Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
sexta-feira, 26 de março de 2010
O fim do papado se aproxima?
Peter Wensierski - Der Spiegel
Continuam a surgir alegações de que o papa Bento 16 pode ter tido conhecimento detalhado de episódios de abuso sexual na Igreja Católica. Em 1996, a Congregação para a Doutrina da Fé, que ele liderava na época, decidiu não punir o padre pedófilo Lawrence Murphy. Com sua autoridade desgastada, por que ele permanece no cargo?
Quando é hora de um papa renunciar? Margaret Kässmann, ex-líder da Igreja Protestante na Alemanha, renunciou em fevereiro, depois de decidir que não possuía mais a autoridade moral necessária para seu cargo depois de ter sido pega dirigindo embriagada. Mas quanta autoridade o papa Bento 16 ainda tem?
Ultimamente, o que restou dela tem desaparecido quase que diariamente. Cada novo detalhe sobre o papel que ele teve na forma como sua igreja lidou com os episódios de abuso sexual a desgasta ainda mais. Mas um papa não renuncia, simplesmente. Ele não é presidente de uma empresa, ou o líder de um partido político – ele é o descendente espiritual direto do apóstolo Pedro.
Teoricamente é possível, segundo a lei canônica. O Cânone 332, parágrafo 2, prevê uma renúncia papal, permitindo ao papa que renuncie quando desejar, sem pedir permissão de ninguém. Mas na longa história da Igreja Católica, é extremamente raro. O papa Celestino 5º foi o último líder da igreja a renunciar – 700 anos atrás.
E ainda que várias vítimas de abuso venham pedindo há tempos pela renúncia de Bento, simplesmente não é papal abrir mão do papado. Em vez disso, o Vaticano prefere rejeitar qualquer acusação que tenha sido feita, determinando-as como infundadas.
Na quinta-feira, era possível observar o reflexo novamente. No caso do padre pedófilo dos Estados Unidos, Lawrence Murphy, o porta-voz do Vaticano Federico Lombardi insistiu que, antes de se tornar papa, Bento, na época conhecido como Joseph Ratzinger, de forma alguma esteve envolvido em um acobertamento. Considerando que o “Padre Murphy era idoso e tinha saúde debilitada”, a Congregação para a Doutrina da Fé, então liderada por Ratzinger, decidiu em 1996 não puni-lo. Murphy, que abusou de cerca de 100 crianças, pôde continuar como padre até sua morte.
“Os culpados em primeiro lugar”
Parece improvável que essa explicação vá reduzir a pressão sobre o papa. O lema da Igreja sempre pareceu ser “os culpados em primeiro lugar”. Eles foram bem cuidados – as vítimas, entretanto, foram deixadas à própria sorte.
Desde 1982 Ratzinger foi responsável por aquela parte do Vaticano que lida com casos de abuso sexual. Quem, se não ele, foi responsável pelo caminho da Igreja?
Você pode trocar o nome de Ratzinger por “Bento”, escreveu o “Der Spiegel” diante da euforia que houve aqui pela eleição de um papa alemão em 2004, mas você não pode tirar o Ratzinger do papa. Desde então, como um papa, ele causou mais danos do que benefícios à sua igreja. Ele tensionou as relações com os judeus diversas vezes, brincou com fogo nas relações entre cristãos e muçulmanos com seu discurso de Ratisbona, enfureceu o povo indígena durante sua viagem à América Latina, irritou os protestantes e se mostrou conciliatório com os negacionistas do Holocausto.
Até católicos fiéis se surpreenderam com as atitudes que ele tem tomado. E agora, alem disso tudo, descobre-se que a área onde ele tem sido consistente nas últimas décadas é na sua negligência em lidar com pedófilos dentro de sua própria instituição.
Na Irlanda ou nos Estados Unidos, os bispos têm encontrado dificuldades para renunciar, mesmo em casos em que seu acobertamento tenha sido desmascarado. E na Alemanha, nenhum bispo caiu pelos graves erros cometidos pela Igreja Católica ali.
Gestão de crises de pequena empresa
A reação até o momento não foi maior do que uma gestão de crises que poderia se ver em uma empresa de médio porte: emitir um pedido de desculpas, criação de uma mesa-redonda para lidar com o problema, estabelecer uma linha direta… não muito mais do que isso. Então como os culpados por trás dos culpados devem ser encontrados? Como devemos erradicar o sistema de encobrimento, silêncio e transferência de pedófilos para outra diocese na Igreja? E quem obrigará a Igreja a abrir seus arquivos para o público?
A experiência das vítimas nos Estados Unidos e na Irlanda nos últimos anos foi ruim. Será que essa experiência se repetirá na Alemanha? O que aconteceu por trás da fachada da Igreja ainda está longe de ser um livro aberto. Só o fato de que vários bispos aqui na Alemanha ajudaram a garantir a continuidade do cartel do silêncio já é razão suficiente para que eles renunciem. A alternativa seria eles virem a público sobre o que sabem e o que fizeram, por mais doloroso e difícil que isso possa ser.
O mal foi perpetrado dentro de uma das mais altas autoridades morais, cujos homens pregaram a partir de seus púlpitos, nos mínimos detalhes, sobre o que é certo e o que é errado.
Mas fica a questão: para que autoridade moral padres e bispos na Alemanha podem se voltar, para continuar a executar suas funções e fornecer às pessoas respostas para as difíceis questões da vida?
Tradução: Lana Lim
Continuam a surgir alegações de que o papa Bento 16 pode ter tido conhecimento detalhado de episódios de abuso sexual na Igreja Católica. Em 1996, a Congregação para a Doutrina da Fé, que ele liderava na época, decidiu não punir o padre pedófilo Lawrence Murphy. Com sua autoridade desgastada, por que ele permanece no cargo?
Quando é hora de um papa renunciar? Margaret Kässmann, ex-líder da Igreja Protestante na Alemanha, renunciou em fevereiro, depois de decidir que não possuía mais a autoridade moral necessária para seu cargo depois de ter sido pega dirigindo embriagada. Mas quanta autoridade o papa Bento 16 ainda tem?
Ultimamente, o que restou dela tem desaparecido quase que diariamente. Cada novo detalhe sobre o papel que ele teve na forma como sua igreja lidou com os episódios de abuso sexual a desgasta ainda mais. Mas um papa não renuncia, simplesmente. Ele não é presidente de uma empresa, ou o líder de um partido político – ele é o descendente espiritual direto do apóstolo Pedro.
Teoricamente é possível, segundo a lei canônica. O Cânone 332, parágrafo 2, prevê uma renúncia papal, permitindo ao papa que renuncie quando desejar, sem pedir permissão de ninguém. Mas na longa história da Igreja Católica, é extremamente raro. O papa Celestino 5º foi o último líder da igreja a renunciar – 700 anos atrás.
E ainda que várias vítimas de abuso venham pedindo há tempos pela renúncia de Bento, simplesmente não é papal abrir mão do papado. Em vez disso, o Vaticano prefere rejeitar qualquer acusação que tenha sido feita, determinando-as como infundadas.
Na quinta-feira, era possível observar o reflexo novamente. No caso do padre pedófilo dos Estados Unidos, Lawrence Murphy, o porta-voz do Vaticano Federico Lombardi insistiu que, antes de se tornar papa, Bento, na época conhecido como Joseph Ratzinger, de forma alguma esteve envolvido em um acobertamento. Considerando que o “Padre Murphy era idoso e tinha saúde debilitada”, a Congregação para a Doutrina da Fé, então liderada por Ratzinger, decidiu em 1996 não puni-lo. Murphy, que abusou de cerca de 100 crianças, pôde continuar como padre até sua morte.
“Os culpados em primeiro lugar”
Parece improvável que essa explicação vá reduzir a pressão sobre o papa. O lema da Igreja sempre pareceu ser “os culpados em primeiro lugar”. Eles foram bem cuidados – as vítimas, entretanto, foram deixadas à própria sorte.
Desde 1982 Ratzinger foi responsável por aquela parte do Vaticano que lida com casos de abuso sexual. Quem, se não ele, foi responsável pelo caminho da Igreja?
Você pode trocar o nome de Ratzinger por “Bento”, escreveu o “Der Spiegel” diante da euforia que houve aqui pela eleição de um papa alemão em 2004, mas você não pode tirar o Ratzinger do papa. Desde então, como um papa, ele causou mais danos do que benefícios à sua igreja. Ele tensionou as relações com os judeus diversas vezes, brincou com fogo nas relações entre cristãos e muçulmanos com seu discurso de Ratisbona, enfureceu o povo indígena durante sua viagem à América Latina, irritou os protestantes e se mostrou conciliatório com os negacionistas do Holocausto.
Até católicos fiéis se surpreenderam com as atitudes que ele tem tomado. E agora, alem disso tudo, descobre-se que a área onde ele tem sido consistente nas últimas décadas é na sua negligência em lidar com pedófilos dentro de sua própria instituição.
Na Irlanda ou nos Estados Unidos, os bispos têm encontrado dificuldades para renunciar, mesmo em casos em que seu acobertamento tenha sido desmascarado. E na Alemanha, nenhum bispo caiu pelos graves erros cometidos pela Igreja Católica ali.
Gestão de crises de pequena empresa
A reação até o momento não foi maior do que uma gestão de crises que poderia se ver em uma empresa de médio porte: emitir um pedido de desculpas, criação de uma mesa-redonda para lidar com o problema, estabelecer uma linha direta… não muito mais do que isso. Então como os culpados por trás dos culpados devem ser encontrados? Como devemos erradicar o sistema de encobrimento, silêncio e transferência de pedófilos para outra diocese na Igreja? E quem obrigará a Igreja a abrir seus arquivos para o público?
A experiência das vítimas nos Estados Unidos e na Irlanda nos últimos anos foi ruim. Será que essa experiência se repetirá na Alemanha? O que aconteceu por trás da fachada da Igreja ainda está longe de ser um livro aberto. Só o fato de que vários bispos aqui na Alemanha ajudaram a garantir a continuidade do cartel do silêncio já é razão suficiente para que eles renunciem. A alternativa seria eles virem a público sobre o que sabem e o que fizeram, por mais doloroso e difícil que isso possa ser.
O mal foi perpetrado dentro de uma das mais altas autoridades morais, cujos homens pregaram a partir de seus púlpitos, nos mínimos detalhes, sobre o que é certo e o que é errado.
Mas fica a questão: para que autoridade moral padres e bispos na Alemanha podem se voltar, para continuar a executar suas funções e fornecer às pessoas respostas para as difíceis questões da vida?
Tradução: Lana Lim
A França rejeita Sarkozy...
França: A explosão do antisarkosismo
PARIS, França – Um enigma paira sobre o primeiro turno das eleições
regionais de domingo [14 de março]. Se as previsões das pesquisas de
opinião se confirmarem, a França amanhecerá na segunda-feira coberta
pelo véu rosa dos socialistas, e pelo verde, dos ecologistas, e o que
será dessa vasta e mal-humorada corrente que é o Antisarkosismo? A
parcela da população que reprova a ação e o estilo do presidente francês
e sua equipe é grande, mas carece de líderes que agrupem os
descontentes.
O chefe de Estado cristaliza em torno de si um poderoso sentimento de
insatisfação que se manifesta nos baixos níveis de popularidade com que
ele governa. Nicolas Sarkozy tem apenas 37 por cento de opiniões
favoráveis e as pesquisas prevêem para este domingo [12 de março] uma
derrota significativa do partido que ele mesmo promoveu, a UMP [União
por um Movimento Popular, sigla em francês]. Operários, Universitários,
professores, estudantes, advogados, médicos, executivos, trabalhadores,
funcionários e desempregados formam o corpo desse movimento sem
liderança, mas que se expressa com solidez nas redes sociais e cujos
argumentos podem ser ouvidos nas filas de supermercado ou nos balcões de
bares.
Por paradoxal que pareça, o antisarkosismo não tem realmente quem o
represente de forma coesa. Seus exércitos estão espalhados por todo o
espectro político francês e em diversos movimentos que vão desde os
grupos que defendem os imigrantes, passando pelos psicólogos e os
médicos, os ecologistas, os militantes antiglobalização, os contrários a
organismos geneticamente modificados, os desgostos com as multas de
trânsito, os ativistas que denunciam a “geração precária”, os membros da
“Quinta-feira Negra”- que clama por uma política alternativa para a
habitação, até mesmo a última versão do Antisarkosismo, inspirada no
caso italiano, o “No Sarkozy Day” [Dia do Não ao Sarkozy]. Esses
movimentos de contestação política surgem em grade parte pela Internet.
Os meios de comunicação franceses, sobretudo a imprensa, mantêm uma
distância ainda mais abismal do que os políticos com relação aos
problemas da sociedade.
Por outro lado, não existe hoje uma linha editorial de oposição. Há
certas temáticas em que há oposição na imprensa, mas essas carecem de
continuidade e, por conseguinte, de consistência. O jornal semanal
Marianne, leva a cabo uma campanha sistemática contra Sarkozy, mas não
representa toda a complexidade do antisarkosismo. O que faz o resto da
imprensa parece uma brincadeira inconseqüente que deve fazer rir o
presidente francês. Diante dessa ausência de base e de análise, o
antisarkosismo se estendeu por um espectro hiperfragmentado, mas não por
isso menos real.
O rancor social é profundo. Nicolas Sarkozy herdou também as
desavenças das administrações passadas e coloca-se com certa
responsabilidade global, como se essa sociedade desencontrada e que vem
perdendo suas conquistas e benefícios tivesse inventado tal
responsabilidade sozinha.
Há quem deseje fervorosamente que a seleção francesa de futebol faça
um papel vergonhoso no Mundial africano, porque associam a política de
Nicolas Sarkozy ao treinador da seleção, o impopular Raymond Domenech.
Os bares são palco para um teatro de protestos múltiplos e revelam a
polifonia do desencanto, assim como a solidão eleitoral da sociedade. Em
meio a piadas e críticas, o povo admite que nenhuma figura de oposição
política reflete um projeto alternativo ou inspira suficiente seriedade
para voltarem suas expectativas para ele.
O antisarkosismo aparece hoje como o modelo de uma sociedade
policiada e controlada, desumanizada e centralizada em diversos
arquivos, em que o dinheiro é rei, quem tem amigos influentes é
privilegiado, a indiferença e a vontade de controlar a tudo são
princípios orientadores e que a cobertura política pelos meios de
comunicação já é um recurso desgastado. Até agora, o grande desejo de se
fazer uma convergência entre as diversas demandas setoriais não se fez
realidade. As eleições deste mês talvez marquem uma mudança na maneira
com a qual a oposição assume seu papel, na forma como governa o
Executivo e no perfil que adquire o antisarkosismo. A dimensão do
movimento é mais uma sensação do que o reflexo de idéias políticas
organizadas, especialmente porque os antisarkozy desconfiam dos partidos
políticos como o diabo foge da cruz.
Os antisarkosistas sonham em sair das redes da Internet e levar às
ruas os descontentos com o presidente. Uma viagem do virtual ao real.
Seguindo o exemplo italiano, os criadores do “No Sarkozy Day” convocaram
uma manifestação para o próximo 27 de março para dizer não à política
do presidente. A iniciativa teve origem pelo Facebook sob o
lema de “Um milhão de pessoas contra Nicolas Sarkozy” e agregou muitas
vozes transversais que não se sentem representadas pelo sistema de
partidos políticos e os meios de comunicação, mas simpatizam com o
antisarkosismo.
Segundo Sebastian Ball, um dos fundadores do grupo, o movimento “Um
milhão de pessoas contra Nicolas Sarkozy” conta hoje com 380 mil
membros. Ball afirma que o “No Sarkozy Day” de 27 de março é apenas uma
etapa, que não se trata apenas “de um encontro único entre todos os
descontentes e irritados com Sarkozy”. O que buscam é unir-se e
consolidar-se para mudar o estado das coisas.
Traduzido por: Cristieni Castilhos
Para acessar o texto original, clique aqui.
Imagem retirada daqui
Para reflexão.....
Três homens de esquerda
Por Fernando
Evangelista - Caros Amigos
O governo
Lula trouxe à baila uma discussão que alguns intelectuais, daqui e de
fora, haviam decretado como ultrapassado: o que é ser de esquerda hoje? O
presidente, mesmo sem querer, ressuscitou o debate ainda no início do
seu segundo mandato, deixando muita gente confusa.
O problema é que a dúvida durou pouco e ficou mais ou menos assim: exceto alguns inexpressivos grupos partidários, é de esquerda quem apóia o governo Lula, é de direita quem o critica. O curioso é que o próprio presidente disse, em mais de uma ocasião, que não é e nunca foi de esquerda. Porém, algumas coisas devem ser ignoradas porque senão tudo perde o sentido.
Vive-se um Fla-Flu político pouco polido e muito raivoso, e quanto mais próximas as eleições, maiores os decibéis da gritaria entre simpatizantes e críticos do governo. Por isso, de maneira simples e objetiva, destaco algumas posturas que, na minha visão, seriam os pressupostos formadores do homem ou da mulher de esquerda.
Escolhas
Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Vida Real
Eu conheço três homens de esquerda. Nenhum deles participa de partidos políticos ou utiliza palanques para proclamar suas próprias virtudes. Não são super-heróis ou pessoas infalíveis, são pessoas de carne e osso, com qualidades e contradições. São homens de esquerda, sem nunca, talvez, terem pensado nisso. Os três são de Santa Catarina.
O primeiro e mais novo é Vilson Groh, 55 anos, padre que vive e trabalha há 30 anos no Mont Serrat, comunidade da periferia de Florianópolis. Entre dezenas trabalhos que coordena, está o Aroeira, onde cinco mil jovens, todos pobres, quase todos negros, recebem formação profissional, com bolsas, para entrar no mercado de trabalho. Foi através de outro projeto, o Pré-Vestibular da Cidadania, que 400 jovens daquela comunidade se formaram nas universidades públicas de Santa Catarina e outros tantos seguem o mesmo caminho.
O segundo chama-se Aldo Brito, 77 anos, farmacêutico, que dedica a sua vida à luta pela inclusão dos portadores de necessidades especiais. Quando foi presidente da APAE, idealizou a Feira da Esperança, maior evento filantrópico de Santa Catarina. Há 11 anos, criou a COEPAD (www.coepad.hpg.ig.com.br), a primeira cooperativa no Brasil tocada por portadores de deficiência intelectual.
O terceiro é Francisco Xavier Medeiros Vieira, 78 anos, que escolheu a magistratura porque entendia ser o caminho mais eficaz para lutar por justiça. Entre seus projetos, está a construção de 50 casas da cidadania, para agilizar e humanizar o Poder Judiciário. Foi ele quem implementou e coordenou a primeira eleição computadorizada na América Latina e foi ele, quando presidente do Tribunal de Justiça, quem nomeou o primeiro juiz agrário do Brasil, para evitar conflitos no campo. O homem de esquerda sabe que não é justo, por isso inaceitável, que menos de 1% dos proprietários rurais detenham 46% de todas as terras agricultáveis do país.
Os três são movidos pela integridade de caráter, pela generosidade de espírito e por uma bondade risonha. E é com pessoas assim, como escreveu o poeta e revolucionário cubano José Martí, “que vão milhares de homens, vai um povo inteiro, vai a dignidade humana”. Então, para quem diz que a esquerda na essência não existe ou perde tempo com argumentos teóricos vazios de sentido, para quem ainda não entendeu o embuste da briga entre tucanos e petistas, aí está o exemplo destes três homens. Três homens de esquerda.
Fernando Evangelista é jornalista
O problema é que a dúvida durou pouco e ficou mais ou menos assim: exceto alguns inexpressivos grupos partidários, é de esquerda quem apóia o governo Lula, é de direita quem o critica. O curioso é que o próprio presidente disse, em mais de uma ocasião, que não é e nunca foi de esquerda. Porém, algumas coisas devem ser ignoradas porque senão tudo perde o sentido.
Vive-se um Fla-Flu político pouco polido e muito raivoso, e quanto mais próximas as eleições, maiores os decibéis da gritaria entre simpatizantes e críticos do governo. Por isso, de maneira simples e objetiva, destaco algumas posturas que, na minha visão, seriam os pressupostos formadores do homem ou da mulher de esquerda.
Escolhas
Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Vida Real
Eu conheço três homens de esquerda. Nenhum deles participa de partidos políticos ou utiliza palanques para proclamar suas próprias virtudes. Não são super-heróis ou pessoas infalíveis, são pessoas de carne e osso, com qualidades e contradições. São homens de esquerda, sem nunca, talvez, terem pensado nisso. Os três são de Santa Catarina.
O primeiro e mais novo é Vilson Groh, 55 anos, padre que vive e trabalha há 30 anos no Mont Serrat, comunidade da periferia de Florianópolis. Entre dezenas trabalhos que coordena, está o Aroeira, onde cinco mil jovens, todos pobres, quase todos negros, recebem formação profissional, com bolsas, para entrar no mercado de trabalho. Foi através de outro projeto, o Pré-Vestibular da Cidadania, que 400 jovens daquela comunidade se formaram nas universidades públicas de Santa Catarina e outros tantos seguem o mesmo caminho.
O segundo chama-se Aldo Brito, 77 anos, farmacêutico, que dedica a sua vida à luta pela inclusão dos portadores de necessidades especiais. Quando foi presidente da APAE, idealizou a Feira da Esperança, maior evento filantrópico de Santa Catarina. Há 11 anos, criou a COEPAD (www.coepad.hpg.ig.com.br), a primeira cooperativa no Brasil tocada por portadores de deficiência intelectual.
O terceiro é Francisco Xavier Medeiros Vieira, 78 anos, que escolheu a magistratura porque entendia ser o caminho mais eficaz para lutar por justiça. Entre seus projetos, está a construção de 50 casas da cidadania, para agilizar e humanizar o Poder Judiciário. Foi ele quem implementou e coordenou a primeira eleição computadorizada na América Latina e foi ele, quando presidente do Tribunal de Justiça, quem nomeou o primeiro juiz agrário do Brasil, para evitar conflitos no campo. O homem de esquerda sabe que não é justo, por isso inaceitável, que menos de 1% dos proprietários rurais detenham 46% de todas as terras agricultáveis do país.
Os três são movidos pela integridade de caráter, pela generosidade de espírito e por uma bondade risonha. E é com pessoas assim, como escreveu o poeta e revolucionário cubano José Martí, “que vão milhares de homens, vai um povo inteiro, vai a dignidade humana”. Então, para quem diz que a esquerda na essência não existe ou perde tempo com argumentos teóricos vazios de sentido, para quem ainda não entendeu o embuste da briga entre tucanos e petistas, aí está o exemplo destes três homens. Três homens de esquerda.
Fernando Evangelista é jornalista
quinta-feira, 25 de março de 2010
Tarik Ali sobre o Iêmen
Infeliz Iêmen
Há excelente mapa aqui.por Tariq Ali, em London Review Books
Parti para o Iêmen, já que Obama anda insistindo que “grandes fatias”
do país ainda não estariam “sob completo controle do governo”, depois
de o senador Joseph Lieberman ter alegremente anunciado que o Iêmen
seria alvo adequado para mais guerra e mais ocupação.
O infeliz portador daquela cueca-bomba que tentou explodir o avião de
Amsterdam no dia de Natal deflagrou nova onda de interesse pelo país e
pela “al-Qaida in the Arabian Peninsula (AQAP)” – porque se disse que,
embora o homem tenha sido convertido ao Islã linha-dura na Inglaterra,
seu abraço felizmente fracassado com o terrorismo teria sido viabilizado
pela AQAP em algum ponto do Iêmen.
O Iêmen é país sóbrio, diferente dos postos imperiais de gasolina
espalhados por outras partes da península arábica, onde as elites
dominantes vivem em arranha-céus construídos em prazos sempre recordes,
projetados por arquitetos-celebridades, cercados por shopping-centers em
que se vendem produtos com todas as griffes ocidentais, atendidos por
escravos que chegam em ondas do Sul da Ásia e das Filipinas. Sana’a,
capital do Iêmen, foi fundada em tempos em que o Velho Testamento ainda
estava em produção, sendo escrito, editado e costurado. É verdade que o
novo hotel Mövenpick, no coração do enclave diplomático que há na
cidade, faz lembrar o pior de Dubai (estive lá quando todos eram
obrigados a engolir um menu “Valentine’s Day Dinner Menu”), mas a elite
iemenita é cuidadosa e não ostenta riqueza.
A velha cidade murada foi resgatada da extinção-por-modernização,
pela Unesco (depois, também pelo Aga Khan Trust) nos anos 80s, e a
antiga muralha foi reconstruída. A Grande Mesquita do século 9º está
atualmente sendo restaurada por equipe de especialistas italianos
associados a arqueólogos locais e têm encontrado objetos e imagens do
passado pré-islâmico daquela região. Se vão ou não localizar uma pequena
estrutura que se diz que teria sido construída ainda em vida do profeta
Maomé, não se sabe.
A estrutura de Sana’a é deslumbrante, diferente de tudo o que se vê
no mundo. As construções – arranha-céus de oito ou nove andares – foram
erguidas no século 9º e restauradas 600 anos depois, conservando-se o
estilo original: tijolos de argila decorados com padrões geométricos em
gesso e pedra esculpida (não havia madeira em quantidade suficiente para
construir). Faltam só os jardins suspensos em cada piso, que cativaram a
imaginação dos viajantes medievais.[1]
Resultado líquido das preocupações ocidentais com a Al-Qaeda AQAP é
que, esse ano, os EUA darão 63 milhões de dólares em ajuda ao Iêmen. Um
quinto disso já está reservado para comprar armas, e o restante,
praticamente todo, irá para o presidente e sua trupe, sem esquecer o que
irá para os bolsos dos altos comandantes militares. O que sobrar será
disputados pelos chefetes das várias regiões do país. (No total, não
está incluído o que o Pentágono enviará para combater o terrorismo, e
que ano passado chegou a 67 milhões.) Um empresário iemenita contou-me
que ficara boquiaberto, há alguns anos, quando o primeiro-ministro,
aparentemente homem moderado e respeitável, exigiu comissão de 30% em
negócio que estavam planejando. Percebendo que o empresário ficara
chocado, o primeiro-ministro tratou de tranquilizá-lo: 20% iriam
diretamente para o presidente.
Não sei se a AQAP é ameaça séria, ou o quanto é séria, de fato.
Quantos membros da organização estariam no país, quantos seriam meros
visitantes vindos do outro lado da fronteira com a Arábia Saudita?
Abdul Karim al-Eryani, 75 anos, ex-primeiro-ministro e ainda
conselheiro do presidente recebeu-me na grande biblioteca no subsolo de
sua casa. É homem de fala interessante e falou longamente sobre a
história do Iêmen, destacando as continuidades desde o período
pré-islâmico até as culturas islâmicas na região. Lastimou que o dialeto
árabe falado pelos beduínos de Nejd (que hoje é parte da Arábia
Saudita) tenha sido a principal fonte para o moderno dicionário árabe,
esquecendo-se assim a real fonte da língua, o dialeto dos Sabeans
[talvez “sabinos”? Só o Arnaldo Carrilho saberá dizer!] que viveram onde
hoje é o Iêmen, de cujo idioma os autores do dicionário excluíram 5.000
palavras.
Mais adiante, contou-me que, graças ao nigeriano da cueca-bomba,
tinha sido visitado por Thomas Friedman, colunista do New York Times.
Friedman fez as perguntas que quis, voltou aos EUA e contou aos leitores
que “a cidade não é Cabul… ainda”; que a AQAP é um ‘vírus’ que merece
urgente atenção antes que a doença se espalhe e torne-se incontrolável.
Não cogitou, sequer, da causa da infecção.
Mas quando pedi que Eryani estimasse o tamanho da AQAP, ele riu.
“Trezentos? Quatrocentos” – insisti. “No máximo”, disse ele. “No máximo,
mesmo. Os americanos exageram enormemente. Temos nossos problemas reais
e muito mais importantes.”
O mesmo ponto de vista foi reiterado por Saleh Ali Ba-Surah, ministro
da Educação Superior, formado na Alemanha Oriental, como muitos
nascidos na república que, até 1990, foi a República Popular Democrática
do Iêmen, a porção sul do atual Estado.
As duas partes do que hoje constitui a República do Iêmen –
controlada há 20 anos por Ali Abdullah Saleh, o qual, como Mubarak e
Gaddafi, está criando o filho para sucedê-lo – representaram duas muito
diferentes sociologias ao longo de grande parte do século passado. O
norte, das terras altas – onde está a capital Sana’a –, foi dominado por
tribos armadas; e no interior da região de Aden, dominavam os
operários, intelectuais, sindicalistas, nacionalistas e, depois, os
comunistas.
O país foi unificado séculos antes, sob a liderança dos imãs xiitas
Zaidi, cujos poderes temporais dependiam da lealdade tribal e da
aquiescência dos camponeses. O sul do Iêmen separou-se em 1728; o
império britânico em expansão ocupou Aden e a área litorânea em 1839 (no
mesmo ano em que começou a ocupar Hong Kong).
O já enfraquecido império otomano ainda abocanhou, pouco depois, uma
fatia do norte do Iêmen, mas teve de cedê-la depois da I Guerra Mundial.
Sob o império-do-bem dos britânicos, os imãs da família Hamid-ed-Din
reassumiram o controle do norte. Em 1948, o governante, Yahya Muhammad,
foi assassinado por um de seus guarda-costas, e o filho de Yahya, Ahmad,
isolacionista obcecado, assumiu o poder.
Para Ahmad, a escolha foi fácil: seu país poderia ser dependente e
rico, ou pobre e livre. Aos poucos, o descontentamento popular cresceu, à
medida que Ahmad ia-se tornando cada vez mais excêntrico, mergulhado em
morfina a maior parte do dia, ele e os amigos, num quarto iluminado com
lâmpadas de neon, brincando com os brinquedos que colecionava desde
criança. Não havia no país sequer uma escola moderna, uma estrada de
ferro ou fábrica moderna, praticamente nenhum professor e nenhum médico.
Todos apostavam na volta de um irmão exilado do imã, que viria para
expulsar Ahmad; ou, antes disso, em que os apoiadores de Nasser no
exército do Iêmen perdessem a paciência. Ahmad combatera o nacionalismo
árabe de Nasser em 1960, instigado pelos sauditas, fez divulgar pela
rádio estatal uma denúncia contra Nassar, e havia quem esperasse por
resposta do Cairo. A Rádio Cairo, sim, declarou guerra ao Iêmen. Mas
antes que chegassem às vias de fato, Ahmad morreu.
Em menos de uma semana, o chefe da guarda pessoal de Ahmad,
al-Sallal, reuniu oficiais nacionalistas e tomou o poder. O imanato
chegara ao fim. Em Aden, milhares de pessoas manifestaram-se nas ruas a
favor do novo regime. Nas mesmas manifestações deixaram bem claro também
que resistiriam contra a ocupação colonial do sul do país pelos
britânicos.
Com medo tanto dos radicais nacionalistas quanto de seus muito
prováveis apoiadores comunistas, Washington e Londres decidiram que o
melhor a fazer seria devolver o poder aos imãs. Os britânicos, doidos
para dar uma lição a Nasser e vingar a humilhação de Suez, foram com
muito mais sede que os EUA ao pote das armas. A principal preocupação
dos norte-americanos era que a infecção iemenita se espalhasse pela
península e que, se a intervenção saudita fracassasse, as correntes
nacionalistas engolfassem também a Arábia Saudita – o que poria em risco
a monarquia. Os sauditas passaram a alimentar os apoiadores dos imãs e
as tribos mais conservadoras do norte – com uma mistura barata de
islamismo primitivo e muito dinheiro.
Os líderes políticos e militares do novo Estado do norte eram fracos e
atrapalhados. Os intelectuais nasseristas no governo aproveitaram-se da
indecisão deles e, finalmente, conseguiram convencer o exército a
recorrer diretamente a Nasser. Os egípcios, então, com apoio de
soviéticos e chineses, mandaram para o Iêmen uma força expedicionária de
20 mil soldados.
Gerou-se assim uma prolongada guerra civil, disputada por simulacros
dos personagens oficiais da Guerra Fria – sauditas versus egípcios, para
ser bem claro –, que custou a vida de 200 mil iemenitas e deixou em
ruínas todo o norte do país.
Os egípcios eram homens do vale do Nilo e o terreno montanhoso lhes
era completamente desconhecido. Mas, certos de que seriam invencíveis,
não ouviram advertências nem conselhos e trataram os aliados locais,
simultaneamente, como inferiores e irrelevantes. A guerra civil
enfrentava impasse completo, e crescia a oposição aos métodos dos
egípcios, que incluíam o uso de armas químicas. Foi quando aconteceu o
brutal massacre dos operários e sindicalistas que faziam oposição aos
egípcios em Sana’a e Taiz.
Em 1970, a guerra acabou sem vencedores e um acordo insatisfatório
para todos. Os egípcios trabalharam na direção de subornar as tribos
para comprar o poder; como resultado, compraram o poder – que foi
entregue associado a entidades divinas e muitos pregadores e clérigos. A
guerra custara ao Egito um milhão de dólares por dia e a vida de 15 mil
soldados, além de quase 50 mil feridos. A subsequente desmoralização do
exército pode ter contribuído para a derrota que sofreu na Guerra dos
Seis Dias. Seja como for, a ‘guerra relâmpago’ de Israel, em junho de
1967, foi o túmulo do nacionalismo árabe.
A guerra civil forçou muitos comunistas e nacionalistas de esquerda
do Iêmen do Norte a fugir para Aden. Ali, soldados britânicos, veteranos
franceses da Argélia e mercenários belgas foram recrutados para a
empresa do coronel David Stirling, Watchguard International Ltd., para
operar por trás das linhas inimigas. Também no sul os nacionalistas
estavam divididos: o Egito apoiava a Frente para a Libertação do Iêmen
do Sul [ing. Front for the Liberation of South Yemen (FLOSY)] e grupos
mais radicais reunidos sob a bandeira da Frente Nacional de Libertação
[ing. National Liberation Front (NF)]. Os dois lados lutavam para
expulsar os britânicos, e os britânicos, determinados a continuar onde
estavam, agarrados a uma base estrategicamente importante e recorrendo
cada vez mais a prisões sem julgamento e à tortur a.
Em 1964 Harold Wilson declarou que os britânicos permaneceriam na
região, mas que passariam o poder, em 1968, à chamada Federação
Sul-arábica [ing. Federation of South Arabia], sob a qual Wilson
esperava que a população de Aden fosse mantida sob o controle de sultões
do interior.
O plano deu gravemente errado, depois de todas as vilas terem sido
bombardeadas, até serem varridas do mapa, pela Força Aérea britânica
[ing. Royal Air Force (RAF)]. Em palavras de Bernard Reilly, oficial
britânico que viveu praticamente toda a vida em Aden: “Só se pode
pacificar país não habituado a governo ordeiro, mediante atos de punição
coletiva, assalto e pilhagem.” Os líderes daquelas tribos não desejavam
ser pacificados. Começou luta feroz nas ruas do Crater, uma das áreas
mais antigas de Aden.
Em 1967, a Frente Nacional de Libertação usava bazucas e morteiros em
Aden e atacava diretamente as bases militares britânicas. O governo
trabalhista decidiu pôr fim às perdas e ordenou a retirada.
“Lamentavelmente” – lê-se em carta do Colonial Office aos seus
colaboradores nativos – “não podemos continuar a protegê-los”.
A vitória dos israelenses em junho de 1967 não ajudou os britânicos,
porque a Frente Nacional de Libertação não era peão que os Egípcios
jogassem como bem entendessem e bem diferente, nisso, da Frente para a
Libertação do Iêmen do Sul [ing. FLOSY] a qual, então, estava gravemente
enfraquecida. Uma greve geral comandada pela Frente Nacional de
Libertação paralisou Aden e ataques de guerrilheiros forçaram a
administração colonial a cancelar as celebrações do aniversário da
rainha. Seis meses mais tarde, dia 29/11/1967, quando o fechamento do
canal de Suez acabou com qualquer importância que Aden tivesse para os
britânicos, os britânicos afinal partiram, depois de 128 anos.
Ao mesmo tempo em que Humphrey Trevelyan, último comissário, acenava
uma rápida despedida dos degraus do avião que o devolveria a Londres, a
Banda da Real Marinha Britânica do HMS Eagle tocava ‘Fings Ain’t Wot
They Used To Be’ [as coisas não serão mais como foram, escrito ‘com
sotaque’].
A Frente Nacional de Libertação venceu, mas ainda faltava planejar a
reconstrução do país. A Frente reunia membros de várias correntes da
esquerda: pró-Moscou, maoístas, guerrilheiros à Che Guevara, alguns
poucos trotskyistas e nacionalistas ortodoxos. Todos concordaram
imediatamente com restabelecer relações diplomáticas com a URSS, o que
foi feito dia 3/12/1967. Mas as disputas começaram imediatamente.
O Congresso da Frente Nacional de Libertação aprovou deliberação
apresentada pelos radicais, em que se exigiam reformas no campo, o fim
do analfabetismo, a formação de uma milícia popular, expurgo nos
aparelhos civil e militar, apoio à resistência palestina e cooperação
intensa e próxima com a China.
A esquerda dominava no corpo dirigente então eleito. Uma tentativa de
putsch liderada pelo exército por pouco não levou à guerra civil; mas
comandos guerrilheiros armados cercaram as bases militares e desarmaram
os oficiais. Em maio de 1968 já se via que a ala direita da Frente
Nacional de Libertação não tinha qualquer intenção de implementar as
resoluções do Congresso.
Foi criado um Movimento 14 de Maio, para mobilizar os que apoiavam as
reformas. Houve confrontos com os militares, seguidos por um estranho
período de calmaria que fazia recordar os Dias de Julho de 1917 em
Petrogrado. A direita supôs que havia vencido e declarou que “os
organizadores do Movimento 14 de Maio, de tanto ler os escritos de Régis
Debray, supuseram que estivessem fazendo “uma revolução dentro da
revolução”. Um ano depois, todos entenderam que a esquerda vencera.
A constituição de 1970 declarou o país uma república socialista – a
República Popular Democrática do Iêmen – contra os conselhos de China e
da URSS. (Em outubro de 1968, o ministro das Relações Exteriores da
China, Chen Yi, o qual, ele mesmo, estava então sitiado pelos Guardas
Vermelhos, declarou a uma delegação do Iêmen do Sul que visitava a China
que “a ideia de vocês, de construir o socialismo, alimentada com
slogans irrealizáveis e promessas que não poderão cumprir, pela própria
natureza da ideia, afia as espadas de seus adversários.”) O que
aconteceu foi tragicamente previsível.
Um Estado economicamente muito atrasado partiu para criar estruturas
que institucionalizaram a austeridade e universalizaram a miséria.
Promover a industrialização mediante empresas estatais poderia ter
ajudado, não fosse pela proibição total de qualquer tipo de produção
doméstica, sequer para o consumo das próprias famílias. A isso somou-se o
monopólio estatal de todas as modalidades de comunicação, controle
estrito sobre tudo que se podia dizer ou publicar, e extinção de todos
os partidos do país, exceto o Partido Socialista Iemenita [ing. Yemeni
Socialist Party]. Zombaram, ao mesmo tempo, do socialismo e das
promessas feitas durante a luta anticolonial. O que é inegável é que o
novo sistema de educação e atendimento médico universal, e a aparição da
mulher na cena pública marcaram extraordinário passo adiante para toda a
região. O que não agradou à Arábia Saudita.
Como desenvolvimento esperável, as potências vizinhas – o Iêmen do
Norte, os Estados do Golfo, a Arábia Saudita – puseram-se a trabalhar,
estimulados pelo governo Reagan, numa contrarrevolução de dentro para
fora, do tipo que estava então sendo tentada na Noruega com os Contras.
Em Ali Nasser, apparatchik cru, semianalfabeto, obcecado pelo poder
absoluto, que se tornou presidente da República Popular Democrática do
Iêmen em 1980, aquele grupo encontrou o instrumento de que precisava.
Por mais de um ano o presidente trabalhou contra o carismático Abdul
Fateh Ismail, que o precedera na presidência e liderara a luta contra os
britânicos, até conseguir que renunciasse por “motivos de saúde” e
partisse para longa estadia na Europa Oriental. Havia vários apoiadores
de Ismail na liderança local, quando ele retornou de Moscou em 1985; foi
rapidamente reeleito para o Politburo da República Popular Democrática
do Iêmen, como líder da maioria.
Dia 13/1/1986, o carro de Ali Nasser foi visto na calçada do prédio
do Comitê Central (réplica de outras horrendas estruturas que se viam na
Europa Oriental), onde deveria acontecer uma reunião do Politburo. Mas
Ali Nasser não compareceu à reunião. Em vez dele, apareceu seu
guarda-costas, drogado e armado com uma metralhadora Scorpion; entrou na
sala e assassinou à bala o vice-presidente Ali Ahmed Antar, para
começar; em seguida matou todos quantos estavam na sala. Foram mortos
quatro membros-chave do Politburo, inclusive Ismail, além de outro
membros do Comitê Central. Em outros pontos da cidade, homens de Ali
Nasser destruíram, a tiros de morteiros, a casa de Ismail; e houve
pesado tiroteio em vários pontos. Às 12h30, rádios e televisões de Aden
noticiaram que o presidente derrotara uma tentativa de golpe dos
direitistas e que Ismail e seus colaboradores haviam sido executados.
Três horas de pois, o serviço árabe da BBC anunciava que o “moderado e
pragmático” presidente do Iêmen conseguira abortar uma tentativa de
golpe pelos comunistas extremistas. E a mesma linha foi acompanhada por
quase toda a mídia ocidental, que repetiu a versão da derrota de uma
tentativa de golpe apoiada por Moscou para radicalizar ainda mais o
Iêmen… e, isso, apesar de Gorbachev já estar no poder na URSS.
À medida que se espalhavam em Aden as notícias dos assassinatos,
multidões começaram a reunir-se nas ruas, e soldados conseguiram
desalojar os novos donos do prédio do ministério da Defesa e da sala de
operações, de onde os homens de Ali Nasser foram expulsos. Os confrontos
atravessaram a noite. Morreram muitos membros desarmados do Partido,
sindicalistas, líderes camponeses, assassinados pelos soldados de Nasser
– que tinham listas de nomes antecipadamente preparadas. Seja como for,
depois de cinco dias de luta sangrenta, os “moderados e pragmáticos”
foram derrotados. Ali Nasser fugiu para o Iêmen do Norte e de lá,
depois, para Dubai. Atualmente, é diretor de um “centro cultural” em
Damasco, onde dirige também suas várias empresas.
A matança na reunião do Comitê Central foi o começo do fim da
República Popular Democrática do Iêmen. Os prepostos do Ocidente na
região, que haviam organizado toda a ação, puseram-se a falar contra “os
gângsteres socialistas que ocuparam o governo do país”. Enquanto a URSS
começava a desmoronar, começaram negociações entre o Iêmen do Sul e do
Norte, e o país foi rapidamente unificado em maio de 1990, comandado por
um conselho presidencial de cinco membros que representava as duas
‘metades’. Em 1991, uma nova Constituição levantou todas as limitações à
liberdade de expressão e da imprensa e à liberdade de reunião e
associação.
Mas a unificação também não deu certo. Os iemenitas do sul sentiam
que seus interesses haviam sido traídos, e os repetidos confrontos e
discussões não auguravam bom futuro para o governo de coalizão criado
depois das eleições. Os socialistas do sul acusavam as gangues apoiadas
por Ali Saleh, ex-presidente do Iêmen do Norte, e então presidente do
país unificado, de atacar sulistas em Sana’a e em outras cidades. As
relações deterioram-se rapidamente e houve escaramuças no Sul entre
remanescentes do exército da República Popular e soldados que haviam
lutado pelo Norte. Chegou a irromper guerra generalizada em 1994, da
qual participaram grupos jihadistas e Osama bin Laden – que apoiavam Ali
Saleh. Os sulistas foram esmagados, não apenas militarmente, mas também
cultural e economicamente. Houve expropriação, roubo de terra, de
propriedades urban as, as mulheres voltaram a ter de cobrir-se dos pés à
cabeça (“Se não nos cobríssemos, chamavam-nos de prostitutas. Houve
muitos estupros. A brutalidade foi imensa. Nos obrigaram a fazer o que
queriam” – contou-me uma mulher sem véu, em Aden).
Quando cheguei a Aden, percebi que a Al-Qaeda da Península Árabe
(AQAP, em inglês) é o menor dos problemas do país.
A maioria dos sul-iemenitas anseiam desesperadamente por separar-se
do Iêmen do Norte. “Aqui não se trata de unificação. Trata-se de
ocupação” – ouvi inúmeras vezes.
A população está sem liderança política e há fortes rumores em Sana’a
de que o assassino Ali Nasser estaria sendo preparado pelo atual
presidente Ali Saleh para fazer uma reestreia política; Ali Saleh o vê
como “o homem da unificação”. Enquanto isso, há manifestações nas vilas e
cidades menores, nas quais se queimam a bandeira do Iêmen e fotos do
presidente Ali Saleh, e vê-se subir o velho estandarte da República
Popular Democrática. A repressão é sempre violenta e a amargura só faz
crescer, essa sim, de todos.
Dia 1/3/2010, as forças de segurança cercaram e destruíram a casa de
Ali Yafie o qual, na véspera, queimara em público uma fotografia do
presidente Ali Saleh. Yafie e oito membros de sua família, inclusive a
neta de sete anos, foram mortos. A propaganda governamental acusou-o de
ser membro da Al-Qaeda da Península Árabe.
Na noite de 4/1/2010, as forças de segurança em Aden cercaram a casa
de Hasham Bashraheel, editor-chefe do jornal Al-Ayyam – fundado em 1958 e
jornal que sempre noticiou, com abundância de fotos, as atrocidades do
Estado. Por exemplo, publicou fotos dos mortos depois que as forças de
segurança abriram fogo contra ex-soldados que reclamavam pagamentos
atrasados; o jornal foi fechado em maio de 2009, embora a sala da
redação tenha continuado a servir como local de reunião de jornalistas,
intelectuais e ativistas de direitos civis. Quando as forças de
segurança cercaram o prédio, logo surgiram também defensores do jornal
que se reuniram na área. Os policiais dispararam para o ar, para
dispersá-los. Depois, atiraram granadas na direção do prédio, onde o
jornalista e sua família, inclusive duas netas pequenas, ainda estavam.
Todos sobreviveram, miracu losamente, porque conseguiram esconder-se no
porão do prédio.
Na manhã seguinte, Bashraheel e seus dois filhos renderam-se
publicamente, para, pelo menos, tentar dificultar algum tipo de atentado
contra eles e a família. Um ativista local disse-me que “amigos que
tenho na polícia” disseram-lhe que havia dois cadáveres não
identificados no porta-malas de um automóvel sem placa, em frente ao
jornal.
Se Bashraheel e sua família tivessem sido assassinados, os dois
cadáveres teriam sido plantados no prédio e identificados como membros
da Al-Qaeda da Península Arábica, que estariam recebendo abrigo no
prédio do jornal e teriam sido mortos por resistir à prisão. Um guarda
pago pela família para cuidar da segurança foi morto, ao tentar
render-se. O seu pai foi preso no enterro, dia seguinte. O jornalista
foi pessoalmente acusado de “formação de quadrilha armada”. Há boatos de
que o embaixador britânico, Tim Torlot, teria escrito ao governo,
sugerindo que a mídia independente seria o principal problema no Iêmen.
Meu informante em Sana’a garante que viu a carta. Torlot é famoso no
Iêmen por ter trocado a esposa por uma ofuscante norte-americana que
trabalha para o jornal Yemen Observer, jornal cujo proprietário é o
secretário de imprensa do p residente Ali Saleh.
Viajei pelo sul, de Aden a Mukallah. Mas quando vi Shibam, esqueci
completamente a política, pelo menos por uns instantes. Essa cidade
murada, feita de edificações com paredes de argila, muito altos, alguns
com 30 metros de altura, é um museu vivo[2]. Não surpreende que tenha
sido escolhida por Pasolini para cenário de boa parte de suas “Mil e Uma
Noites”. Pasolini fez mais. De volta a Roma, tanto falou sobre a cidade
que conseguiu que a Unesco a declarasse patrimônio universal da
humanidade (“World Heritage”). Em 2009, ao fotografarem a cidade de cima
de uma colina, quatro turistas sul-coreanos foram mortos por um
suicida-bomba do Norte.
Perguntei por todos os lados sobre a Al-Qaeda da Península Árabe. Um
habitante de Shiban aproximou-se e perguntou-me num sussurro: “Quer
mesmo saber onde Al-Qaeda se esconde?” Fiz que sim, com a cabeça e ele
respondeu: “Na sala ao lado do gabinete do presidente”.
O mesmo aconteceu, em versão quase idêntica, também em Sana’a e Aden.
Na véspera do Natal, o governo bombardeou (com jatos e aviões-robôs
coordenados pelos EUA) duas vilas do sul onde, diziam eles, estaria
escondido Anwar al-Awlaki, o clérigo iemenita-norte-americano acusado de
ser o mentor do nigeriano da cueca-bomba. Não o encontraram, mas
mataram mais de uma dúzia de civis.
O governo de Ali Saleh também enfrentou rebelião na província de
Sa’ada, no norte, que faz fronteira com a Arábia Saudita. A população
das terras altas anda irritada com os grupamentos de Wahhabitas e, sem
ajuda do governo de Sana’a, decidiu se autodefender. Milícias tribais
capturaram alguns soldados sauditas.
Resultado disso foi que, dia 5/11/2009, o mundo viu pela primeira vez
em ação a Força Aérea Saudita (dita a mais poderosa força aérea na
Região, depois de EUA e Israel; mas os aviões enferrujam até desmanchar,
em hangares no deserto). Ali Saleh, o presidente, descreve a revolta
como uma rebelião de xiitas apoiados por Teerã, e que tem de ser contida
à força. Já praticamente ninguém acredita nisso.
O exército iemenita promoveu em agosto passado a Operação “Terra
Arrasada” [ing. Scorched Land], que destruiu vilas e desalojou de suas
casas 150 mil pessoas. Dada a total ausência de notícias e de
organizações humanitárias, não se conhece exatamente a extensão das
atrocidades cometidas pelo governo de Ali Saleh.
Muhammad al-Maqaleh, líder do Partido Socialista Iemenita e editor do
jornal do partido, o Socialist, obteve depoimentos de algumas
testemunhas oculares e publicou-os na Internet em setembro passado.
Descreveu um ataque aéreo que matou 87 refugiados em Sa’ada, e incluiu
fotografias. Foi preso por quatro meses, torturado e ameaçado de
execução, por quatro meses. Finalmente foi apresentado a uma corte de
justiça, à qual revelou o que sofrera.
Sana’a ainda não é Cabul, sim. Mas se o regime de Ali Saleh continuar
a usar a força contra a população na escala em que está acontecendo
hoje, novas guerras civis são hoje muito prováveis.
[1] Ver Salma Samar Damluji (2007), The Architecture of Iêmen: From
Yafi to Hadramut.
[2] Há boas imagens em http://whc.unesco.org/en/list/192/.
Subsidio europeu para a população carente...
O Bolsa-família na EuropaJuremir Machado - blog do correio do povo
Dizem que bolsa-família é coisa de país atrasado. Concordo. Todo país
europeu desenvolvido e com algum senso de responsabilidade social tem
bolsa-família. Sem esse nome, claro. A Alemanha tem. A França tem. Os
países escandinavos tem. Até a Inglaterra tem. Os europeus são
dinossauros. Na França, o bolsa-família atende pelo nome de “aides
sociales” (ajudas sociais). A França é totalmente insensível aos novos
tempos. O seguro-desemprego francês pode durar até 36 meses. Depois
disso, se a vida continua dura, o sujeito pode ter acesso ao RMI (renda
mínima de inserção): 447 euros para uma pessoa só, 671 euros para quem
tiver um filho. Quase 2 milhões 500 mil franceses recebem o RMI (nome
válido até este ano). A partir dos 59 anos de idade, a pessoa pode
receber o RMI sem sequer ter a obrigação de procurar trabalho. Não dá!
As famílias francesas recebem ajuda financeira conforme o número de filhos. O Estado ajuda a alugar apartamento e até a tirar férias. O sistema de saúde é universal e gratuito, inclusive os medicamentos. Que atraso! Um estudante estrangeiro em situação regular na França pode receber ajuda do Estado para ter onde morar. É muita mamata. Lembrete: o governo francês atual é, como eles dizem, de direita. Mas o Estado francês é republicano. A concepção de Estado dos europeus é muito esquisita: uma instituição para ajudar a todos e proteger os interesses da coletividade, devendo estimular a livre-iniciativa e dar condições de vida digna aos mais desfavorecidos. Agricultores recebem subsídios. Empresas ganham incentivos. A universidade é gratuita para todos os aprovados no BAC, o Enem deles. Há vagas para todos. Obviamente não há necessidade de cotas. Que loucura! Existem instituições privadas de ensino, cujos salários dos professores são, em geral, pagos pelo Estado, pois se trata de um serviço de utilidade pública. Aí os nossos liberais adoram dizer: “E por isso que a França está quebrada”. Tive a impressão de que a crise mundial mostrou os Estados Unidos mais quebrados do que a França. Os mesmos liberais contradizem-se e afirmam: “A França é rica e pode se dar esse luxo...” É rica ou está quebrada? Quase 30% do PIB francês é distribuído em ajudas sociais. O modelo francês enfurece os capitalistas tupiniquins, leitores de revistas como a Veja, cujas páginas pingam ideologia. Visto que dá mau exemplo de proteção social, o Estado francês é chamado de anacrônico, ultrapassado, assistencialista e outros termos do mesmo quilate usados na guerra midiática. Está certo. Moderno é ajudar a turma dos camarotes e mandar a plebe se virar. Acontece que a plebe do Primeiro Mundo não aceita esse tipo de modernidade tão avançada. É plebe rude. Se precisa, quebra tudo, mas não cede. Os ruralistas de lá são mestres em incendiar prefeituras quando falam em cortar-lhes os subsídios estatais. Nas cidades, a turma adora queimar uns carros para fazer valer seus direitos. Na Europa, pelo jeito, não se melhora o Estado piorando a sociedade. A França tem muito a aprender com o Brasil. Somos arcaicamente modernos. Numa pesquisa recente, a França tem a melhor qualidade de vida da Europa. Nada, claro, que possa nos superar. |
Porque o PiG não chama Uribe de ditador e facista??
As mais recentes chacinas têm-se apresentado no
estado de Córdoba, onde fica a fazenda O Ubérrimo, de Álvaro Uribe
Vélez. Nesse estado, segundo analistas e defensores dos Direitos
Humanos, como Iván Cepeda e Jorge Rojas, teve sua origem o modelo
paramilitar que depois foi expandido pelo país todo.
Ao respeito, Cepeda e Rojas, contam no seu livro “Às portas do Ubérrimo”, como no coração desse estado não só se criou um modelo paramilitar, mas também, como a perversa estratégia foi aceita pela sociedade cordobesa e as figuras públicas.
O modelo paramilitar cordobés, estendido ou copiado posteriormente em todo o país, era o mesmo que queria para Bogotá, Francisco Santos, segundo manifestaram os chefes paramilitares Mancuso e Jorge 40.
Pois nesse estado de múltiplas covas comuns, deslocamento forçoso, de choro e muita dor, em menos de 24 horas foram assassinadas ao menos 17 pessoas, entre elas um jornalista que se atreveu a denunciar a corrupção, o paramilitarismo e as alianças desses assassinos com a classe política e a força pública.
O passado 19 de março, em Monteria, capital do estado de Córdoba, foi assassinado o jornalista Clodomiro Castilla Ospin, quem denunciava constantemente a corrupção e o paramilitarismo nesse estado.
Em 21 de março anterior, em horas da noite, no vilarejo de São João, do município de Porto Libertador, do estado Córdoba, paramilitares massacraram sete camponeses inermes em um estabelecimento público.
As vítimas foram os irmãos Francisco Javier e María Inés Pertuz de 14 e 16 anos de idade respectivamente, Hamilton José Herrera Ortiz de 17 anos, Edilberto Torres Palacio de 23 anos, Wilber Pantoja Sotelo de 20 anos, Francisco Emiro Rodríguez e Antonio Soto Santamaría de 26
anos.
No vilarejo de João José, do mesmo município, os ‘paras’ assassinaram três pessoas e desapareceram mais uma. No vilarejo Santa Rosita, município de La Apartada, paramilitares massacraram um pai, seu filho e um amigos que viajava com eles. O mesmo sucedeu em Montelíbano, onde foram assassinadas outras duas pessoas.
A comunidade se pergunta: ¿Essa é a aplicação ou é o fracasso da tão anunciada “segurança democrática?
Ao respeito, Cepeda e Rojas, contam no seu livro “Às portas do Ubérrimo”, como no coração desse estado não só se criou um modelo paramilitar, mas também, como a perversa estratégia foi aceita pela sociedade cordobesa e as figuras públicas.
O modelo paramilitar cordobés, estendido ou copiado posteriormente em todo o país, era o mesmo que queria para Bogotá, Francisco Santos, segundo manifestaram os chefes paramilitares Mancuso e Jorge 40.
Pois nesse estado de múltiplas covas comuns, deslocamento forçoso, de choro e muita dor, em menos de 24 horas foram assassinadas ao menos 17 pessoas, entre elas um jornalista que se atreveu a denunciar a corrupção, o paramilitarismo e as alianças desses assassinos com a classe política e a força pública.
O passado 19 de março, em Monteria, capital do estado de Córdoba, foi assassinado o jornalista Clodomiro Castilla Ospin, quem denunciava constantemente a corrupção e o paramilitarismo nesse estado.
Em 21 de março anterior, em horas da noite, no vilarejo de São João, do município de Porto Libertador, do estado Córdoba, paramilitares massacraram sete camponeses inermes em um estabelecimento público.
As vítimas foram os irmãos Francisco Javier e María Inés Pertuz de 14 e 16 anos de idade respectivamente, Hamilton José Herrera Ortiz de 17 anos, Edilberto Torres Palacio de 23 anos, Wilber Pantoja Sotelo de 20 anos, Francisco Emiro Rodríguez e Antonio Soto Santamaría de 26
anos.
No vilarejo de João José, do mesmo município, os ‘paras’ assassinaram três pessoas e desapareceram mais uma. No vilarejo Santa Rosita, município de La Apartada, paramilitares massacraram um pai, seu filho e um amigos que viajava com eles. O mesmo sucedeu em Montelíbano, onde foram assassinadas outras duas pessoas.
A comunidade se pergunta: ¿Essa é a aplicação ou é o fracasso da tão anunciada “segurança democrática?
Hora de acordar |
|
Adriano Benayon* | |
Ouro e dólar
Faz tempo que advertimos: manter— se atado ao "sistema financeiro
internacional" custará caro a todos os povos, e tanto mais caro quanto
maior, em cada país, seu entrosamento com esse "sistema" e quanto mais
tempo isso dure.
No artigo Derivatives Collapse and the China Gold and Silver Markets — publicado por Global Research, 10.09.2009 – Bob Chapman mostra que o império anglo— norte— americano amarrou dentro de estreita armadilha os países detentores de créditos em dólares, exercendo sobre eles pressão político— militar e/ou enganando e cooptando seus dirigentes políticos. Entre outros, chineses, japoneses, alemães e árabes. A China, um dos poucos países com poder para retaliar e exigir compensações, foi induzida a não só acumular dólares em quantidade estarrecedora, mas também a fazer apostas erradas nos mercados financeiros, adquirindo títulos — com a obrigação de, no futuro, entregar ouro e prata — derivados de contratos detidos por bancos estrangeiros. Dada a tendência, cada vez mais clara, à valorização dos metais preciosos, os logrados que ficaram com esses derivativos sofrerão enormes prejuízos, pois, para entregar esses metais, terão de comprá— los a preços mais elevados. Esses contratos, chamados forward, são, na maioria, negociados fora das Bolsas e exigem o cumprimento da obrigação ao final do prazo estabelecido. Como outros, os chineses demoraram a perceber a dimensão da enrascada em que caíram ao comprar títulos denominados em dólares. Eles vêm, nos últimos meses, procurando vendê— los e comprar ouro e metais preciosos. Além disso, o governo da China está aconselhando seus cidadãos a fazer o mesmo. Ademais, proibiu as exportações de prata. Ainda mais preocupante para os concentradores anglo— americanos, controladores das finanças mundiais: diante da escalada nos preços dos metais preciosos, o governo chinês fez saber que cogita renegar contratos forward, por força dos quais teria de entregar quantidades volumosas de ouro e prata. Um dos objetivos dos anglo— americanos ao induzir os chineses e outros a adquirir esses derivativos foi obrigar os detentores de títulos dos EUA a não despejá— los no mercado, pois, se assim o fizerem, farão elevar o preço dos metais preciosos, sofrendo, em consequência, vultosos prejuízos. Em setembro, o ouro voltou a ultrapassar US$ 1.000,00 por onça*, apesar das jogadas e pressões dos concentradores financeiros anglo— americanos, coadjuvados por seus satélites europeus, para manter baixo o preço. Nesse contexto, os bancos centrais têm— se desfeito, nos últimos anos, de suas reservas em ouro, o que beneficia adicionalmente os oligarcas, que o têm podido adquirir a preço baixo. É interessante notar que esses oligarcas, sobre tudo os britânicos, são os maiores detentores do ouro existente no mundo, tanto em cofres de bancos, como em minas de todos os continentes. Podem— se esperar, portanto, grandes embates no jogo de poder mundial no último trimestre do ano, quando deve ficar desmoralizada a farsa de que a "crise" está terminando. Novas bolhas vão espocar, como as mencionadas em meus artigos recentes. Só nos EUA, até agora, o Estado gastou com elas US$ 23 trilhões. As emissões monetárias para cobrir os novos rombos certamente farão intensificar a descrença dos fundos soberanos chineses e de outros países em preservar o valor de suas vultosas carteiras de títulos norte— americanos. Depressão, desemprego e guerra
Com a confirmação, em breve, de que o colapso financeiro mundial e a
depressão se aprofundarão, o cenário de confrontação se tornará mais
explícito, levando a conflitos armados e/ou a soluções de compromisso
entre países dotados de poder real, ou seja, militar — inclusive
nuclear — , industrial e tecnológico.
O desemprego, em proporções jamais vistas, acarretará lutas sociais às quais os governos títeres da oligarquia reagirão por meio de repressão e, em parte, de investimentos econômicos e sociais. Estes, porém, são inviáveis se forem mantidas as atuais moedas e não se cancelar os títulos tóxicos e liquidar os bancos que os detêm. Isso porque a dimensão dos déficits públicos é incontrolável, mesmo sem grandes iniciativas sociais. Mais que isso, elevar, em favor destas, as emissões de moeda, que já são estratosféricas, desencadeará a hiperinflação. A saída clássica, para as poderosas dinastias, é a guerra de grandes proporções. De qualquer forma, o povo norte— americano é participativo, e os protestos e manifestações já contam com dezenas de milhões de pessoas, embora os grupos estejam, em geral, desorientados e ideologicamente divididos. O desemprego, altíssimo e crescente, também na Europa, aumentou em mais de 10 milhões nos EUA, nestes dois anos, incluindo os que decidem parar de buscar trabalho, e a cifra segue crescendo a ritmo mensal entre 600.000 e 1 milhão. A taxa oficial, grandemente manipulada, de quase 10%, mais que dobrou desde 2007. O desemprego que inclui os trabalhadores a título precário e os de tempo reduzido, está perto de 21% da força de trabalho. A Flórida tornou— se o 19º estado a recorrer a crédito para pagar benefícios sociais. Na Califórnia, onde estão sem emprego 40% das pessoas em idade de trabalhar, o governo, em estado falimentar, cortará, este mês, 140.000 beneficiários. Brasil
Tenho repetido que os efeitos no Brasil já são graves e que não
passa de paliativo a tentativa de elevar os gastos sociais e os
investimentos, via BNDES, inclusive elevando, para isso, a dívida
pública.
O jogo de poder mundial, sempre pesado, vai sê— lo ainda mais, e para o Brasil é preferível que se prolongue o conflito entre países com poder real a que eles se entendam. Para países destituídos de poder, a chance de mudar de rumo depende da desordem no sistema imperial, infinitamente melhor que a ordem mundial pretendida pela oligarquia. São condições favoráveis à organização da sociedade brasileira para se dotar de instituições capazes de a levar a evoluir: 1) o impacto da depressão; 2) o choque causado pela transformação em caos do sistema financeiro internacional; 3) a confrontação entre as potências. Urge, em suma, para o Brasil, encontrar o rumo da independência, saindo da subserviência em que afunda desde 1954, com o Estado financiando e subsidiando as transnacionais. Elas se tornaram a classe dominante no País, têm tido acesso gratuito às suas fabulosas riquezas naturais e feito esmagar as atividades industriais e tecnológicas dos brasileiros. __________________________ * Adriano Benayon é Doutor em Economia. Autor de "Globalização versus Desenvolvimento", editora Escrituras. abenayon@brturbo.com.brEste endereço de e-mail está protegido contra spam bots, pelo que o Javascript terá de estar activado para poder visualizar o endereço de email 1 Onça (oz) unidade de medida equivalente a a 31,1035g. |
quarta-feira, 24 de março de 2010
O monopolio da midia Australiana....
Bem-vindos à primeira murdocracia mundial
por John Pilger
Adelaide é a cidade festiva da Austrália. O seu festival de arte
está a dar que falar. Debates civilizados, estética e vinho de
muitas octanas estão a ditar leis ao mundo. Com uma
excepção. Adelaide é o sítio onde Rupert Mordoch
iniciou o seu império. O trilho devorador começou aqui.
Não existe nenhuma estátua; a dele é uma presença
espectral, que controla o único jornal diário, e também as
empresas gráficas. Em toda a Austrália, ele controla quase 70 por
cento da imprensa da capital e o único jornal nacional, e a Sky
Television, e muitas outras coisas. Bem-vindos à primeira
murdocracia do
mundo.
O que é uma murdocracia? É onde a fidelidade e o acréscimo de editores e gestores de Murdoch existem sem disfarce, uma inspiração ao seu coro em sete continentes, onde mesmo os seus competidores cantam em uníssono e os políticos sagazes prestam atenção ao murdoquismo: "Como é que vai ser? Um cabeçalho por dia ou um balde de merda por dia?"
Embora a veracidade desta famosa observação seja por vezes posta em causa, o espírito dela não é. Atacado por uma pneumonia, o antigo primeiro-ministro John Howard arrastou-se para fora da cama para prestar vassalagem ao homem a quem devia muitos baldes vazios. O seu sucessor, Kevin Rudd, foi a correr a uma audiência obrigatória com Murdoch em Nova Iorque antes da sua eleição. Isto é um padrão em todo o planeta. Antes de subir ao poder, Tony Blair voou até uma ilha ao largo de Queensland para subir à tribuna azul Newscorp e defender o tratcherismo e a desregulamentação dos meios de comunicação diante da cara papuda que acenava com a cabeça na fila da frente. No dia seguinte, o Sun elogiava Blair como alguém que "tem visão [e] fala a nossa linguagem sobre a moral e a vida familiar".
Murdoch sabe que pouco separa os principais partidos políticos da Austrália, da Grã-Bretanha e da América. Porta-se como um homem. Em 1972, apoiou Gough Whitlam da Austrália que se revelou um reformador radical, ameaçando mesmo denunciar as bases espiãs da América. Um Murdoch furioso agitou os seus jornais contra Whitlam com histórias tão escandalosamente deformadas que jornalistas rebeldes do The Australian queimaram o jornal no meio da rua. Isso nunca mais se repetiu.
Os temas dominantes na murdocracia australiana, para além do desporto e das coscuvilhices sobre celebridades, são a promoção da guerra e o nacionalismo exacerbado, a política externa americana, Israel e o paternalismo para com os aborígenes, o povo indígena mais empobrecido do mundo, segundo a ONU. Este antiquado combatente da guerra-fria não se deve inteiramente à imprensa de Murdoch, evidentemente, mas a agenda sim. Quando o tirano indonésio general Suharto esteve prestes a ser derrubado pelo seu próprio povo, o editor-chefe do The Australian, Paul Kelly, chefiou uma delegação de editores da maior parte dos principais jornais da Austrália a Jakarta. Com Kelly ao lado, o assassino de massas, que os pasquins de Murdoch promoveram a "moderado", aceitou o tributo de todos eles.
O lacaio de Murdoch mais descarado, senão mesmo ridículo, é Greg Sheridan, editor do estrangeiro do The Australian. Numa das suas peregrinações aos Estados Unidos, local da sede de Murdoch, Sheridan escreveu, "Os EUA são o melhor argumento possível para a desregulamentação dos meios de comunicação. Todas as manhãs, saltito entre a Fox, a CNN e a MSNBC enquanto como os cereais… porque é que demorou tanto tempo para a TV a pagar chegar à Austrália?" Estava a referir-se, instintivamente, à Foxtel, a companhia de TV paga, do seu patrão. Quanto ao terrorismo, Sheridan acusa o "chomskismo pilgerista" de "alimentar ideologicamente os seguidores de Osama bin Lenin, desculpem, Laden".
Uma das campanhas mais eficazes da murdocracia australiana foi a lavagem dum passado colonial sangrento, incluindo uma série de ataques ao distinto cronista do genocídio aborígene, professor Henry Reynolds, e ao director do Museu Nacional da Austrália, Dawn Casey, por terem ousado apresentar a verdade sobre o sofrimento indígena. O grande historiador independente da Austrália, o falecido Manning Clark, foi caluniado pelo Courier-Mail de Murdoch como um agente vermelho, depois como uma fraude, no mesmo estilo com que o London Sunday Times de Murdoch caluniou o membro do parlamento do partido Labour, Michael Foot, como sendo um agente soviético.
Uma coisa parecida espera todo aquele que questionar a manipulação da recordação do sacrifício de sangue da Austrália em prol do imperialismo, o antigo e o novo. Visando os jovens, um "novo patriotismo" sentimental atinge o clímax anual em 25 de Abril, aniversário do desastre da primeira guerra mundial em Gallipoli [1] , conhecido por Dia Anzac [2] . A mensagem é um militarismo aberto que promove as invasões do Afeganistão e do Iraque. Assim, o primeiro-ministro Rudd diz, de modo absurdo, que as forças armadas são a profissão mais elevada da Austrália.
Estas falsas bandeiras estão constantemente viradas para Israel, que assiste a uma corrente de jornalistas australianos apoiados e pagos por grupos sionistas. O resultado é a reportagem apologética de acções criminosas que evoca os grandes pacificadores como Geoffrey Dawson, editor do The Times nos anos 30. O debate sobre declarados crimes de guerra não chegou à Austrália. Que um antigo e um actual primeiro-ministros britânicos tenham sido convocados a depor perante o inquérito Chilcot em Londres, é encarado com estupefacção porque aqui nunca aconteceria uma coisa dessas. Mas John Howard, que também invadiu o Iraque, detém uma espécie de recorde por ter afirmado 30 vezes num só discurso que sabia que Saddam Hussein tinha um "verdadeiro programa maciço" de armas de destruição maciça.
A emissora nacional, a Australian Broadcasting Corporation, há muito que foi intimidada pela imprensa de Murdoch sob a forma obsessiva da campanha travada contra a BBC. Financiada directamente pelos governos, a ABC não tem a independência nominal e a protecção do sistema britânico através do recurso a uma taxa de TV para a difusão pública. No ano passado, o HarperCollins, propriedade de Murdoch, foi recompensado com uma lucrativa "parceria" com o ramo editorial da ABC, o ABC Books.
Em 1983, havia 50 importantes empresas que dominavam os meios de comunicação mundiais. Em 2002, estavam reduzidas a nove. Rupert Murdoch diz que acabará por haver apenas três, incluindo a sua própria. Se aceitarmos isto, os meios de informação e o controlo da informação serão a mesma coisa, e passaremos a ser todos cidadãos duma murdocracia.
O que é uma murdocracia? É onde a fidelidade e o acréscimo de editores e gestores de Murdoch existem sem disfarce, uma inspiração ao seu coro em sete continentes, onde mesmo os seus competidores cantam em uníssono e os políticos sagazes prestam atenção ao murdoquismo: "Como é que vai ser? Um cabeçalho por dia ou um balde de merda por dia?"
Embora a veracidade desta famosa observação seja por vezes posta em causa, o espírito dela não é. Atacado por uma pneumonia, o antigo primeiro-ministro John Howard arrastou-se para fora da cama para prestar vassalagem ao homem a quem devia muitos baldes vazios. O seu sucessor, Kevin Rudd, foi a correr a uma audiência obrigatória com Murdoch em Nova Iorque antes da sua eleição. Isto é um padrão em todo o planeta. Antes de subir ao poder, Tony Blair voou até uma ilha ao largo de Queensland para subir à tribuna azul Newscorp e defender o tratcherismo e a desregulamentação dos meios de comunicação diante da cara papuda que acenava com a cabeça na fila da frente. No dia seguinte, o Sun elogiava Blair como alguém que "tem visão [e] fala a nossa linguagem sobre a moral e a vida familiar".
Murdoch sabe que pouco separa os principais partidos políticos da Austrália, da Grã-Bretanha e da América. Porta-se como um homem. Em 1972, apoiou Gough Whitlam da Austrália que se revelou um reformador radical, ameaçando mesmo denunciar as bases espiãs da América. Um Murdoch furioso agitou os seus jornais contra Whitlam com histórias tão escandalosamente deformadas que jornalistas rebeldes do The Australian queimaram o jornal no meio da rua. Isso nunca mais se repetiu.
Os temas dominantes na murdocracia australiana, para além do desporto e das coscuvilhices sobre celebridades, são a promoção da guerra e o nacionalismo exacerbado, a política externa americana, Israel e o paternalismo para com os aborígenes, o povo indígena mais empobrecido do mundo, segundo a ONU. Este antiquado combatente da guerra-fria não se deve inteiramente à imprensa de Murdoch, evidentemente, mas a agenda sim. Quando o tirano indonésio general Suharto esteve prestes a ser derrubado pelo seu próprio povo, o editor-chefe do The Australian, Paul Kelly, chefiou uma delegação de editores da maior parte dos principais jornais da Austrália a Jakarta. Com Kelly ao lado, o assassino de massas, que os pasquins de Murdoch promoveram a "moderado", aceitou o tributo de todos eles.
O lacaio de Murdoch mais descarado, senão mesmo ridículo, é Greg Sheridan, editor do estrangeiro do The Australian. Numa das suas peregrinações aos Estados Unidos, local da sede de Murdoch, Sheridan escreveu, "Os EUA são o melhor argumento possível para a desregulamentação dos meios de comunicação. Todas as manhãs, saltito entre a Fox, a CNN e a MSNBC enquanto como os cereais… porque é que demorou tanto tempo para a TV a pagar chegar à Austrália?" Estava a referir-se, instintivamente, à Foxtel, a companhia de TV paga, do seu patrão. Quanto ao terrorismo, Sheridan acusa o "chomskismo pilgerista" de "alimentar ideologicamente os seguidores de Osama bin Lenin, desculpem, Laden".
Uma das campanhas mais eficazes da murdocracia australiana foi a lavagem dum passado colonial sangrento, incluindo uma série de ataques ao distinto cronista do genocídio aborígene, professor Henry Reynolds, e ao director do Museu Nacional da Austrália, Dawn Casey, por terem ousado apresentar a verdade sobre o sofrimento indígena. O grande historiador independente da Austrália, o falecido Manning Clark, foi caluniado pelo Courier-Mail de Murdoch como um agente vermelho, depois como uma fraude, no mesmo estilo com que o London Sunday Times de Murdoch caluniou o membro do parlamento do partido Labour, Michael Foot, como sendo um agente soviético.
Uma coisa parecida espera todo aquele que questionar a manipulação da recordação do sacrifício de sangue da Austrália em prol do imperialismo, o antigo e o novo. Visando os jovens, um "novo patriotismo" sentimental atinge o clímax anual em 25 de Abril, aniversário do desastre da primeira guerra mundial em Gallipoli [1] , conhecido por Dia Anzac [2] . A mensagem é um militarismo aberto que promove as invasões do Afeganistão e do Iraque. Assim, o primeiro-ministro Rudd diz, de modo absurdo, que as forças armadas são a profissão mais elevada da Austrália.
Estas falsas bandeiras estão constantemente viradas para Israel, que assiste a uma corrente de jornalistas australianos apoiados e pagos por grupos sionistas. O resultado é a reportagem apologética de acções criminosas que evoca os grandes pacificadores como Geoffrey Dawson, editor do The Times nos anos 30. O debate sobre declarados crimes de guerra não chegou à Austrália. Que um antigo e um actual primeiro-ministros britânicos tenham sido convocados a depor perante o inquérito Chilcot em Londres, é encarado com estupefacção porque aqui nunca aconteceria uma coisa dessas. Mas John Howard, que também invadiu o Iraque, detém uma espécie de recorde por ter afirmado 30 vezes num só discurso que sabia que Saddam Hussein tinha um "verdadeiro programa maciço" de armas de destruição maciça.
A emissora nacional, a Australian Broadcasting Corporation, há muito que foi intimidada pela imprensa de Murdoch sob a forma obsessiva da campanha travada contra a BBC. Financiada directamente pelos governos, a ABC não tem a independência nominal e a protecção do sistema britânico através do recurso a uma taxa de TV para a difusão pública. No ano passado, o HarperCollins, propriedade de Murdoch, foi recompensado com uma lucrativa "parceria" com o ramo editorial da ABC, o ABC Books.
Em 1983, havia 50 importantes empresas que dominavam os meios de comunicação mundiais. Em 2002, estavam reduzidas a nove. Rupert Murdoch diz que acabará por haver apenas três, incluindo a sua própria. Se aceitarmos isto, os meios de informação e o controlo da informação serão a mesma coisa, e passaremos a ser todos cidadãos duma murdocracia.
[1] Campanha Gallipoli – batalha na peninsula da Turquia em 1915-1916. Tentativa falhada de conquista de Istambul com pesadas baixas.
[2] ANZAC – Australian and New Zealand Army Corps
O original encontra-se em http://www.johnpilger.com/page.asp?partid=569 . Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
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