sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Pedro Pomar...


No dia 23 de setembro próximo passado completaram-se 96 anos do nascimento de Pedro Ventura Fellipe de Araújo Pomar, o grande dirigente comunista brasileiro Pedro Pomar.

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Com Chu El-lai. Em 1972, Pomar comunicou
à direção do PCCh o início da Guerra Popular no Brasil
Hoje, mais do que nunca, tem significado excepcional homenagear os grandes e verdadeiros revolucionários brasileiros. Ademais da necessidade e importância de merecidas homenagens, é exemplar e de uma atualidade sem par celebrar aqueles de trajetória marcada até o fim pela firmeza ideológica, pela política de princípios, pela retidão moral e inteireza revolucionária em dias que o oportunismo, a pusilanimidade e desfaçatez, o cinismo e a baixeza moral sagraram-se como premissas da prática política oficial. A figura e trajetória de um Pedro Pomar emerge radiante e luminosa frente a esse pântano de oportunismo em que uma falsa esquerda renegada dos mais caros princípios da teoria, ideologia, política e ética do proletariado se desempenha como gerenciamento de turno do velho Estado reacionário da grande burguesia, dos latifundiários e do imperialismo.

Pedro Pomar nasceu na cidade de Óbidos, no Pará, em 1913. Na maior parte da sua infância e juventude, sua mãe enfrentou sozinha todo tipo de dificuldades para criá-lo e a seus irmãos. Após terminar os estudos secundários, Pomar conseguiu ingressar na Faculdade de Medicina de Belém, onde cursou os dois primeiros anos.

Desde sua juventude se dedicou à luta do povo pelo que, em 1932, ingressou no Partido Comunista do Brasil, vivenciando, já em suas fileiras, a efervescência dos preparativos e combates do Levante Popular de 1935. Então, doravante entregou abnegadamente sua vida à causa revolucionária da libertação nacional, do socialismo, do comunismo e do partido revolucionário da classe operária. Educou-se no fogo dos combates da luta de classes, nas peripécias do complicado caminho do movimento revolucionário e comunista de nosso país e na tenaz luta ideológica em meio da qual o movimento comunista internacional atravessou o século XX.

Foi nesse contexto tormentoso que se forjou o grande dirigente do povo brasileiro, autenticamente comunista. De seus 63 anos de vida, 44 dedicou-os à causa revolucionária de forma cabal e completa nas fileiras do Partido Comunista do Brasil, partido do qual foi um dos seus mais destacados organizadores e dirigentes. Pedro Pomar morreu em dezembro de 1976, num momento em que, uma vez mais brigava titanicamente para que o partido retificasse seus erros e seguisse adiante, sustentando sua linha revolucionária e a bandeira da revolução. Foi covardemente assassinado, juntamente com seu camarada de armas Ângelo Arroyo, pelos facínoras dos órgãos repressivos do regime militar fascista, que crivaram seu corpo com mais de cinquenta tiros.

Em sua larga trajetória de duras brigas desempenhou diferentes atividades e tarefas, desde a de organizador a de propagandista e agitador, missões desenvolvidas em diferentes regiões do país e no exterior. Tendo a maior parte de suas atividades exercidas nas duras condições de clandestinidade, nos momentos em que a luta permitiu, esteve abertamente na linha de frente como tribuno do povo no parlamento burguês, como dirigente da imprensa popular, como mobilizador e organizador de grandes massas. Por outro lado, nas condições difíceis em que na maioria das vezes se processou a luta interna no partido e devido à sua firmeza de posição nas divergências foi afastado das funções de direção e deslocado a outras regiões. Soube ser disciplinado e ao mesmo tempo lutar contra a corrente. Como rapidamente lhe cobrou a militância, a desempenhou principalmente como revolucionário profissional, mas em momentos críticos teve que realizar outras atividades para sustentar a si e sua família, trabalhando como tradutor ou dando aulas. Homem de vasta cultura, conhecia e dominava outros idiomas, nos últimos anos de sua vida vivia como um simples agricultor no Vale da Ribeira, onde buscava organizar os camponeses na preparação política e militar para a guerra popular.

Dentre as muitas lutas que marcaram a vida do camarada Pomar, destacamos algumas que demonstram sua estatura de comunista e de chefe revolucionário:

http://www.anovademocracia.com.br/58/18b.jpgConsciente e de espírito de vanguarda esteve diretamente envolvido em todas as questões importantes da vida do partido, seja nos estudos para sintetizar a realidade do país nas formulações programáticas, em suas grandes linhas de estratégia e tática, bem como nas específicas da linha de massas para o movimento sindical, camponês, estudantil e da intelectualidade, das questões mundiais e dos problemas do movimento comunista internacional, dos problemas de organização, logística e de segurança da estrutura partidária ao problema militar da revolução brasileira. Produziu uma literatura de inúmeros artigos e ensaios sobre os diferentes problemas nacionais e da nossa revolução.

Abnegado militante comunista, ainda jovem assumiu o desafio de reorganizar o partido destroçado pela ação repressiva fascista do Estado Novo de Vargas. Como integrante da CNOP, Comissão Nacional de Organização Provisória, foi um dos organizadores da Conferência da Mantiqueira que, centralizando o partido, rearticulou-o política e organicamente ao nível nacional e dos estados.

Convicto internacionalista, já nos finais dos anos de 1950, quando no movimento comunista internacional se abria o cenário de extrema tensão em que se desencadearia nos anos seguintes, Pomar confrontou-se abertamente com o chefe do novo revisionismo. Em sua intervenção no congresso do Partido Comunista da Romênia, Kruchov, traiçoeiramente, atacou o Partido do Trabalho da Albânia, acusando as suas posições marxistas-leninistas de dogmatismo e aventureirismo. No momento que lhe correspondia falar para saudações em nome dos comunistas brasileiros, Pedro Pomar criticou energicamente os ataques de Kruschov, feitos inclusive na ausência dos representantes albaneses.

Homem de partido, Pomar sempre foi por uma posição de princípio e partidário da luta ainda que contra a corrente. Como em outros momentos de sua militância, em 1960, delegado ao V Congresso do partido, sustentou titânica luta contra as posições direitistas lideradas por Prestes. Estas posições seguiam diretrizes da Declaração de Março de 1958, com a qual se sepultou a linha revolucionária do IV Congresso e se buscava consolidar no partido o caminho reformista-revisionista do XX Congresso do PCUS de 1956. A tese central de Prestes naquele congresso, ao caracterizar a sociedade brasileira, afirmava como principal tarefa revolucionária promover o desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Foi contra teses reformistas e antimarxistas como esta que se colocou na primeira trincheira na defesa do marxismo-leninismo. Com o afastamento de Maurício Grabois da direção, motivada por seus duros ataques à dita "Declaração de Março de 58", a qual acertadamente caracterizara como expressão do revisionismo kruchovista no partido, Pomar tomou a linha de frente da luta desmascarando e desmontando as teses oportunistas de Prestes expressas na consigna de "União Nacional".

Frente à vitória do revisionismo e do liquidacionismo do partido no V congresso de 1960, Pomar novamente apresentou-se como destacado militante da sua reconstrução. Convencido de que não era mais possível seguir marxistas e revisionistas numa mesma organização, participou ativamente do processo de 1962 com a publicação da "Carta dos Cem", das tarefas organizativas em todo o país e assumindo a responsabilidade pelo órgão central do partido, o jornal A Classe Operária.

Anti-revisionista intransigente, rapidamente identificou no pensamento Mao Tsetung a força revigorada do marxismo-leninismo e passou a se bater decididamente pela sua assimilação como guia ideológico-político por todo o partido. Em 1968, quando ainda era tormentoso o curso da Grande Revolução Cultural Proletária desencadeada na China sob a direção do Presidente Mao, Pomar, como grande marxista que era, compreendeu que aqueles acontecimentos elevavam a revolução proletária mundial a novo e mais alto patamar. Foi o que deixou expresso no artigo Grandes êxitos na Revolução Cultural publicado no A Classe Operária, afirmando que ela representava "uma contundente derrota para a coalizão mundial contra-revolucionária do imperialismo, da reação e do revisionismo contemporâneo". E de que "Ao mobilizar massas de centenas de milhões, num movimento de envergadura sem precedente, a Revolução Cultural Proletária, em menos de dois anos, já estendeu-se a toda a China e desbaratou a trama revisionista burguesa, que visava a restauração do capitalismo".
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São Paulo, 1947: Pedro Pomar com Maurício Grabois
Revelando compreender e ser partidário de uma das grandes questões do marxismo levantada energicamente pelo Presidente Mao, a da continuação da luta de classes no socialismo e eixo da revolução cultural, destacava que "Ela é resultado inevitável da exacerbação da luta de classes na China e em todo o mundo". Expressando sua alta compreensão do marxismo, mesmo nos limites estreitos da vigência dogmática no partido, soube fazer a defesa do significado do maoísmo para o prosseguimento da revolução proletária mundial anunciando que "A Revolução Cultural Proletária veio demonstrar a importância histórico-mundial do pensamento de Mao Tsetung, como o marxismo-leninismo de nosso tempo".

Colhendo o maoísmo como a essência deste poderoso acontecimento da História universal, desafiou a desfraldá-lo e aplicá-lo para impulsionar a revolução brasileira e ressaltou que "Os comunistas brasileiros, que receberam com entusiasmo os grandes êxitos da Revolução Cultural Proletária, procuram estudar seus ensinamentos e divulgar suas experiências. Ao mesmo tempo erguem, cada vez mais alto, a bandeira vermelha do pensamento de Mao Tsetung, que descortina para nosso povo o caminho da revolução e da guerra revolucionária de libertação".

Não por outras razões coube a ele a tarefa de viajar à República Popular da China em 1972 para comunicar a alta direção do Partido Comunista da China a decisão histórica de iniciar a luta armada como guerra popular prolongada no Brasil. Seguramente, por tudo que deixou patente em seus escritos e por sua coerência, era Pomar entre os principais dirigentes o mais convicto da linha revolucionária da guerra popular, pelo que se batia por sua correta compreensão e assimilação por toda a direção do partido e toda militância. Isto o comprova de forma ineludível seu balanço da experiência do Araguaia apresentada ao debate interno da direção em suas reuniões de julho e dezembro de 1976.

De têmpera inquebrantável quando os duros golpes do cerco repressivo da contra-revolução atingiram profundamente a estrutura de organização do partido, principalmente com os reveses na guerra no Araguaia, fazendo precipitar a crise que se achava incubada na sua direção, Pomar não se assombrou, dando provas da tenacidade de grande dirigente comunista em lutar em condições adversas e, principalmente, de saber como se deve levar a luta interna nessas circunstâncias tão especiais. Em sua briga por um balanço profundo e crítico da experiência do Araguaia mostrou a sagacidade e paciência necessárias para buscar as causas da derrota e de como sair à frente, unindo ao máximo o partido. Em seu magistral documento de balanço da experiência do Araguaia (Sobre o Araguaia), enfocando a centralidade da questão da luta armada para a revolução brasileira asseverou que "No Brasil o problema do caminho revolucionário para livrar o povo da exploração e da opressão tem sido dificílimo. E a determinação de palmilhá-lo tornou-se a pedra de toque das diferentes forças revolucionárias, em especial das marxistas-leninistas. Em torno do caminho, da concepção e método da luta armada sempre surgiram grandes divergências".

Partindo do "Relatório Arroyo" faz uma análise concreta e sagaz no propósito de tirar as lições positivas e negativas daquela experiência. Insistia em ressaltar a decisão justa do partido de levar a cabo a preparação da luta armada e o devotamento e heroísmo dos militantes que não pouparam esforços e sacrifícios para aplicar tal decisão. Contudo, rigoroso na análise e crítica, afirmava que a derrota não fora de caráter exclusivamente militar e temporária como apontava o Relatório Arroyo, mas sim completa e que a sua principal causa não se devia aos erros e falhas circunstanciais e militares, mas havia sido de concepção. Ou seja, que o que se aplicara no Araguaia não correspondia essencialmente à concepção e teoria da guerra popular e à sua linha estabelecida nos documentos partidários.

http://www.anovademocracia.com.br/58/19b.jpgEm sua análise, Pomar recusou-se a todas e quaisquer explicações fáceis e simples justificativas. Combateu o subjetivismo e a unilateralidade das posições daqueles que, sob o pretexto da glorificação dos feitos, indiscutivelmente heróicos dos combatentes do Araguaia, buscavam soterrar o balanço acusando de derrotistas a quem era partidário do balanço crítico. Da mesma forma combateu as falsas críticas sobre "aventureirismo" de camuflados trânsfugas que não tardaram em se revelar. Ambas posições na verdade direitistas e capitulacionistas. Pomar procurou em tudo ir ao fundo dos problemas, sem qualquer conciliação com erros e desvios cometidos.

Conclamou todo o partido a sacar corretamente as lições da experiência e a apoiar-se nos acertos para seguir em frente, fazendo a defesa incondicional da guerra popular prolongada e do seu caráter científico e de teoria militar do proletariado, como caminho de libertação das massas populares no nosso país.

Pomar, como um dos principais estudiosos do problema da guerra popular e de sua aplicação nas condições de nosso país, fora, sem dúvida, o principal formulador do documento partidário Guerra Popular, caminho da luta armada no Brasil, elaborado em 1969 para orientar e guiar o desencadeamento da luta armada revolucionária no Brasil. Instrumento com que se combateu inconciliavelmente as concepções militares revisionistas, burguesas e pequeno-burguesas tão em voga na esquerda latino-americana à época e de influência principalmente da direção da Revolução Cubana. Com seu brilhante balanço mostrou de forma objetiva como na condução da experiência do Araguaia se havia afastado das orientações deste documento.

Evocando o sacrifício heróico e supremo dos combatentes do Araguaia, Pomar defendeu a justeza da guerra popular, a necessidade de compreender as lições desta experiência e assimilar, ideológica, política e militarmente, no mais profundo possível a justa concepção para retomar e prosseguir a luta armada revolucionária e levá-la a seu triunfo no país. Em suas conclusões enfatizava que se a direção levasse até ao fundo o balanço crítico destes erros, retificando-os na prática, a revolução seria vitoriosa no futuro. Com o otimismo que somente os verdadeiros revolucionários e convictos comunistas podem desfraldar, afirmou de forma peremptória: "a bandeira da luta armada que empunharam tão heroicamente e pela qual se sacrificaram os camaradas do Araguaia deve ser erguida ainda mais alta. Se conseguirmos de fato nos ligar às grandes massas do campo e da cidade e ganhá-las para a orientação do Partido, não importa qual seja a ferocidade do inimigo, com toda a certeza a vitória será nossa".

Na trágica manhã de 16 de dezembro de 1976, tropas do II Exército, numa operação conjunta com outros órgãos da repressão do regime fascista, a partir de informações obtidas através de um traidor, cercaram a casa de segurança, situada no bairro da Lapa, na cidade de São Paulo, onde se reunira o Comitê Central do partido. A fuzilaria daquele massacre pôs fim não somente a vida de Pedro Pomar e outros camaradas seus, mas a toda uma etapa revolucionária da vida do Partido Comunista do Brasil.

O aniquilamento dos principais quadros revolucionários na região do Araguaia e noutras regiões do país e a queda do Comitê Central na Lapa com o assassinato de três dirigentes do partido, criaram as condições para uma conversão ideológica e domínio do revisionismo na direção do PCdoB. O processo de balanço do Araguaia, iniciado na reunião de julho de 1976 e que naquela fatídica reunião de dezembro do mesmo ano não pudera concluir, jamais foi retomado. A direção de João Amazonas sabotou e enterrou de vez os debates sobre o Araguaia e impôs, passo a passo, uma nova linha revisionista que conduziu à gradual e completa liquidação do PCdoB enquanto um partido comunista revolucionário. Renegando a linha revolucionária da guerra popular, esta direção revisionista-oportunista, através do retorno ao caminho eleitoreiro e legalista, preparou mais um partido revisionista sob a continuidade da sigla PCdoB.

Odiado pelas classes reacionárias e seus lacaios, bem como pelos revisionistas e oportunistas de todas laias, porém amado pelos trabalhadores brasileiros que o conheceram e os que a sua história passam a conhecer, Pedro Pomar tem seu honrado e glorioso nome inscrito na constelação de heróis da classe proletária, da luta de libertação, da causa do socialismo e do comunismo de todo o mundo.

Hoje, é cada vez maior o declínio da ofensiva da contra-revolução mundial em meio da crise colossal e cada dia mais profunda do imperialismo em todo mundo. Em nosso país, diante de toda situação de miséria e fome que vive nosso povo, de seu crescente descontentamento e de uma potencial e inevitável revolta popular, o velho Estado e seu gerenciamento pelos oportunistas e revisionistas, estão aplicando contra os pobres do campo e da cidade a política de genocídio mais sistemática de nossa história, preparando uma nova escalada fascista. Mais que nunca se faz preciso trazer ao primeiro plano da luta de classes atual as grandes contribuições e o papel destacado de Pedro Pomar. Prestar homenagens e exaltar sua combatividade, firmeza de princípios, seriedade, honestidade e exemplo de comunista é uma necessidade. Ressaltar suas idéias corretas e sua posição intransigente na defesa do marxismo e combate ao revisionismo e todo oportunismo é de extrema atualidade. Levar à prática a sua defesa inconciliável do autêntico partido revolucionário da classe, da revolução proletária, da violência revolucionária, da ditadura do proletariado, do socialismo e do comunismo é dever de todos os verdadeiros revolucionários brasileiros.

Além do que não deixa de ser ultrajante assistir o cinismo daqueles que, tendo algum dia acreditado e mesmo lutado pela revolução, para justificar sua passagem à contra-revolução, cacarejar seu roto idealismo pragmático afirmando que se este ou aquele revolucionário tombado pela causa revolucionária estivesse vivo hoje estaria também tomando parte e apoiando o atual regime. De fato, pois, é imperativo fazer a defesa dos verdadeiros revolucionários, de suas trajetórias e devoção à causa levadas ao extremo da doação de suas vidas. É necessário trazer à superfície suas contribuições e as posições que, em suas épocas, tomaram, e fazer o deslinde delas com a grotesca capitulação a que os renegados da revolução, como novos burocratas e novos lacaios do imperialismo, predicam descaradamente.

Que antagonismo! Que brutal diferença! Que separação abismal! Do ponto de vista moral, gigantes e pigmeus! Mas a propósito, numa carta a Engels, referindo-se a quem em palavras diziam-se seguidores do marxismo, mas na prática seus mais vulgares falsificadores e renegados, Marx faz troça dessa situação anotando: "Semeei dragões e colhi pulgas".

Créditos: A Nova Democracia

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Mais um acordo que não levará a nada......

A Autoridade Palestiniana contra a libertação da Palestina e contra a solidariedade internacional


por Azmi Bishara [*]
Colonatos. Cartoon de Latuff. 

















A forma como a Autoridade Palestiniana (AP) se comportou em Genebra foi como o último prego no caixão da solidariedade internacional para com a causa palestiniana, no seu sentido mais usual. Aqueles que tomaram esta decisão sabiam-no bem. A solidariedade internacional ficou confundida com as questões instigadas pelos Acordos de Oslo, um tratado firmado com a potência que exercia a ocupação antes mesmo de se avistar uma solução. Será que a luta pela libertação estava em progresso quando a ocupação estava ainda no terreno? Ou o processo de Oslo significou que a questão residia agora na capacidade dos "dois lados" chegarem a um acordo? Embora o movimento de solidariedade tenha feito lembrar um pouco a segunda Intifada, o desacordo dos palestinianos e o comportamento da AP em relação à guerra em Gaza lançou o acordo novamente para o meio da confusão. Mesmo assim, por mais fragmentadas e desordenadas que fossem, as organizações e movimentos militantes ou semi-militantes reuniram toda a energia que puderam para apoiar os palestinianos, mesmo divididos, no seguimento do ataque israelense a Gaza. O Relatório Goldstone foi o resultado deste dinamismo. Mas actualmente, após o dia 2 de Outubro em Genebra, quem vai mostrar solidariedade para com os palestinianos, como e por que razão o fariam?


O partido palestiniano que declarou em Genebra a retirada do seu apoio ao Relatório Goldstone agiu não como se os palestinianos precisassem de todo o apoio que pudessem reunir, mas como se fizesse parte da ordem internacional. Estavam junto com os da Casa Branca; por isso, quem precisa da solidariedade do povo quando é convidado do presidente dos EUA? Por outro lado, esse movimento de solidariedade pode, por vezes, ter efeitos negativos. O movimento apoia o povo de Gaza, por exemplo, enquanto as autoridades palestinianas em questão se encontram do outro lado do bloqueio, agindo no sentido de impedir qualquer esforço que possa ser vantajoso aos seus adversários políticos palestinianos. Estas autoridades disseram adeus ao movimento de libertação há já algum tempo. "Adeus, movimento de libertação", disseram, muito antes de este estar sequer nas previsões. Para quem tem olhos e ouvidos, esta é a dura realidade. Porém, o seu comportamento em Genebra foi um adeus definitivo e inequívoco ao espírito e à lógica da libertação e dos movimentos de solidariedade.


No meio das minudências das manobras políticas e dos rodeios em relação ao processo dos colonatos que dominavam os noticiários, perdeu-se não só o todo, mas também a essência da causa palestiniana. Este é precisamente o problema que os meios de comunicação social, que se pautam pela objectividade, deviam ultrapassar.


A arena internacional da era Obama fervilha em acções políticas mais direccionadas a dar o pontapé de saída no processo de paz do que em chegar a um acordo justo de paz. É provável que venhamos a assistir a uma conferência de paz no prazo de três meses, que trará de volta as "glórias" dos acordos de Camp David II, embora sem Arafat (que se recusou a abrir mão de Jerusalém), mas com Netanyahu. Mas nesse caso, poderemos confiar no segundo para recusar as mesmas propostas que Arafat rejeitou e, porque é um israelense extremamente patriótico, podemos até esperar mais do que isso. Também não devemos esperar que a administração actual em Washington se afaste das regras estabelecidas pelos seus antecessores para o suposto processo de paz. A administração Obama poderá ser o resultado do fracasso das políticas neoconservadoras, até ao ponto de se ver forçada a abandonar a exportação da democracia e reconhecer o fracasso da aventura no Iraque. Contudo, a situação dos estados árabes é tal que estes não podem tirar partido das fraquezas desta administração na área da política externa. Mesmo que fossem capazes, os governos do "eixo moderado" não estão interessados em entrar numa disputa por causa da Palestina, pois andam deliciados com a chegada de uma administração que abandonou a retórica da disseminação da democracia e dos direitos humanos.


Aparentemente, algumas autoridades árabes viram aqui uma oportunidade de "pressionar" Washington no sentido de não insistirem para que Israel pare a expansão dos colonatos e se concentre, pelo contrário, em reabrir as negociações para uma solução duradoura, com o pretexto de que a questão dos colonatos se resolveria, em todo o caso, nesta conjuntura. Mas mesmo no Iraque, onde a política externa dos EUA mais fraqueja, a ordem árabe instituída não conseguiu transformar esta debilidade (que é o produto dos empreendimentos alcançados pela resistência árabe) numa política que assegurasse a prioridade dos seus interesses e causas na agenda negocial entre os EUA, o Irão e a Turquia. Por isso, no que diz respeito à pressão norte-americana sobre Israel, Washington está aprisionada aos velhos hábitos. O cerne da mediação diplomática de George Mitchell, enviado norte-americano ao Médio Oriente, pode resumir-se em três pontos: convencer os árabes a adoptar iniciativas benevolentes na normalização das relações com Israel, assegurar a ajuda árabe no financiamento da AP, que é principalmente apoiada pela Europa; e garantir que os árabes estejam oficial e solidamente contra os que governam em Gaza.


Apesar de todas estas movimentações, a administração Obama espera terminar aquilo que as administrações de Clinton e Bush não conseguiram, na tentativa de convencer Israel e o mundo árabe a transformar o estado palestiniano proposto num "pacote negocial" completo. O "pacote", neste caso, é a fundação de um estado palestiniano em troca da renúncia dos árabes, primeiro, ao direito de regresso dos refugiados palestinianos e, segundo, da abdicação do desejo de que Israel abandone todos os territórios que ocupou desde Junho de 1967, incluindo Jerusalém Oriental. Para os árabes, a conclusão deste acordo significaria não só abandonar a causa palestiniana tal qual a entendemos historicamente, mas também abandonar o ponto de partida das suas iniciativas de paz. Israel, por seu lado, tem abraçado esta causa desde Sharon. Tem concentrado esforços em reduzir o estado proposto à mais pequena faixa de território possível e com o mínimo de direitos de soberania. Para que tal aconteça, Israel está a tirar vantagem da renúncia por parte da AP e da ordem árabe oficial a todos os instrumentos de gestão de conflitos, para além do seu formato de negociações para impor uma paz " de facto " no terreno (onde o nível e condições de vida do povo, incluindo bloqueios nas estradas e coisas do género, são as prioridades), e está a tirar igualmente partido da ideia dos dois estados para forçar os árabes a reconhecer a natureza judaica de Israel, o que implicitamente envolve a renúncia ao direito de regressar, a aceitação retroactiva do sionismo e também do facto de que Israel tem estado histórica e moralmente certo, enquanto os árabes têm estado histórica e moralmente errados.


Entretanto, a nova administração norte-americana começou a exigir uma paragem na expansão dos colonatos israelenses. Os árabes, incluindo os palestinianos, reiteraram a exigência. Aqui seria talvez útil recordar que na história da construção dos colonatos, as épocas em que esta foi mais rápida foram aquelas em que foi anunciado publicamente uma paragem na construção. Qualquer pessoa que conheça Israel e a forma como opera, sabe que a planificação e a construção são uma actividade central deste estado, que foi fundado com base em planos e construções. Israel planeia com um avanço de 20 anos. Qualquer paragem que dispense projectos de construção, para os quais já existiam planos, dá azo a que a construção continue por mais 20 anos.


Seja como for, o actual governo israelense nem sequer teria coragem de parar oficialmente porque este governo, ao contrário do seu antecessor, confia nas forças políticas que afirmam que a mera proclamação de uma paragem, por mais fraudulenta que seja, é um compromisso moral. Israel, na opinião dos extremistas de direita, tem de declarar oficialmente a sua legitimidade em expandir os colonatos, em vez de o fazer de forma dissimulada. Em Israel, o debate não se tem centrado na paragem (uma vez que realmente nunca houve uma), mas sobre se o estado deve ou não proclamá-la. Mas é de lamentar que os meios de comunicação social árabes entrem no jogo e, consequentemente, mantenham os árabes concentrados nas particularidades deste debate, pois isto oculta o facto de que a construção prossegue actualmente a todo o gás, especialmente em Jerusalém, e que o bloqueio a Gaza continua tão apertado quanto antes, sendo apenas uma ligeira variação da guerra de Dezembro/Janeiro.


Regressemos à questão fundamental, cuja implementação colide com as ambições de Israel: e então, o que é feito do direito a regressar? Acima de tudo, convém realçar que esse direito não emana de uma resolução internacional e que o povo palestiniano e árabe não abdicam deste direito, mesmo sem uma resolução que lhes dê aprovação oficial, se bem que, na verdade, essa resolução exista. É impossível recuperar o direito a regressar através de um acordo com Israel. Isso só poderá acontecer pela derrota de Israel no contexto do conflito entre árabes e sionistas. Por isso, se os árabes desistirem do conflito ou da estratégia de luta, então, estarão efectivamente a renunciar ao direito de regressar. Mesmo que a Organização para a Libertação da Palestina existisse enquanto organização militante, e mesmo que a AP fosse uma autoridade que operasse em conformidade com a lógica de libertação, os árabes não conseguiriam recuperar o direito a regressar na mesa de negociações com Israel, pelo simples facto de que Israel considera este direito como uma negação do seu próprio estado. Talvez por isso, muitos árabes se tenham afastado da retórica de recuperar este direito pela vitória sobre Israel e da retórica da recusa em naturalizar os refugiados palestinianos no contexto do processo de negociação. Para além disso, como se viu na prática, a rejeição da naturalização significou, na maioria dos casos, um "não à naturalização neste país, embora se outros países lhes quiserem dar direito de cidadania, é lá com eles".


De facto, esta posição é racista e, tal como o sectarismo e faccionismo, inserir-se na filiação numa única identidade árabe. A rejeição do conceito de naturalização em países que mantêm relações de paz com Israel e cujos acordos não incluem o princípio do direito a regressar, e nos países que contam com um eventual acordo de paz para recuperarem os territórios que Israel ocupou em 1967 e nos anos seguintes, não acarreta o direito de regresso. Será que estes países consideram que o assunto deve ser deixado para o governo de Abbas-Fayyad? Certamente que não, pois na prática a AP renunciou há muito tempo ao direito de regresso e mesmo que não o tivesse feito, não poderia impor esse direito no contexto da sua relação com Israel. Então, todos estes países encaram o direito de regresso como um assunto a ser abordado não entre eles e Israel, mas sim entre os palestinianos residentes nestes países e Israel. O único resultado lógico seria incentivar o racismo contra os refugiados palestinianos nestes países, o que estaria em conformidade com a disseminação de mentalidades sectárias, provincianas e tribais na cultura política das sociedades árabes e dos seus regimes vigentes.


Como é que a criação de um estado palestiniano poderá ser um pacote negocial? Chegados a este ponto, temos de entrar no reino da imaginação árabe e norte-americana, independentemente da posição israelense. Na imaginação de Washington, os ditames do realismo levarão os árabes a aceitar uma troca de território em vez de ser Israel a voltar às suas fronteiras de 1967. Acreditam ainda que "soluções criativas" para os locais sagrados resolverão o problema de Jerusalém sem que Israel tenha de se retirar da zona árabe da cidade. No que diz respeito à questão dos refugiados, esta resolver-se-á automaticamente por si só pela mera existência de um estado, que transformará os refugiados em cidadãos palestinianos residentes no estrangeiro com passaporte palestiniano. Segundo esta imaginação pragmática, embora muitos problemas fiquem pendentes, o estatuto legal dos refugiados resolver-se-á sem necessidade de regresso ou naturalização.


Este é actualmente o desafio. A indignidade que se desvenda em Genebra e Nova Iorque possui servos ávidos para os quais, mais do que nunca, os fins justificam os meios. Estes servos acreditam ser uma parte integrante da ordem internacional. Já não estão do lado de fora, como militantes revolucionários. Nem estão nas margens, como Arafat durante as Intifadas e no período após Oslo. E apesar da sua mera filiação na ordem internacional, eles imaginam que irão ter sucesso na sua busca por um estado. Encontramos aqui a fonte do desprezo por aquilo que os movimentos de libertação geralmente consideram como o centro da sua missão, ou seja, mobilizar o mundo contra os crimes da ocupação estrangeira na esperança de pelo menos refrear a mão do país que exerce a ocupação. Encontramos também um motivo para abandonar a própria ideia de conflito com a nação colonialista. Eles vêem-se a si próprios como pares hipotéticos desse estado, o que lhes dá o direito de usar os mesmos termos e a mesma linguagem pragmática, e de diminuir os apelos de justiça e respeito pelos direitos humanos, como fizeram escandalosamente quando votaram o Relatório Goldstone em Genebra.


Estão financeiramente corrompidos, colaboram em questões de segurança com a potência invasora, estabelecem uma entidade de governo repressivo com uma milícia para arrancar a própria noção de "solidariedade" da mente das pessoas e tomam parte num bloqueio económico cruel contra um grande número de concidadãos palestinianos. Estão, de facto, a agir de acordo com a natureza e espírito de uma ordem internacional que mente sobre crimes de guerra. Não vale sequer a pena tentarmos explicar as nossas razões a pessoas assim porque elas dir-nos-ão que estavam lá, que amadureceram e nós somos ingénuos. Pertencem a uma geração que teve um movimento de libertação, mas infectaram-no com a sua própria decadência antes que o movimento pudesse resultar num estado. Neste aspecto, deram provas de que não têm rivais.
[*] O autor é deputado no parlamento de Israel (Knesset) e secretário-geral do partido Aliança Nacional Democrática, mais conhecido como Balad.

Publicado originalmente no semanário Al-Ahram 968 (15-21/Outubro/2009) e reproduzido em
http://mrzine.monthlyreview.org/bishara211009.html . Tradução de EC.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

Agora é o Paquistão....

Território estratégico da Guerras do Imperialismo
Jules Doufour

Por que razão a guerra do Afeganistão foi pelos EUA alargada ao Paquistão?
“…O motivo real dessas guerras não é a erradicação dos talibans, mas antes a criação das infra-estruturas e instalações necessárias para uma ocupação permanente da região por parte de Washington...”




Jules Doufour* - www.odiario.info


«A morte de Baitullah Meshd, líder dos talibans paquistaneses, será um grande acontecimento para Washington e Islamabad». Este comunicado que, uma vez mais, anuncia a morte de um ser humano causada pela guerra, é lógico que alegre os estrategos dos países ocidentais que ocupam ilegalmente um país soberano da Ásia Central desde 2001. Esta notícia aos que fazem esta guerra de conquista manifestar, por breves instantes, a sua alegria e demonstrar a eficácia das suas mortíferas intervenções no terreno. Mas convém acrescentar uma outra interpretação a este acontecimento. O desaparecimento do líder dos talibans paquistaneses viria a somar-se aos elementos que justificam a extensão da guerra de ocupação que arrasa o Afeganistão e o vizinho Paquistão. E contribuiria para legitimar, definitivamente, perante a opinião pública mundial, os actos de guerra perpetrados por Washington e o exército nacional do Paquistão sobre o território paquistanês, ainda que convencer da utilidade da guerra contra os talibans se tenha convertido numa tarefa muito fácil para Washington, depois de passar tantos anos a fabricar o «inimigo», actualmente encarnado pelos talibans, aos olhos da população mundial.

Neste contexto é importante estar consciente de que o motivo real dessas guerras não é a erradicação dos talibans, mas antes a criação das infra-estruturas e instalações necessárias para uma ocupação permanente da região por parte de Washington e das restantes potências ocidentais. Essas guerras só terminarão quando o regime de Cabul for capaz de assegurar o controlo militar total do território afegão, e isso só será possível com a ajuda do exército nacional paquistanês, necessário para o controlar as zonas tribais fronteiriças com o Afegaistão, como Waziristan, a província da fronteira noroeste, incluindo o distrito de Swat.

As acções bélicas paquistanesas surgem como parte da «guerra contra o terrorismo» decretado pela administração de G W Bush e ligadas à guerra do Afeganistão. O vale de Swat caiu sob domínio dos talibans em Dezembro de 208 e depois foi objecto de operações militares com o objectivo de os desalojar ou pura e simplesmente «fazê-los desaparecer».

Esta guerra dirigida pelo exército nacional paquistanês com a ajuda do exército estadunidense não foi oficialmente declarada. Desenvolve-se no quadro da denominada «guerra preventiva» contra o terrorismo e permite às potências ocidentais aumentar o seu controlo em todas as regiões do Paquistão, o que não conseguiram fazer durante a presidência de Pervez Musharraf, entre Junho de 2001 e Agosto de 2008.

BALANÇO DA GUERRA EM 2009

Alguns relatórios recentes deram conta dos repetidos ataques na região contra os talibans e os insurrectos procedentes do Paquistão, o que provocou um êxodo massivo das populações para o interior do país. A utilização de «drones» (N. do T.:aviões não tripulados) pelos Estados Unidos para eliminar os presumíveis locais de refúgio dos terroristas já causou um número de vítimas considerável.

Segundo dados recentes, esses ataques e outras intervenções teriam causado mais de 1.500 mortos entre os talibans. No conjunto das regiões afectadas pela guerra observou-se a deslocação de mais de dois milhões de pessoas. «Até agora, os custos são muito elevados; dois mil mortos e mais de dois milhões de pessoas deslocadas por causa dos combates no vale de Swat e noutros lugares». Segundo o Pakistan Body Count do mês de Agosto de 2009, as bombas e os ataques dos drones causaram quase 10.000 vítimas e entre estas contar-se-iam mais de 3.300 mortos. E acrescenta a observação de que «quer se trate de um atentado à bomba ou do ataque de um drone o resultado é o mesmo: um paquistanês morto».

Este sitio proporciona a história completa e a cronologia dos atentados à bomba e dos ataques dos drones. Os dados são recolhidos dos relatórios dos media, hospitais e outros sítios da Internet. Todos os dados estão disponíveis ao grande público e nenhum deles é confidencial. Isto permite ter uma ideia da intensidade dos atentados com bombas e os ataques perpetrados pelos drones.

Segundo Bill Van Auken, é importante que recordemos no passado mês de Maio «O governo de Obama está a considerar, cada vez mais, o aumento da sua intervenção no Paquistão como uma guerra específica contra a insurreição, e para a qual teria de pedir o mesmo tipo de poderes militares que já obteve Bush para o Afeganistão e o Iraque». Esses poderes poderiam permitir ao Pentágono, entre outras coisas, dar uma ajuda militar ao Paquistão na ordem de 400 milhões de dólares.


Referências:
• AFP e AP 2009. «La mort du chef des talibans pakistanais semble se confirmer», Le Devoir, 8 e 9 de Agosto de 2009:
http://www.ledevoir.com/2009/08/08/262081.html
• CTV.CA News Staff. 2009. «As deaths rise, Pakistan struggles against Taliban» 28 de junio de 2009:
http://www.ctv.ca/servlet/ArticleNews/story/CTVNews/20090628/Taliban_Pakistan_090628/20090628?hub=TopStories
• Durfour, Jules, 2008 «Les guerres d’occupation de l’Afghanistan et de l’Irak: un bilan horrifiant de portée mundiales». 22 de julio de 2008. Montreal, Centro de Investigación sobre la globalización (CRM)
http://www.mondialisation.ca/index.php?context=va&aid=9645
• Lind, William S. y L. Rockwell. 2008. «Pakistan. Une victime collatérale des guerres américaines». Alternatives Internationale. 17 de enero de 2008:
http://www.alterinter.org/article1623.html?lang=fr.
• Operaciones militares contra os talibanes en Pakistán:
http://fr.wikipedia.org/wiki/Guerre_au_Waziristan
• Pakistan Body Count: http://www.pakistanbodycount.org/
• Pervez Musharraf: http://es.wikipedia.org/wiki/Pervez_Musharraf
• Tisdall and Saeed Shaa. 2008. «Reported US attack pushes Afghanistan war into Pakistan. Up to 20 die in attack by commandoes on village near known Taliban and al-Qaida stronghold», guardian.co.uk, 3 de septiembre de 2008:
http://www.guardian.co.uk/world/2008/sep/03/pakistan.afghanistan1
• Van Auken, Bill. 2009. «Le gouvernement d'Obama cherche à obtenir des pouvoirs militaires extraordinaires au Pakistan». 7 de mayo de 2009. Montreal, Centro de Investigación sobre la globalización (CRM).
http://www.mondialisation.ca/index.php?context=va&aid=13528



*Jules Durfour, é doutor em Filosofía e professor emérito da Universidade de Québec em Chicoutimi

Este texto foi publicado em:
http://www.mondialisation.ca/index.php?context=va&aid=14719



Tradução de José Paulo Gascão

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Tom Zé – Com Defeito de Fabricação (1998)


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 Créditos: UmQueTenha

Chega de impunidade....

Publicamos o comentário feito no blog, por Dr. OTONIEL AJALA DOURADO, sobre o massacre no Sitio Caldeirão, no Ceará, em 1937:



SÍTIO CALDEIRÃO, O ARAGUAIA DO CEARÁ: UM GENOCÍDIO HÁ 72 ANOS NA IMPUNIDADE!



No CEARÁ, para quem não sabe, houve também um crime idêntico ao do “Araguaia”, contudo em piores proporções, foi o MASSACRE praticado por forças do Exército e da Polícia Militar do Ceará no ano de 1937, contra a comunidade de camponeses católicos do Sítio da Santa Cruz do Deserto ou Sítio Caldeirão, que tinha como líder religioso o beato JOSÉ LOURENÇO, seguidor do padre Cícero Romão Batista.



A ação criminosa deu-se inicialmente através de bombardeio aéreo, e depois, no solo, os militares usando armas diversas, como fuzis, revólveres, pistolas, facas e facões, assassinaram mulheres, crianças, adolescentes, idosos, doentes e todo o ser vivo que estivesse ao alcance de suas armas, agindo como feras enlouquecidas, como se ao mesmo tempo, fossem juízes e algozes.



Como o crime praticado pelo Exército e pela Polícia Militar do Ceará foi de LESA HUMANIDADE / GENOCÍDIO / CRIME CONTRA A HUMANIDADE é considerado IMPRESCRITÍVEL pela legislação brasileira bem como pelos Acordos e Convenções internacionais, e por isso a SOS - DIREITOS HUMANOS, ONG com sede em Fortaleza - Ceará, ajuizou no ano de 2008 uma Ação Civil Pública na Justiça Federal contra a União Federal e o Estado do Ceará, requerendo que sejam obrigados a informar a localização exata da COVA COLETIVA onde esconderam os corpos dos camponeses católicos assassinados na ação militar de 1937.



Vale lembrar que a Universidade Regional do Cariri – URCA, se quiser poderá utilizar sua tecnologia avançada e pessoal qualificado, para, através da Pró-Reitoria de Pós Graduação e Pesquisa – PRPGP, do Grupo de Pesquisa Chapada do Araripe – GPCA e do Laboratório de Pesquisa Paleontológica – LPPU encontrar a cova coletiva, uma vez que pelas informações populares, ela estaria situada em algum lugar da MATA DOS CAVALOS, em cima da Serra do Araripe.



Frisa-se também que a Universidade Federal do Ceará – UFC, no início de 2009 enviou pessoal para auxiliar nas buscas dos restos dos corpos dos guerrilheiros mortos no ARAGUAIA, esquecendo-se de procurar na CHAPADA DO ARRARIPE, interior do Ceará, uma COVA COM 1000 camponeses.



Então qual seria a razão para as autoridades não procurarem a COVA COLETIVA das vítimas do SÍTIO CALDEIRÃO? Descaso ou discriminação por serem “meros nordestinos católicos”?



Diante disto aproveitamos a oportunidade para pedir o apoio de todos os cidadãos de bem nessa luta, no sentido de divulgar o CRIME PERMANENTE praticado contra os habitantes do SÍTIO CALDEIRÃO, bem como, o direito das vítimas serem encontradas e enterradas com dignidade, para que não fiquem para sempre esquecidas em alguma cova coletiva na CHAPADA DO ARARIPE.


Dr. OTONIEL AJALA DOURADO
OAB/CE 9288 – (85) 8613.1197
Presidente da SOS - DIREITOS HUMANOS
www.sosdireitoshumanos.org.br

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Cassações de vereadores paulistanos escancaram privatização dos homens públicos

 Gabriel Brito - Correio da Cidadania   

 
Na semana que passou, a Justiça Eleitoral de São Paulo cassou o mandato de 13 vereadores por conta de doações recebidas da Associação das Imobiliárias Brasileiras acima dos valores permitidos por lei. Após o pequeno rebuliço, todos acabaram obtendo liminares que asseguraram o direito de retornarem aos mandatos enquanto não se julga definitivamente a ação (confira os nomes no final da matéria).
 
Demonstração cabal da degradação da função pública, cada vez mais distanciada de seu caráter republicano de servir aos interesses populares (isto é, dos eleitores), o caso, se não serve para punir exemplarmente os que negociam seus mandatos, ao menos desnuda a que ponto chegou a descaracterização do fazer político.
 
"Mais do que nunca essas cassações e denúncias que vêm ocorrendo, já antigas, trazem à tona a discussão sobre a influência do poder econômico no processo eleitoral, e de como ele é determinante e influi não só na eleição no Brasil, mas, sobretudo, como continua a fazê-lo. O caso do Renan Calheiros é clássico. Ele foi financiado por uma empreiteira e depois esta continuou pagando suas despesas. Ou seja, é o poder econômico comprando seus representantes", disse ao Correio o deputado estadual do PSOL Carlos Giannazzi.
 
Com doações que rondavam em torno de 1,6 milhão de reais para o último pleito, de 2008, é impossível não relacionar a agenda política dos parlamentares com as fartas benesses do setor privado. Rodoanel, Nova Marginal, prédios e mais prédios e recentemente o pacote habitacional são todos projetos bilionários que certamente encherão os cofres das empreiteiras e imobiliárias (como também já publicou o Correio), que poderão reaver o investimento realizado nos homens públicos. Tudo isso sem considerar a possibilidade de doações ocultas ou individuais das empresas do ramo.
 
"O que acontece na Câmara acontece em outros legislativos, no judiciário, executivo, é algo generalizado em nosso país. As empreiteiras que financiam as grandes construtoras, também financiam candidatos para depois serem beneficiadas em licitações de grandes obras públicas", destacou.
 
"Vejo como escândalo o caso da Associação Imobiliária Brasileira (AIB), que tem vários vereadores eleitos, inclusive os que redigem planos diretores. Sobre o PAC e o Minha Casa, é importante ver como eles são em grande medida complementares. Pois o PAC beneficia sobretudo as empresas de ‘construção pesada’ que fazem infra-estrutura e para as quais a questão fundiária é irrelevante. O Minha Casa beneficia as empresas de ‘construção civil’ e o setor imobiliário, para o qual o fundiário é decisivo. Ou seja, são as frações de capital recebendo do Estado as fatias do fundo público", já dissera o urbanista Pedro Arantes, dando o exemplo de importantes políticas públicas que vão de encontro aos interesses citados.
 
Sobre a relação da AIB com os parlamentares, o deputado aponta a promiscuidade que significa o envolvimento financeiro daqueles que devem zelar pela cidade com os que se interessam apenas pela causa própria. "É ilegal que uma associação quase fantasma, ligada a um sindicato de empreiteiras, o Secovi (Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo) tenha financiado quase metade da Câmara. É um absurdo, pois é a Câmara Municipal que aprova os projetos de lei dessa área de construção", denuncia Giannazzi.
 
Como disse o parlamentar, é evidente que os vereadores não estão sozinhos nessa. Deputados e o prefeito Gilberto Kassab também receberam amplos investimentos dos patrões do setor, o que talvez explique a batalha armada pelo político do DEM para alterar o nunca aplicado Plano Diretor das Cidades, de 2001, mesmo com a maciça oposição de 165 entidades da sociedade civil na Assembléia Legislativa. Em questão, estava a intenção governamental de mexer no ponto que denomina importantes regiões da cidade como Zonas Especiais de Interesse Social - isto é, zonas que deveriam ser destinadas a reformas urbanas que atendessem à população mais carente de serviços, infra-estrutura e moradia de qualidade.
 
"Não temos a aplicação do Plano Diretor, não temos uma fiscalização rígida em cima das empreiteiras, não há avaliação de impacto ambiental sobre as grandes construções de condomínios e prédios sendo feitas em São Paulo...", enumera o parlamentar.
 
Quando chega a hora de retribuir
 
Em lugar da aplicação do Plano Diretor original, a idéia de Kassab é implantar as ‘Concessões Urbanísticas’, estabelecendo determinada área da cidade como de interesse público, oferecendo-a a partir disso ao mercado. Este, por sua vez, teria o direito de revitalizar a área, tendo outorgado a si, também, o poder de realizar desapropriações nas áreas que julgasse relevantes.
 
"Em cada esquina há uma grande construção, com um impacto imenso na poluição e no trânsito. E a cidade não tem mais condições de conviver com tantas construções. A Câmara é omissa, pois, se uma parte dos vereadores foi financiada pelas empreiteiras, claro que não vai fazer fiscalização", escancara o psolista.
 
Diante de tais fatos, pode-se constatar a completa subordinação do espaço público ao interesse privado, "de mercado", como cunhou o deputado. Se já são conturbadas as expropriações realizadas pelo poder público (vide algumas na periferia com cenas de violência e arbitrariedades policiais), o que dizer quando estas puderem ser feitas por entidades privadas, oficialmente descompromissadas com o interesse cidadão? No entanto, ao menos o MP e a Defensoria Pública já se manifestaram acerca da inconstitucionalidade do projeto (ver aqui em texto de Pedro Arantes).
 
Essa situação, que impacta diretamente nossas cidades, encontra correlação em outros setores de nossa economia. Na saúde, por exemplo, como já demonstrado por este Correio, as entidades do setor doaram milhões de reais à campanha de José Serra. Por sua vez, o tucano retribuiu com o Projeto de Lei Complementar 62/2008, que abre as portas de todos os hospitais públicos para a administração privada. Sem contar que, mesmo em épocas de cortes orçamentários, não se cobra dos planos de saúde a dívida de bilhões de reais que estes têm com o SUS. "Esse foi um caso descoberto agora pelo MP sobre o setor imobiliário, mas existem outros setores fazendo o mesmo, de acordo com seus interesses", lembra Giannazzi.
 
Exemplos semelhantes podem ser encontrados nos setores bancário e automobilístico, grandes promotores financeiros dos nossos representantes políticos, para ficarmos entre os casos mais conhecidos. O primeiro recebe injeções portentosas de capital, mesmo anunciando lucros estratosféricos e demissões simultaneamente; já o segundo tem o beneplácito da redução de impostos, como o IPI, e incentivos para aumento de produção, mesmo com o clamor da cidade em torno da substituição do transporte individual pelo coletivo.
 
Oportunidade de abrirmos os olhos
 
A cultura de apropriação do público pelo privado atingiu tal patamar que nenhum parlamentar cogitou a hipótese de entregar o cargo ou ao menos desculpar-se publicamente pelo claríssimo desvio de compromisso. Pois foi a Justiça Eleitoral quem determinou as cassações. E a lei eleitoral é bem cristalina quando estabelece limites de doação e entes que têm direito a fazê-las, o que foi inegavelmente desrespeitado – tudo isso sem ter de entrar na discussão sobre a questão ética de tais contribuições, mas atendo-se tão somente à letra da lei vigente.
 
Porém, o deputado enxerga um lado positivo na exposição do caso, ainda que as punições não tenham se concretizado. "Essa situação gera discussão e uma contribuição para o cidadão e eleitor ficar mais crítico, não só na hora de eleger, mas, sobretudo, na hora de acompanhar as votações, como votam deputados e vereadores. Se foi financiado por construtora, vai votar a favor delas". Uma autêntica prática do ‘é dando que se recebe’.
 
Mas, para piorar, perdeu-se a chance de tornar mais transparente o acompanhamento do eleitor, com a reforma eleitoral recém-finalizada no Congresso, que ignorou todos os pontos que geravam expectativa no debate público. Entre eles o das doações, que poderão permanecer ocultadas dos eleitores até o final dos pleitos, além de ter sido deixado para uma próxima reforma o financiamento público de campanha.
 
"Temos câmaras e assembléias praticamente privatizadas, com vereadores, deputados e senadores como representantes e serviçais do poder econômico. A sociedade fica neutralizada nesse processo. Essa reforma política foi apenas um pequeno ajuste. Temos é de fazer uma grande mudança eleitoral", indica Giannazzi.
 
Vereadores cassados e que já retomaram os cargos:
 
Adilson Amadeu (PTB), Adolfo Quintas Neto (PSDB), Carlos Alberto Apolinário (DEM), Carlos Alberto Bezerra Júnior (PSDB), Cláudio Roberto Barbosa de Souza (PSDB), Dalton Silvano do Amaral (PSDB), Domingos Odone Dissei (DEM), Gilson Almeida Barreto (PSDB), Marta Freire da Costa (DEM), Paulo Sérgio Abou Anni (PV), Ricardo Teixeira (PSDB), Ushitaro Kamia (DEM) e Wadih Mutran (PP).
 
Gabriel Brito é jornalista.

O choro das viúvas de Micheletti

Migueldo Rosario no blog Oleo do Diabo
 
Na medida em que a crise em Honduras inicia uma distensão, e que as sucessivas derrotas dos golpistas (a primeira foi não ter recebido reconhecimento de nenhum país e ter sido condenado por todas as organizações internacionais) se tornam mais visíveis, observo em nossa midia, parte da qual apoiou o golpe, o surgimento de uma nova e interessante figura: as viúvas de Honduras.

Noblat é uma delas. Recorto o que ele disse hoje, em sua coluna do jornal O Globo:

A derrubada de Zelaya foi legal, segundo a Constituição. Afinal, ele tentara mudá-la para introduzir a reeleição à presidente.

A primeira frase é um idiotice e uma falsidade jurídica. A derrubada de Zelaya não foi legal. Foi um golpe de Estado. Não é por outro motivo que o novo governo não foi reconhecido e que Zelaya continuou sendo o único presidente legítimo, para toda a comunidade internacional. Até O Globo chamava, embora hesitante e intermitentemente, e apenas semanas depois do golpe, o governo Micheletti de golpista. A afirmação de Noblat, portanto, é esquizofrênica. Ele defende um governo golpista em seus estertores. É uma viúva desesperada tentando defender a honra do marido nazista morto por um pelotão de fuzilamento da Resistência francesa.

A segunda frase é uma mentira odiosa. Blogosfera, juristas, diplomatas, já a desmentiram categoricamente, por diversas vezes. Zelaya pediu a inclusão de uma pergunta a mais na cédula eleitoral, sobre a criação de uma assembléia constituinte. Essa assembléia iria iniciar discussões políticas, que incluem mudanças na Constituição. Não dá nem para chamar Noblat de leguleio (aquele que interpreta servilmente a lei, sem atender a seu espírito), ou de chicaneiro (o que distorce a lei para cometer crimes), mas de safado mesmo, ou burro. Uma Constituição não é uma tábua de pedra onde as leis ficam estáticas para sempre. Constituição é um corpo jurídico sempre flexível em linha com os anseios do povo. É absolutamente ridículo que Noblat (e outros, são tantas as víuvas de Micheletti no Brasil...) queira nos convencer que a simples possibilidade de um país abrir um debate sobre a reeleição, tendo a delicadeza de perguntar ao povo se concorda ou não, é motivo para sua derrubada sumária, sem o mais básico processo legal de defesa.

É ridículo, ainda mais partindo de um jornalista político brasileiro, ciente de que Fernando Henrique Cardoso, mudou a Constituição brasileira, sem a delicadeza de perguntar ao povo, para instituir a reeleição PARA SI PRÓPRIO.

O maior crime, ao que parece, é a delicadeza de perguntar ao povo. Os neocons da América Latina consideram o instrumento de consulta popular uma agressão à democracia. Enquanto isso, Uribe aprova a instalação de bases americanas na Colômbia sem sequer consultar o Congresso Nacional... Ou seja, o bolivarianismo que faz consultas ao povo é autoritário, enquanto as forças que instituem mudanças radicais na Constiuição (como fez FHC) sem nenhuma consulta popular são modelos de bom comportamento democrático. E dar golpe de Estado, para Noblat e para todas as numerosas viúvas de Micheletti, também é democrático. Ah, já ia esquecendo, é o golpe democrático do Jabor!

*

Na verdade, o golpe ainda não acabou. As pessoas, porém, esquecem um fator básico. A população hondurenha recebeu uma vacina. O que é uma vacina? É receber o vírus da doença no corpo para criar anticorpos daquela doença. Foi exatamente isso que aconteceu ao povo hondurenho. Todas as pesquisas de opinião, discussões parlamentares, todas as articulações entre Micheletti e Zelaya, estão negligenciando o mais importante. O que está pensando o povo hondurenho de tudo isso? O golpe de Micheletti foi um desastre social e econômico. Os ricos têm reservas para enfrentar os momentos de dificuldade. Muitas vezes, até ganham dinheiro, explorando a miséria e a insegurança. Os pobres, naturalmente, sempre são os mais prejudicados. Ao que tudo indica, o povo hondurenho desenvolveu um ódio profundo contra as forças retrógradas de Honduras, contra os golpistas, e identificou exatamente o papel da mídia nesse processo. Pensar que o mundinho político de Honduras permanecerá o mesmo depois do que aconteceu não é apenas ingenuidade, é estupidez e cegueira política. O povo exigirá mudanças. E mesmo que os golpistas recebam anistia lítica e jurídica em função dos acordos do alto escalão, o povo não os perdoará pela tragédia social que produziram. Sim, porque para os ricos o golpe pode ter sido apenas uma aventura. Para os pobres, no entanto, significou o desmantelamento de suas finanças, o esfacelamento de seus sonhos, a morte, a fome, o desespero, e o maior erro político de todos é subestimar os povos, é subestimar a força de sua violência e de sua dor. Os golpistas irão pagar, muito caro, uma hora ou outra, pela violência indesculpável contra a soberania popular, contra a democracia, contra a vida de milhões de hondurenhos. E as viúvas de Micheletti no Brasil não poderão fazer outra coisa senão enfiar seus rostos num vaso sanitário, e puxar a descarga.

*

Algumas das viúvas de Micheletti não têm coragem de apoiar explicitamente o golpe, mas é fácil identificá-las. Eliane Catanhede, por exemplo, põe Micheletti e Zelaya em pé de igualdade. Vários fizeram isso. Sem coragem de defender Micheletti, tentam agradar o baronato midiático conservador que os emprega atacando igualmente Zelaya. Sem ter o que atacar em Zelaya, zombam de seu bigode, de seu chapéu. Caluniam-no dizendo que não possui uma personalidade política própria, que é um submisso seguidor de Chávez. Mentem ao acusá-lo de querer instituir a reeleição. Antes do golpe as eleições presidenciais já estavam marcadas para o fim deste ano, e Zelaya não concorria. A famigerada inclusão de uma pergunta a mais na cédula não dizia nada sobre reeleição. Caso fosse montada uma assembléia constituinte, a reeleição seria, primeiro, debatida pelo parlamento, depois votada, e depois, caso fosse aprovada, o povo poderia ser novamente consultado. Zelaya passou longe do golpismo de Fernando Henrique Cardoso, que atropelou qualquer bom senso democrático para instituir a reeleição para si mesmo sem ao menos ter a delicadeza de consultar o povo. Chávez ao menos fez um plebiscito popular. FHC, não. Repetindo, o crime maior para os antibolivarianos radicais de nossa mídia é consultar o povo...

Barbárie e modernidade no século 20


Barbárie civilizada
Barbárie civilizada


Michael Löwy  - Portal do PSOL








 A palavra "bárbaro" é de origem grega. Ela designava, na Antigüidade, as nações não-gregas, consideradas primitivas, incultas, atrasadas e brutais. A oposição entre civilização e barbárie é então antiga. Ela encontra uma nova legitimidade na filosofia dos iluministas, e será herdada pela esquerda. O termo "barbárie" tem, segundo o dicionário, dois significados distintos, mas ligados: "falta de civilização" e "crueldade de bárbaro".

A história do século 20 nos obriga a dissociar essas duas acepções e a refletir sobre o conceito - aparentemente contraditório, mas de fato perfeitamente coerente - de "barbárie civilizada".
Em que consiste o "processo civilizador"? Como bem demonstrou Norbert Elias, um de seus aspectos mais importantes é que a violência não é mais exercida de maneira espontânea, irracional e emocional pelos indivíduos, mas é monopolizada e centralizada pelo Estado, mais precisamente, pelas forças armadas e pela polícia. Graças ao processo civilizador, as emoções são controladas, o caminho da sociedade é pacificado e a coerção física fica concentrada nas mãos do poder político1. O que Elias não parece ter percebido é o reverso dessa brilhante medalha: o formidável potencial de violência acumulado pelo Estado... Inspirado por uma filosofia otimista do progresso, ele podia escrever, ainda em 1939: "Comparada ao furor do combate abissínio (...) ou daquelas tribos da época das grandes migrações, a agressividade das nações mais belicosas do mundo civilizado parece moderada (...); ela só se manifesta em sua força brutal e sem limites em sonho e em alguns fenômenos que nós qualificamos de 'patológicos'".2
Alguns meses depois dessas linhas terem sido escritas, começava uma guerra entre nações "civilizadas" cuja "força brutal e sem limites" é simplesmente impossível de comparar com o pobre "furor" dos combatentes etíopes, tamanha é a desproporção. O lado sinistro do "processo civilizador" e da monopolização estatal da violência se manifestou em toda sua terrível potência.
Se nós nos referimos ao segundo sentido da palavra "bárbaro" - atos cruéis, desumanos, a produção deliberada de sofrimento e a morte deliberada de não-combatentes (em particular, crianças) - nenhum século na história conheceu manifestações de barbárie tão extensas, tão massivas e tão sistemáticas quanto o século XX. Certamente, a história humana é rica em atos bárbaros, cometidos tanto pelas nações "civilizadas" quanto pelas tribos "selvagens". A história moderna, depois da conquista das Américas, parece uma sucessão de atos desse gênero: o massacre de indígenas das Américas, o tráfico negreiro, as guerras coloniais. Trata-se de uma barbárie "civilizada", isto é, conduzida pelos impérios coloniais economicamente mais avançados.
Karl Marx era um dos críticos mais ferozes desses tipos de práticas maléficas e destruidoras da modernidade, que para ele estão associadas às necessidades de acumulação do capital. Em O Capital, especialmente no capítulo sobre a acumulação primitiva, encontra-se uma crítica radical dos horrores da expansão colonial: a escravização ou o extermínio dos indígenas, as guerras de conquista, o tráfico de negros. Essas "barbáries e atrocidades execráveis" - que segundo Marx (citando de modo favorável M.W. Howitt) "não têm paralelo em qualquer outra era da história universal, em nenhuma raça por mais selvagem, grosseira, impiedosa e sem pudor que ela tenha sido" - não foram simplesmente passadas aos lucros e perdas do progresso histórico, mas devidamente denunciadas como uma "infâmia"3. Considerando algumas das manifestações mais sinistras do capitalismo, como as leis dos pobres ou os workhouses - estas "bastilhas de operários" -, Marx escreveu em 1847 esta passagem surpreendente e profética, que parece anunciar a Escola de Frankfurt: "A barbárie reapareceu, mas desta vez ela é engendrada no próprio seio da civilização e é parte integrante dela. É a barbárie leprosa, a barbárie como lepra da civilização"4
Mas com o século XX, um limite é transgredido, passa-se a um nível superior; a diferença é qualitativa. Trata-se de uma barbárie especificamente moderna, do ponto de vista de seu etos, de sua ideologia, de seus meios, de sua estrutura. Nós voltaremos a esse ponto.
A Primeira Guerra Mundial inaugurou esse novo estágio da barbárie civilizada. Dois autores, os primeiros, soaram o sinal de alarme, em 1914-15: Roxa Luxemburgo e Franz Kafka. Apesar de suas evidentes diferenças, eles têm em comum o fato de terem tido a intuição - cada um à sua maneira - de alguma coisa sem precedente que estava para se constituir no curso daquela guerra.
Ao usar a palavra de ordem "socialismo ou barbárie", Rosa Luxemburgo em A crise da social-democracia, de 1915 (assinada com o pseudônimo "Junius"), rompeu com a concepção - de origem burguesa, mas adotada pela Segunda Internacional - da história como progresso irresistível, inevitável, "garantido" pelas leis "objetivas" do desenvolvimento econômico ou da evolução social. Essa palavra de ordem é sugerida por certos textos de Marx ou de Engels, mas é Rosa Luxemburgo que dá a ela essa formulação explícita e elaborada. Ela implica uma percepção da história como processo aberto, como série de "bifurcações", onde o "fator subjetivo" - consciência, organização, iniciativa - dos oprimidos tornam-se decisivos. Não se trata mais de esperar que o fruto "amadureça", segundo as "leis naturais" da economia ou da história, mas de agir antes que seja tarde demais.
Porque o outro lado da alternativa é um sinistro perigo: a barbárie. Em um primeiro momento ela parece considerar a "recaída na barbárie" como "a aniquilação da civilização", uma decadência análoga àquela da Roma antiga5. Mas logo ela se dá conta que não se trata de uma impossível "regressão" a um passado tribal, primitivo ou "selvagem", mas antes, de uma barbárie eminentemente moderna, da qual a Primeira Guerra Mundial dá um exemplo surpreendente, bem pior em sua desumanidade assassina que as práticas guerreiras dos conquistadores "bárbaros" do fim do Império Romano. Jamais no passado tecnologias tão modernas - os tanques, o gás, a aviação militar - tinham sido colocadas ao serviço de uma política imperialista de massacre e de agressão em uma escala tão imensa.
As intuições de Kafka são de uma natureza totalmente diferente. É sob a forma literária e imaginária que ele descreve a nova barbárie. Trata-se de uma novela intitulada A colônia penal: em uma colônia francesa, um soldado "indígena" é condenado à morte por oficiais cuja doutrina jurídica resume em poucas palavras a quintessência do arbitrário: "a culpabilidade não deve jamais ser colocada em dúvida!". Sua execução deve ser cumprida por uma máquina de tortura que escreve lentamente sobre seu corpo com agulhas que o atravessam a frase "Honra teus superiores".
O personagem central da novela não é nem o viajante que observa os acontecimentos com uma hostilidade muda, nem o prisioneiro, que não reage de modo nenhum, nem o oficial que preside a execução, nem o comandante da colônia. É a máquina mesma.
Toda a narrativa gira em torno desse sinistro aparelho (Apparat), que parece mais e mais, no curso da explicação detalhada que o oficial dá ao viajante, como um fim em si mesmo. O Aparelho não está lá para executar o homem, é sobretudo este que está lá pelo Aparelho, para fornecer um corpo sobre o qual ele possa escrever sua obra-prima estética, sua inscrição sangrenta ilustrada de "muitos florilégios e ornamentos". O oficial mesmo é apenas um servidor da Máquina e, finalmente, ele mesmo se sacrifica à esse insaciável Moloch6.
Em que "máquina de poder" bárbara, em que "aparelho da autoridade" sacrificador de vidas humanas, pensava Kafka? A colônia penal foi escrita em outubro de 1914, três meses após a eclosão da grande guerra. Há poucos textos na literatura universal que apresentam de maneira tão penetrante a lógica mortífera da barbárie moderna como mecanismo impessoal.
Esses pressentimentos parecem se perder nos anos do pós-guerra. Walter Benjamin é um dos raros pensadores marxistas a compreender que o progresso técnico e industrial pode ser portador de catástrofes sem precedentes. Daí seu pessimismo - não fatalista, mas ativo e revolucionário. Em um artigo de 1929 ele definia a política revolucionária como "a organização do pessimismo" - um pessimismo em todas as linhas: desconfiança quanto ao destino da liberdade, desconfiança quanto ao destino do povo europeu. E acrescenta ironicamente: "confiança ilimitada somente no IG Farben e no aperfeiçoamento pacífico da Luftwaffe"7. Ora, mesmo Benjamin, o mais pessimista de todos, não podia adivinhar a que ponto essas duas instituições iriam mostrar, alguns anos mais tarde, a capacidade maléfica e destrutiva da modernidade8.
Pode-se definir como propriamente moderna a barbárie que apresenta as seguintes características:
- Utilização de meios técnicos modernos. Industrialização do homicídio. Exterminação em massa graças às tecnologias científicas de ponta.
- Impessoalidade do massacre. Populações inteiras - homens e mulheres, crianças e idosos - são "eliminados", com o menor contato pessoal possível entre quem toma a decisão e as vítimas.
- Gestão burocrática, administrativa, eficaz, planificada, "racional" (em termos instrumentais) dos atos bárbaros.
- Ideologia legitimadora do tipo moderno: "biológica", "higiênica", "científica" (e não religiosa ou tradicionalista)
- Todos os crimes contra a humanidade, genocídios e massacres do século XX não são modernos no mesmo grau: o genocídio dos armênios em 1915, o genocídio levado a cabo pelo Pol Pot no Camboja, aquele dos tutsis em Ruanda etc. associam, cada um de maneira específica, traços modernos e traços arcaicos.
Os quatro massacres que encarnam de maneira mais acabada a modernidade da barbárie são o genocídio nazista contra os judeus e os ciganos, a bomba atômica em Hiroshima, o Goulag estalinista e a guerra norte-americana no Vietnã. Os dois primeiros são provavelmente os mais integralmente modernos: as câmaras de gás nazistas e a morte atômica norte-americana contêm praticamente todos os ingredientes da barbárie tecno-burocrata moderna.
Auschwitz representa a modernidade não somente pela sua estrutura de fábrica de morte, cientificamente organizada e que utiliza as técnicas mais eficazes. O genocídio dos judeus e dos ciganos é também, como observa o sociólogo Zygmunt Bauman, um produto típico da cultura racional burocrática, que elimina da gestão administrativa toda interferência moral. Ele é, deste ponto de vista, um dos possíveis resultados do processo civilizador como racionalização e centralização da violência e como produção social da indiferença moral. "Como toda outra ação conduzida de maneira moderna - racional, planificada, cientificamente informada, gerida de forma eficaz e coordenada - o Holocausto deixou para trás todos seus pretensos equivalentes pré-modernos, revelando-os em comparação como primitivos, esbanjadores e ineficazes. (...) Ele se eleva muito acima dos episódios de genocídio do passado, da mesma forma que a fábrica industrial moderna está bem acima da oficina artesanal...."9
A ideologia legitimadora do genocídio é ela também de tipo moderno, pseudo-científico, biológico, antropométrico, eugenista. A utilização obsessiva de fórmulas pseudo-medicinais é característica do discurso anti-semita dos dirigentes nazistas, o que pode ser notado nas conversações privadas deles. Numa carta a Himmler em 1942, Adolf Hitler insistia: "A batalha na qual nós estamos engajados hoje é do mesmo tipo que a batalha liderada, no século passado, por Pasteur e Koch. Quantas doenças não tiveram sua origem no vírus judeu... Nós não encontraremos nossa saúde sem eliminar os judeus".10
Em seu notável ensaio sobre Auschwitz11, Enzo Traverso destaca, com palavras sóbrias, precisas e lúcidas, o contexto do genocídio. Não se trata nem de uma simples "resistência irracional à modernização", nem de um resíduo de barbárie antiga, mas de uma manifestação patológica da modernidade, do rosto escondido, infernal, da civilização ocidental, de uma barbárie industrial, tecnológica, "racional" (do ponto de vista instrumental). Tanto a motivação decisiva do genocídio - a biologia racial - quanto suas formas de realização - as câmaras de gás - eram perfeitamente modernas. Se a racionalidade instrumental não basta para explicar Auschwitz, ela é sua condição necessária e indispensável. Encontra-se nos meios de exterminação nazistas uma combinação de diferentes instituições típicas da modernidade: ao mesmo tempo, a prisão descrita por Foucault, a fábrica capitalista da qual falava Marx, "a organização científica do trabalho" de Taylor, a administração racional/burocrática segundo Max Weber.
Este último tinha intuído, como sublinha Marcuse, a transformação da razão ocidental em força destrutiva. Sua análise da burocracia como máquina "desumanizada", impessoal, sem amor nem paixão, indiferente a tudo aquilo que não é sua tarefa hierárquica, é essencial para compreender a lógica reificada dos campos da morte. Isso vale também para a fábrica capitalista, que estava presente em Auschwitz, ao mesmo tempo nas oficinas de trabalho escravo da empresa IG Farben e nas câmaras à gás, lugares de produção "em cadeia" de mortos. Mas a "solução final" é irredutível à toda lógica econômica: a morte não é nem uma mercadoria, nem uma fonte de lucro.
Traverso critica, de maneira muito convincente, as interpretações - inspiradas, em um grau ou outro, pela ideologia do progresso - do nazismo e do genocídio como produto da história do irracionalismo alemão (Georges Lukács), de uma "saída" da Alemanha para fora do berço ocidental (Jürgen Habermas) ou de um movimento de "descivilização" (Entzivilisierung) inspirado por uma ideologia "pré-industrial" (Norbert Elias). Se o processo civilizador significa, antes de tudo, a monopolização pelo estado da violência - como o mostram, depois de Hobbes, tanto Weber quanto Elias - é necessário reconhecer que a violência do Estado está na origem de todos os genocídios do século XX. Auschwitz não representa uma "regressão" em direção ao passado, em direção a uma idade bárbara primordial, mas é realmente um dos rostos possíveis da civilização industrial ocidental. Ele constitui ao mesmo tempo uma ruptura com a herança humanista e universalista dos Iluministas e um exemplo terrível das potencialidades negativas e destrutivas de nossa civilização.
Se o extermínio dos judeus pelo Terceiro Reich é comparável a outros atos bárbaros, nem por isso ele deixa de ser um evento singular. É necessário recusar as interpretações que eliminam as diferenças entre Auschwitz e os campos soviéticos, ou os massacres coloniais, os pogroms etc.12 O crime de guerra que tem mais afinidades com Auschwitz é Hiroshima, como compreenderam tão bem Günther Anders e Dwight MacDonald: nos dois casos delega-se a tarefa a uma máquina de morte formidavelmente moderna, tecnológica e "racional". Mas as diferenças são fundamentais. Inicialmente, as autoridades americanas não tiveram jamais como objetivo - como aquelas do Terceiro Reich - realizar o genocídio de toda uma população: no caso das cidades japonesas, o massacre não era, como nos campos nazistas, um fim em si mesmo, mas um simples "meio" para atingir objetivos políticos. O objetivo da bomba atômica não era o extermínio da população japonesa como fim autônomo. Tratava-se sobretudo de acelerar o fim da guerra e demonstrar a supremacia militar americana face à União Soviética. Em um relatório secreto de maio de 1945 ao presidente Truman, o Target Committee - o "Comitê de Alvo", composto pelos generais Groves, Norstadt e do matemático Von Neumann - observa friamente: "A morte e a destruição irão não somente intimidar os japoneses sobreviventes a fazer pressão pela capitulação mas também (a bônus) assustar a União Soviética. Em síntese, a América poderia terminar mais rapidamente a guerra e, ao mesmo tempo, ajudar à moldar o mundo do pós-guerra"13. Para obter esses objetivos políticos, a ciência e a tecnologia mais avançadas foram utilizadas e centenas de milhares de civis inocentes, homens, mulheres e crianças foram massacrados - sem falar da contaminação pela irradiação nuclear das gerações futuras.
Uma outra diferença com Auschwitz é, sem dúvida, o número bem inferior de vítimas. Mas a comparação das duas formas de barbárie burocrático-militar é muito pertinente. Os próprios dirigentes americanos estavam conscientes do paralelo com os crimes nazistas: em uma conversa com Truman no dia 6 de junho de 1945, o secretário de Estado, Stimson, relatava seus sentimentos: "Eu disse a ele que estava inquieto com esse aspecto da guerra... porque eu não queria que os americanos ganhassem a reputação de ultrapassar Hitler em atrocidade"14.
Em muitos aspectos, Hiroshima representa um nível superior de modernidade, tanto pela novidade científica e tecnológica representada pela arma atômica, quanto pelo caráter ainda mais distante, impessoal, puramente "técnico" do ato exterminador: pressionar um botão, abrir a escotilha que liberta a carga nuclear. No contexto próprio e asséptico da morte atômica entregue pela via aérea, deixou-se para trás certas formas manifestamente arcaicas do Terceiro Reich, como as explosões de crueldade, o sadismo e a fúria assassina dos oficiais da SS. Essa modernidade se encontra na cúpula norte-americana que toma - após ter cuidadosa e "racionalmente" pesado os prós e os contras - a decisão de exterminar a população de Hiroshima e Nagasaki: um organograma burocrático complexo composto por cientistas, generais, técnicos, funcionários e políticos tão cinzentos quanto Harry Truman, em contraste com os acessos de ódio irracional de Adolf Hitler e seus fanáticos.
No curso dos debates que precederam a decisão de lançar a bomba, certos oficiais, como o general Marshall, declararam suas reservas, à medida em que eles defendiam o antigo código militar, a concepção tradicional da guerra, que não admitia o massacre intencional de civis. Eles foram vencidos por um ponto de vista novo, mais "moderno", fascinado pela novidade científica e técnica da arma atômica, um ponto de vista que não tinha nada a ver com códigos militares arcaicos e que não se interessava senão pelo cálculo de lucros e perdas, isto é, em critérios de eficácia político-militar15. Seria necessário acrescentar que um certo número de cientistas que tinham participado, por convicção antifascista, nos trabalhos de preparação da arma atômica, protestaram contra a utilização de suas descobertas contra a população civil das cidades japonesas.
Uma palavra sobre o Goulag estalinista: se há muito em comum com Auschwitz - sistema concentracionário, regime totalitário, milhões de vítimas - ele se distingue pelo fato que o objetivo dos campos soviéticos não era o extermínio dos prisioneiros mas sua exploração brutal como força de trabalho escrava. Em outras palavras: pode-se comparar Kolyma e Buchenwald, mas não o Goulag e Treblinka. Nenhuma contabilidade macabra - como aquela fabricada por Stéphane Courtois e outros anticomunistas profissionais - pode apagar essa diferença.
O Goulag era uma forma de barbárie moderna na medida em que era burocraticamente administrado por um Estado totalitário e colocado ao serviço de projetos estalinistas faraônicos de "modernização" econômica da União Soviética. Mas ele se caracteriza também por traços mais "primitivos": corrupção, ineficácia, arbitrariedade, "irracionalidade". Ele se situa por essa razão em um degrau de modernidade inferior ao sistema concentracionário do Terceiro Reich.
Enfim, a guerra americana no Vietnã, atroz pelo número de vítimas civis exterminadas pelos bombardeios, o napalm ou as execuções coletivas, constitui, em vários aspectos, uma intervenção extremamente moderna: fundada sobre uma planificação "racional" - com a utilização de computadores, e de um exército de especialistas - ela mobiliza um armamento muito sofisticado, na ponta do progresso técnico dos anos 60 e 70: B-52, napalm, herbicidas, bombas à fragmentação etc.16
Essa guerra não foi um conflito colonial como os outros: bastava lembrar que a quantidade de bombas e explosivos lançados sobre o Vietnã foi superior àquela utilizada por todos os beligerantes durante a Segunda Guerra Mundial! Como no caso de Hiroshima, o massacre não era um objetivo em si, mas um meio político; e se a cifra de mortos é bem superior àquela das duas cidades japonesas, não se encontra no Vietnã aquela perfeição da modernidade técnica e impessoal, aquela abstração científica da morte que caracteriza a morte atômica"17.
A natureza contraditória do "progresso" e da "civilização" moderna se encontra no coração das reflexões da Escola de Frankfurt. Em Dialética do Iluminismo (1944), Adorno e Horkheimer constatam a tendência da racionalidade instrumental de se transformar em loucura assassina: a "luminosidade gelada" da razão calculista "carrega a semente da barbárie". Em uma nota redigida em 1945 para Minima Moralia, Adorno utiliza a expressão "progresso regressivo" tentando de dar conta da natureza paradoxal da civilização moderna.18
Entretanto, essas expressões ainda são tributárias, apesar de tudo, da filosofia do progresso. Na verdade, Auschwitz e Hiroshima não são em nada uma "regressão à barbárie" - ou mesmo uma "regressão": não há nada no passado que seja comparável à produção industrial, científica, anônima e racionalmente administrada da morte em nossa época. Basta comparar Auschwitz e Hiroshima com as práticas guerreiras das tribos bárbaras do século IV para se dar conta que eles não têm nada em comum: a diferença não é somente na escala, mas na natureza. É possível comparar as práticas mais "ferozes" dos "selvagens" - morte ritual do prisioneiro de guerra, canibalismo, redução das cabeças etc. - com uma câmara de gás ou uma bomba atômica? São fenômenos inteiramente novos, que não seriam possíveis a não ser no século XX.
As atrocidades de massa, tecnologicamente aperfeiçoadas e burocraticamente organizadas, pertencem unicamente à nossa civilização industrial avançada. Auschwitz e Hiroshima não são mais "regressões": são crimes irremediavelmente e exclusivamente modernos.
Existe entretanto um domínio específico da "barbárie civilizada" em que se pode efetivamente falar de regressão: a tortura. Como destaca Eric Hobsbawn em seu admirável ensaio de 1994, "Barbárie: um guia para o usuário": "A partir de 1782 a tortura foi formalmente eliminada do procedimento judiciário dos países civilizados. Em teoria, ela não era mais tolerada nos aparelhos coercitivos do Estado. O preconceito contra essa prática era tão forte que ela não pôde retornar após a derrota da Revolução Francesa que a havia seguramente abolido (...) Pode-se suspeitar que nos redutos da barbárie tradicional, que resistem ao progresso moral - por exemplo as prisões militares ou outras instituições análogas - ela de fato não desapareceu..." Ora, no século XX, sob o fascismo e o estalinismo, nas guerras coloniais - Argélia, Irlanda etc. - e nas ditaduras latino-americanas, a tortura é de novo empregada em grande escala.19
Os métodos são diferentes - a eletricidade substitui o fogo e os torniquetes - mas a tortura de prisioneiros políticos tornou-se, no curso do século XX, uma prática rotineira - mesmo se não-oficial - de regimes totalitários, ditatoriais, e mesmo, em certos casos (as guerras coloniais), "democráticos". Nesse caso, o termo "regressão" é pertinente, na medida em que a tortura era praticada em inúmeras sociedades pré-modernas, e também na Europa, da Idade Média até o século XVIII. Um uso bárbaro que o processo civilizador parecia ter suprimido no curso do século XIX voltou no século XX, sob uma forma mais "moderna" - do ponto de vista das técnicas - mas não menos desumana.
Levar em conta a barbárie moderna do século XX exige o abandono da ideologia do progresso linear. Isso não quer dizer que o progresso técnico e científico é intrinsecamente portador de malefício - nem tampouco o inverso. Simplesmente, a barbárie é uma das manifestações possíveis da civilização industrial/capitalista moderna - ou de sua cópia "socialista" burocrática.
Não se trata também de reduzir a história do século XX a seus momentos bárbaros: essa história conheceu também a esperança, as sublevações dos oprimidos, as solidariedades internacionais, os combates revolucionários: México, 1914; Petrogrado, 1917; Budapeste, 1919; Barcelona, 1936; Paris, 1944; Budapeste, 1956; Havana, 1961; Paris, 1968; Lisboa, 1974; Manágua, 1979; Chiapas, 1994; foram alguns dos momentos fortes - mesmo se efêmeros - dessa dimensão emancipadora do século. Eles constituem pontos de apoio preciosos à luta das gerações futuras por uma sociedade humana e solidária.
Notas:
1 Norbert Elias, La Dynamique de l'Occident, Paris, Calmann-Lévy, 1975, pp.181-190. A referência ao combate abissínio soa estranha no momento em que a Etiópia combatia pela sua liberdade contra a invasão colonial do fascismo italiano, portador de uma pretensa missão "civilizadora".
2 Norbert Elias, La civilisation des moeurs, Paris, Calmann-Lévy, 1973, p.280.
3 Marx, Le Capital, vol. I, p.557-558, 563.
4 K. Marx, "Arbeitslohn", 1847, Kleine Ökonomische Schriften, Berlin, Dietz Verlag, 1955, p.245.
5 R. Luxemburgo, A crise da social-democracia, 1915.
6 Kafka, "In der Strafkolonie", Erzählung und kleine Prosa, N. York, Schocken Books, 1946, pp.181-113.
7 W. Benjamin, "O surrealismo. O último instante de inteligência européia", 1929. Mythe et violence, Paris, Letras Novas, 1971, p.312
8 Lembremos que o grande truste químico IG Farben não somente utilizou massivamente a mão-de-obra escrava em Auschwitz mas também produziu o gás Zyklotron B, que servia para exterminar as vítimas do sistema concentracionário.
9 Zygmut Bauman, Modernity and the Holocaust, London, Polity Press, 1989, p.15, 28.
10 Citado por Zygmunt Bauman, op.cit, p.71
11 Enzo Traverso, L'Histoire déchirée. Essai sur Auschwitz et les intellectuels, Paris, Cerf, 1997
12 Sobre esse assunto, remeto à excelente colocação de Enzo Traverso, "A singularidade de Auschwitz. Hipóteses, problemas e derivações da pesquisa histórica". Pour une critique de la barbarie moderne. Ecrits sur l'histoire des Juifs e de l'antisémitisme, Lausanne, Ed. Page deux, 1997.
13 Citado dos arquivos históricos recentemente abertos ao público em Barton J. Bernstein, "The Atomic Bombings Reconsidered", Foreign Affairs, fevereiro 1995, p. 143.
14 Ibid, p.146.
15 Sobre as reservas de Marshall, cf. Barton J. Bernstein, Op.cit, p.143.
16 De fato, é inteiramente racional se a "razão" significa racionalidade instrumental, aplicar a força militar norte-americana, os B-52, o napalm e todo o resto no Vietnã "sob dominação comunista" (claramente um "objeto indesejável"), como o "operador" para o transformar em "objeto desejável". Joseph Weizenbaum, "Computer Power and Human Reason". From Judgmente to Calculation, S. Francisco, W.H. Freeman, 1976, p.252
17 Outras guerras coloniais tiveram lugar no século XX - na Indochina, na Argélia, na África colonial portuguesa etc., mas nenhuma atingiu o grau de modernidade como aquela do Vietnã. Em comparação, elas parecem arcaicas, primitivas.
18 T.W.Adorno, M. Horkheimer, La Dialectique de la raison, Paris, Gallimard, 1974, p.48 e T.W. Adorno, Minima Moralia, Paris, Payot, 1983, p.134
19 E. Hobsbawn, Barbarism: An User's Guide. On History, London, Weidenfelds and Nicholson, 1997, pp.259-263.
Tradução: Alessandra Ceregatti
Michael Löwy, brasileiro, é sociólogo, pesquisador do Conselho Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) da França

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

do sitio www.infoalternativa.org


Que haja ricos, não é um direito dos pobres?


Certa vez escrevi que no mundo só existem três tipos de bens: universais, gerais e colectivos.
Os bens universais são aqueles dos quais nos basta que haja um exemplar ou um exemplo para que nos sintamos universalmente tranquilos. São as coisas que estão aí, e que não faz falta apanhar com a mão ou possuir de forma individual: há sol e há lua, há estrelas, há mar, há um Machupichu e um Everest, há um Taj Mahal e uma Capela Sistina, um Che Guevara e um São Francisco, há García Lorca e José Martí e García Márquez e Silvio Rodríguez e Cintio Vitier.
Os bens gerais são aqueles, em contrapartida, que é necessário generalizar para que a humanidade esteja completa. Não basta apenas que haja pão no palácio do príncipe ou que haja uma casa no jardim do conde; essas são as coisas que devem estar aqui, que todos devemos apanhar com a mão ou desfrutar pessoalmente: temos moradia, água, medicamentos e se não as temos é porque alguma coisa não anda bem neste mundo. Não é uma injustiça que haja um único sol no céu ou um único Guernica de Picasso, mas sim que não haja suficiente pão para todos.
Por fim, os bens colectivos são aqueles de cujas vantagens devemos desfrutar todos por igual, mas que não se podem generalizar sem pôr em perigo a existência dos bens gerais e dos bens universais. São aqueles bens, em definitivo, que é necessário partilhar. Trata-se, por exemplo, dos meios de produção, que não se podem privatizar sem que isso deixe sem bens gerais (pão, moradia, saúde) milhões de seres humanos. E trata-se também de alguns objectos de consumo, cuja generalização poria em perigo o bem universal por excelência, fonte e garantia de todos os outros bens: a própria Terra. Todos devemos ter pão e moradia, mas se todos tivéssemos - por exemplo – carro, a sobrevivência da espécie seria impossível. O motor de explosão, portanto, não é um bem geral, do qual cada um de nós possa ter um exemplar, mas um bem colectivo cujo uso haverá que partilhar e racionalizar.
Ao longo da história, diferentes classes sociais apropriaram-se dos bens gerais e dos bens colectivos, e nisto o capitalismo não se distingue de sociedades anteriores. Mais inquietante é o que o capitalismo fez, ou está em processo de fazer, com os bens universais. Não me refiro apenas à colonização do espaço, à privatização das ondas, das sementes e das cores ou ao desaparecimento de espécies, montanhas e selvas. Refiro-me, sobretudo, à desvalorização mental que os “universais” sofreram sob a corrosão antropológica do mercado. O normal é comprazer-se na visão das estrelas; o normal é comprazer-se contemplando o suave balanceio da neve; o normal é comprazer-se com a leitura do Canto Geral de Neruda. Ou não? Em 1895, Cecil Rhodes, imperialista inglês, empresário e fundador da companhia De Beers (dona de 60% dos diamantes do mundo), contemplava mal humorado os astros da sua janela, «tão claros e tão distantes», tão longe do seu apetite imperial que «queria e não podia anexá-los». Numa escala mais pequena, um apresentador da televisão espanhola lamentava em 2005 que não tivesse que pagar por contemplar a neve, tão branca e tão formosa, que cobria os campos e cidades de Espanha e que perdia de algum modo o seu prestígio oferecendo-se indiscriminadamente ao olhar de todos por igual. E, numa escala ainda mais pequena, conheci um poeta que não podia ler os versos de Neruda sem se enfurecer: «Teria que tê-los escrito eu!». É coisa de crianças querer a Lua e de mães corruptoras prometê-la. O capitalismo é um infantilismo destrutivo. Isola o rasgo pueril de uma criança mal-educada e generaliza-o, normaliza-o, recompensa-o socialmente. O que está aí, que não podemos apanhar com as mãos, o que é por isso mesmo de todos, empobrece-nos, entristece-nos e não vale nada.
O que resta dos bens universais? Ficam os ricos. Os ricos são de todos. O que mais nos agrada do capitalismo não é que produza carros e aviões e hotéis e máquinas: é que produz ricos. As orgias babilónicas de Berlusconi, as pensões milionárias dos banqueiros espanhóis no meio da crise, o luxo cafona dos políticos corruptos de Valência e de Madrid, não são manchas ou pecados do capitalismo: são pura publicidade. A lista dos homens mais ricos do mundo elaborada pela revista Forbes não é mais que bárbara ostentação propagandística que gera muita mais adesão ao sistema que o acesso desigual a mercadorias baratas e banais. Existe algo de estranho que as mulheres latino-americanas, questionadas sobre o seu “marido ideal”, o imaginem estadunidense, loiro, de olhos claros, altíssimo, cirurgião ou empresário e, evidentemente, milionário? Ou que na nova China o pai com que sonham as jovens mães seja Bill Gates? Ou que na lista das dez personalidades mais admiradas pelos homens estadunidenses não haja um único escritor ou cientista, quase todos sejam executivos ou proprietários de empresas e todos imensamente ricos? Ou que a revista de maior tiragem de Espanha – com quase 700.000 exemplares – seja a Hola? Ou que os mais famosos enlatados e telenovelas da TV, seguidos por milhões de espectadores, consistam em tratados de antropologia das classes altas (seus hábitos, seus problemas, seus prazeres)?
Se os pobres não podem partilhar a riqueza, podem ao menos partilhar os seus ricos. Se não podem consumir riqueza, podem consumir vidas de ricos. Bill Gates, Carlos Slim, Warren Buffet, Amancio Ortega são a Lua e o Machupichu e a Capela Sistina e o Taj Mahal do capitalismo. São o Sol e a Neve e o Canto Geral do mercado globalizado. Podem ser os responsáveis por o mundo vir abaixo, mas são também os artífices deste milagre: o de estarmos muito contentes e tudo nos parecer bem enquanto desabamos.
Quem quer igualdade? A desigualdade, não é um direito dos pobres? Que haja milionários, não é um direito dos mil-euristas? Não devemos defender, de armas na mão, o nosso direito a que outros sejam ricos? Não devemos agradecer-lhes as suas extravagâncias? Não devemos pelo menos votar neles?
Esse é o modelo que os EUA e a Europa tentam impor ao resto do mundo. Não o direito a que haja estrelas e Machupichu e cataratas de Iguaçu e Nona Sinfonia de Beethoven, mas a que haja ricos; não o direito a pão e casa e sapatos, mas a saber quem são e como vivem os milionários.
Revolução? O Pão e a Lua.

(Subentendendo-se que “pão”, no dicionário socialista, quer dizer também leite e roupa e casa e hospitais e transportes públicos; e “lua” quer dizer também mar e música e verdades e soberania política).