NADA MAIS ATUAL - MARX, LENIN, GRAMSCI E A IMPRENSA BURGUESA
Altamiro Borges
Diante do poder alcançado pela mídia hegemônica e das ilusões ainda
existentes sobre seu papel, revisitar as idéias de intelectuais
marxistas sobre o tema é da maior importância e causam surpresa por sua
enorme atualidade. Marx, Lênin e Gramsci, entre outros pensadores
revolucionários, sempre destacaram o papel dos meios de comunicação.
Exatamente por entenderem a importância da luta de idéias, do fator
subjetivo na transformação da sociedade, fizeram questão de desmascarar o
que chamavam, sem meias palavras, de “imprensa burguesa” e de realçar a
necessidade da construção de veículos alternativos dos trabalhadores.
Estes
dois elementos, a denúncia do caráter de classe da imprensa capitalista
e a defesa dos instrumentos próprios dos explorados, são as marcas
principais destes intelectuais marxistas. Marx, Lênin e Gramsci
dedicaram enorme energia ao trabalho jornalístico, escrevendo centenas
de artigos e ajudando a construir vários jornais democráticos e
proletários. Foram jornalistas de mão-cheia, produzindo textos que
entraram para a história. Sempre estiveram sintonizados com o seu tempo,
pulsando a evolução da luta de classes; nunca se descuidaram da forma,
da linguagem, para melhor difundir os seus conteúdos revolucionários.
Defesa da liberdade de expressão
Vítimas
da violenta perseguição das classes dominantes, os revolucionários
nunca toleraram a censura dos opressores e foram os maiores defensores
da verdadeira liberdade de expressão. A própria ampliação da democracia
foi decorrência das lutas dos trabalhadores, já que nunca interessou à
reacionária burguesia. Mas os revolucionários nunca confundiram esta
exigência democrática com a proclamada “liberdade de imprensa”, tão
alardeada pela burguesia que controla os meios de produção e usa todos
os recursos, legais e ilegais, ardilosos e cruéis, para castrar a
própria democracia e o avanço das lutas emancipadoras.
Numa fase
ainda embrionária do movimento operário-socialista, Karl Marx logo se
envolveu na atividade jornalística. Após concluir seu doutorado em
filosofia, em 1841, ele pretendia seguir a carreira acadêmica e
ingressar na Universidade de Bonn, mas a brutal repressão do governo
prussiano inviabilizou tal projeto e o jovem filósofo alemão manteve seu
sustento através do jornalismo. Em 1842, ingressou na equipe do jornal
Gazeta Renana e virou o seu redator-chefe. Sob sua direção, este
periódico democrático triplicou o número de assinantes e ganhou
prestígio, mas durou poucos meses e foi fechado pela ditadura prussiana.
Sem ilusões na imprensa burguesa
Na
seqüência, entre 1848/49, passou a escrever no jornal Nova Gazeta
Renana, que se transformou numa trincheira de resistência ao regime
autoritário. Em menos de dois anos, Marx escreveu mais de 500 textos e
tornou-se um articulista de sucesso. O combate ao código de censura do
governo prussiano resultou na proibição do jornal. Marx ainda escreveu
para o Die Press e o New York Tribune sobre política, economia e
história. “Era um jornalismo que revelava a minuciosa leitura de Marx,
seu alto grau de informação não apenas sobre os fatos e conflitos, como
também sobre os atores individuais e a própria imprensa”, relata José
Onofre, na apresentação do livro recém-lançado “Karl Marx e a liberdade
de imprensa”.
Em sua defesa da liberdade de expressão, ele nunca
vacilou na denúncia da ditadura burguesa. Para ele, o jornal deveria ser
uma arma de combate à opressão e à exploração e não um veículo neutro.
“A função da imprensa é ser o cão-de-guarda, o denunciador incansável
dos opressores, o olho onipresente e a boca onipresente do espírito do
povo que guarda com ciúme sua liberdade”. Em outro texto, afirma: “O
dever da imprensa é tomar a palavra em favor dos oprimidos a sua volta. O
primeiro dever da imprensa é minar todas as bases do sistema político
existente”. Por estas idéias libertárias, ele foi processado e
perseguido.
Poder
do capital sobre a imprensa
Outro que nunca se
iludiu foi Vladimir Lênin. Atuando num período da ascensão
revolucionária, ele foi ainda mais duro no combate aos jornais
burgueses. Num texto intitulado “a liberdade de imprensa do
capitalismo”, ele desnuda esta falácia. “A ‘liberdade de imprensa’ é
também uma das principais palavras de ordem da ‘democracia pura’. Os
operários sabem e os socialistas de todos os países reconheceram-no
milhares de vezes que esta liberdade é um engano enquanto as melhores
impressoras e os estoques de papel forem açambarcados pelos
capitalistas, e enquanto subsistir o poder do capital sobre a imprensa”.
“Com
vista a conquistar a igualdade efetiva e a verdadeira democracia para
os trabalhadores, é preciso começar por privar o capital da
possibilidade de alugar escritores, de comprar editoriais e de subornar
jornais, mas para isso é necessário destruir o jugo do capital... Os
capitalistas chamam sempre ‘liberdade’ à liberdade para os ricos de
manterem seus lucros e liberdade para os operários de morrerem à fome.
Os capitalistas denominam de liberdade de imprensa a liberdade de
suborno da imprensa pelos ricos, a liberdade de usar a riqueza para
forjar e falsear a chamada opinião pública”. Nada mais atual!
Numa
outra fase histórica, em que o setor da comunicação ainda não era um
poderoso ramo da economia, Lênin chegou a se contrapor à participação
dos comunistas na imprensa burguesa. “Poder-se-á admitir que colaborem
nos jornais burgueses? Não. A semelhante colaboração se opõe tanto as
razões teóricas como a linha política e a prática da
social-democracia... Dir-nos-ão que não há regra sem exceção. O que é
indiscutível. Não se pode condenar o camarada que, vivendo no exílio,
escreve num jornal qualquer. É por vezes difícil criticar um
social-democrata que, para ganhar a vida, colabora numa seção secundária
de um jornal burguês”. Mas, para ele, tais casos deveriam ser encarados
como exceção e com princípios.
“Boicote, boicote, boicote”
Para
encerrar este bloco, que evidencia que os marxistas nunca nutriram
ilusões sobre o caráter de classe da imprensa burguesa e nem se
embasbacaram com o seu poder de sedução, vale reproduzir uma longa
citação de Antonio Gramsci, o revolucionário italiano de padeceu onze
anos nos cárceres. No texto “Os jornais e os operários”, escrito em
1916, ele faz uma conclamação aos trabalhadores que bem poderia servir
para uma campanha contra a revista Veja e outros veículos da mídia
brasileira na atualidade:
Para ele, a assinatura de jornal
burguês “é uma escolha cheia de insídias e de perigos que deveria ser
feita com consciência, com critério e depois de amadurecida reflexão.
Antes de mais, o operário deve negar decididamente qualquer
solidariedade com o jornal burguês. Deveria recordar-se sempre, sempre,
sempre, que o jornal burguês (qualquer que seja sua cor) é um
instrumento de luta movido por idéias e interesses que estão em
contraste com os seus. Tudo o que se publica é constantemente
influenciado por uma idéia: servir à classe dominante, o que se traduz
sem dúvida num fato: combater a classe trabalhadora. E, de fato, da
primeira à última linha, o jornal burguês sente e revela esta
preocupação”.
“Todos os dias, pois, sucede a este mesmo operário a
possibilidade de poder constatar pessoalmente que os jornais burgueses
apresentam os fatos, mesmo os mais simples, de modo a favorecer a classe
burguesa e a política burguesa em prejuízo da política e da classe
operária. Rebenta uma greve! Para o jornal burguês os operários nunca
têm razão. Há uma manifestação! Os manifestantes, apenas porque são
operários, são sempre tumultuosos e malfeitores. E não falemos daqueles
casos em que o jornal burguês ou cala, ou deturpa, ou falsifica para
enganar, iludir e manter na ignorância o público trabalhador. Apesar
disso, a aquiescência culposa do operário em relação ao jornal burguês é
sem limites”.
“É preciso reagir contra ela e despertar o
operário para a exata avaliação da realidade. É preciso dizer e repetir
que a moeda atirada distraidamente é um projétil oferecido ao jornal
burguês que o lançará depois, no momento oportuno, contra a massa
operária. Se os operários se persuadirem desta elementar verdade,
aprenderiam a boicotar a imprensa burguesa, em bloco e com a mesma
disciplina com que a burguesia boicota os jornais operários, isto é, a
imprensa socialista. Não contribuam com dinheiro para a imprensa
burguesa que vos é adversária: eis qual deve ser o nosso grito de guerra
neste momento, caracterizado pela campanha de assinatura de todos os
jornais burgueses: Boicotem, boicotem, boicotem!”.
Construtores da Imprensa
Revolucionária
Exatamente por não nutrirem
ilusões na imprensa burguesa, Marx, Lênin e Gramsci sempre investiram na
construção de instrumentos próprios das forças contrárias à lógica do
capital. Segundo o biógrafo David Riazanov, “a Nova Gazeta Renana
tratava de todas as questões importantes, de sorte que o jornal pode ser
considerado um modelo de periódico revolucionário. Nenhum outro
periódico russo nem europeu chegou à altura da Nova Gazeta... Seus
artigos não perderam nada de sua atualidade, de seu ardor
revolucionário, de sua agudeza na análise dos acontecimentos. Ao lê-los,
sobretudo os de Marx, acreditamos assistir à história da revolução
alemã e da revolução francesa, tão vivo é o estilo, como profundo é o
sentido”.
Já Lênin, que viveu numa fase de efervescência
revolucionária, dedicou boa parte das suas energias para construção de
jornais socialistas – dos mais diferentes tipos, sempre sintonizados com
a evolução da luta de classes. Iskra, Vperiod, Pravda, Proletari,
Rabotchaia Pravda, Nievskaia Svesdá, entre outros jornais organizados e
dirigidos por ele, servirão para agregar as forças de esquerda, fazer
agitação nas fábricas, aprofundar os debates ideológicos e construir o
partido. Na sua mais célebre definição, Lênin sintetizou:
“O
jornal não é apenas um propagandista coletivo e um agitador coletivo.
Ele é, também, um organizador coletivo. Neste último sentido, ele pode
ser comparado com os andaimes que são levantados ao redor de um edifício
em construção, que assinala os contornos, facilitam as relações entre
os diferentes pedreiros, ajudam-lhes a distribuírem tarefas e a observar
os resultados gerais alcançados pelo trabalho organizado”. A
reacionária burguesia russa logo entendeu o perigo representado por
estes jornais, tanto que os reprimiu ferozmente. No caso do Pravda, de
um total de 270 edições, 110 foram objeto de ações judiciais e os seus
redatores foram condenados a um total de 472 anos de prisão. Mas isto
não abrandou o seu vigor!
Atualidade
das noções marxistas
No caso de Gramsci, o longo
período de cárcere dificultou a sua atividade jornalística e castrou
seu desejo de organizar a imprensa operária. Antes da prisão, ele editou
vários jornais de fábrica e empenhou-se na difusão do Ordine Nuovo. Na
sua rica elaboração sobre o papel dos intelectuais e a luta pela
hegemonia, ele chega a afirmar que, em momentos de crise, o jornal pode
funcionar como partido político, ajudando a desnudar a ideologia
dominante e a construir a ação contra-hegemônica do proletariado. Para
ele, o momento da desconstrução do velho é, ao mesmo tempo, o da
construção do novo.
As contribuições de Gramsci servem para
desmistificar o papel da mídia hoje, mantendo impressionante atualidade.
Para ele, a imprensa burguesa é um “aparelho privado de hegemonia”,
capaz de disputar os rumos da sociedade por meio de uma verdadeira
guerra de posições em todas as “trincheiras ideológicas”. Através da
imprensa privada e mercantil, que objetiva o lucro e que faz da notícia
uma mera mercadoria, a burguesia tenta se aparentar como representante
da esfera pública. Além disso, em momentos de crise da ideologia
dominante e de fratura dos partidos burgueses, a imprensa se apresenta
como “o partido do capital”, que organiza e amalgama os interesses das
várias frações de classe da burguesia.
Nota:
Exposição
apresentada durante o 12º Curso Anual do Núcleo Piratininga de
Comunicação (CNC), em 02 de dezembro, no Rio de Janeiro.
Por
Altamiro Borges, jornalista, Secretário de Comunicação do Comitê Central
do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro "As
encruzilhadas do sindicalismo" (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição)