Os desafios da sustentabilidade na cadeia de valores: a Microsoft e os adolescentes escravos na China
Recebido por email do vereador João Couto de Candiota-Rs, extraido do sitio http://www.brasilautogestionario.org/
Fonte:
SustentaNews
–
No Youtube há um vídeo promocional muito interessante da Microsoft
que mostra uma visão de futuro de um mundo sustentável, no qual as
soluções da empresa desempenham um papel fundamental. É um mundo clean,
no qual as tecnologias de comunicação se integram para gerar uma
conectividade quase absoluta, dispensando o uso do papel e poupando o
tempo das pessoas para se dedicar a plantar jardins no alto dos prédios.
O vídeo, tecnicamente muito bem feito, impressiona, mas ao mesmo tempo
traz de imediato uma reflexão: onde estão os pobres? Onde está a sujeira
que se esconde por debaixo do tapete (verde) do mundo “sustentável” da
Microsoft?
No
último dia 13 de abril o National Labor Committee,
um grupo de pressão dos Estados Unidos dedicado a investigar e expor as
más práticas trabalhistas das empresas americanas, revelou o outro lado
do mundo perfeito desenhado pela Microsoft. Um impressionante relatório
revela como adolescentes com idades entre 14 e 16 anos trabalham na
China como escravos em condições subumanas para produzir periféricos
para grandes empresas de tecnologia, sendo justamente a Microsoft a
maior delas.
O
relatório se chama “China’s Youth Meet Microsoft: KYE factory in
China produces for Microsoft and other U.S. Companies”
e traz relatos e fotografias chocantes que resumem três anos de
investigações na fabrica da empresa KYE, em Dongguan, importante cidade
industrial no sul da China. A denúncia é de que a fabrica emprega cerca
de mil estudantes secundários como “aprendizes” para trabalhar em
jornadas de até 15 horas produzindo mouses, webcams e outros
periféricos.
O
restante dos trabalhadores da fábrica é composto por mulheres na faixa
de 18 a 25 anos, constantemente submetidas a assedio sexual por parte da
equipe de segurança. Os adolescentes “aprendizes” recebem cerca de 1
real por hora de trabalho, o qual descontado o custo da alimentação
servida pela empresa, se reduz a cerca de R$ 0,85/hora. Normalmente
eles ficamj trabalhando por períodos de três meses, durante o qual
dormem na fabrica em dormitórios descritos como “sujos e primitivos”.
A
rotina é militar. Os trabalhadores são proibidos de falar entre si, de
escutar música, atender a celular ou ir ao banheiro fora dos 10 minutos
autorizados durante o dia. As condições de trabalho são terríveis e
durante o verão o calor passa fácil dos 30 graus, o que torna mais
fatigante o ritmo necessário para cumprir a meta obrigatória de 2.000
mouses da Microsoft por turno para cada grupo de 20-30 adolescentes.
Obviamente,
como destaca o National Labor Committee, a direção da KYE diz que as
condições da fabrica são “excelentes” e estão de acordo com as leis
trabalhistas chinesas. As mulheres trabalhadoras, por sua vez, a
descrevem como uma “prisão”, da qual procuram escapar o mais rápido
possível. E como sempre os códigos de ética da Microsoft e dos outros
clientes da KYE são simplesmente ignorados.
Mas
por que recrutar adolescentes e mulheres jovens? Porque teoricamente
eles são mais submissos e fáceis de controlar. Os adolescentes são
recrutados para períodos de três meses de “aprendizagem” em escolas
técnicas por toda a China. Quando chegam para trabalhar descobrem que
terão uma vida bem dura e com cada um dos seus passos controlados. Eles
são “multados” por cada erro ou transgressão às regras internas da
fábrica.
São
condições de trabalho que de certa forma emulam as existentes nas
unidades fabris dos primórdios da Revolução Industrial. A diferença é
que os produtos fabricados são a ponta de lança da indústria mais
moderna do planeta. Modernidade e arcaísmo convivendo simbioticamente
para produzir as benesses da nossa vida tecnológica.
Não
dá para imaginar que a Microsoft conscientemente compactue com esta
situação. Mas o relatório lembra que é uma prática comum que grandes
contratantes mantenham inspetores de qualidade no piso das fábricas
subcontratadas. E pergunta: “A Microsoft tem um desses inspetores de
qualidade na fábrica da KYE? E, em caso afirmativo, por que a Microsoft
permite que estas condições degradantes e ilegais persistam no processo
de fabricação de seus produtos?”
Esta
história ilustra um dos grandes desafios de se implementar processos
sustentáveis de maneira séria e perene: como influenciar de maneira
efetiva a cadeia de valor de forma a que os padrões de sustentabilidade
sejam realmente adotados por todos os elos? Da próxima vez que pensar em
comprar um mouse da Microsoft como poderei ter a certeza de que não
foram feitos por adolescentes semi-escravos?
O
relatório “China’s Youth Meet Microsoft: KYE factory in China
produces for Microsoft and other U.S. Companies.” Pode ser lido (e
baixado) aqui.