quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

A ideologia da midia corporativa a serviço da mercantilização...

Filmes Ruins, Árabes Malvados: Como Hollywood transforma um povo em Vilão - Reel Bad Arabs (2007)



(EUA, 2007, 50 min. - Direção: Sut Jhally - Media Education Foundation)

Imperdível!

Créditos: DocVerdade
 
Nesse documentário franco, humano e sensível, Dr. Jack Shaheen, autor do livro de enorme sucesso "Reel Bad Arabs", analisa quase mil filmes envolvendo a figura do árabe no cinema norteamericano.

Cerca de 25% de todos os filmes já produzidos em Hollywood denigrem a imagem dos árabes.

Eles são retratados como cruéis, machistas, idiotas, fanáticos e as mulheres como objetos sexuais, submissas ou tolas. Presente desde o desenho animado até as superproduções, a estratégia segue a mesma forma covarde de como os judeus eram retratados pela propaganda nazista.

Esse tipo de preconceito acaba trazendo para o ocidente convenientes ingredientes sociais para uma guerra: o ódio e o medo.

Nada é por acaso, a política norteamericana no oriente médio e Hollywood estão intrinsecamente ligados.
É ótimo para os grupos armamentistas, petroleiras e banqueiros que financiam as guerras, que os árabes sejam vistos como vilões, pois dessa maneira, a opinião pública estará sempre ao seu lado, garantindo enormes lucros com um eventual conflito. Vale a pena destacar que vários desses grupos são os próprios donos das indústrias cinematográficas e canais de TV, que veiculam esses filmes.

Um dos povos que mais tem sofrido desse preconceito são os palestinos, que apesar de serem oprimidos, vítimas de uma ocupação massiva, cruel e hedionda, são retratados como terroristas.

O documentário, além dessas denúncias, apresenta lindas propostas de como acabar com o preconceito descabido.

Trailer - Torrent - Legendas pt-br

Mais uma perda lamentável...

Daniel Bensaid: a atualidade de um comunismo radical

A crise, social, econômica, ecológica e moral de um capitalismo que não retrocede diante de seus próprios limites e cuja desmedida e irracionalidade crescentes ameaçam ao mesmo tempo a espécie humana e o planeta, volta a colocar na ordem do dia “a atualidade de um comunismo radical”, invocado por Benjamin diante do aumento dos perigos do período entre guerras. Em seu último artigo, Daniel Bensaïd, falecido terça-feira, em Paris, analisa a atualidade do Manfiesto Comunista.

Gravemente enfermo há vários meses, morreu terça-feira (12), em Paris, Daniel Bensaïd. Militante de esquerda desde a adolescência, Bensaïd foi um dos fundadores da Jeunesse Communiste Révolutionnaire (JCR), em 1966, e participou ativamente do movimento de Maio de 68, antes de participar da criação da Ligue Communiste (LCR), em 1969. Durante muitos anos, foi dirigente da LCR e da Quarta Internacional. Em 2009, engajou-se na criação de um novo partido de esquerda na França, o NPA (Novo Partido Anti-Capitalista).

Professor de Filosofia na Universidade de Paris VIII, Bensaid publicou diversos livros de filosofia e debate político, ajudou a construir as revistas Critique Communiste e ContreTemps e participou ativamente da criação da Fundação Louise Michel, defendendo nestes espaços um marxismo aberto e não dogmático. Também foi um participante ativo do processo de construção do Fórum Social Mundial.

Publicamos a seguir o último texto de Daniel Bensaïd, intitulado “Potências do comunismo”, uma análise sobre a atualidade do Manifesto Comunista:

Potências do comunismo

Em um artigo de 1843 sobre “os progressos da reforma social no continente”, o jovem Engels (20 anos) via o comunismo como “uma conclusão necessária que se é claramente obrigado a tirar a partir das condições gerais da civilização moderna”. Um comunismo lógico em resumo, produto da revolução de 1830, na qual os operários “voltaram às fontes vivas e ao estudo da grande revolução e se apoderaram vivamente do comunismo de Babeuf”. Para o jovem Marx, em troca, este comunismo não era ainda mais do que “uma abstração dogmática”, uma “manifestação original do princípio do humanismo”. O proletariado nascente havia “se jogado nos braços dos doutrinários de sua emancipação”, das “seitas socialistas”, e dos espíritos confusos que “divagam como humanistas” sobre “o milênio da fraternidade universal” como “abolição imaginária das relações de classe”.

Antes de 1848, este comunismo espectral, sem programa preciso, estava presente na atmosfera do tempo sob as formas “pouco polidas” das seitas igualitárias ou dos sonhos icarianos. No entanto, já então a superação do ateísmo abstrato implicava um novo materialismo social que não era outra coisa que o comunismo. “Assim como o ateísmo, enquanto negação de Deus, é o desenvolvimento do humanismo teórico, também o comunismo, enquanto negação da propriedade privada, é a reivindicação da vida humana verdadeira”. Longe de todo anticlericalismo vulgar, este comunismo era “o desenvolvimento de um humanismo prático”, para o qual não se tratava já só de combater a alienação religiosa, mas sim a alienação e a miséria sociais reais de onde nasce a necessidade da religião.

Da experiência fundadora de 1848 - ano que marca a primeira publicação do Manifesto Comunista, de Marx - à experiência da Comuna de Paris (1871), o “movimento real” que busca abolir a ordem estabelecida tomou forma e também força, dissipando as “loucuras sectárias” de então e expondo ao ridículo “o tom de oráculo da infalibilidade científica”. Dito de outra forma, o comunismo, que foi primeiramente mais um estado de espírito ou um, por assim dizer, “comunismo filosófico”, encontrava finalmente a sua forma de expressão política. Em um quarto de século, concretizou-se a sua mudança: de seus modos iniciais de aparição, de caráter filosófico e utópico, à sua forma política, por fim encontrada: a da emancipação.

1. As palavras da emancipação não saíram incólumes das tormentas do século passado. Pode-se dizer delas, como dos animais da fábula, que não morreram todas, mas que todas foram gravemente feridas. “Socialismo”, “revolução”, “anarquia” não estão em situação muito melhor que “comunismo”. O socialismo implicou-se no assassinato de Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, nas guerras coloniais e colaborações governamentais até o ponto de perder todo o conteúdo à medida que ganhava em extensão. Uma metódica campanha ideológica conseguiu identificar, aos olhos de muitos, a revolução com a violência e o terror. Mas, de todas as palavras ontem portadoras de grandes promessas e sonhos de futuro, a do comunismo foi a que sofreu maior dano, por causa de sua captura pela razão burocrática do Estado e sua submissão a um empreendimento totalitário. Resta saber se, entre todas essas palavras feridas, há algumas que vale a pena reparar e pôr de novo em movimento.

2. É necessário para isso pensar o que ocorreu com o comunismo do século XX. A palavra e a coisa não podem ficar fora do tempo das provas históricas a que foram submetidos. O uso massivo do título “comunista” para designar o Estado liberal autoritário chinês pesará muito mais durante longo tempo, aos olhos da grande maioria, do que os frágeis brotos teóricos e experimentais de uma hipótese comunista. A tentação de subtrair um inventário histórico crítico conduziria a reduzir a idéia comunista a “invariantes” atemporais, a fazer dela um sinônimo das idéias indeterminadas de justiça ou de emancipação, e não a forma específica da emancipação na época da dominação capitalista. A palavra perde então em precisão política o que ganha em extensão ética ou filosófica. Uma das questões cruciais é saber se o despotismo burocrático é a continuação legítima da Revolução de Outubro ou o fruto de uma contra-revolução burocrática, verificada não só pelos processos, as purgas, as deportações massivas, mas também pelas convulsões dos anos 30 na sociedade e no aparato de Estado soviético.

3. Não se inventa uma nova palavra por decreto. O vocabulário se forma com o tempo, por meio de usos e experiências. Ceder à identificação do comunismo com a ditadura totalitária stalinista seria capitular diante dos vencedores provisórios, confundir a revolução e a contra-revolução burocrática, e fechar assim o capítulo das bifurcações, o único aberto à esperança. E seria cometer uma irreparável injustiça para com os vencidos, todas as pessoas, anônimas ou não, que viveram apaixonadamente a idéia comunista e que a vivenciaram contra suas caricaturas e falsificações. Vergonha daqueles que deixaram de ser comunistas ao deixar de ser stalinistas e que só foram comunistas enquanto foram stalinistas! (1)

4. De todas as formas de nomear “ao outro” necessário e possível do capitalismo imundo, a palavra comunismo é que conserva maior sentido histórico e carga programática explosiva. É a que evoca melhor o comum da partilha e da igualdade, o funcionamento comum do poder, a solidariedade frente ao cálculo egoísta e à concorrência generalizada, a defesa dos bens comuns da humanidade, naturais e culturais, a extensão aos bens de primeira necessidade de um espaço de gratuidade (desmercantilização) dos serviços, contra a rapina generalizada e a privatização do mundo.

5. É também o nome de uma medida diferente da riqueza social daquela da lei do valor e da avaliação mercantil. A competição “livre e não falseada” repousa sobre “o roubo do tempo de trabalho do outro”. Pretende quantificar o inquantificável e reduzir a sua miserável medida comum, mediante o tempo de trabalho abstrato, a incomensurável relação da espécie humana com as condições naturais de sua reprodução. O comunismo é o nome de um critério diferente de riqueza, de um desenvolvimento ecológico qualitativamente diferente da corrida quantitativa pelo crescimento. A lógica da acumulação do capital exige não só a produção para o lucro e não para as necessidades sociais, mas também “a produção de novo consumo”, a ampliação constante do círculo do consumo “mediante a criação de novas necessidades e pela criação de novos valores de uso”... “Daí a exploração da natureza inteira” e “a exploração da terra em todos os sentidos”. Esta desmedida devastadora do capital funda a atualidade de um eco-comunismo radical.

6. A questão do comunismo é primeiro, no Manifesto Comunista, a da propriedade: “Os comunistas podem resumir sua teoria nesta fórmula única: supressão da propriedade privada” dos meios de produção e de troca; não confundir com a propriedade individual dos bens de uso. Em “todos os movimentos, põem na frente a questão da propriedade, seja qual for o grau de evolução que tenha atingido, como a questão fundamental do movimento”. Dos dez pontos que concluem o primeiro capítulo, sete concernem às formas de propriedade: a expropriação da propriedade latifundiária e a vinculação da renda da terra aos gastos do Estado; a instauração de uma tributação fortemente progressiva; a supressão da herança dos meios de produção e de troca; o confisco dos bens dos emigrados rebeldes; a centralização do crédito em um banco público; a socialização dos meios de transporte e a construção de uma educação pública e gratuita para todos; a criação de manufaturas nacionais e a ocupação (para plantio) das terras sem cultivar. Estas medidas tendem todas elas a estabelecer o controle da democracia política sobre a economia, a primazia do bem comum sobre o interesse egoísta, do espaço público sobre o espaço privado. Não se trata de abolir toda forma de propriedade, mas sim “a propriedade privada de hoje, a propriedade burguesa”, o “modo de apropriação” fundado na exploração de uns pelos outros.

7. Entre dois direitos, o dos proprietários apropriarem-se dos bens comuns, e o dos despossuídos à existência, “é a força que decide”, diz Marx. Toda a história moderna da luta de classes, da guerra dos camponeses na Alemanha às revoluções sociais do século passado, passando pelas revoluções inglesa e francesa, é a história deste conflito. Resolve-se pela emergência de uma legitimidade oposta à legalidade dos dominantes. Como “forma política encontrada da emancipação”, como “abolição” do poder de Estado, como realização da república social, a Comuna ilustra a emergência desta nova legitimidade. Sua experiência inspirou as formas de auto-organização e de auto-gestão populares aparecidas nas crises revolucionárias: conselhos operários, soviets, comitês de milícias, cordões industriais, associações de vizinhos, comunas agrárias, que tendem a desprofissionalizar a política, a modificar a divisão social do trabalho, a criar as condições de extinção do Estado enquanto corpo burocrático separado.

8. Sob o reino do capital, todo progresso aparente tem sua contrapartida de regressão e de destruição. Em última instância, não consiste em mais do que mudar a forma de servidão. O comunismo exige uma idéia diferente e alguns critérios diferentes do que os do rendimento e da rentabilidade monetária. A começar pela redução drástica do tempo de trabalho obrigatório e a mudança da própria noção de trabalho: não poderá haver completo desenvolvimento individual no ócio ou no “tempo livre” enquanto o trabalhador permanecer alienado e mutilado no trabalho. A perspectiva comunista exige também uma mudança radical da relação entre o homem e a mulher: a experiência da relação entre os gêneros é a primeira experiência da alteridade e enquanto subsista essa relação de opressão, todo ser diferente, por sua cultura, sua cor, ou sua orientação sexual, será vítima de formas de discriminação e de dominação. O progresso autêntico reside, enfim, no desenvolvimento e na diferenciação de necessidades cuja combinação original faz de cada um e de cada uma um ser único, cuja singularidade contribui para o enriquecimento da espécie.

9. O Manifesto concebe o comunismo como “uma associação na qual o livre desenvolvimento de um é condição do livre desenvolvimento de todos”. Aparece assim como a máxima de um livre desenvolvimento individual que não deveria ser confundido nem com as ilusões de um individualismo sem individualidade submetido ao conformismo publicitário, nem como igualitarismo grosseiro de um socialismo de quartel. O desenvolvimento das necessidades e das capacidades singulares de cada um e de cada uma contribui para o desenvolvimento universal da espécie humana. Reciprocamente, o livre desenvolvimento de cada um e de cada uma implica o livre desenvolvimento de todos, pois a emancipação não é um prazer solitário.

10. O comunismo não é uma idéia pura, nem um modelo doutrinário de sociedade. Não é o nome de um regime estatal, nem o de um novo modo de produção. É o de um movimento que, de forma permanente, supera/suprime a ordem estabelecida. Mas é também o objetivo que, surgido deste movimento, o orienta e permite, contra políticas sem princípios, ações sem continuidade, improvisações diárias, determinar o que aproxima e o que afasta deste objetivo. Neste sentido, não é um conhecimento científico do objetivo e do caminho, mas sim uma hipótese estratégica reguladora. Nomeia, indissociavelmente, o sonho irredutível de um mundo diferente, de justiça, de igualdade e de solidariedade; o movimento permanente que aponta para a derrocada da ordem existente na época do capitalismo; e a hipótese que orienta este movimento na direção de uma mudança radical das relações de propriedade e de poder, a distância dos acomodamentos com um mal menor que seria o caminho mais curto para o pior.

11. A crise, social, econômica, ecológica e moral de um capitalismo que não retrocede diante de seus próprios limites e cuja desmedida e irracionalidade crescentes ameaçam ao mesmo tempo a espécie humana e o planeta, volta a colocar na ordem do dia “a atualidade de um comunismo radical”, invocado por Benjamin diante do aumento dos perigos do período entre guerras.

Nota
(1) Ver Mascolo, D. (2000) A la recherche d´un communisme de pensée. Paris : Editions Fourbis, p. 113.

Versão em espanhol publicada na Revista Viento Sur, traducción de Alberto Nadal (http://www.vientosur.info/). Tradução para o português: Marco Aurélio Weissheimer.

EUA já têm 13 bases militares em torno da Venezuela








Ignacio Ramonet - Carta Maior via Patria Latina


A Venezuela e sua Revolução Bolivariana estão rodeadas hoje por nada menos do que 13 bases estadunidenses na Colômbia, Panamá, Aruba e Curazao, assim como pelos porta-aviões e navios de guerra da IV Frota. Em outubro, o presidente conservador do Panamá, Ricardo Martinelli, admite que cedeu aos EUA o uso de quatro novas bases militares. O presidente Barack Obama parece ter deixado o Pentágono de mãos livres neste tema. E o presidente venezuelano Hugo Chávez denuncia que está sendo tramada uma agressão contra o país. O artigo é de Ignacio Ramonet.

A chegada de Hugo Chávez ao poder, na Venezuela, em 2 de fevereiro de 1999, coincidiu com um acontecimento militar traumático para os Estados Unidos: o fechamento de sua principal instalação militar na região, a base Howard, situada no Panamá (fechada em virtude dos Tratados Torrijos-Carter, de 1977).

Em troca, o Pentágono escolheu quatro localidades para controlar a região: Manta, no Equador; Comalapa, em El Salvador, e as ilhas de Aruba e Curazao (de soberania holandesa). A suas – por assim dizer –“tradicionais” missões de espionagem, acrescentou novas atribuições oficiais a estas bases (vigiar o narcotráfico e combater a imigração clandestina para os EUA) e outras tarefas encobertas: lutar contra os insurgentes colombianos; controlar os fluxos de petróleo e minerais, os recursos de água doce e a biodiversidade. Mas, desde o início, seus principais objetivos foram vigiar a Venezuela e desestabilizar a Revolução Bolivariana.

Após os atentados de 11 de setembro de 2001, o Secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, definiu uma nova doutrina militar para enfrentar o “terrorismo internacional”. Modificou a estratégia de deslocamento no exterior, fundada na existência de enormes bases dotados de numeroso pessoal. E decidiu substituir essas mega-bases por um número mais elevado de Foreing Operating Location (FOL) e de Cooperative Security Locations (CSL), com pouco pessoal militar, mas equipado com tecnologias ultramodernas de detecção.

Resultado: em pouco tempo, a quantidade de instalações militares estadunidenses no estrangeiro de multiplicou, alcançando a insólita soma de 865 bases de tipo FOL ou CSL distribuídas em 46 países. Jamais na história uma potência multiplicou de tal modo seus postos militares de controle para espalhar-se pelo planeta.

Na América Latina, a reorganização de bases permitiu que a de Manta (Equador) colaborasse com o fracassado golpe de Estado de 11 de abril de 2002 contra o presidente Chávez. A partir daí, uma campanha midiática dirigida por Washington começou a difundir falsas informações sobre a suposta presença neste país de céculas de organizações como Hamás, Hezbolá e até Al Qaeda.

Com o pretexto de vigiar tais movimentos e em represália contra o governo de Caracas que, em maio de 2004, pôs fim a meio século de presença militar estadunidense na Venezuela, o Pentágono ampliou o uso de suas bases militares nas ilhas de Aruba e Curazao, situadas muito perto das costas venezuelanas, onde ultimamente tem se incrementado a visita de navios de guerra dos EUA. Esse fato foi recentemente denunciado pelo presidente Chávez:

“É bom que a Europa saiba que o império norte-americano está armando-se até os dentes, enchendo de aviões e navios de guerra as ilhas de Aruba e Curazao. (...) Estou acusando a Holanda de estar preparando, junto com o império yanqui, uma agressão contra a Venezuela” (1).

Em 2006, começa-se a falar em Caracas do “socialismo do século XXI, nasce a Aliança Bolivariana para as Américas (ALBA) e Hugo Chávez é reeleito presidente. Washington reage impondo um embargo sobre a venda de armas para a Venezuela, sob o pretexto de que Caracas “não colabora suficientemente na guerra contra o terrorismo”. Os aviões F-16 da Força Aérea Venezuela ficaram sem peças de reposição. Diante desta situação, as autoridades venezuelanas estabeleceram um acordo com a Rússia para dotar a sua força aérea de aviões Sukhoi. Washington denunciou um suposto “rearmamento massivo” da Venezuela, omitindo que os principais orçamentos militares na América Latina, hoje, são os do Brasil, da Colômbia e do Chile. E que, a cada ano, a Colômbia recebe uma ajuda militar estadunidense de 630 milhões de dólares.

A partir daí, os acontecimentos se aceleram. No dia 1° de março de 2008, apoiadas pela base de Manta, as forças colombianas atacam um acampamento das Forças Armadas Revolucionarias da Colômbia (FARC), situado no interior do território do Equador. Quito, em represália, decide não renovar o acordo sobre a base de Manta, que vencia em novembro de 2009. Washington respondeu, no mês seguinte, com a reativação da IV Frota (desativada em 1948, há 60 anos...) cuja missão é vigiar a costa atlântica da América do Sul. Um mês mais tarde, os Estados sulamericanos, reunidos em Brasília, replicam criando a União de Nações Sulamericanas (UNASUL) e, em março de 2009, o Conselho de Defesa Sulamericano.

Algumas semanas depois, o embaixador do EUA em Bogotá anuncia que a base de Manta seria transferida para Palanquero, na Colômbia.

Em junho, com o apoio da base estadunidense de Soto Cano, se produz o golpe de Estado em Honduras contra o presidente Manuel Zelaya que havia conseguido integrar seu país na ALBA. Em agosto, o pentágono anuncia que terá sete novas bases militares na Colômbia. E, em outubro, o presidente conservador do Panamá, Ricardo Martinelli, admite que cedeu aos EUA o uso de quatro novas bases militares.

Deste modo, a Venezuela e a Revolução Bolivariana se vêem hoje rodeadas por nada menos do que 13 bases estadunidenses na Colômbia, Panamá, Aruba e Curazao, assim como pelos porta-aviões e navios de guerra da IV Frota. O presidente Obama parece ter deixado o Pentágono de mãos livres neste tema. Tudo anuncia uma agressão iminente. Os povos da América Latina consentirão que um novo crime contra a democracia seja cometido na região?

(1) Discurso no Encontro da ALBA com movimentos sociais da Dinamarca, em Copenhague, dia 17 de dezembro de 2009

Ignacio Ramonet é jornalista, foi diretor do Le Monde Diplomatique entre 1990 e 2008.

Tradução: Katarina Peixoto
 

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Você acha que o Brasil deve dialogar com o grupo islâmico Hamas?

do Blog do Bourdoukan, por ele mesmo...

A propósito da manifestação do chanceler Celso Amorim em dialogar com o Hamas, o jornal O Estado de São Paulo de ontem, domingo, em seu caderno Aliàs pediu dois textos a "dois especialistas", favoráveis e contrários ao diálogo, para responderem a peregunta acima. O meu texto  foi que sim. O não, ficou por conta de outra pessoa.

A seguir, o meu texto:

O Brasil deve sim, dialogar com o Hamas.

O Hamas é um movimento político e de libertação.

Seus dirigentes foram escolhidos em eleições transparentes, sobejamente reconhecidas pelos observadores internacionais.

O Hamas representa o povo palestino e como tal não deve ser marginalizado.

O Brasil, ao dialogar com o Hamas, envia um recado claro a todos aqueles que se opõem ao diálogo. Nada substitui o diálogo.

A Palestina é uma nação ocupada e tem direito a resistir. E isto está na Carta da ONU. A mesma ONU que deu legitimidade ao Estado de Israel e também ao Estado palestino.

O Brasil reconhece essa legitimidade e por isso não pode se omitir. Essa atitude reforça a grandeza do país no concerto das nações.

Hoje o Brasil é reconhecido internacionalmente como um interlocutor isento e de primeira linha.

Não é visto com desconfiança como, por exemplo, os Estados Unidos que não tem interesse real na paz.

Que o Brasil dialogue com o Hamas.

Palestinos, israelenses e todos os que privilegiam a paz, agradecem.

Casoy e Gandra: CCC e Opus Dei unidos

Não deixem de ler este artigo de Altamiro Borges, postado hoje em seu blog, onde ele desmascara a midia de esgoto, principalmente Borys Cazoy, membro do CCC(comando de caça aos comunistas, da época da ditadura) e suas ligações com a Opus Dei( de Gandra)...muito esclarecedor, e demonstra como o PIG está escancarando a campanha eleitoral de 2010 pró-serra....leia aqui...

Ipea: Brasil pode erradicar pobreza extrema em 2016

Se o Brasil mantiver o mesmo ritmo de diminuição da pobreza extrema e da desigualdade de renda observados nos últimos cinco anos (2003 a 2008) poderá obter indicadores sociais próximos aos de países desenvolvidos em 2016. Da mesma forma, poderá alcançar uma taxa de pobreza absoluta de 4%.

Os dados, divulgados nesta terça, constam de documento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculado a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. São considerados pobres extremos aqueles que recebem até 25% de um salário mínimo por mês, enquanto os pobres absolutos dispõem mensalmente de até 50% de um salário mínimo.

"Se projetados os melhores desempenhos brasileiros alcançados recentemente em termos de diminuição da pobreza e da desigualdade (período 2003-2008) para o ano de 2016, o resultado seria um quadro social muito positivo. O Brasil pode praticamente superar o problema da pobreza extrema, assim como alcançar uma taxa nacional de pobreza absoluta de apenas 4%, o que significa quase a sua erradicação", diz o texto do documento.

O documento do Ipea revela a tendência de o país ter em 2016, seguido o ritmo dos últimos cinco anos, a desigualdade da renda do trabalho em 0,488 do índice Gini - coeficiente que varia de 0 a 1, segundo o qual quanto mais próximo do zero, menor é a desigualdade de renda num país e quanto mais próximo de 1, maior a concentração de renda. Em 1960, ano da primeira pesquisa sobre desigualdade no Brasil, verificou-se índice Gini de 0,499 no país. Em 2005, o índice Gini nos EUA era de 0,46; na Itália, 0,33; e na Dinamarca, 0,24.

Segundo o documento, a maior parte dos avanços atualmente alcançados pelo Brasil no enfrentamento da pobreza e da desigualdade está direta ou indiretamente associada à estruturação das políticas públicas de intervenção social do estado, motivadas pela Constituição de 1988.

O Ipea aponta ainda outros três fatores decisivos no combate a pobreza e desigualdade: a elevação do gasto social no país, que cresceu de 19% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1990 para 21,9% do PIB em 2005; a descentralização da política social, com o aumento do papel do município na implementação das políticas sociais, instância que saltou 53,8% em participação nos gastos sociais no período de 1980 a 2008; e a participação social na formatação e gestão das políticas sociais.

De acordo com o instituto, a consolidação institucional do quadro geral das leis sociais no Brasil seria um passo importante para a manutenção, nos próximos anos, do enfrentamento da pobreza e da desigualdade no país.

"O estabelecimento de uma nova lei que regule a responsabilidade e o compromisso social, com metas, recursos, cronogramas e coordenação, se mostra importante para que o Brasil possa chegar a alcançar indicadores sociais observados atualmente nos países desenvolvidos. Tudo isso, é claro, sem retrocessos em termos de maior participação da sociedade na formatação, monitoramento e controle das políticas públicas", diz o documento.

O estudo, intitulado "Retratos dos Brasileiros em Quatro Décadas: a Pobreza e o Seu Perfil", foi apresentado pelo presidente do Ipea, Márcio Pochmann, na sede da Caixa Econômica Federal, em São Paulo.

A informação é da Agência Brasil, os créditos são do sitio vermelho
 

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

O pântano argentino: o irresistível desenvolvimento da crise de governabilidade



A queda ou degradação integral do governo kirchnerista seria uma ótima notícia para os norte-americanos, pois enfraqueceria o Brasil e reduziria o espaço político da Venezuela, Equador e Bolívia. A recente crise envolvendo o Banco Central mostra mais uma vez a ação de uma nova direita argentina, uma força heterogênea, quase caótica, sem grandes projetos visíveis, impulsionada pelos grandes meios de comunicação que operam como um “partido midiático” extremista. Sua base social é um agrupamento muito belicoso de classes médias e altas que constituíram uma lumpen-burguesia onde se interconectam redes de negócios legais e ilegais. A análise é de Jorge Beinstein, no sitio  CartaMaior

O ano novo começou mal na Argentina. O conflito causado pela substituição do presidente do Banco Central, Martín Redrado, detonou uma grave crise institucional onde se enfrentam dois grupos que vem endurecendo suas posições. De um lado, uma oposição de direita cada vez mais radicalizada, agora com maioria no poder Legislativo, encabeçada pelo vice-presidente da República e que se estende até os núcleos mais reacionários do Poder Judiciário e das forças de segurança (públicas e privadas). Trata-se de uma força heterogênea, quase caótica, sem grandes projetos visíveis, impulsionada pelos grandes meios de comunicação que operam como uma espécie de “partido midiático” extremista. Sua base social é um agrupamento muito belicoso de classes médias e altas.

Do outro lado encontramos a presidente Cristina Kirchner resistindo desde o poder Executivo com seus aliados parlamentares, sindicais e “sociais”. Seu perfil político é o de um centrismo desenvolvimentista muito contraditório, oscilando entre as camadas populares mais pobres, às quais não se atreve a mobilizar com medidas econômicas e sociais radicais, e os grandes grupos empresariais e outras esferas de poder que busca em vão recuperar para recompor o sistema de governabilidade vigente durante a presidência de Nestor Kirchner.

A este leque de forças locais é necessário incorporar a intervenção dos Estados Unidos que, a partir da chegada de Barak Obama à Casa Branca, mostra-se cada vez mais ativa nos assuntos internos da Argentina. Isso deve ser integrado ao contexto mais amplo da estratégia imperial de reconquista da América Latina, marcada por fatos notórios como o recente golpe de Estado em Honduras, a recriação da IV Frota, as bases militares na Colômbia e outras atividades menos visíveis, mas não menos efetivas, como a reativação de seu aparato de inteligência na região (CIA, DEA, etc) e a conseqüente expansão de operações conspirativas com políticos, militares, empresários, grupos mafiosos, meios de comunicação, etc.

A onda reacionária
Como se sabe, a crise estourou quando o presidente do Banco Central decidiu não acatar um decreto de “necessidade e urgência”, com força de lei, que ordenava colocar uma parte das reservas à disposição de um fundo público destinado ao pagamento da dívida externa. Deste modo, Redrado (apoiando-se na “autonomia” do Banco, imposta nos anos 1990 pelo FMI) desafiava a legalidade e assumia como própria a reivindicação do conjunto da direita: não pagar dívida externa com reservas, mas sim com receitas fiscais, obrigando assim o governo a reduzir o gasto público, o que seguramente teria um impacto negativo sobre o Produto Interno Bruto, o nível de emprego e os salários.

Em uma primeira aproximação, a crise aparece como uma disputa sobre política econômica entre neoliberais partidários do ajuste fiscal e keynesianos partidários da expansão do consumo interno. No entanto, a magnitude da tormenta política em curso obriga a ir mais além do debate econômico. Não existe proporção entre o volume de interesses financeiros afetados e a extrema virulência do enfrentamento. Tampouco se trata de um problema causado pela necessidade de pagar a dívida externa diante de uma situação financeira difícil. Pelo contrário, o Estado tem um importante superávit fiscal e a dívida externa representa atualmente cerca de 40% do Produto Interno Bruto contra 80%, em 2003, quando Nestor Kirchner assumiu a presidência da República.

Para começar a entender o que está ocorrendo é necessário remontarmos ao primeiro semestre de 2008 quando estourou o conflito entre o governo e a burguesia rural. Neste caso também a confrontação apareceu sob o aspecto econômico: o governo tentou estabelecer impostos móveis às exportações agrárias cujos preços internacionais neste momento subiam vertiginosamente; os grandes grupos do agronegócio se opuseram – ainda que estivessem ganhando muito dinheiro, pretendiam ganhar muito mais embolsando a totalidade destes lucros extraordinários. Para surpresa tanto do governo como das próprias elites agrárias, o protesto foi imediatamente respaldado pela quase totalidade dos empresários rurais, inclusive por setores que por sua área de especialização ou inserção regional não tinham interesses materiais concretos no tema. Rapidamente os bloqueios de estradas, muito destacados pelos meios de comunicação, arrastaram a adesão das classes altas e médias urbanas, estruturando-se deste maneira uma maré social reacionária cuja magnitude não tinha precedentes na história argentina dos últimos 50 anos.

Para encontrarmos algo parecido seria necessário remontarmos a 1955, quando uma massiva convergência conservadora de classes médias apoiou o golpe militar oligárquico. A mobilização direitista de 2008 esteve infestada de brotos neofascistas, alusões racistas às classes baixas, insultos ao “governo montonero” (quer dizer, supostamente controlado por ex-guerrilheiros marxistas reciclados), etc.

Essa onda reacionária se prolongou nas eleições legislativas de 2009, onde a direita obteve a vitória (a maioria no Parlamento). Antes e depois deste evento, esteve permanentemente alimentadas pelos meios de comunicação concentrados. Atualmente é difícil diagnosticar se mantém ou não o seu nível de massividade. O conflito se desenrola agora sem a presença de multidões nas ruas. A grande maioria da população observa a situação como a uma briga entre grupos de poder no andar de cima.

Se avaliamos a trajetória, nos dois últimos anos, da confrontação entre uma direita cada vez mais audaciosa e agressiva e um governo crescentemente encurralado não é difícil imaginar um cenário próximo do “golpe de Estado”, não seguindo os velhos esquemas das intervenções militares diretas, nem sequer uma réplica do caso hondurenho (golpe militar com fachada civil), mas sim um leque de novas alternativas onde se combinariam fatores como a manipulação de mecanismos judiciais, o emprego arrasador da arma midiática, a utilização de instrumentos parlamentares, a mobilização de setores sociais reacionários (cuja amplitude é uma forte incógnita), incluindo ações violentas de grupos civis dirigidos por estruturas de segurança policiais ou militares.

Neste último caso deveríamos levar em conta as possíveis intervenções do aparato de inteligência norte-americano que dispõe atualmente de um importante know how em matéria de golpes civis, como as chamadas “revoluções coloridas”, algumas bem sucedidas como a “laranja” na Ucrânia (2204), a que derrotou Milosevic (Iugoslávia, 2000), a das “rosas” (Geórgia, 2003), a das “tulipas” (Kirguistão, 2005), a “do cedro” (Líbano, 2005) e outras fracassadas como a “revolução branca” (Bielorussia, 2006), a “verde” (Irã, 2009) ou a “revolução twitter” (Moldávia, 2009). Em todas essas “revoluções” orquestradas pelo aparato de inteligência dos EUA as convergências entre grupos civis e meios de comunicação golpearam governos considerados “indesejáveis” pelo Império. Tiveram êxito diante de Estados mergulhados em crises profundas; fracassaram quando as estruturas estatais puderam resistir e/ou quando as maiorias populares os enfrentaram.

As raízes
Quais são as raízes dessa avalanche direitista? Ela não pode ser atribuída ao descontentamento das elites empresariais e das classes superiores diante de drásticas redistribuições de renda em favor dos pobres ou a medidas econômicas esquerdizantes ou estatistas que afetem de maneira decisiva os negócios dos grupos dominantes. Pelo contrário, a bonança econômica que marcou os governos dos Kirchner significou grandes lucros para toda classe de grupos capitalistas: financeiros, industriais exportadores ou voltados ao mercado interno, empresas grandes ou pequenas, etc.

A Argentina experimentou altas taxas de crescimento do PIB e enormes superávits fiscais impulsionados por exportações em vertiginosa ascensão. E ainda que o desemprego tenha caído, a estrutura de distribuição da renda nacional, herdada da era neoliberal, não variou de maneira significativa. A governabilidade política permitiu a preservação do sistema que cambaleava entre 2001-2002. As estatizações decididas durante a presidência de Cristina Kirchner foram, na verdade, medidas destinadas mais a preservar o funcionamento do sistema do que a modificá-lo. A estatização da previdência privada, por exemplo, foi precipitada pela crise financeira global e pelo esgotamento de uma estrutura de saque de fundos previdenciários. A estatização da Aerolíneas Argentinas significou tomar posse de uma empresa totalmente liquidada e a ponto de desaparecer.

Se existe alguma pressão, entre as classes altas, é na direção de uma maior concentração de renda, em função de sua própria dinâmica governada pelo parasitismo financeiro global-local que opera como uma espécie de núcleo estratégico central de seus negócios. Neste sentido, a resistência do governo a esta tendência aparece para estas elites como um “intervencionismo insuportável”.

Outro fator decisivo é a crescente agressividade dos EUA acossado pela crise, sabendo que o tempo joga contra seus interesses, que a decadência da unipolaridade imperial pode fazer com que percam por completo suas tradicionais posições de poder na América Latina. Isso já está começando a ocorrer a partir do processo de integração regional, de um Brasil autonomizando-se cada vez mais dos EUA, da persistência da Venezuela chavista, da consolidação de Evo Morales na Bolívia, etc. A Casa Branca embarcou em longa corrida contra o tempo: amplia as operações militares na Ásia e África, herdadas da era Bush, apadrinha o golpe militar em Honduras e outras intervenções na América Latina. A queda ou degradação integral do governo kirchnerista seria uma ótima notícia para os norte-americanos, pois enfraqueceria o Brasil e reduziria o espaço político da Venezuela, Equador e Bolívia.

Mas existe um fenômeno de primeira importância que provavelmente os Kirchner ignoraram e que boa parte da esquerda e do progressismo subestimou: a mudança de natureza da burguesia local, cujos grupos dominantes passaram a constituir uma verdadeira lumpen-burguesia onde se interconectam redes que vinculam negócios financeiros, industriais, agrários e comerciais com negócios ilegais de todo tipo (prostituição, tráfico de drogas e armas, etc.), empresas de segurança privada, máfias policiais e judiciárias, elites políticas e grandes grupos midiáticos. Essa é a mais importante das heranças deixadas pela ditadura, consolidada e expandida durante a era Menem.

A política de direitos humanos do governo não afetou somente a grupos de velhos militares criminosos isolados e ideologicamente derrotados. Ao golpear esses grupos, essa política estava desatando uma dinâmica que feria uma das componentes essenciais da (lumpen) burguesia argentina realmente existente. Quando começamos a desenrolar a trama de grupos midiáticos como o “Clarín” ou não midiáticos, como o grupo Macri, aparecem as vinculações com negócios provenientes da última ditadura, personagens-chave das máfias policiais, etc. Nestes círculos dominantes, a maré crescente de processos judiciais contra ex-repressores pode ser vista talvez em seu começo como uma concessão necessária ao clima esquerdizante herdado dos acontecimentos de 2001-2002 e que, mantida dentro de limites modestos, não afetaria a boa marcha de seus negócios. Mas essa maré cresceu até transformar-se em uma pressão insuportável para essas elites.

Finalmente é necessário constatar que assim como se desenvolveu um processo de humanização cultural democratizante também se desenvolveu, protagonizado pelos grandes meios de comunicação, um contra-processo de caráter autoritário, de criminalização dos pobres, de condenação do progressismo que põe os direitos humanos acima de tudo. Em certo sentido, tratou-se de uma espécie de reivindicação indireta da última ditadura realizada pelos grandes meios de comunicação, centrada na necessidade de empregar métodos expeditivos ante à chamada “insegurança”, à delinqüência social, às desordens nas ruas.

A mesma encontrou um espaço favorável em uma porção importante da população pertencente às classes médias e altas. Muitos membros destes setores não se atrevem a defender a velha e desmoralizada ditadura militar, mas encontraram um novo discurso neofascista que lhes permitiu levantar a cabeça. Essa gente se mobilizou em 2008 em apoio à burguesia rural e contra o governo “esquerdista”, esteve na vanguarda da vitória eleitoral de Mauricio Macri na cidade de Buenos Aires e dos políticos de direita nas eleições parlamentares de 2009.

Brincando com fogo?
A crise atual pode vir a ter sérias repercussões econômicas. É o que esperam muitos dirigentes políticos da direita que sonham em se apoderar do governo em meio ao caos e/ou a passividade popular. A paralisia do Banco Central ou sua transformação em uma trincheira opositora poderia desordenar por completo o sistema monetário, degradar o conjunto da economia, o que, somado a um tsunami midiático, converteria o governo em uma presa fácil.

Em tese existe a possibilidade de que o governo, encurralado pela direita, busque desesperadamente ampliar sua base popular multiplicando medidas de redistribuição de renda junto às classes baixas, estatizações, etc. A direita acredita cada vez menos nesta possibilidade, o que a torna mais audaciosa, mais segura de sua impunidade. Ela considera que os Kirchner estão demasiado aferrados ao “país burguês”, por razões psicológica, ideológicas e pelos interesses que representam, para que essa alternativa de ruptura passe por suas cabeças. Uma sucessão de fatos concretos parece dar-lhe razão. Afinal, Martín Redrado foi designado como presidente do Banco Central por Nestor Kirchner e confirmado depois por Cristina Kirchner. Agora, eles “descobrem” que se trata de um neoliberal reacionário e buscam substituí-lo por algum outro neoliberal ou bom amigo dos interesses financeiros.

Também existe a possibilidade que o caos buscado pela direita ou as medidas econômicas que ela seguramente tomará caso conquiste o governo desatem uma gigantesca onda de protestos sociais, fazendo ruir a governabilidade e reinstalando em uma escala ampliada o fantasma popular de 2001-2002. Mas essa direita considera cada vez menos provável a concretização dessa ameaça. Ela está cada vez mais convencida de que os meios de comunicação combinados com um sistema de repressão pontual - não ostensivo, mas enérgico - podem controlar as classes baixas. É muito provável que essas elites degradadas, lançadas em uma cruzada irracional, estejam atravessando uma séria crise de percepção.


(*) Economista argentino, professor na Universidade de Buenos Aires. É autor, entre outros livros, de "Capitalismo senil, a grande crise da economia global".

Tradução: Katarina Peixoto

Capitalismo e outras coisas de crianças



Vídeo que nos convida a olhar de uma forma diferente para o mundo em que vivemos e a questionar algumas das mais básicas premissas da vida no Capitalismo. Escrito e apresentado por Paddy Joe Shannon, produzido pelo Partido Socialista da Grã-Bretanha, com tradução e legendas de Glauber Ataide.

Eduardo Guimarães: Onde e como organizar a mídia alternativa?

Eduardo Guimarães: www.patrialatina.com.br

















Notadamente nos últimos dois anos, vêm ocorrendo tentativas esparsas de se organizar minimamente a mídia “alternativa”, o que seja ela, a Blogosfera , sites jornalísticos e algumas revistas, de menor tiragem e de poucos recursos, ditos "de esquerda", o que inclui a Carta Capital, a Caros Amigos, a Fórum e a Revista do Brasil, entre o que conta.
 
A dificuldade para se lograr tal feito explica o fato de o Brasil ter essa situação esdrúxula de só existirem grandes meios de comunicação de direita. Por que não podemos ter grandes jornais de esquerda como na França, na Itália ou nos Estados Unidos? Na França há o Libération ou L’Humanité, na Itália, L’Unità, ligado ao ex-Partido Comunista, e o independente Il Manifesto; nos Estados Unidos, há o socialista The Nation e, na Grã-Bretanha, The Independent.
 
Mas e no Brasil, o que temos? Folha, Globo, Estadão, Correio Brasiliense, Jornal do Brasil, Zero Hora... E por aí vai. Televisões? Todas de direita. Rádios e tevês? Entre as que têm grande alcance, todas de direita. Sobram à esquerda as revistas supra-mencionadas e os sites e blogs, e essa é a mídia alternativa que se pretende organizar.
 
Aí vem a questão: organizar como? Já surgiu a idéia de um portal de internet, mas ninguém vai querer abrir mão de seu vôo solo para escrever de graça, com obrigação a cumprir. É diferente de fazer um blog, onde você decide o que e quando vai publicar sem ter que respeitar prazos e quaisquer outras imposições que um veículo como um portal de internet exigiria.
 
Como se não bastasse essa dificuldade, não há dinheiro. Ninguém constrói hoje um portal de internet sem muito, muito dinheiro. Um jornalista da Record me disse que o recém-criado portal de Internet R7, da Igreja Universal, conta com uma redação de uma centena e meia de jornalistas e recursos ilimitados para produzir conteúdo. Estamos falando, pois, de milhões de reais.
 
Outro dia li acho que foi o blogueiro Ricardo Kotscho dizendo que o Brasil tem mais “colunas” do que a Grécia antiga, pois estamos confinados a opinar e opinar, ou reproduzir conteúdo dos grandes veículos. Por falta de dinheiro.
 
Então onde e como organizar essa mídia “alternativa”?, perguntará o leitor.
 
Quando se fala em “organizar”, o sentido é ao pé da letra. Formar uma organização nacional dos veículos que, por conta de sua linha ideológica (e este é o fato crucial), sofrem boicote de um empresariado que acredita que comunistas comem criancinhas, e que é aquele que poderia investir em uma fatia do mercado para jornalismo totalmente desatendida no Brasil.
 
Diante disso tudo, nesta quinta-feira estive reunido com o “Publisher” de um dos mais conhecidos e respeitados veículos da mídia “alternativa”, alguém que não recebe nome aqui porque não gosta de aparecer. Essa pessoa se propõe a encabeçar os esforços para se criar uma associação nacional desses veículos, entre os quais estaria este blog. Trata-se de uma tentativa de avançar até onde for possível.
 
Estamos vivendo um momento complicado, os que nadam contra a corrente da falta de recursos para fazer jornalismo cidadão, ou seja, sem lucrar nada. O ano eleitoral e a possibilidade de continuar fora do poder enlouqueceu a direita, que começa a adotar um nível de radicalização com ameaças de todo tipo aos que já começam a incomodar mesmo trabalhando de forma artesanal e sem recursos financeiros.
 
Fontes de financiamento, apoio jurídico, venda de espaços para publicidade, entre outros, seriam preocupação dessa associação. Ela teria força e representatividade, pois esses milhares de leitores deste, daquele e daquele outro blog, site ou pequena revista, juntos constituiriam um grande público.
 
Tenho dado minha contribuição para a integração da mídia “alternativa” na medida do possível. Em breve, colocarei outro anúncio gratuito neste blog para outra importante revista. Muitos dos sites e blogs “linkados” aqui dizem que o Cidadania lhes remeteu milhares de leitores. E há a militância política na ONG Movimento dos Sem Mídia e o comprometimento com este espaço que já nem me pertence mais.
 
Se puder contribuir também para essa associação, contribuirei. Acho que o Brasil precisa ter pluralidade no espectro ideológico de sua imprensa. Essa situação de só a direita poder falar para muitos de uma só vez precisa mudar, e só mudará se cada blogueiro, se cada editor de site ou revista de esquerda se dispuser a colaborar.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

O retorno às origens...

Os novos sacerdotes e Abya Yala


Tal e qual os “selvagens” povos da mesoamérica, os povos contemporâneos empreendem guerras de busca de prisioneiros a serem oferecidos aos deuses. Não há como esconder. Até mesmo nas grandes catástrofes se vê a boca sangrenta do capital




Desde os anos 70 que das entranhas da América baixa assoma o que hoje conhecemos como “o novo movimento indígena”. Diz-se novo apenas porque apresenta outra configuração, uma vez que desde a invasão, em 1492, as comunidades originárias sempre resistiram à violência, à morte e à destruição de suas vidas e culturas. E esse “novo” momento começa quando em boa parte dos países latino-americanos as ditaduras calavam a voz de estudantes, sindicalistas e lutadores sociais. Naqueles dias, no final dos anos 60, os povos originários começaram a se reunir e discutir suas demandas. Pequenos encontros, outros um pouco mais expressivos e, a cada ano, ia crescendo a articulação continental. No México, problemas relacionados à questão da terra levaram povos de várias etnias a realizar um congresso em 1974, que acabou sendo um marco nesta reorganização. Na Bolívia os aymaras e quéchuas também se organizavam e realizavam encontros, no Equador, Guatemala, Colômbia, enfim, em vários pontos do continente se debatiam e se discutiam os problemas relacionados ao território, aos direitos, à saúde, educação, etc...
Nos anos 80 esta organização se fortalece, sai do âmbito da briga por melhorias dentro da ordem, e em alguns países os indígenas decidem fazer a luta efetiva. Não mais palavras ou pedidos, mas ações concretas. Foi assim no Equador em 1990, quando os originários ocuparam igrejas e prédios públicos no centro histórico exigindo seus direitos. Em 1994, quatro anos depois, a luta explodiu com os zapatistas e sua voz armada, enfrentando 12 dias de combate contra o exército mexicano, os aymara na Bolívia com a guerra da água (2000) e a expulsão de Sanchez de Lozada (2003), os originários do Equador derrubando presidentes (2005). Hoje, passada a primeira década do século XXI, é inegável a organização e as conquistas dos povos originários em toda América Latina. Já foram realizados quatro grandes encontros intercontinentais, dois países já incorporaram nas suas Constituições o Estado Plurinacional, que garante aos indígenas o direito de organizar sua vida segundo seus costumes, e ninguém mais concebe a vida sem a participação das gentes originárias. Mesmo no Brasil, onde as lutas indígenas ainda se travam completamente à margem da grande mídia, cresce a organização e a avançam as conquistas.

O preconceito

Mas, apesar de toda esta luta e das sucessivas conquistas dos povos originários em toda América Latina, o preconceito e o racismo ainda são os grandes entraves para que as gentes passem a respeitar as demandas dos indígenas como legítimas e necessárias. É que ao longo dos séculos os países do continente foram dominados por uma elite criolla (gente branca ou mestiça nascida na América), que sequer chegou a cogitar ter ao seu lado, no comando da vida latino-america, os legítimos donos da terra de Abya Yala. O próprio Bolívar, quando volta do Haiti e incorpora as reivindicações negras e indígenas, é rechaçado pelos seus generais, que acabam por vencê-lo. Enquanto Bolívar agoniza de tuberculose, derrotado na sua concepção de estado, a nova América Latina que emerge das lutas de independência fica entregue a esta elite predadora, que se apropria das terras comunais, que rouba o indígena e o submete ao que José Carlos Mariategui chamou de “gamonalismo”, sistema de domínio dos latifundiários no qual não pode haver a redenção dos povos originários.
O foi justamente Mariategui, nos anos 30 do século XX, o primeiro a afirmar que as reivindicações dos originários precisavam sair do cultural e converterem-se em econômicas e políticas. Segundo ele, a questão indígena deveria ser encarada com uma solução social, ou seja, o centro não deveria ser racial ou moral, mas sim a propriedade da terra. Sem resolver isso, nada mudaria. De qualquer forma, a voz do marxista peruano não foi suficiente para que as elites latino-americanas mudassem sua maneira de encarar o clamor indígena e, ao longo dos anos que se seguiram, foi reforçado o preconceito, com a idéia de que o índio é preguiçoso, sujo, bêbado e com isso, seguiu aumentando o racismo que se perpetua indelével em toda a sociedade.
É por isso que nas escolas da maioria dos países latino-americanos as crianças sabem muito mais dos egípcios do que dos maias, assim como conhecem em profundidade a vida dos povos europeus enquanto sequer sabem onde vivem os caraíbas, os chibchas, os arauak, os tupinambás, os guarani. Suas formas de organizar a vida, então, são absolutamente desconhecidas e o que é falado não foge do folclore ou das aberrações.

Os sacrifícios humanos

E, ainda assim, desconhecendo, o povo que pensa o mundo (os chamados intelectuais) insiste em dizer que é impossível transladar as formas de viver dos originários para o nosso tempo. E mais, ainda há aqueles que buscam nos costumes mais lúgubres dos antigos os exemplos para respaldar isso. “Veja os maias. Eram uns sanguinários. Faziam sacrifícios humanos, assim como também os mexicas, os olmecas, teotihuacanos, astecas etc... Vamos voltar a sacrificar pessoas a um deus que exige sangue? É isso que se quer com a volta das culturas índias?” Este argumento nos faz refletir sobre os costumes antigos e os de agora. Sim, é verdade. Os maias e os demais povos que habitavam a mesoamérica realizavam sacrifícios humanos. Seus deuses eram implacáveis e era por isso que faziam incursões guerreiras. Buscavam prisioneiros para alimentar os deuses. Isso pode ser visto com bastante crueza no filme de Mel Gibson, Apokalipto, o qual narra a saga de um jovem capturado pelos maias e mostra com riqueza de detalhes os rituais de sacrifício.
Para os maias, assim como para os demais povos da região, a religião era um contrato entre deuses e homens. Os primeiros ajudavam no trabalho, davam alimentos e segurança, mas exigiam pagamento antecipado. Por isso havia o ritual de “abrir a boca”, chamado assim porque o sangue dos sacrificados era usado para untar a boca do grande deus. Enquanto entregavam o pagamento aos deuses, os sacerdotes pediam saúde, filhos, prosperidade, água e temporais para que a vida florescesse, força para enfrentar os inimigos, folga e descanso.
Naquela complexa sociedade que inventou o zero no século III a.C - bem antes dos hindus que só chegaram a ele no século VIII depois de cristo ou da Europa que só o conheceu na Idade Média - que cultivava o milho e construía gigantescas pirâmides com degraus, muito mais espetaculares que as egípcias, quem detinha o poder sobre a vida e a morte eram os sacerdotes. Os homens comuns não podiam interpretar a vontade dos deuses, só os sacerdotes eram capazes e por isso tinham o domínio dos rituais, do ensino e da vida. Eles decidiam quem vivia ou morria, eles eram os que repassavam as ordens dos deuses e mesmo os reis eram obrigados a seguir seus conselhos. Então reverbera nos ouvidos a pergunta: “Vamos querer essa barbárie outra vez?”

Os sacerdotes atuais

Desde a pergunta do amigo intelectual passo em revista os tempos modernos. Nos livros que se escrevem aos borbotões e que vem, sobretudo, da Europa, fala-se de uma pós-modernidade, de um tempo de fins, de fragmentações, de vazios. Conta-se de um tempo anômico, sem normas. Diz-se que houve uma época em que no mundo ocidental a norma era revelada, emanava de deus. Depois, com o iluminismo, a norma passa a ser uma construção humana. É o homem quem é o centro da vida. E hoje, não há mais normas. Tudo é válido. Existe apenas o fluxo, fluido e líquido. Mas, uma olhada mais apurada revela que o fluxo, dito sem forma e sem lei, está sim submetido a uma razão bem específica: é a do mercado capitalista. Este é o grande deus sanguinário, cuja boca aberta está borbulhante do sangue das vítimas que, implacavelmente, seguem sendo oferecidas.
Tal e qual os “selvagens” povos da mesoamérica, os povos contemporâneos empreendem guerras de busca de prisioneiros a serem oferecidos aos deuses, no geral travadas com pastas pretas e bem trajados homens e mulheres, representantes das agências financiadoras internacionais. Ou mesmo com guerreiros tradicionais como é o caso das invasões estadunidenses. Nações inteiras são capturadas e submetidas. Milhões de pessoas são sacrificadas todos os dias nas “bocas abertas” do capital. Uma zapeada nos programas dominicais da televisão brasileira e isso salta aos olhos. Não há como esconder. Até mesmo nas grandes catástrofes se vê a boca sangrenta do capital, quando as gentes são soterradas por estarem vivendo em áreas de risco, ou por serem expulsas do centro da cidade, ou por estarem entregues à especulação da natureza.
Os maias e os demais povos realizavam estes sacrifícios em momentos rituais, sempre acreditando que o resultado seria o bem de toda a comunidade. Exatamente como pontificam os novos sacerdotes do sistema capitalista. É preciso que alguns se sacrifiquem para que a vida de todos melhore. Primeiro crescer o bolo para depois repartir. Se a pessoa trabalhar muito, ela chega lá. Não são estes os mantras que a televisão, sede da mais-valia ideológica, passa todos os dias? Pois, então, onde está o barbarismo dos maias? Não é exatamente igual ao que vemos hoje?
Por todo o planeta economistas e políticos vomitam suas fórmulas sobre crescimento, desenvolvimento, modernidade. Há que privatizar, há que enxugar, cortar gastos públicos, diminuir o estado. Há que criminalizar os movimentos sociais, há que prender aqueles que se opõem a marcha inexorável do capital, há que eliminar terroristas, hereges, subversivos. Há que invadir países, há que roubar riquezas naturais, há que destruir todas as resistências. Nas telas de TV estes novos sacerdotes aparecem como aqueles que são os únicos capazes de interpretar a vontade dos deuses. Ao povo comum isso está vetado, tal e qual no tempo dos maias. E se alguém se arvora a querer dizer: “mas não é assim, pode ser diferente”, lá vem o garrote e o punhal. Elimina-se e entrega-se à boca aberta do grande Murdoch ( que pode ser o antigo deus babilônico ou o magnata da mídia).
É por conta disso que talvez seja bom pensar bem e refletir se os povos originários eram mesmo os bárbaros ou sanguinários. Eles estavam seguindo sua vida, evoluindo no conhecimento da natureza e certamente chegariam a avanços se não tivessem sido invadidos e exterminados. Não sei se seriam melhores ou piores que as gentes de hoje, não sei se seguiriam realizando sacrifícios humanos ou sustentando uma casta sacerdotal poderosa. Mas uma coisa me bate a certeza. Seria diferente. A considerar o respeito que tinham pela natureza, a sabedoria que carregavam de que o que acontece a terra acontece também aos filhos da terra, os propósitos comunitários que sustentavam a vida das civilizações mais avançadas, como a dos incas, dos aymaras, quéchuas, não tenho dúvidas de que encontrariam uma forma mais respeitosa de organizar a vida.
Um exemplo disso pode-se observar no povo Shuar, do Equador, que hoje luta para preservar suas águas, entendendo que elas são sagradas, ou os Mapuche, que querem preservar as araucárias onde vivem seus deuses. Também se pode ver nos originários que ocupam o território brasileiro, de sociedades menos complexas, mas igualmente respeitosas com a vida que vive. Estas comunidades todas que conseguiram ao longo dos séculos manterem vivas as memórias coletivas de sua cultura são as que estão na ponta da luta pela preservação dos recursos naturais. Elas sabem que o deus desse tempo é um deus de destruição. Ele não protege o milho, não dá força, não manda águas e temporais para que a vida floresça. Ao contrário, este ídolo de boca aberta cria o transgênico, destrói a semente, faz assomar o tsunami, joga bombas, arrasa tudo onde pisa, desfaz as comunidades.

Abya Yala é o novo

Hoje, a humanidade está colocada diante de um grande desafio. O modelo de desenvolvimento apresentado como revelação divina por políticos e economistas está esgotando os recursos e destruindo a vida. Mudar a maneira de viver no mundo é uma necessidade bioética. Não há escolhas. As pessoas “comuns”, a quem se lhes diz vedada a capacidade de interpretar as falas dos deuses precisam saber que isso não é verdade. Cada ser humano neste mundo sabe onde lhe aperta o calo. Os que vivem na pobreza, na miséria, na dor, devem saber que isso não é por conta de um “castigo de deus”. Não. A miséria de milhões só existe porque ela garante a riqueza de uns muito poucos. Esse é o dogma da teologia capitalista. Para que um viva, outro tem de morrer.
Mas, por todo o planeta existem culturas, comunidades, seres, que sabem que há formas outras de organizar a vida, nas quais as pessoas dividem o que tem e todos podem viver com dignidade. Não há os muito ricos, nem os muito pobres. Todos cuidam da terra, das riquezas e distribuem os bens. Isso é possível e real. E, agora, diante das catástrofes, mudanças climáticas, degelos, furacões, tsunamis, ou é isso ou é o fim.
Os maias, estes mesmos chamados de sanguinários, eram extraordinários astrônomos e criaram no seu tempo um intricado calendário no qual previram uma mudança radical da vida que viriam no ano de 2012. Claro que não é a bobagem hollywoodiana que andou pelos cinemas nestes dias de verão. A profecia é clara: a humanidade deve escolher entre perecer por conta da estúpida exploração dos recursos naturais, ou viver em harmonia com o universo. Parece uma coisa boba, conversa de “velhos hippies”, utopias descabeçadas. Mas, os maias sabiam que o sol era uma entidade viva, conheciam seus segredos, e amavam a terra. Hoje, observando como o sistema-mundo capitalista organiza a vida e todas as conseqüências que daí decorrem, talvez “descabeçado” seja não entender que as coisas precisem mudar. Já basta de entregar nossa gente à boca aberta do sanguinário deus.
Abya Yala desperta e se agiganta. Os movimentos originários caminham na direção da preservação da sua cultura e mais, apresentam novas liras para novas canções. Não querem a volta a um passado perdido. Querem um futuro de paz, de respeito à natureza, de cuidado com a mãe-terra, de solidariedade, de cooperação. Avançam na construção de um outro tipo de estado que garanta o nacional/popular, mas também o pluricultural. Não querem separação, mas direito de governar junto. Propõe um passo além, dialeticamente, ao projeto generoso de Bolívar. Uma pátria grande, na qual as etnias, as culturas, as comunidades, sejam ouvidas, respeitadas e participem da esfera do poder. Uma coisa nova, abyayálica, típica do nosso espaço geográfico, mesclado de tantas culturas.