Laurent Zecchini - Correio Internacional
A intensidade das reações ao relatório crítico da Anistia Internacional
sobre a questão do acesso à água potável nos territórios palestinos
ocupados por Israel relembra o quanto a questão da água é estratégica
no Oriente Médio.
O estudo, realizado pela organização de defesa dos direitos humanos,
e divulgado ao público na terça-feira, 27 de outubro, é um relato
preocupante das práticas “discriminatórias” contra a população
palestina, impostas pelas autoridades israelenses.
A partilha da água é um assunto político: faz parte das questões
ligadas ao “estatuto final” de um futuro acordo de paz
israelo-palestino, do mesmo modo que as questões dos refugiados, das
fronteiras de um Estado palestino, e de Jerusalém. A Autoridade da Água
israelense, que desmente as acusações da Anistia, conclui que há poucas
chances de evolução para um acordo com relação ao tema.
O acesso à água, que é submetido ao controle total que Israel exerce
sobre os recursos da região, é agravado pela seca aguda que ameaça hoje
os lençóis freáticos. A Anistia destaca que o Estado judeu usa mais de
80% de água proveniente das montanhas, limitando o acesso dos
palestinos a 20% desta reserva. No entanto, esta é a única fonte de
água dos palestinos na Cisjordânia, insiste a Anistia, “enquanto Israel
dispõe de várias fontes de provisão de água (Lago de Tiberíades e
aqüífero costeiro) e usa toda a água disponível do [Rio] Jordão.” O
Estado judeu ocupa o vale do Rio Jordão desde a guerra de 1967, e não
concede nenhum acesso às suas margens aos palestinos.
As águas do Jordão são cobiçadas ao mesmo tempo por Israel, Síria,
Líbano e Jordânia, resultando em alguns lugares na redução de sua vazão
à de um arroio salinizado e contaminado pelos resíduos não tratados, o
que agrava a seca preocupante do Mar Morto.
A Anistia destaca que o consumo de água dos palestinos é de apenas
70 litros por pessoa por dia, um nível consideravelmente menor que os
100 litros recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS),
contrastando com os mais de 300 litros consumidos pelos israelenses.
Em algumas áreas rurais, acrescenta a organização, os palestinos
sobrevivem com somente 20 litros por dia. Mais de quarenta anos após a
ocupação da Cisjordânia, explica Donatella Rovera, autora do relatório,
entre 180 e 200 mil palestinos que vivem em comunidades rurais ainda
não têm acesso à água corrente. Esta situação fica ainda mais chocante,
insiste ela, com o fato de que os colonos israelenses assentados na
Cisjordânia, “violando o direito internacional, recorrem à irrigação
intensiva de suas lavouras, e possuem luxuosos jardins e piscinas.”
Esta última afirmação não é muito convincente: os “jardins luxuosos”
e as “piscinas” estão longe de ser comuns, e os colonos judeus na
Cisjordânia formam um conjunto de indivíduos com grande disparidade nas
rendas. “Cerca de 450 mil colonos usam tanto quanto, senão mais água,
que o total da população palestina, estimada em 2,3 milhões”,
acrescenta a Anistia, que consagra uma parte importante deste relatório
à situação na faixa de Gaza, onde a falta d’água é crítica. Nesta
porção de território controlado pelo Hamas, o único recurso de água é o
aqüífero costeiro, uma vez que Israel não autoriza o envio de água da
Cisjordânia para Gaza.
Poderosa ferramenta política
Sobreexplorado e contaminado em mais de 90% por dejetos não
tratados, o aqüífero costeiro é fonte de doenças e epidemias. Esta
situação é agravada pelo bloqueio imposto por Israel, que proíbe a
entrada em Gaza de equipamentos necessários para o conserto e
modernização da rede de abastecimento.
O relatório da Anistia relembra que os palestinos não podem cavar
novos poços sem obter a autorização expedida pelo exército israelense.
Ele também explica como as restrições de acesso à água potável são uma
ferramenta política a favor das expulsões. E mostra, enfim, como o
“Muro” ou “barreira de segurança”, as cabines de controle [os chamados check-points] e outras barreiras rodoviárias impedem ou retardam o acesso à água na Cisjordânia.
A Autoridade de Águas israelense contestou os dados fornecidos pela
Anistia, denunciando não ter sido consultada, mas não refutou a
realidade do processo discriminatório pelo qual passam os palestinos.
Se os israelenses consomem “408 litros de água por dia” (a Anistia
fala em 300 litros), os palestinos usam 200, afirma a Autoridade,
garantindo que o consumo dos israelenses baixou em 70% desde 1967,
enquanto o consumo total anual dos palestinos aumentou de 85 para 105
milhões de m3 no mesmo período. A Autoridade de Águas
reforça enfim que Israel sempre ofereceu mais água aos Palestinos do
que os Acordos de Oslo (1993) lhes garantiam.
Acima dos números, a postura das autoridades israelenses mostra que
o acesso à água continua sendo um poderoso instrumento político nas
relações israelo-palestinas. É também uma aposta estratégica regional:
para amenizar uma falta crescente d’água, Israel pretende voltar a
importar este recurso da Turquia. Mas a recente deterioração de suas
relações diplomáticas com Ancara não favorece tal objetivo.
Tradução: Carlos Gorito.
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