses na sociedade, os teóricos do liberalismo eram aristocratas ou padres. Esse é o argumento de quem ainda procura o poder no corpo do rei.

As idéias iluministas surgem a partir de uma dinâmica própria da discussão intelectual da época (cujos participantes eram, em geral, aristocratas ou padres), e têm uma longa pré-história. Muitas delas se originam em países em que o capitalismo era pouco desenvolvido. Mas elas exercem maior influência em países em que o capitalismo se desenvolve cada vez mais rápido, como a Inglaterra e a França (há casos complicados, como a Alemanha - ver Kant sobre a revolução francesa). Usando a expressão do Weber, há uma afinidade eletiva entre o capitalismo e essas maneiras de pensar, e a partir de certo ponto é difícil diferenciar a difusão de um e das outras: quando a Rússia perde a guerra da Criméia, fica claro que precisa se modernizar para sobreviver como Estado: e o desafio, para o qual a elite russa não encontra resposta à altura, é como importar o capitalismo sem aqueles igualitarismos todos.

Não gostou? Quero ver fazer melhor!

Não gostou? Quero ver fazer melhor!

Aí caiu a aristocracia russa. Sobem os bolcheviques ao poder, todos animadinhos. Querem implementar uma coisa totalmente diferente. Uma nova hegemonia (é Lenin quem inventa o termo). Acaba a guerra civil, e o que os bolcheviques fazem? Depois de reprimir os movimentos operários dentro das fábricas e perder o conflito militar contra os camponeses, que eram os verdadeiros autores da revolução (a revanche, sob Stalin, seria um dos piores episódios da história humana), os bolcheviques descobrem que controlam apenas “O Estado czarista caiado de vermelho” (Lenin). E têm que executar exatamente as mesmas tarefas, visto que, ao contrário da burguesia triunfante, por exemplo, na Revolução Gloriosa, não incorporam um poderoso movimento da estrutura econômica em direção à esfera ideológica.

O socialismo não existe enquanto plataforma econômica, a não ser na versão, já completamente aburguesada desde a Segunda Internacional, de completa estatização da economia. Leia-se: estatização das fábricas criadas pela hegemonia burguesa pelo Estado burocrático criado pela hegemonia burguesa. Porque o operariado não conseguiu inventar sua própria unidade de produção e sua própria visão de poder. O projeto de hegemonia operária, pelo menos até agora, fracassou.

O Corpo do Rei

O Corpo do Rei

Para o Gramsci, observando isso aí em tempo real, havia um sinal claro desse fracasso: o terror stalinista. A classe dominante precisa apelar para a coerção contra os dominados quando sua hegemonia entra em crise - quando o capitalismo entra em crise nos anos 30, surge o fascismo para fuzilar os opositores que o liberalismo não conseguia mais cooptar. Em momentos de hegemonia consolidada, o poder se exerce de maneira sutil, pela conversão ideológica, ou porque o modo de produção consegue produzir o suficiente para cooptar os dominados ou classes dominantes rivais. A famosa citação do “imperativo categórico” (algo como: o poder do partido deve ser como um imperativo categórico), que às vezes é lida como “o que o partido disser é verdade absoluta”, na verdade quer dizer: o poder do hegemon é o poder de dar as categorias com as quais mesmo seus rivais se oporão a ele, as idéias fundamentais a partir dos quais se fazem as deduções no debate.

(Quando a Coréia do Norte faz questão de ser chamada de República Democrática da Coréia, é porque a democracia atingiu o ideal gramsciano de idéia hegemônica. Note-se que, por outro lado, quando a hegemonia burguesa entrou em crise, mesmo um movimento reacionário como o nazismo colocou um “socialista”zinho no seu nome).

O Gramsci, portanto, desenvolvia seu conceito de hegemonia diante de dois problemas:

1) o socialismo soviético não conseguiu estabelecer uma hegemonia operária, como se nota pelo fato de que foi necessário o Stalin para preservar o poder soviético. Era óbvio que isso não era o que os operários socialistas da Europa Ocidental de Gramsci tinham em mente para seu futuro Estado. Era preciso explicar (como Maquiavel) ao operariado como exercer o poder sem coerção (mais precisamente, com um mix consenso/coerção pelo menos semelhante ao conquistado pela burguesia em seu domínio).

2) a crise de hegemonia do capitalismo não produziu uma revolução socialista na Europa desenvolvida. Muito pelo contrário: os regimes burgueses regrediram brutalmente diante dos próprios valores da burguesia, e se tornaram abertamente opressivos, com o apoio de setores significativos do operariado (Mussolini, lembremos, era do partido socialista). A ofensiva operária dos anos anteriores foi perfeitamente passivizada (esse termo é importante) pelo fascismo: idéias como planejamento econômico ou partido de massas foram esvaziadas de seu conteúdo anti-capitalista e tornadas moeda comum na discussão burguesa (lembremos que, nos primeiros anos do fascismo, um conservador lúcido como Churchill se entusiasmava com Mussolini; para não falar, naturalmente, de Henry Ford, objeto de numerosas análises de Gramsci).

Antes de entender a solução, uma observação. Vocês já devem ter visto a caracterização do Gramsci como um sujeito que pretende infiltrar todas as instituições da boa sociedade com idéias comunistas. Bem, é possível, também, vê-o como um sujeito tentando introduzir idéias democráticas a partir do vocabulário leninista (indispensável para a eficácia política de seu esforço dentro do partido). Cada um interprete como queira, mas eu acho que há uma boa dose de verdade nessa segunda interpretação, que é a que eu desenvolvo a seguir.

Foi bom estar com vocês! Foi bom brincar com vocês!...

Foi bom estar com vocês! Foi bom brincar com vocês!...

Pois o dogma leninista por excelência é: o instrumento do poder operário é o partido, e o partido deve tomar o Estado. O Gramsci, diante disso, diz: é isso aí. Isso aí, 100%. Concordo com isso com cada fibra de meu ser. Isso está totalmente certo, e aproveito para fazer minha apologia do Lenin e de tudo que ele dizia. Lenin era o cara. Quem não gosta do partido tem mais é que se fuder, mesmo. A proposição “instrumento do poder operário é o partido, e o partido deve tomar o Estado” é perfeitamene correta. Agora, tenho algumas considerações sobre o que quer dizer “Partido” e o que quer dizer “Estado”…(nesse momento, NPTO dá uma risadinha sacana e diz “ooooooléééééééé” para a operação retórica).

É mai num é

O Estado, diria Gramsci, é “mais ou menos aquilo que o Foucault vai dizer daqui a algumas décadas sem me dar o devido crédito por ter dito isso primeiro, careca miserável”. Não é só o que o Hegel chamava de sociedade política, o Estadinho lá, com seu congressinho, seu presidentinho, sua policinha, capitão Nascimento, Sarney, essas coisas. É isso também, bem entendido. Mas também é a articulação disso tudo com a sociedade civil, a escola e as academias que elaboram e desenvolvem a visão de mundo dominante, o saber assim produzido, os sindicatos reformistas e partidos social-democratas que mantém o conflito sob controle, a mídia que fixa os limites do debate, a família que transmite os valores dominantes e consagra hierarquias, etc. Se você conquista o Estado czarista, você caia ele de vermelho e os burocratas que obedeciam o czar obedecem você. Mas de nada adianta conseguir uma adesão puramente externa (quem é que era contra o Stalin na frente dele?) em termos de ideologia, sentimentos, valores, saberes. Ou você consegue convencer, sensibilizar, justificar-se, descrever a realidade, ou você, cedo ou tarde, ao invés de impor sua visão de mundo, vai ser lentamente colonizado pelos dominantes conquistados.

(acho que foi o Lenin, mas pode ter sido o Bukhárin, que disse algo como: os bolcheviques, em seu contato com os burocratas do Estado, eram como um povo bárbaro que conquista um povo civilizado e passa a ser lentamente colonizado pelos conquistados).

Por isso, a política moderna não é guerra de movimento - êêê!!!!vamo conquistá o estado e dar porrada em todo mundo - mas guerra de posição. Hoje você convence aqui, amanhã você sensibiliza ali, depois de amanhã seu adversário produz algo mais convincente que você e você tem que começar tudo de novo, enquanto isso um setor que oscila entre você e o seu adversário sai do seu controle, logo depois uma descoberta científica, sem que tenha sido feita pra isso, fortalece sua visão de mundo, e vamos nessa, que esse jogo é demorado.

(Olha o eco do Maquiavel aí: diferença entre o reino da França e o reino da Pérsia. A Pérsia, como a Rússia, pré-bolchevique, tinha o poder altamente centralizado. A França na época do Maquiavel, como as sociedades ocidentais modernas, tinha o poder altamente disperso. O poder na Pérsia era difícil de conquistar, porque o poder centralizado é ágil na reação, mas, se você conquistar, é fácil de manter, porque todo aquele aparato centralizado agora é seu. O poder na França era fácil de conquistar, porque por quaisquer dez real você conseguia uma conspiração de barões qualquer e tomava o poder, mas era difícil de manter, porque, naturalmente, era com a lealdade desses mesmos barões que você precisava contar para governar. Sim, sim, lembra mesmo)

Ou seja: o Lenin tem razão, tem que conquistar o Estado, mas conquistar o Estado é jogar esse jogo todo. Não é à toa que, no pós-guerra, o partido comunista italiano usou o mártir Gramsci como bandeira para se tornar um partido democrático normal, no que, se vocês me perguntarem, fez muito bem, mas sempre se pode discordar disso. Notem também que, deixando claro que estavam falando das sociedades ocidentais modernas, os eurocomunistas mais ou menos conseguiam livrar a própria cara por apoiar o pós-stalinismo na Rússia (um puta argumento racista).

E o partido? Ah, o partido é exatamente o que o Lenin falou, tem que obedecer o partido. Mas o que é o partido? Não é só o partido = legenda registrada no TSE, ou, como é mais comum com os partidos leninistas de hoje em dia, registrada provisoriamente porque não se consegue eleger ninguém. O partido é um movimento, uma articulação do partido, do sindicato, de movimentos religiosos ou ideológicos de outra natureza, um interesse de desenvolver determinadas áreas da ciência, uma certa sensibilidade artística, movendo-se em determinada direção. Note-se que, quando digo “articulação”, não estou falando de controle de todas essas esferas pelo partido registrado (mesmo que provisoriamente) no TSE. Cada elo dessa corrente se desenvolve por si só, e, se a classe que é o núcleo duro dessa nuvem de redes se tornar hegemônica, a unidade entre elas se desenvolve naturalmente.

Uma classe dominante, inclusive, pode deixar amplos espaços para tendências antagônicas sem perder sua hegemonia, desde que o modo de produção que fundar ainda se desenvolva e os pressupostos básicos de sua cultura ainda convençam. Se o socialismo conseguisse se tornar hegemônico, portanto, poderia facilmente tolerar partidos anti-socialistas; e o fato de que não pode (não tem mais acento isso, certo? É poder no passado) mostra claramente que não se tornou hegemônico.

Parabéns! Mais um parágrafo e você se tornará membro honorário do Foro de São Paulo!

Parabéns! Mais alguns parágrafos e você se tornará membro honorário do Foro de São Paulo!

Resumindo: o conceito gramsciano de hegemonia faz dois trabalhos.

Um é descrever o processo pelo qual uma classe ascendente produz uma nova visão de política e novos valores culturais, e só se torna dominante se conseguir convencer e sensibilizar, além de produzir; a coerção deve ser apenas um elemento secundário e excepcional no exercício de poder hegemônico. Já viram o conceito do Joseph Nye de “soft power”? É por aí. A origem gramsciana da melhor formulação atual sobre o poder, a do Steve Luke, é reconhecida. Nesse sentido, é uma boa idéia para pensar certos processos históricos.

O outro é explicar à esquerda como agir eficazmente na política moderna: sem tentar ir pro pau de qualquer maneira, mas construindo um novo consenso a respeito da maneira certa de viver a partir da experiência das lutas operárias e dos valores igualitários que nada mais são do que uma “heresia da liberdade”. Historicamente, isso levou os partidos comunistas ocidentais a aceitarem a democracia como valor, não apenas como arena.

Claro, o problema é que o operariado (ainda?) não conseguiu produzir uma nova forma de produzir. Nesse sentido, pelo critério marxista, sua chance de construir uma nova hegemonia ainda é zero. O que acontece, então, com esse esforço de construção hegemônica que começa a rodar no vazio por falta de substrato econômico? Esse será o assunto de outro post.

Poesias da Tania... Homens e Mulheres são da Terra

Esta minha amiga está se revelando uma poetisa de mão cheia, entre outros atributos literários que possui...














Tânia Marques

Nem de Marte nem de Vênus

Homens e mulheres são da Terra

De um planeta em erupção

Corrompido pela ambição

Homens e mulheres em competição

Breve tempo o que os uniu

Sem nostalgia

Sentimentos

Valores

Só conhecem o contra

Nesta jornada XXI

Desrespeito muito amplo

Desigualdade salarial

Estupidez

Rispidez

Nem de Marte nem de Vênus

Homens e mulheres são da Terra

Sem determinismos

Vivendo

Com pouco otimismo

Seu calvário

Por falta de sintonia

Por falta de compreensão

Por puro egoísmo

Nem de Marte nem de Vênus

Homens e mulheres são da Terra

Negam preconceitos

mas

Não aceitam empate

Não brincam mais de papai e mamãe

Homens e mulheres

são

intraterrestres


Fonte da imagem:
http://www.fashionbubbles.com/wp-content/uploads/2009/03/
um-homem-uma-mulher.jpg

Dez anos esta tarde(ontem)



Por Katarina Peixoto

Não é o fato de o Ministério Público Federal não dizer, uma vez mais, algo surpreendente. Não é o constrangimento que a grande mídia, cúmplice, teria de enfrentar, vergonha alguma tivesse, ao anunciar a presença de nomes até hoje pela manhã solenemente sonegados na lista dos suspeitos de saque ao erário e enriquecimento ilícito. Não é a esquisita falta da mínima compaixão pelos que estão, agora, juridicamente implicados, contra qualquer interpretação editorial de plantão. Não é o lamento perante os chargistas de aluguel. Não é o desprezo e mesmo o nojo do colunismo político da grande mídia. Nada disso realmente importa, hoje, nesta tarde em que essa gente toda foi exposta. Nem mesmo importa a constatação não sujeita a qualquer debate de que essa fraude específica começou no ano imediatamente seguinte à saída do PT do governo do estado do RS.

Não é o castelinho de papel de que se fez e faz Rigotto, cujo secretário de segurança pública, louvado pela mídia monopólica cúmplice, encabeça a lista de réus. Não é o desejo de devolver, como cuspe, os perdigotos deliberados e falastrões do senador vitalício da grande cúmplice da hecatombe que assola este estado, e que vem sendo gestada e produzida há pouco mais de dez anos.

Na oposição até 2002, capitaneada pelos cúmplices e seus capangas opinativos hoje homens de patrimônio material improvável a qualquer assalariado, a direita gaúcha liberou-se pelo voto para reiniciar o saque do estado. À oposição ideológica fecunda, construída em campanhas de amparo às crianças e sob a espantosa bandeira da paz, seguiu-se esse saque através de um organismo vinculado à segurança pública. Exatamente a Segurança, aquela vitimada pela guerra ideológica que o monopólio midiático escolheu para massacrar, não poupando pessoas, vidas e histórias, depois de terem sepultado de vez qualquer compromisso com a verdade.

Esta fraude no DETRAN-RS teve início no primeiro ano do governo Germano Rigotto. O rapaz que substituiu José Paulo Bisol encabeça a lista dos denunciados na fraude, de aproximadamente 44 milhões de reais. Um dos substitutos de Flavio Koutzii na casa civil também ocupa a lista, envolvido e ou com enriquecimento ilícito, e ou com desvio de recursos públicos, e ou com a facilitação desses desvios. O rapaz que substituiu Miguel Rossetto na Secretaria Geral de Governo também está na lista, bem como está nas notícias esquisitas sobre o uso de dinheiro sem procedência justificada que comprou a casa em que a senhora que substituiu o cargo ocupado certa feita por Olívio Dutra atualmente habita. E talvez seja preciso lembrar quem indicou o atual presidente do Tribunal de Contas do Estado, também presente na lista desta tarde.

Na Assembléia, os cúmplices desses réus se recusam a assinar uma CPI. Recusam-se, é de se concluir, porque foi um documento produzido após a realização da CPI do DETRAN, no ano passado, que deu origem à investigação cujos resultados hoje vieram parcialmente à tona. Os cúmplices dessa gente não querem CPI, a começar pelo Senador Pedro Simon, neste momento encenando uma peça sobre probidade e ética, no caso, contra José Sarney, o mais recente neófito da política peemdebista.

Nesta tarde, o que importa é a claridão que suprime o ressentimento e libera o espírito e a Política das trevas em que se foi metendo o Rio Grande do Sul, há pouco mais de dez anos. Há uma expressão médica que nomeia aquela melhora que um paciente terminal experimenta dias ou no dia anterior a sua morte: melhora crepuscular. Pode-se dizer que o irracionalismo e a barbárie contra o seu povo e sobretudo contra a democracia constituíram a melhora crepuscular da direita gaúcha, que se fortaleceu a partir de 1999. Melhora que ganhou vigor na campanha delirante de afastamento do fabricado tumor maligno, finalmente derrotado nas eleições de 2002. E que foi se consumindo como metástase e putrefação ao vivo, nesta tarde. Dez anos, esta tarde. É isso o que importa.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Robert Fisk, The Independent, UK

Por que a vida no Oriente Médio continua encalhada na Idade Média?

Novae.inf


http://www.independent.co.uk/opinion/commentators/fisk/robert-fisk-why-does-life-in-the-middle-east-remain-rooted-in-the-middle-ages-1763252.html

Por que o mundo árabe – falemos terrivelmente claramente – é tão atrasado? Por que tantos ditadores, tão ralos direitos humanos, tanta 'segurança' e tortura, tantos analfabetos?

Por que esse mundo destroçado, tão rico em petróleo, tem, em tempos de computador, tantos milhões de analfabetos, mal nutridos, além de tantos corruptos? Sim, eu sei da história do colonialismo ocidental, as conspirações sinistras do Ocidente, o argumento árabe de que não se depõem xeiques e reis e autocratas, além de imans e emires, quando "o inimigo está à porta". Há verdade nisso, mas não suficiente verdade.

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP) aí está com mais um relatório, o quinto – feito por analistas e especialistas árabes, observem bem –, que denuncia o espantoso estado de atraso em que vive parte significativa do Oriente Médio. Fala da "fragilidade das estruturas políticas, sociais, econômicas e ambientais da Região (...), da vulnerabilidade à intervenção do exterior". Mas será que a desertificação explicaria o analfabetismo – maior entre as mulheres –, ou o Estado árabe o qual, o relatório admite, muitas vezes "é mais ameaça à segurança humana, do que instrumento para prover segurança"?

Rami Khouri, jornalista árabe, escreveu muito claramente, semana passada: "Como enfrentar as causas ocultas de nossa mediocridade e implantar mudanças reais ancoradas em cidadania sólida, economia produtiva e Estado estável continua a ser o enigma que continua a desafiar três gerações de árabes". O PIB real per capita na Região – um dos indicadores que mais chocaram Khouri – cresceu apenas 6,4% entre 1980 e 2004. Apenas 0,5% ao ano, taxa menor que a de 198 dos 217 países analisados no CIA World Factbook em 2008. Isso, para uma população árabe – 150 milhões em 1980 –, que chegará a 400 milhões em 2015.

Vejo, eu mesmo, quase tudo isso. A primeira vez em que estive no Oriente Médio, em 1976, já havia gente demais. As ruas malcheirosas, tão cheias que mal se pode andar nelas, do Cairo, já estavam sempre cheias, dia e noite, com quase um milhão de sem-tetos, muitos dos quais viviam nos grandes cemitérios otomanos. As casas árabes são imaculadamente limpas, mas as ruas são imundas, muitas vezes repugnantes, sujeira e lixo espalhados pelas calçadas. Mesmo no belo Líbano, onde há uma espécie de democracia e cujo povo está entre os mais cultos e bem educados de todo o Oriente Médio, o fenômeno é o mesmo. Nas vilas das montanhas do sul, as casas, sempre, rigorosa e perfeitamente limpas. Mas por que as ruas e os arredores das vilas são sempre tão sujos?

Suspeito que haja, sim, algum problema com a cabeça dos árabes: eles não se sentem donos dos próprios países. Constantemente expostos a efusões de entusiasmo em nome de uma "unidade" árabe ou nacional, acho que não sentem que pertencem à terra ou que a terra é sua, como os ocidentais sentimos. Quase sempre, ou muitas vezes, impedidos de eleger quem os represente realmente – até no Líbano, exceto no contexto das tribos ou do sectarismo – as pessoas sentem-se "descartadas", sentem-se excluídas, excetuadas. A rua, o país, como entidade territorial física pertence a outro, a alguém, não ao povo, aos habitantes. E, claro, no instante em que um movimento brota e – caso ainda mais grave – torna-se popular, introduzem-se novas leis de exceção que imediatamente tornam ilegal o movimento, ou o declaram "terrorista". Assim, a responsabilidade por cuidar dos jardins, dos arredores das cidades e das ruas é sempre transferida, sempre é de algum outro.

Os funcionários do Estado – que trabalham diretamente para o Estado e suas autarquias corruptas – também sentem que sua existência depende da mesma corrupção sobre a qual viceja o próprio Estado. A população torna-se parte da corrupção de todos. Nunca esqueço de um árabe dono de terras, há anos, reclamando das campanhas anti-corrupção de seu governo. "Antigamente, era pagar a propina ao funcionário certo, e consertavam o telefone, as bombas d'água voltavam a funcionar, voltávamos a ter energia elétrica" – dizia ele. "Hoje em dia, Mr. Robert, não posso subornar qualquer um, nem consigo subornar todos nem sei a quem subornar. Então... nada funciona!"

Desde o primeiro relatório do UNDP, de 2002, a coisa era já deprimente. Identificavam-se três principais obstáculos ao desenvolvimento humano no mundo árabe: o crescente "déficit" de liberdade, de direitos para as mulheres e de conhecimento. George W Bush – aquele, o da liberdade eterna, democracia eterna etc. etc. além de guerra eterna e eterno massacre no Iraque –, por exemplo, foi sensível a essas dificuldades. Até Hosni Mubarak do Egito (aquele, o do sucesso eleitoral superior a 90%), compreensivelmente irritado por estar ouvindo sermão do homem que rebatizou o "terror", disse a Tony Blair em 2004 que a modernização teria de considerar "as tradições e a cultura da Região".

Alguma solução para a guerra árabe-israelense resolverá todos esses problemas? Talvez, sim, alguns deles. Sem o constante desafio da crise, seria cada vez mais difícil renovar as leis de exceção, não aprovar constituições, negar qualquer legalidade ou constitucionalidade, distrair as populações porque, se não forem distraídas, há risco de que se ponham a exigir mudanças políticas radicais. Às vezes, temo que os problemas tenham-se aprofundado demais, que, como onde há esgoto que vaza há muito tempo, toda a terra em que pisam os povos árabes esteja infiltrada de problemas, porosa, frágil, e que sobre ela já nada se possa construir.

Foi para mim enorme alegria, há alguns meses, em palestra na Universidade do Cairo – aquela, a mesma na qual Barack Obama praticou diplomacia soft com o mundo muçulmano –, descobrir tantos alunos brilhantes, muitas moças nas classes e o quanto são mais bem-educados e mais bem formados, hoje, em comparação ao que vi em visitas anteriores. Mesmo assim, muitos, muitos, só pensam em mudar-se para o Ocidente. O Corão é documento preciosíssimo – mas um Green Card também é. E quem os poderia culpar, se Cairo está cheia de engenheiros pós-graduados que ganham a vida dirigindo táxis?

Quanto ao equilíbrio, sim, uma paz séria entre palestinos e israelenses, sim, ajudaria muito a reequilibrar os espantosos desequilíbrios que atacam como praga a sociedade árabe. Quem já não tenha energia para protestar contra a escandalosa injustiça que é aquela guerra, talvez reencontre forças para lutar contra outras escandalosas injustiças. Uma delas, por exemplo, a violência doméstica, a qual – apesar de os povos árabes serem, sim, muito ligados à família – é mais disseminada na sociedade árabe do que os ocidentais talvez saibam (ou os árabes admitam).

De qualquer modo, estou convencido, sim, de que, militarmente, temos de sair de lá. Temos de desocupar o Oriente Médio. Temos de sair de lá.

Façam o que for preciso. Temos de sair de lá. Mandem para lá professores, economistas, agrônomos. Mas não soldados. Os soldados têm de voltar para casa. Não defendem nada e ninguém, no Oriente Médio. Não nos defendem. Espalham, lá, caos idêntico e alimentam a mesma injustiça que fazem engordar as Al-Qaedas do mundo. Não, os árabes – ou, fora do mundo árabe, os iranianos ou os afegãos – não gerarão democracias eco-amantes, gênero-igualitárias, as risonhas e festejantes democracias que todos gostaríamos de ver (ou de ser). Mas, livres da "nossa" tutela, os árabes desenvolverão suas sociedades, em benefício das pessoas que as constituem. Talvez, assim, os árabes convençam-se de que são donos da terra onde vivem.

O amor nos tempos de... crise

Europa convive com desemprego provocado pela retração econômica (Foto: Reprodução)

Flavio Aguiar


Quando começou o estouro da bolha financeira nos Estados Unidos, em setembro de 2008, algum economista disse que a vida de todos ia mudar, e muito. Criou-se a impressão de que “nada será como antes”. Mas a extensão dessa frase só vai sendo percebida aos poucos, embora cada vez que ela se esclareça um pouco mais, os efeitos comprovados têm uma dimensão catastrófica ou, no mínimo, espetacular.

Durante o segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso percebia-se um dos índices da “quebradeira Brasil” no fenômeno do “abre-fecha, fecha-abre”. A avenida Corifeu de Azevedo Marques, perto de onde eu vivia, no Butantã, em São Paulo, era um dos locais onde mais se observava esse fenômeno. A avenida era o reino do pequeno comércio, um viveiro de pizzarias com entrega em domicílio, frango assado, armarinhos, farmácias, chaveiros, oficinas, papelarias, lojinhas de todo tipo, além dos tradicionais barzinhos e das padarias.

E naqueles anos, entre 1998 e 2002, praticamente todo o dia um novo pequeno negócio abria e um antigo pequeno negócio fechava. Era uma nova forma de alta-rotatividade. Os que fechavam se viam na contingência de ter de impedir o crescimento das dívidas; os que abriam, muitas vezes eram movidos pela esperança de recém-desempregados de darem um uso promissor para seu fundo de garantia, ou outra indenização que recebessem.

Agora aqui em Berlim onde vivo, e em outras cidades europeias, vê-se um fenômeno mais radical. Os pequenos negócios não desfrutam da proteção dispensada às grandes empresas e grandes bancos; com eles está ocorrendo o simples fecha-fecha. É um espantoso rosário de quebradeiras, de lojas de todo o tipo que liquidam tudo porque vão fechar. Há as grandes lojas também: duas cadeias de lojas de departamento já anunciaram que vão fechar em breve.

E esse novo tipo de “quebra-quebra” sem pancadaria vai provocando um outro, o da deflação: as lojas que não estão quebrando têm de baixar seus preços porque as outras baixaram. Se baixam os preços, diminuem o número de empregados. Resultado: há estimativas de que o atual número de desempregados na Alemanha, aproximadamente 3,5 milhões num universo de quase 45 milhões de potenciais trabalhadores ativos, pule para 5 milhões em menos de um ano.

A tal ponto chegou a situação que Frank Walter Sternmeier, líder do Partido Social Democrata (SPD), cujas chances nas próximas eleições de setembro são reduzidas (com cerca de 23% ou 24% das intenções de voto), decidiu alavancar seu partido com a promessa de criar 4 milhões de novos postos de trabalho nos próximos anos. Esse patamar de insolvência atinge duramente os jovens, e não só na Alemanha. Faz tempo que os jovens – sobretudo os casais jovens que começam a planejar ou a ter filhos – não procuram mais um “emprego” propriamente, mas um “trabalho”. Qual a diferença? Um “emprego” é algo que se projeta no tempo de modo mais duradouro; um “trabalho” é algo mais imediato, ou simplesmente pré-datado: com frequência as ofertas são de “trabalho por um ano”, “por seis meses”, e esses são postos disputados avidamente por cada vez mais concorrentes.

É muito mais comum do que antes os relacionamentos amorosos já começarem ou continuarem à distância. A mãe e o filho, por exemplo, moram numa cidade, num país, e o pai em outro, e com frequência esses endereços mudam ao longo do ano. Por razões de amizade estive num aniversário, no último fim de semana, onde quase todos os casais jovens estavam vivendo de alguma forma essa nova circunstância. Dois dos pares que lá estavam, por exemplo, eram vítimas da circunstância agora cada vez mais comum de dormirem empregados e acordarem desempregados, sem mais nem menos, aliás, com muito menos do que mais, sem direitos, porque as condições de trabalho foram severamente atingidas pelos processos de desregulamentação em escala europeia.

Em alguns países (e na Alemanha é o caso) ainda existe um sistema de previdência social sólido, embora isso também tenha passado por reduções significativas. Um dos casais, com filho pequeno, estava na circunstância da jovem esposa trabalhar em Berlim e o jovem pai ir passar seis meses na Islândia, pois lá pintara um emprego provisório, com esse prazo, e essa era uma oportunidade que não podia ser desperdiçada.

Enquanto isso, a fama do Brasil só cresce no mundo, pois para todo o lado para onde a gente se vire, leem-se elogios ao desempenho brasileiro, como um dos países em que as reações à crise foram das mais imediatas e das mais promissoras, mesmo no curto prazo. Fica a pergunta no ar, porque nunca é demais acautelar-se: será que para nós aquele “efeito Corifeu de Azevedo Marques” é coisa do passado mesmo? Esse certamente será um dos temas decisivos na próxima eleição – não me refiro apenas à alemã, mas à brasileira também, cuja “dança de salão” já começou e no ano que vem vai para as ruas.

Ainda sobre a crise do capitalismo...

Duas Crises
Jorge Cadima
“Quando a grande crise económica do capitalismo eclodiu, governos e propagandistas do sistema apressaram-se a despir as camisas que até à véspera envergavam. De grandes arautos do capitalismo selvagem passaram repentinamente a críticos verbais da «ganância», da «cultura de risco», dos «excessos» que, diziam, estavam na raiz do colapso. Em declarações e cimeiras prometeram profundas mudanças. Mas – advertiam – primeiro era preciso travar o descalabro. Muitos milhares de milhões foram entregues pelos estados ao sector financeiro – o principal responsável pelo buraco. E o que mudou?”
Jorge Cadima* - odiario

Quando a grande crise económica do capitalismo eclodiu, governos e propagandistas do sistema apressaram-se a despir as camisas que até à véspera envergavam. De grandes arautos do capitalismo selvagem passaram repentinamente a críticos verbais da «ganância», da «cultura de risco», dos «excessos» que, diziam, estavam na raiz do colapso. Em declarações e cimeiras prometeram profundas mudanças. Mas – advertiam – primeiro era preciso travar o descalabro. Muitos milhares de milhões foram entregues pelos estados ao sector financeiro – o principal responsável pelo buraco. E o que mudou?

Uma das maiores instituições financeiras – e também um dos maiores viveiros de governantes – dos EUA é a Goldman Sachs. No ano passado recebeu 10 mil milhões de dólares de dinheiros públicos. Agora, proclama lucros recorde no segundo trimestre de 2009, e decidiu distribuir 6,65 mil milhões de dólares em gratificações aos seus 29 400 funcionários (Bloomberg, 14.7.09). Alguns indivíduos vão meter ao bolso milhões de dólares, só neste trimestre. Escreve a Bloomberg: a Goldman Sachs «está a reverter para um modelo de negócios que os analistas consideraram irremediavelmente falido durante a crise de crédito global», aumentando as suas actividades de risco. Isto é, os multimilionários de Wall Street continuam a fazer o que sempre fizeram – e que disseram ser a causa da crise. Agora tentam-nos fazer crer que a crise está a abrandar. Querem o business as usual. Aliás, para alguns a crise nem chegou a começar. O ex-CEO da Porsche, Wendelin Wiedeking foi despedido depois de uma tentativa fracassada de comprar a Volkswagen, que deixou a Porsche com uma dívida de 10 mil milhões de euros. Mas na despedida Wiedeking recebeu uma compensação de 50 milhões de euros (Bloomberg, 23.7.09), sem contar com a remuneração de 77 milhões de euros que recebera no ano anterior, quando andava entretido a afundar a Porsche. Vários grandes bancos estão a aumentar os salários dos seus quadros dirigentes (Financial Times, 24.7.09). São factos para recordar quando vierem com a cantiga de que «todos temos que aceitar sacrifícios para sair da crise».

Se a «ganância» e os «excessos» do grande capital continuam de boa saúde, para o resto da Humanidade a situação é bem diferente. Milhões de trabalhadores já ficaram sem trabalho e estão a cair na miséria. A taxa oficial de desemprego nos EUA aproxima-se dos 10%, mas uma medida mais real e menos manipulada (a “taxa U6”) ascendia em Junho a 16,5% (Bureau of Labor Statistics, www.bls.gov). O patronato e governos dos grandes países capitalistas estão lançados numa ofensiva para aumentar a exploração de quem ainda trabalha. O grande capital nunca acreditou no «fim da luta de classes». Há uma crise para o grande capital e outra para os trabalhadores. Nos EUA foi decretada a falência da General Motors. Essa falência só durou 40 dias, após os quais os trabalhadores bem podiam falar num «11 de Setembro»: até 2011 serão encerradas 11 fábricas, até ao final deste ano o número de trabalhadores vai baixar de 91 mil para 67 mil; os que ficaram viram as suas remunerações drasticamente reduzidas. As greves estão proibidas (Workers' World, 17.7.09). Um desastre parecido ocorreu em Abril na Chrysler, que decretou a bancarrota apesar dos trabalhadores aceitarem todas as concessões que lhes foram exigidas para evitar a falência (Avante!, 21.5.09). Factos para recordar quando vierem com a calúnia de que em Portugal as fábricas fecham por culpa da «intransigência do PCP».

A crise mundial do capitalismo está longe do fim. Em última análise, é uma enorme crise de sobreprodução. Forças produtivas imensas terão de ser destruídas. Mas ao destruir o poder de compra de quem trabalha, também se aprofunda a crise. Os efeitos da crise vão continuar a devastar a vida de muitos milhões de seres humanos. O défice orçamental dos EUA vai atingir este ano uns estonteantes 1,8 milhões de milhões («triliões») de dólares, e a dívida pública total está em cerca de 11,5 milhões de milhões (Bloomberg, 13.7.09). Quem vai pagar esta factura? A palavra de ordem do grande capital é: «A pilhagem continua! Os trabalhadores que paguem a crise!». Mas a crise económica e social já está a desencadear resistência e luta. Em que os partidos de classe dos trabalhadores são chamados a desempenhar um papel fulcral. É por isso que os nostálgicos do fascismo e do anticomunismo violento estão de novo a sair das sarjetas.


* Jorge Cadima é Professor da Universidade Técnica de Lisboa e analista de política internacional


Este texto foi publicado em Avante nº 1.861 de 30 de Julho de 2009

Ganhamos mais uma....

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Esquerda dividida: PSOL alivia Serra e a direita

PSOL alivia Serra e oposição de direita

O programa televisivo nacional do PSOL, apesar de divulgar iniciativas importantes como a CPI da dívida pública, e efetuar denúncias essenciais como a da recente legislação agrária pró-latifúndio, incorre em grave erro político ao não denunciar a oposição de direita, composta principalmente pelo PSDB e DEM.

O programa televisivo nacional do PSOL, em 30 de julho, apresentou como principal característica a ausência de críticas à oposição de direita, composta principalmente pelo PSDB e DEM.

Apesar de divulgar iniciativas populares e democráticas importantes como a CPI da dívida pública, e efetuar denúncias essenciais como a da recente legislação agrária pró-latifúndio, destruidora da floresta, na Amazônia, o PSOL, a meu ver, incorre em grave erro político.

Considera o governo Lula, um governo de centro, o inimigo central dos trabalhadores.

Nada mais falso. Se o governo Lula não ameaça o grande capital, está longe de ser o governo dos sonhos do grande capital.

Um governo ao estilo do de FHC, totalmente vende-pátria e privatizante, sumetido sem contratempos à hegemonia dos EUA, esse o goveno ideal do grande capital e das forças mais à direita (PSDB, DEM, PPS).

Eis a razão da campanha constante da grande mídia, Organizações Globo à frente, contra o governo Lula.

O núcleo duro da direita

O núcleo duro da direita está no PSDB, DEM, na mídia vendida (a quase totalidade da mídia); expressão política das forças sociais mais reacionárias, inimigas centrais dos trabalhadores e do povo: o grande capital imperialista e brasileiro, com destaque para o parasitismo financeiro e especulativo; o latifúndio, com destaque para sua versão moderna e predatória, o agronegócio.

O governo Lula é um governo de centro, com origem popular e democrática, obrigado por sua própria natureza a relevantes concessões populares e democráticas (por exemplo, o bolsa-família; o clima, no geral, de preservação e ampliação das liberdades democráticas; uma política timidamente desenvolvimentista - o PAC, e muito menos privatista que a de FHC, etc).

Mas o PSOL concentra o fogo no governo Lula e alivia o principal inimigo dos trabalhadores, a oposição de direita.

O poder vai muito além do governo Lula

Parte assim de uma lógica primária, considerar o governo como o responsável central pelos problemas populares, quando o real poder no Brasil vai muito além do governo Lula: está concentrado na política antipopular, antidemocrática e antinacional das gestões monetaristas do Banco Central; no domínio da economia brasileira pelo imperialismo e o conjunto do grande capital; na grande mídia.

Ao não entender, ou talvez seja melhor dizer, não poder entender isso, o PSOL, ao tomar como inimigo central o presidente Lula (cuja grande popularidade não se deve ao acaso), ao aliviar completamente a oposição de direita, corta quaisquer possibilidades de diálogo, convencimento e aliança com as imprescindíveis e amplamente majoritárias bases populares do lulismo.

No mais, o programa televisivo do PSOL mostrou os habituais personalismo e incontinência verbal de Heloísa Helena. E, momento triste, apareceu a deputada Luciana Genro - a mesma financiada nas eleições pela Gerdau, grande empresa do ramo siderúrgico beneficiária das privatizações; a mesma deputada que chegou a convocar passeata no Rio Grande do Sul em comum acordo com o movimento "Cansei", versão atualizada das marchas golpistas de 1964 -, tendo ao fundo "denúncias" da Veja, o panfleto mais virulento da extrema-direita.

E a independência da esquerda?

Pelo visto, a próxima eleição presidencial de 2010 aponta para uma aliança objetiva, consciente ou inconscientemente, da ultra-esquerda (PSOL, PSTU, PCB) com a candidatura mais reacionária, a candidatura privatizante e neoliberal do tucano José Serra, todos empenhados em bater no governo Lula.

Dado que o PC do B adere de maneira praticamente acrítica ao governo Lula, num desvio de direita, inverso ao da ultra-esquerda, a eleição de 2010 surge como ainda mais preocupante: os comunistas, e as demais forças populares, democráticas, e de esquerda, tendem a não exercer sua própria independência política, ficando a reboque de forças políticas e sociais alheias.

Antônio Augusto é jornalista

INTOLERÂNCIA (1916) - filme clássico

CINEASTA: D. W. GRIFFITH
GÊNERO: DRAMA
DIÁLOGO: MUDO
LEGENDA: PORTUGUÊS
TAMANHO: 1GB
FORMATO: AVI

SINOPSE: O filme fala da intolerância através dos tempos, através de quatro histórias paralelas. Planejado como um grande libelo contra o ódio em vários momentos da história da humanidade, INTOLERÂNCIA é considerado um dos mais importantes filmes da história do cinema mundial. Junto com O NASCIMENTO DE UMA NAÇÃO, o filme anterior do diretor D. W. Griffith, é apontado como marco da linguagem cinematográfica moderna. Além da importância técnica, na montagem ou nos planos de câmeras, Griffith mostrou que o cinema poderia se tornar uma grande indústria de entretenimento, que serviria para levar ao público não só diversão, mas as bases de um discurso de ideologia nacional.
INTOLERÂNCIA foi produzido em 1916, ainda nos tempos do cinema mudo, e intercala quatro histórias. As duas mais importantes são sobre a relação de amor entre dois jovens na Califórnia da época, em meio a greves, desemprego e injustiças sociais, e sobre a queda da Babilônia, em 539 a.C., tomada pelos persas. O massacre de protestantes huguenotes e calvinistas em Paris, no ano de 1572, conhecido como a Noite de São Bartolomeu, é o tema da terceira história e a vida e morte de Cristo é a quarta, e a que tem menos destaque.
O episódio sobre a queda da Babilônia é responsável pelos momentos mais impressionantes da obra de Griffith. Para retratar o fim de uma sociedade que cultuava a deusa do amor, atacada por guerreiros que espalhavam o ódio e que só puderam vencer graças à uma traição enciumada, Griffith construiu um templo de grandiosidade que iria mudar a história do cinema. As cenas de batalha, com milhares de figurantes, impressionam, mesmo se comparadas com superproduções atuais. O tamanho dos cenários que reconstituem a cidade só foi superado recentemente, em filmes como TITANIC, SENHOR DOS ANÉIS e WATERWORLD.
Griffith tinha noção clara da importância que o cinema poderia ter nas décadas seguintes, como entretenimento e instrumento de propaganda ideológica. Em “Intolerância”, mescla um eficiente panorama das barbaridades cometidas pela humanidade ao longo da história com um retrato preciso das injustiças sociais dos Estados Unidos da época. Mas certamente não imaginava que seu filme, recheado de boas intenções, iria se tornar tão importante para compreender alguns dos momentos mais intolerantes do século XX e que continuaria atual no século XXI, quando os mesmos argumentos presentes na cena final são utilizados na tentativa de justificar uma guerra no Oriente Médio.
NOTA: A última parte dos links Megaupload pesa apenas 766kb, por ser apenas um arquivo de finalização.

CRÉDITOS: Tales Santana - CinemaCultura

Alimentos orgânicos: respeito à qualidade de vida e ao meio ambiente

Do Correio da Cidadania


Escrito por Ana Célia Alves de Azevedo Reveilleau




Hoje mais do que nunca, notamos que há muita preocupação com o homem para que tenha uma vida digna e com qualidade. Para entendermos o que vem a ser o termo "sadia qualidade de vida" nosso enfoque não poderia deixar de ser iniciado pela Constituição Federal de 1988, onde encontramos vários capítulos que nos indicam o que precisamos para atingir a vida digna e com qualidade, como direito à saúde, à educação, ao trabalho, lazer, segurança, previdência social etc.



É especialmente no Capítulo VI, da Ordem Social, artigo 225, sobre o meio ambiente, que vamos identificar que somos organismos vivos harmonizados com a natureza. E que por isso nossa qualidade de vida quotidiana depende do estado no qual a ecoesfera se encontra, ou seja, precisamos de ar, água, alimentos, elementos essenciais para a sobrevivência material, daí ser vital um meio ambiente ecologicamente equilibrado.



Nesse sentido, a sustentabilidade ecológica passou a ser uma condição para a sobrevivência da humanidade. O princípio do desenvolvimento sustentável tornou-se o norte para que a vida tenha qualidade, com suas bases de difusão na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, celebrado no Rio de Janeiro1992, conhecida como ECO/92.



O primeiro princípio da declaração do Rio, assim dispõe: "O seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável, têm direito a uma vida saudável e produtiva em harmonia com a natureza".



A Organização Mundial da Saúde também elaborou uma estratégia Mundial de Saúde e Meio Ambiente, na qual destaca os vínculos existentes entre a saúde e o meio ambiente no contexto do desenvolvimento sustentável.



Desta forma, a qualidade de vida depende da qualidade do ambiente, além disso, ela não quer dizer quantidade de vida, devendo, pois, haver uma dimensão ética na valorização e sentido da existência, que deve assumir feição abrangente das necessidades de que todos os seres humanos precisam para viver dignamente.

A saúde é um direito fundamental de todo ser humano, cujos termos são claros na Declaração Universal dos Direito Humanos votada pela ONU em 1948, dispondo que "todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar, a si e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis (...)".



Enquanto houver pessoas que não possam gozar efetivamente do direito à saúde, estará havendo discriminação e ofensa à dignidade das pessoas excluídas.



Também não se pode falar de saúde desvinculada do meio ambiente, pois sempre que se amparar o ambiente estará se beneficiando a saúde do homem.



Daí, a razão da nossa Constituição ao tutelar meio ambiente, dizer que ele é essencial a nossa sadia qualidade de vida e que é direito de todos, tantos das presentes como das futuras gerações. Logo, a concepção sobre saúde e qualidade de vida implica também em estar o meio ambiente ecologicamente equilibrado e é o homem o principal responsável por este equilíbrio, a fim de que possa preservar sua própria existência.



O Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, constituiu um importante instrumento em defesa da saúde, pois reforça a legislação de vigilância sanitária, ao reafirmar a responsabilidade do produtor pela qualidade dos produtos e serviços ofertados no mercado de consumo.



Com isso, a busca em preservar o meio ambiente e ter uma vida saudável é uma das principais razões que se incentiva a produção de produtos orgânicos, isto é, produzidos sem destruir os recursos naturais e com respeito à saúde.



Para garantir que um produto seja orgânico é necessário verificar todo o seu sistema de produção. Nele o produtor deve valorizar as espécies de animais e plantas, proteger o solo de degradações para que continue fértil, com inexistência de cultivo de transgênicos, para não colocar em risco a diversidade de variedades existentes na natureza. Deve também não utilizar fertilizantes sintéticos, solúveis, agrotóxicos e outras substâncias venenosas para o ser humano. Além do mais, as pessoas que participam de sua produção recebem todos os cuidados que um trabalhador necessita e seus direitos são respeitados.



O governo criou o sistema oficial para controlar a produção de orgânicos, por meio de um selo que passará a identificar os verdadeiros produtos orgânicos, denominado SISORG, Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica. A partir de 2010 todo produto orgânico, salvo os vendidos diretamente pelos agricultores familiares, levarão o mencionado selo.



Atualmente, existem instituições, denominadas certificadoras, que não tem vínculo com os produtores orgânicos e fazem o trabalho de avaliar se o produto pode levar o selo ou não. As instituições devem ser credenciadas pelo Ministério da Agricultura e trabalhar com métodos internacionais.



Os sistemas orgânicos estão baseados em princípios agroecológicos, o que significa dizer que visam preservar o uso sustentável do solo, da água, do ar, reduzindo as contaminações e protegendo a biodiversidade.



Com isso, podemos dizer que alimento orgânico não é um modismo, mas uma necessidade, para alcançarmos o equilíbrio ambiental, proporcionar a sadia qualidade de vida e assumir o dever imposto na Constituição Federal, art. 225, de preservar e defender o meio ambiente.



Ana Célia Alves de Azevedo Reveilleau é servidora pública federal, mestre em Direito Ambiental pela PUC/SP e autora do livro ‘Gestão Compartilhada de Resíduos Sólidos e a Proteção Ambiental’, Ed. Habilis, 2008.