Resumen Latinoamericano - Entrevista a Jorge Armando Gómez, coordenador da área de Trabalho Regional do Centro de Direitos Humanos Frei Bartolomeu de Las Casas
Ainda
que o governo mexicano afirme que no país se combate a violência
paramilitar, um passeio pelo estado de Chiapas mostra o contrário. Esses
grupos financiados, armados e treinados com dinheiro do Executivo com a
manutenção de instrutores do Exército, ainda estão em atividades. Se
bem que a sua presença é mais disfarçada e esporádica que na década de
90, mas continuam armados e ameaçando as comunidades indígenas com o
pretexto de barrar o “avanço Zapatista”.
Sobram
provas das atividades dos paramilitares: assassinatos; massacres como
ocorreu no povoado de Acteal em 1997; os roubos das colheitas e do gado é
um tema comum na conversa quando se percorre as comunidades. Todos os
habitantes sabem que estão aí, esperando novamente uma ordem para
desenterrar as armas e cometer toda a classe de delitos. Quem vive nas
comunidades estão conscientes que as diferentes instâncias
governamentais mantém uma cumplicidade de muitos anos com o
"paramilitarismo".
Entrevistado pelo Resumen Latinoamericano, Jorge Armando Gómez, coordenador da área do Trabalho Regional do Centro de Direitos Humanos Frei Bartolomeu de Las Casas (Frayba,
sigla em espanhol) falou sobre a atualidade em Chiapas, a presença
paramilitar – agora disfarçada em "organizações civis" – a cumplicidade
dos governos com esses grupos, e o rumo que a maioria da classe política
busca para o México: A "colombinização"do país através do Plano Mérida.
Conhecido internacionalmente, a Frayba leva a cabo um trabalho sistemático desde 1998 coletando informações e denunciando os crimes, tanto de paramilitares como do Exército. Quem lê algum dos seus informes anuais (www.frayba.org.mx), encontrará com uma situação crítica em Chiapas, onde a criminalização das manifestações estão na ordem do dia, enquanto as comunidades indígenas resistem há anos toda classe de abusos. - Qual é a atual situação em Chiapas com respeito ao paramilitarismo, sobretudo, em relação com as comunidades indígenas?
Para falar dos grupos
paramilitares temos que ver os antecedentes. Esses se criaram como uma
experiência da Secretaria de Defesa Nacional para certas regiões de
Chiapas, onde – segundo documentos – o Exército identificava para onde
ia a expansão da influência zapatista. Na zona que diretamente estava
identificada como zapatista, foi aplicada a militarização. Eles
cometeram milhares de crimes que violam os Direitos Humanos:
desaparições, violações, além de muitos despejos.
Isso
começou em 1995, sobretudo, na zona norte do Estado (Chiapas), nos
municípios de Tila, Sabanilla, Salto de Agua e até a parte dos Altos de
Chiapas. A ponta do iceberg culminou no massacre de Acteal em 1997. Como
isso é uma estratégia criada a partir da Secretária de Defesa Nacional
ela vai se modificando, então se o EZLN (Exército Zapatista de
Libertação Nacional) foi caminhando mais por uma via civil e pacífica,
tiveram que modificar a estratégia. Logo, todos os grupos paramilitares
começaram a se esconder nas organizações civis, no entanto, ainda
existem como também nunca foram desarmados, assim eles se tornaram quase
"institucionais". Ao que agora se dedicam a ameaçar as comunidades, as
organizações e principalmente as brases civis do EZLN.
-Esses grupos paramilitares tiveram treinamento direto do Exército mexicano?
-Nós documentamos que eles tinham fortes vínculos com o comandante de toda a região que vai de Tuxtla (capital de Chiapas) até Tabasco. Foram eles quem forneceram ensinamentos, as armas e o dinheiro. Para isso utilizaram os recursos dos programas federais e estaduais, então é todo um desenho de funcionários que operam nesta lógica. Também os prefeitos atuaram nesta lógica.
-Uma das
justificativas da existência do paramilitarismo, por parte do discurso
oficial, foi o suposto conflito entre as próprias comunidades indígenas.
Tanto os paramilitares como o governo apresentam outras razões para
justificar a violência que está sendo levada a diante?
Essa é a razão que buscam ocultar o conflito. Esses grupos atuam movidos por funcionários do governo, sempre terminamos documentando quem são os funcionários e de onde vem as linhas de mando para ameaçar. O que melhor se argumenta é que são conflitos comunitários e, desta forma, o Estado nega que são eles que estão por trás desta estratégia. É o que nós chamamos de "estratégia integral de contra insurgência", que é a militarização do Estado, a criação dos grupos paramilitares para semear o terror, como também toda a ação das políticas de cooptação e divisão das comunidades.
-Qual a quantidade dos grupos paramilitares que a Frayba pode registrar nestes últimos anos?
Houve mudanças, mas temos informes da Frayba no qual foram documentados todos os grupos. Um dos mais fortes era o Movimento Indígena Revolucionário Antizapatista (MIRA), que se formava na parte de "Las Cabanas" na zona onde está mais militarizado. Outros grupos são os " Los Chinchulines" na zona de Chilón, e os " Máscaras Rojas" (Máscaras Vermelhas) que se identificam na zona dos Altos de Chiapas. Mas, houve mudanças nesta estratégia e esses grupos foram sendo "institucionalizados"
O que mais
aconteceu, e que nós fomos monitorando nos últimos três ou quatro anos,
foi que esses grupos se uniram, formaram alianças territoriais e tem a
mesma lógica de expansão e ocupação que os militares. Há uma organização
chamada Organização para a Defesa dos Direitos Indígenas e Camponeses
(OPDDIC, sigla em espanhol), que se fundiu com a "MIRA" e "Los
Chinchulines", então a OPDDIC cresceu muito na zona de "Las Cabanas" e
chega até a zona norte de Chilón. Outra organização é Paz e Justiça, que
são todos paramilitares mas sempre foi uma "organização civil", que no
interior tinha um grupo paramilitar. Paz e Justiça ainda existe e tem
sua sede na cidade de Palenque. Por outro lado, a parte mais radical
deste grupo se dividiu e foi para a zona norte.
-Como vocês analisam o fato de que o paramilitarismo recruta gente das próprias comunidades indígenas?
Esse é um
dos grandes desafios que temos. É lamentável porque esta é a parte
psicológica da estratégia de contra insurgência: semear o terror e a
divisão nas comunidade. O bonito, o maravilho, a grande riqueza e o
aporte histórico que tem os povos indígenas deram ao nosso país e a
América Latina foi o sentido comunitário da vida, da luta e da
esperança. O governo busca destruir o coração do tecido comunitário para
encher de medo e ódio. Esse é um crime contra a humanidade. Então o que
está acontecendo? As comunidades estão divididas, cheias de ódios e
rancores, medos presentes nesses povoados, medo de se organizar; a
palavra "organização", em algumas partes que foram mais atingidos pelos
paramilitares, gera medo. Mas temos que ir recuperando o sentido da
esperança que eles quebraram. Isso é o mais forte, ver como o governo
destrói o sentido da esperança que é destruir o sentido final da
humanidade. Mas os povos vem resistindo mais de quinhentos anos a muitas
guerras dolorosas, as estratégias de extermínios, então é um capítulo
mais e nós temos a esperança que vamos seguir. O aporte histórico dos
povos indígenas foi conseguir seguir apesar de tudo isso.
-A
Freyba teve algum registro de que os paramilitares foram treinados
diretamente, ou tiveram algum contato com a Central de Inteligência
estado-unidense (CIA, sigla em inglês) ou com o Exército
norte-americano?
Os grupos paramilitares
não, pois a CIA dava assessoria diretamente aos militares mexicanos,
logo, os militares já operam a estratégia. Não temos registros de que
eles tenham entrado nos povoados, mas, a partir de 1994, o México
começou a enviar a todos os seu altos militares a Escola de Guerra da
América. Aí se formaram todos os altos militares que depois estiveram em
Chiapas. Sim, sabemos da presença dos agentes da CIA no México. O ano
passado, a organização que desclassifica os arquivos de segurança
nacional dos Estados Unidos, revelou um documento que eram cabais aos
seus enviados no México. Esta é uma clara demonstração de que ele
estiveram presentes aqui, além de toda assessoria e educação em contra
insurgência dos militares mexicanos que foi dada pelo Exército dos
Estados Unidos.
-Como a Freyba vê o futuro da presença paramilitar e militar em Chiapas?
Nós estamos vendo que o
México está indo no caminho da Colômbia, isto é, está se
"colombinizando". Os políticos são cada vez mais cínicos ao se referir
que temos que ir por esse rumo. Nós previmos isso quando começaram a
monitorar como se estivesse dando tudo certo. Cada vez está mais claro e
os políticos são bastante cínicos até o ponto de dizer que temos que
aplicar o Plano Colômbia, como agora está o Plano Mérida (que é uma
coisa parecida). Isso está crescendo, o que aconteceu em Chiapas está
acontecendo em todo o país, e vemos que está ficando cada vez mais duro,
Isso está acontecendo porque o sistema político mexicano está quebrado,
debilitado, deslegitimado e cada vez há mais conflitos sociais por
todas as partes. Com um governo, representante do Estado, tão debilitado
não está ficando outra alternativa, a não ser aplicar a força.
Isso ficou
nítido na mudança de presidente quando o Vicente Foz deu lugar ao Felipe
Calderón. Calderón entrou com uma aliança com os militares, deram muito
dinheiro para eles, isso ficou claro nos pressupostos. Chegou assim a
militarizar as polícias, retirou os soldados do Exército para enviá-los a
Polícia Federal, que é a encarregada de fazer a repressão, por exemplo,
como ocorreu em Atenco e em Oaxaca. Este foi o único recurso que sobrou
ao governo, isto é, bater na população, e ao seguir batendo eles
acreditam que estão fortalecendo sua legitimidade. Ao contrário, estão
se deslegitimando ainda mais. Logo, temos dois cenários: o que está
pasmado e com medo, e o que está se organizando e lutando.
Nós
alimentamos uma grande esperança, pois é a experiência e o aprendizado
que, como Frayba, temos dos povos indígenas em Chiapas. Diante de tanta
dor e sofrimento sempre está a esperança, que é o último que se perde.
Neste cenários vemos, mas com muita esperança, porque também exite
muitos movimentos sociais no México. Invisíveis aos grandes veículos de
informação, mas seguem existindo, ao passo que existe muita comunicação
feita "desde abajo". E "desde abajo"(desde de baixo) vamos construindo e
sabemos que há muitos companheiros e companheiras, organizações e
coletivos, famílias, comunidades... e por aí vamos caminhar.
Fonte: Rebelión
Traduzido para o Diário Liberdade por Paulo Gustavo Roman
|
Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quarta-feira, 28 de julho de 2010
Paramilitares em Chiapas: uma estratégia da Secretaria de Defesa mexicana
"Cuba passa por “mudanças relevantes”, diz escritor Leonardo Padura, crítico do regime
“Um segundo, por favor, Leonardo acaba de entrar em
casa”. Silêncio, vozes ao fundo e um chiado no telefone. A voz de
Leonardo Padura Fuentes surge doce e logo de início ele já pede
desculpas pela falha na ligação: “É época de muita chuva aqui em Havana,
teremos alguns problemas na linha”. Padura é cubano, nasceu em 1955,
trabalhou quinze anos como jornalista e depois de 1995 conseguiu dedicar
mais tempo à literatura.
A entrevista completa encontra-se no sitio OperaMundi
“Considero-me um sujeito feliz, consigo sobreviver da literatura, que é o que gosto, ainda faço alguns artigos como jornalista, mas é pouca coisa”, declara o escritor. Seus romances, protagonizados pelo detetive cubano Mario Conde, renderam-lhe diversos prêmios locais e no exterior, entre eles, duas vezes o Prêmio Internacional Dashiell Hammett de melhor romance policial em língua espanhola.
“Considero-me um sujeito feliz, consigo sobreviver da literatura, que é o que gosto, ainda faço alguns artigos como jornalista, mas é pouca coisa”, declara o escritor. Seus romances, protagonizados pelo detetive cubano Mario Conde, renderam-lhe diversos prêmios locais e no exterior, entre eles, duas vezes o Prêmio Internacional Dashiell Hammett de melhor romance policial em língua espanhola.
Opera Mundi
Padura: Cuba seguiu variante “tropical” do stalinismo, de “baixa intensidade”
“Esse reconhecimento é uma honra para qualquer escritor, aqui em
Cuba principalmente”, afirma Padura. “O país vem crescendo culturalmente
nos últimos anos, politicamente também, apesar da situação econômica
delicada, mas é um momento promissor para a arte e literatura.”
O criador de Mário Conde não esconde sua satisfação com as notícias recentes sobre a libertação de dissidentes. “Acredito que é um passo muito importante e benéfico para Cuba, e muito provavelmente outros virão”, ressalta. “O mais interessante é que são mudanças relevantes, mas que não alteram o sistema cubano. O país precisa disso.”.
Padura é um crítico do governo comunista. Suas opiniões sobre os problemas econômicos e políticos do cotidiano são o tempero dos livros que escreve. Não se alinha, porém, com os grupos de oposição. “Precisamos de reformas que destravem a economia e a burocracia”, ressalta. “Não se trata de andar para trás ou jogar fora as conquistas.”
O escritor lamenta que a revolução cubana tenha copiado, em muitos aspectos, o modelo soviético, com excessiva centralização do Estado. Mas registra que seu país seguiu uma variante “tropical” do stalinismo, de “baixa intensidade”. “Não somos uma sociedade reprimida, mas controlada”, analisa. “Há forças vivas e criativas capazes de impulsionar mudanças sem destruição.”
Padura destaca que, com o colapso do socialismo no leste europeu, nos anos noventa, Cuba passou a viver uma primavera cultural. Proibições e limites para a atividade artísticas caíram, segundo o escritor. “Claro que as dificuldades econômicas afetaram a produção de livros e filmes, por exemplo. Mas passamos a viver um clima de liberdade e tolerância”, ressalta.
Todos os seus livros foram publicados, sem restrição ou censura. Também tem o direito de viajar irrestritamente ao exterior. “Meu passaporte, como os dos meus colegas, tem visto de saída válido por dois anos”, afirma. “Vou para onde quiser, ninguém mais me pergunta ou controla.”
Gênese
Foi nesse novo ambiente que nasceu a literatura de Padura Fuentes. O escritor lidera a renovação do gênero policial cubano e se destacou principalmente com a tetralogia As quatro estações, composta de Paisagem de outono (ainda não traduzido no Brasil), Passado perfeito, As máscaras e Ventos de Quaresma, livros editados no Brasil pela Companhia das Letras.
O personagem central, Mario Conde, é policial que vive em Cuba e passa por várias situações que o aproximam de seu inventor. “Mario Conde é meu velho companheiro, tem a minha idade e estudou nos mesmos lugares que eu. A diferença é a profissão. Aliás, como está nos livros, ele gostaria de ser escritor”, diverte-se.
Mario Conde é um anti-herói, não resiste a uma mulher bonita e não vive sem seu rum, a aguardante dos cubanos. “Seu método não é científico, mas baseado em sua inteligência, em suas fobias, em suas manias, em seus erros, que o levam a comandar uma investigação mais pelo olfato que pelos fatos, mais pelo instinto que pela certeza oferecida pelos laboratórios criminais”, orgulha-se de sua criação.
Além dos traços de personalidade, Padura não esconde que utiliza Mario Conde para expressar questionamentos próprios sobre o país em que vive. “Se fosse explicar a uma pessoa que nunca ouviu falar de Cuba, seria uma das maiores dificuldades, precisaria de muitas páginas. Cuba é um país complexo, difícil de explicar para quem vive fora e até para quem vive dentro”.
Padura chama seus livros de “falsos policiais”, porque são um pretexto, um meio para chegar a um fim que não é a descoberta do assassino. Nos livros existem muitas outras perguntas, e quase todas se referem a uma Cuba atual. “Uso o romance policial como um veículo de indagação social.”
Leia também:
Opinião: Cuba é uma ditadura?
Obama erra ao continuar política de Bush na América Latina
O caso dos Cinco Cubanos: a justiça americana como arma política
Guantánamo já consumiu US$ 500 milhões desde atentados do 11/9, diz jornal
Além do gênero policial, o escritor estreou recentemente no romance histórico. O homem que amava os cachorros, livro publicado em 2009 na Espanha, aguardado para setembro nas livrarias cubanas e ainda sem previsão de edição no Brasil, reconta a história dos últimos anos de Leon Trotsky, até seu assassinato.
A obra parte do encontro de Ivan, um jovem cubano, com um espanhol que passeava seus cachorros, em 1977. Esse homem misterioso, doente e abandonado, aos pouco vai entregando sua identidade: Ramón Mercader, o assassino de Trotsky, que passou vinte anos preso no México antes de imigrar para a União Soviética e refugiar-se na ilha caribenha em meados dos anos setenta. Depois de sua morte, em 1978, o corpo foi levado secretamente para Moscou com o nome de Ramón Ivanovich Lopez.
Padura, no momento, dedica-se a um novo romance, o sétimo protagonizado por Mario Conde, que mistura três espaços temporais: a Holanda no século xvii, cenário de uma história que envolve a figura e a obra de Rembrandt; Cuba do período entreguerras e Cuba atual.
Uma família judia é o fio condutor, da qual é membro o personagem central do romance, refugiado político. Um assassinato ocorrido nos anos trinta permeia a narrativa, levando o detetive Mario Conde a reabrir o arquivo do crime nos tempos atuais. “O país mudou muito no século xx, e isso é uma das questões que quero explorar”, conta Padura. “O conceito de liberdade está por trás da trama.”
Assim que terminar este romance, o escritor cubano pretende vir ao Brasil. “Nunca visitei o país, me encantaria conhecê-lo”, declara. “Aliás, posso eu fazer uma pergunta? Quem ganha as eleições presidenciais em outubro?”
O criador de Mário Conde não esconde sua satisfação com as notícias recentes sobre a libertação de dissidentes. “Acredito que é um passo muito importante e benéfico para Cuba, e muito provavelmente outros virão”, ressalta. “O mais interessante é que são mudanças relevantes, mas que não alteram o sistema cubano. O país precisa disso.”.
Padura é um crítico do governo comunista. Suas opiniões sobre os problemas econômicos e políticos do cotidiano são o tempero dos livros que escreve. Não se alinha, porém, com os grupos de oposição. “Precisamos de reformas que destravem a economia e a burocracia”, ressalta. “Não se trata de andar para trás ou jogar fora as conquistas.”
O escritor lamenta que a revolução cubana tenha copiado, em muitos aspectos, o modelo soviético, com excessiva centralização do Estado. Mas registra que seu país seguiu uma variante “tropical” do stalinismo, de “baixa intensidade”. “Não somos uma sociedade reprimida, mas controlada”, analisa. “Há forças vivas e criativas capazes de impulsionar mudanças sem destruição.”
Padura destaca que, com o colapso do socialismo no leste europeu, nos anos noventa, Cuba passou a viver uma primavera cultural. Proibições e limites para a atividade artísticas caíram, segundo o escritor. “Claro que as dificuldades econômicas afetaram a produção de livros e filmes, por exemplo. Mas passamos a viver um clima de liberdade e tolerância”, ressalta.
Todos os seus livros foram publicados, sem restrição ou censura. Também tem o direito de viajar irrestritamente ao exterior. “Meu passaporte, como os dos meus colegas, tem visto de saída válido por dois anos”, afirma. “Vou para onde quiser, ninguém mais me pergunta ou controla.”
Gênese
Foi nesse novo ambiente que nasceu a literatura de Padura Fuentes. O escritor lidera a renovação do gênero policial cubano e se destacou principalmente com a tetralogia As quatro estações, composta de Paisagem de outono (ainda não traduzido no Brasil), Passado perfeito, As máscaras e Ventos de Quaresma, livros editados no Brasil pela Companhia das Letras.
O personagem central, Mario Conde, é policial que vive em Cuba e passa por várias situações que o aproximam de seu inventor. “Mario Conde é meu velho companheiro, tem a minha idade e estudou nos mesmos lugares que eu. A diferença é a profissão. Aliás, como está nos livros, ele gostaria de ser escritor”, diverte-se.
Mario Conde é um anti-herói, não resiste a uma mulher bonita e não vive sem seu rum, a aguardante dos cubanos. “Seu método não é científico, mas baseado em sua inteligência, em suas fobias, em suas manias, em seus erros, que o levam a comandar uma investigação mais pelo olfato que pelos fatos, mais pelo instinto que pela certeza oferecida pelos laboratórios criminais”, orgulha-se de sua criação.
Além dos traços de personalidade, Padura não esconde que utiliza Mario Conde para expressar questionamentos próprios sobre o país em que vive. “Se fosse explicar a uma pessoa que nunca ouviu falar de Cuba, seria uma das maiores dificuldades, precisaria de muitas páginas. Cuba é um país complexo, difícil de explicar para quem vive fora e até para quem vive dentro”.
Padura chama seus livros de “falsos policiais”, porque são um pretexto, um meio para chegar a um fim que não é a descoberta do assassino. Nos livros existem muitas outras perguntas, e quase todas se referem a uma Cuba atual. “Uso o romance policial como um veículo de indagação social.”
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Opinião: Cuba é uma ditadura?
Obama erra ao continuar política de Bush na América Latina
O caso dos Cinco Cubanos: a justiça americana como arma política
Guantánamo já consumiu US$ 500 milhões desde atentados do 11/9, diz jornal
Além do gênero policial, o escritor estreou recentemente no romance histórico. O homem que amava os cachorros, livro publicado em 2009 na Espanha, aguardado para setembro nas livrarias cubanas e ainda sem previsão de edição no Brasil, reconta a história dos últimos anos de Leon Trotsky, até seu assassinato.
A obra parte do encontro de Ivan, um jovem cubano, com um espanhol que passeava seus cachorros, em 1977. Esse homem misterioso, doente e abandonado, aos pouco vai entregando sua identidade: Ramón Mercader, o assassino de Trotsky, que passou vinte anos preso no México antes de imigrar para a União Soviética e refugiar-se na ilha caribenha em meados dos anos setenta. Depois de sua morte, em 1978, o corpo foi levado secretamente para Moscou com o nome de Ramón Ivanovich Lopez.
Padura, no momento, dedica-se a um novo romance, o sétimo protagonizado por Mario Conde, que mistura três espaços temporais: a Holanda no século xvii, cenário de uma história que envolve a figura e a obra de Rembrandt; Cuba do período entreguerras e Cuba atual.
Uma família judia é o fio condutor, da qual é membro o personagem central do romance, refugiado político. Um assassinato ocorrido nos anos trinta permeia a narrativa, levando o detetive Mario Conde a reabrir o arquivo do crime nos tempos atuais. “O país mudou muito no século xx, e isso é uma das questões que quero explorar”, conta Padura. “O conceito de liberdade está por trás da trama.”
Assim que terminar este romance, o escritor cubano pretende vir ao Brasil. “Nunca visitei o país, me encantaria conhecê-lo”, declara. “Aliás, posso eu fazer uma pergunta? Quem ganha as eleições presidenciais em outubro?”
Pedofilia e assassinato em massa
Os Estados
Unidos estão indignados. Em menos de duas semanas vieram a público
documentos secretos, alias altamente secretos, acusando os militares do
país de pedofilia e de assassinatos em massa de civis.
Que o digam as populações do Iraque, Paquistão, Afeganistão e por que não, Palestina.
O governo quer saber quem foi ou foram os responsáveis.
E a mídia repercute.
Bobagem.
Claro que o governo mostra indignação.
E claro que todos sabemos que os documentos secretos foram divulgados pelo próprio governo.
Essa é
uma das formas que Obama encontrou para deixar de ser refém das
empresas privadas que hoje controlam todo o serviço de informação do
país.
Se vai dar certo, ou não, o tempo dirá.
Obama sabe que ele pode ser a próxima vítima.
Não
porque seja muito diferente dos Bush( há sim uma pequena diferença), mas
porque, ao contrario de seus antecessores, ele se recusa a dar carta
branca aos criminosos que dizem defender os Estados Unidos.
Pedofilia e assassinato em massa.
É a democracia Ocidental e Cristã em sua plenitude.
Frase mágica que os Estados Unidos sempre utilizaram para ocupar e saquear países.
Inclusive nas maltratadas Américas.
Nós, mais velhos, nem precisamos recorrer à História.
Todos conhecemos o sabor da Democracia Ocidental e Cristã.
Era a época do prendo e arrebento.
Ditaduras eram semeadas em nome da Democracia Ocidental e Cristã.
E com apoio da mídia.
Lembram?
Quando o cheiro de cavalo era preferível ao do povo.
Esse povo estúpido que não sabe votar, que prefere iletrados a doutores.
Ah, esses doutores que já esgotaram seu estoque de sais e de rapés.
Que não podem ver um macacão que se arrepiam todos.
Mas a História é implacável e caminha sempre para a frente.
O Império treme.
Já dizia alguém que ele não passava de um tigre de papel.
E essa previsão está se confirmando.
E acreditem, seus dentes atômicos serão a sua ruína.
Já era mais do que hora.
Os oprimidos e explorados agradecem.
terça-feira, 27 de julho de 2010
Dina Sfat, Nelson Jobim e o interesse econômico dos militares brasucas
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, disse ontem (26) que há grandes
vulnerabilidades nas operações de defesa das Forças Armadas brasileiras.
A constatação foi feita durante acompanhamento dos exercícios militares
da Operação Atlântico 2, que reúne Marinha, Exército e Aeronáutica
desde o último dia 19 na costa brasileira. A informação é da Agência Brasil.
O ministro pediu aos comandantes do exercício que preparem um relatório completo sobre as principais deficiências dos militares. “Nossas vulnerabilidades são grandes. Nós não podemos ter operações noturnas, por exemplo. Não temos mísseis antisubmarinos que possam ser lançados de aviões. Há uma série de coisas”, disse o ministro, no Rio de Janeiro.
A Atlântico 2, que reúne 10 mil militares e se encerra no próximo dia 30, é uma das operações conjuntas rotineiras que as Forças Armadas fazem para preparar o emprego do Exército, da Marinha e Aeronáutica em caso de ameaças externas. Entre os exercícios realizados está a defesa de instalações estratégicas, como o Complexo Nuclear de Angra dos Reis.
Ainda durante a visita ao Rio de Janeiro, o ministro disse que conversará nesta semana com o presidente Luiz Inácio Lula da Lula sobre o programa de renovação da frota de caças da Força Aérea Brasileira (FAB), o chamado F-X2. Três tipos de aviões disputam a concorrência da FAB: o francês Rafale, o sueco Gripen NG e o americano F-18 Hornet.
Até o momento, o governo não anunciou o resultado da disputa. A Aeronáutica acredita que o anúncio da escolha só será feito depois das eleições de outubro.
.............................
Ainda durante a ditadura civil-militar, já na fase de distensão, a grande atriz Dina Sfat (foto) mostrou que era uma mulher politizada e corajosa. Ela participava de um programa de televisão como entrevistadora convidada, o entrevistado era um general de peito arfante de patriotismo e boçalidade. Todos puxavam o saco do entrevistado. De tudo que ele falava, a metade era lorota e a outra metade façanhas a la Barão de Münchausen. A folhas tantas, Dina mira o militar e dispara certeiro: "General, em quantas guerras mesmo, no duro, o senhor lutou?" Não obteve resposta, por óbvio, ouviram-se alguns pigarros evasivos e logo foram chamados os comerciais da emissora.
Notem, pois, que a instituição militar em pleno século 21 é um anacronismo absoluto, por que sustentada em conceitos de defesa e segurança nacional completamente superados. Do que nos defendem os militares brasileiros? No duro, como dizia Dina, o que faz essa gente, além de parasitar os cofres públicos? Que contribuição eles dão ao povo e às instituições republicanas brasileiras? Foram instrumento de um golpe civil contra a errante democracia liberal de 1964, ficaram 21 anos no poder, cometeram desmandos, tropelias, crimes, sairam pela condição excrescente que representavam e até hoje não fizeram autocrítica alguma.
Paralelo ao governo arbitrário pelo qual foram responsáveis, setores militares desenvolveram um franco interesse econômico que hoje prospera e soube se fazer player no contexto mundial dos complexos industrial-militares. É disso que trata a manifestação de Nelson Jobim. O ministro está expressando e sendo porta-voz destes interesses econômicos, sempre travestidos da retórica mofada do patriotismo, defesa nacional, Brasil grande potência, interesses estratégicos, blablablablablá.
"Não podemos ter operações noturnas", reclama o ministro Jobim. Ah, que horror, que catástrofe!
Como se estivéssemos à beira de uma convulsão internacional e na iminência de sermos invadidos por exércitos estrangeiros. Ora, essa invasão já acontece, só não tem caráter bélico-militarista tout court. Ela ocorre por via do capital financeiro, através de dívidas e captura de agentes econômicos e cadeias produtivas inteiras. Um exemplo nítido é o agronegócio, todo ele colonizado pelos interesses dos manipuladores de sementes e grãos, dos insumos químicos, da indústria alimentícia, cujos controles em última instância estão nas mãos dos grandes bancos internacionais. Contra esse "inimigo" plenamente internalizado (e com ministério na Esplanada), que armas dispõe o nosso patriótico ministro da Defesa?
Portanto, essa conversa fiada de Nelson Jobim, no fundo e no raso, é pura ideologia, uma manipulação grosseira de conceitos atrasados, obsoletos, que procuram conectar a noção de "forças armadas" com a noção (canalha, segundo Samuel Johnson) de "patriotismo".
É atualíssimo, então, o repto de Dina Sfat. Apenas devemos modificar a conjugação do verbo lutar, agora no futuro do presente:
- Generais, em quantas guerras os senhores ainda lutarão?
Fotografia: Antonio Guerreiro.
O ministro pediu aos comandantes do exercício que preparem um relatório completo sobre as principais deficiências dos militares. “Nossas vulnerabilidades são grandes. Nós não podemos ter operações noturnas, por exemplo. Não temos mísseis antisubmarinos que possam ser lançados de aviões. Há uma série de coisas”, disse o ministro, no Rio de Janeiro.
A Atlântico 2, que reúne 10 mil militares e se encerra no próximo dia 30, é uma das operações conjuntas rotineiras que as Forças Armadas fazem para preparar o emprego do Exército, da Marinha e Aeronáutica em caso de ameaças externas. Entre os exercícios realizados está a defesa de instalações estratégicas, como o Complexo Nuclear de Angra dos Reis.
Ainda durante a visita ao Rio de Janeiro, o ministro disse que conversará nesta semana com o presidente Luiz Inácio Lula da Lula sobre o programa de renovação da frota de caças da Força Aérea Brasileira (FAB), o chamado F-X2. Três tipos de aviões disputam a concorrência da FAB: o francês Rafale, o sueco Gripen NG e o americano F-18 Hornet.
Até o momento, o governo não anunciou o resultado da disputa. A Aeronáutica acredita que o anúncio da escolha só será feito depois das eleições de outubro.
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Ainda durante a ditadura civil-militar, já na fase de distensão, a grande atriz Dina Sfat (foto) mostrou que era uma mulher politizada e corajosa. Ela participava de um programa de televisão como entrevistadora convidada, o entrevistado era um general de peito arfante de patriotismo e boçalidade. Todos puxavam o saco do entrevistado. De tudo que ele falava, a metade era lorota e a outra metade façanhas a la Barão de Münchausen. A folhas tantas, Dina mira o militar e dispara certeiro: "General, em quantas guerras mesmo, no duro, o senhor lutou?" Não obteve resposta, por óbvio, ouviram-se alguns pigarros evasivos e logo foram chamados os comerciais da emissora.
Notem, pois, que a instituição militar em pleno século 21 é um anacronismo absoluto, por que sustentada em conceitos de defesa e segurança nacional completamente superados. Do que nos defendem os militares brasileiros? No duro, como dizia Dina, o que faz essa gente, além de parasitar os cofres públicos? Que contribuição eles dão ao povo e às instituições republicanas brasileiras? Foram instrumento de um golpe civil contra a errante democracia liberal de 1964, ficaram 21 anos no poder, cometeram desmandos, tropelias, crimes, sairam pela condição excrescente que representavam e até hoje não fizeram autocrítica alguma.
Paralelo ao governo arbitrário pelo qual foram responsáveis, setores militares desenvolveram um franco interesse econômico que hoje prospera e soube se fazer player no contexto mundial dos complexos industrial-militares. É disso que trata a manifestação de Nelson Jobim. O ministro está expressando e sendo porta-voz destes interesses econômicos, sempre travestidos da retórica mofada do patriotismo, defesa nacional, Brasil grande potência, interesses estratégicos, blablablablablá.
"Não podemos ter operações noturnas", reclama o ministro Jobim. Ah, que horror, que catástrofe!
Como se estivéssemos à beira de uma convulsão internacional e na iminência de sermos invadidos por exércitos estrangeiros. Ora, essa invasão já acontece, só não tem caráter bélico-militarista tout court. Ela ocorre por via do capital financeiro, através de dívidas e captura de agentes econômicos e cadeias produtivas inteiras. Um exemplo nítido é o agronegócio, todo ele colonizado pelos interesses dos manipuladores de sementes e grãos, dos insumos químicos, da indústria alimentícia, cujos controles em última instância estão nas mãos dos grandes bancos internacionais. Contra esse "inimigo" plenamente internalizado (e com ministério na Esplanada), que armas dispõe o nosso patriótico ministro da Defesa?
Portanto, essa conversa fiada de Nelson Jobim, no fundo e no raso, é pura ideologia, uma manipulação grosseira de conceitos atrasados, obsoletos, que procuram conectar a noção de "forças armadas" com a noção (canalha, segundo Samuel Johnson) de "patriotismo".
É atualíssimo, então, o repto de Dina Sfat. Apenas devemos modificar a conjugação do verbo lutar, agora no futuro do presente:
- Generais, em quantas guerras os senhores ainda lutarão?
Fotografia: Antonio Guerreiro.
Emergência vira rotina
Roberto Malvezzi - Correio da Cidadania | |
A sucessão de tragédias, que antes chamávamos de emergenciais, agora vai se tornando cotidiana.
Meu irmão de música e caminhada, Magalhães, é coordenador do "Setor de
Emergências" da Cáritas Brasileira. Temos um acordo comum quando nos
encontramos para reuniões das pastorais sociais: pela noite só falamos
de música, ou tocamos violão, ou vamos ver alguma apresentação de boa
música. Foi assim que vi no Clube do Chorinho, Brasília, uma
apresentação de Paulo Moura, um dos maiores saxofonistas do mundo,
falecido esses dias atrás.
Acontece que Magalhães agora não tem mais sossego. Das enchentes do
Maranhão para as enchentes de Santa Catarina, para o terremoto do Haiti,
para as enchentes do Piauí, Maranhão e Ceará, para as enchentes de
Pernambuco e Alagoas. Basta ligar a televisão e, quase rotineiramente,
lá está uma campanha emergencial da "Cáritas e CNBB".
Faz alguns anos levamos para dentro da CNBB, a partir das Pastorais
Sociais, o desafio assustador do Aquecimento Global. Nas Pastorais
Sociais, mesmo nos movimentos sociais, parecia algo absolutamente
estranho. Quantas vezes foi preciso ouvir que "a questão ambiental é um
problema da classe média". Muitas vezes é preciso ter paciência mesmo
com as populações com as quais trabalhamos.
No documento que elaboramos sobre a mudança climática "Aquecimento
Global: profecia da Terra", já alertávamos que ele tem o dom de tornar
pior tudo que já é ruim.
O aumento da temperatura gera obviamente mais calor, intensifica a
evaporação das águas, provoca, em conseqüência, chuvas torrenciais,
enquanto no outro extremo provoca secas, destrói a agricultura, provoca
enchentes, destrói cidades, arrasa a economia das famílias, força
migrações, mata pessoas.
Como prevêem os cientistas, a cada grau a mais na temperatura, o aumento
desses fenômenos extremos se agrava de forma assombrosa. O cenário mais
aterrador foi projetado por James Lovelock em sua modelação de
computador: se a concentração de CO2 na atmosfera atingir 500 ppm (parte
por milhão), a temperatura da Terra vai disparar de forma geométrica,
restando ao final um planeta tórrido, com vida apenas onde hoje estão os
pólos. Para ele, se a humanidade continuar com o nível de emissão
atual, em quarenta anos chegará a esse patamar.
Diante de tragédias tão cotidianas, parece que apenas o governo
brasileiro e a elite do agronegócio continuam "sem olhos para ver,
ouvidos para ouvir, coração para sentir". A mudança no Código Florestal
nos empurra ainda mais para o Aquecimento Global.
Mas, não é só ele. Continuar queimando energia fóssil, sobretudo
petróleo, é também uma forma de contribuir para que as tragédias se
tornem cada vez mais cotidianas. Quem vai ousar questionar o Pré-sal?
Só os loucos podem sonhar em mudar essa rota. Afinal, como já ouvi, "tem gente demais na face dessa Terra"
Roberto Malvezzi (Gogó), ex-coordenador da CPT, é agente pastoral.
|
Chanceler de Chávez negocia plano de paz e acusa Estados Unidos de insuflar a guerra
O chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, esteve reunido
com o presidente Lula na noite desta segunda-feira (26/7), durante breve
viagem ao Brasil. Antes de continuar seu roteiro, que inclui paradas no
Paraguai, Uruguai e Argentina, concedeu entrevista exclusiva ao Opera Mundi.
Revelou a intenção de seu governo em articular um “plano de paz
permanente com a Colombia” e analisou a escalada da crise entre as duas
nações andinas.
Maduro reiterou que seu governo “deseja ter as melhores relações
com o governo colombiano”. Mas foi contundente ao afirmar que, diante
de qualquer ação agressiva da administração Uribe, a Venezuela irá
responder com “medidas extremas de proteção”. Também acusou os Estados
Unidos de serem o “pano de fundo” da crise e repetiu o alerta do
presidente Chávez, de que o fornecimento de petróleo e derivados será
suspenso em caso de qualquer ataque colombiano. Confira, a seguir, a
íntegra da entrevista.
Opera Mundi
Maduro: "a Venezuela é vítima da guerra colombiana há 60 anos"
Qual o objetivo da sua visita ao Brasil?
Foi uma visita relâmpago, para trazer uma mensagem pessoal do presidente Chávez ao governo brasileiro, além de oferecermos mais informações sobre as ameaças do governo colombiano contra a Venezuela. O presidente Lula teve o gesto honroso de nos receber. Apresentamos os esboços do plano que vamos levar à Unasul (União das Nações Sul-Americanas), que se reúne na próxima quinta-feira em Quito, focado na necessidade de plano de paz permanente para a região. A guerra civil na Colômbia extravasou suas fronteiras e ameaça a segurança das nações andinas.
Foi uma visita relâmpago, para trazer uma mensagem pessoal do presidente Chávez ao governo brasileiro, além de oferecermos mais informações sobre as ameaças do governo colombiano contra a Venezuela. O presidente Lula teve o gesto honroso de nos receber. Apresentamos os esboços do plano que vamos levar à Unasul (União das Nações Sul-Americanas), que se reúne na próxima quinta-feira em Quito, focado na necessidade de plano de paz permanente para a região. A guerra civil na Colômbia extravasou suas fronteiras e ameaça a segurança das nações andinas.
Mas quais são as propostas centrais desse plano?
Estamos em processo de consultas. Vamos apresentá-lo formalmente na quinta-feira. Não queremos adiantar os detalhes neste momento porque acreditamos que deve ser muito discutido previamente à sua apresentação na quinta-feira, para que ganhe viabilidade. Mas temos insistido que a corrida armamentista que está acontecendo na Colômbia há varias décadas, particularmente a partir do Plano Colômbia, e agora com as bases militares norte-americanas, leva a um transbordamento da violência daquele país na direção dos países vizinhos. Queremos encerrar essa situação com um plano de paz que possa superar a guerra na Colômbia, que já causou um ataque, em março de 2008, ao território do Equador e que representa uma ameaça permanente à revolução democrática na Venezuela.
Estamos em processo de consultas. Vamos apresentá-lo formalmente na quinta-feira. Não queremos adiantar os detalhes neste momento porque acreditamos que deve ser muito discutido previamente à sua apresentação na quinta-feira, para que ganhe viabilidade. Mas temos insistido que a corrida armamentista que está acontecendo na Colômbia há varias décadas, particularmente a partir do Plano Colômbia, e agora com as bases militares norte-americanas, leva a um transbordamento da violência daquele país na direção dos países vizinhos. Queremos encerrar essa situação com um plano de paz que possa superar a guerra na Colômbia, que já causou um ataque, em março de 2008, ao território do Equador e que representa uma ameaça permanente à revolução democrática na Venezuela.
O senhor avalia que a crise entre os dois países pode levar a um conflito militar?
É isso que queremos evitar. Já estamos em conflito político e diplomático contra uma doutrina que causou os ataques ao Equador. Uma doutrina que viola o direito internacional em relação à soberania e à inviolabilidade territorial dos países. Faremos todos os esforços para impedir seu desdobramento militar. Mas repudiamos a agressão diplomática do governo colombiano e defenderemos nosso território diante de qualquer tentativa de violação.
Leia mais:
É isso que queremos evitar. Já estamos em conflito político e diplomático contra uma doutrina que causou os ataques ao Equador. Uma doutrina que viola o direito internacional em relação à soberania e à inviolabilidade territorial dos países. Faremos todos os esforços para impedir seu desdobramento militar. Mas repudiamos a agressão diplomática do governo colombiano e defenderemos nosso território diante de qualquer tentativa de violação.
Análise: Por que Chávez rompeu relações com a Colômbia
“Não há saída para a Colômbia fora da política e da democracia”
EUA interpretam erroneamente a política externa do Brasil
O debate da política externa: os progressistas
Após a eleição de Juan Manuel
Santos para presidir a Colômbia, parecia que as relações com a Venezuela
poderiam entrar em distensão. A que o senhor atribui a súbita mudança
de situação?
Temos que relembrar que o presidente Chávez, no dia 14 de julho, anunciou o desejo de normalizar relações diplomáticas com a Colômbia, determinando que eu procurasse a futura chanceler do país vizinho para tratarmos dos termos de reaproximação. No dia seguinte apareceram notícias, na imprensa colombiana, de que o presidente Uribe apresentaria provas contundentes de presença guerrilheira em território venezuelano. A partir daí foi deslanchada campanha intensa contra nosso governo, repercutindo também na mídia internacional, por meio da CNN e outras empresas de comunicação. Uma semana depois o embaixador colombiano foi à OEA (Organização dos Estados Americanos) e passou horas ofendendo o presidente Chávez e nossas instituições democráticas. Mostrou umas fotos e simplesmente afirmou que guerrilheiros estavam escondidos na Venezuela, sem provar nada. O presidente Uribe parece movido pelo interesse de manter seu espaço como chefe dos grupos mais conservadores e belicistas de seu país. Não tivemos outra opção que não o rompimento das relações diplomáticas.
Temos que relembrar que o presidente Chávez, no dia 14 de julho, anunciou o desejo de normalizar relações diplomáticas com a Colômbia, determinando que eu procurasse a futura chanceler do país vizinho para tratarmos dos termos de reaproximação. No dia seguinte apareceram notícias, na imprensa colombiana, de que o presidente Uribe apresentaria provas contundentes de presença guerrilheira em território venezuelano. A partir daí foi deslanchada campanha intensa contra nosso governo, repercutindo também na mídia internacional, por meio da CNN e outras empresas de comunicação. Uma semana depois o embaixador colombiano foi à OEA (Organização dos Estados Americanos) e passou horas ofendendo o presidente Chávez e nossas instituições democráticas. Mostrou umas fotos e simplesmente afirmou que guerrilheiros estavam escondidos na Venezuela, sem provar nada. O presidente Uribe parece movido pelo interesse de manter seu espaço como chefe dos grupos mais conservadores e belicistas de seu país. Não tivemos outra opção que não o rompimento das relações diplomáticas.
Mas o próprio presidente Chávez disse que os grupos paramilitares e guerrilheiros de fato cruzam as fronteiras venezuelanas.
Nós somos vítimas da guerra colombiana há 60 anos. Temos quatro milhões de colombianos vivendo na Venezuela, foragidos de guerra. E por que não voltam para a Colômbia? Porque se sentem inseguros, enquanto na Venezuela, a partir do governo Chávez, reconhecemos seus direitos ao trabalho e à seguridade social, ao progresso e à proteção do Estado. Nessas décadas todas fomos constantemente invadidos por guerrilheiros, paramilitares e narcotraficantes, que se apropriaram de terras nossas. Mas usamos nossas formas armadas e policiais, comandadas pelo presidente Chávez, e hoje todos os 2,3 mil quilômetros que temos de fronteira com a Colômbia estão livres da produção de drogas ou laboratórios de processamento. Foi um esforço que fizemos no combate também aos grupos armados. Mas esses quilômetros de fronteiras estão abandonados pela Colômbia. É muito difícil que não soframos mais risco de invasões enquanto não acabar a guerra na Colômbia.
Nós somos vítimas da guerra colombiana há 60 anos. Temos quatro milhões de colombianos vivendo na Venezuela, foragidos de guerra. E por que não voltam para a Colômbia? Porque se sentem inseguros, enquanto na Venezuela, a partir do governo Chávez, reconhecemos seus direitos ao trabalho e à seguridade social, ao progresso e à proteção do Estado. Nessas décadas todas fomos constantemente invadidos por guerrilheiros, paramilitares e narcotraficantes, que se apropriaram de terras nossas. Mas usamos nossas formas armadas e policiais, comandadas pelo presidente Chávez, e hoje todos os 2,3 mil quilômetros que temos de fronteira com a Colômbia estão livres da produção de drogas ou laboratórios de processamento. Foi um esforço que fizemos no combate também aos grupos armados. Mas esses quilômetros de fronteiras estão abandonados pela Colômbia. É muito difícil que não soframos mais risco de invasões enquanto não acabar a guerra na Colômbia.
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Venezuela rompe com Colômbia
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O presidente Chávez anunciou que, se houver agressão militar da Colômbia contra a Venezuela, haverá medidas contra os EUA.
O presidente Chávez há muito tempo denuncia a agressiva movimentação norte-americana contra a Venezuela, com o apoio da Colômbia. As sete bases instaladas na Colômbia estão estrategicamente voltadas contra nosso território, para não falar na reativação da 4ª Frota e outras medidas. Não temos dúvidas de que existe uma estratégia elaborada pelo Pentágono e pelo Departamento de Estado norte-americano para recuperar a hegemonia política que os EUA perderam na região por conta do avanço das correntes progressitas. Todas essas provocações da Colômbia e todas essas intenções agressivas têm, como pano de fundo, esse plano norte-americano. Se a Venezuela for agredida, tomaremos medidas de proteção, a começar pelo cancelamento do comércio de petróleo e derivados com os EUA.
O presidente Chávez há muito tempo denuncia a agressiva movimentação norte-americana contra a Venezuela, com o apoio da Colômbia. As sete bases instaladas na Colômbia estão estrategicamente voltadas contra nosso território, para não falar na reativação da 4ª Frota e outras medidas. Não temos dúvidas de que existe uma estratégia elaborada pelo Pentágono e pelo Departamento de Estado norte-americano para recuperar a hegemonia política que os EUA perderam na região por conta do avanço das correntes progressitas. Todas essas provocações da Colômbia e todas essas intenções agressivas têm, como pano de fundo, esse plano norte-americano. Se a Venezuela for agredida, tomaremos medidas de proteção, a começar pelo cancelamento do comércio de petróleo e derivados com os EUA.
O senhor não acha que a postura de seu governo pode aprofundar a tensão?
Nós queremos ter as melhores relações com o governo da Colômbia e estamos trabalhando nesse sentido. Mas não se pode continuar essa campanha permanente contra o chefe de estado, as instituições e a democracia venezuelana. A revolução bolivariana tem de ser respeitada assim como o governo da Colômbia. Queremos voltar a desenvolver o comércio, os investimentos conjuntos, o intercâmbio em todas as áreas -- cultural, energética etc. Mas a partir de uma retificação profunda, do respeito mútuo e absoluto. Se isso não existir, não temos como fazer o diálogo avançar.
Nós queremos ter as melhores relações com o governo da Colômbia e estamos trabalhando nesse sentido. Mas não se pode continuar essa campanha permanente contra o chefe de estado, as instituições e a democracia venezuelana. A revolução bolivariana tem de ser respeitada assim como o governo da Colômbia. Queremos voltar a desenvolver o comércio, os investimentos conjuntos, o intercâmbio em todas as áreas -- cultural, energética etc. Mas a partir de uma retificação profunda, do respeito mútuo e absoluto. Se isso não existir, não temos como fazer o diálogo avançar.
Afeganistão: Relatórios secretos vazam e revelam conflito brutal
Guardian, UK (editorial) via Viomundo
Tradução Caia Fittipaldi
A névoa da guerra é excepcionalmente densa no Afeganistão. No momento
em que se dissipa, como hoje, com a publicação, pelo Guardian, de
excertos de relatos secretos de militares dos EUA, revela-se paisagem
muito diferente daquela a que nos habituamos. São relatos de guerra
escritos no calor da hora e mostram um conflito no qual reinam a mais
brutal confusão e todos os desacertos, sem qualquer plano ou projeto. Há
muitas diferenças entre o que mostram esses documentos e a guerra
organizada, bem embalada, da versão ‘pública’ dos comunicados oficiais e
dos flashes necessariamente resumidos de jornalistas incorporados à
tropa.
No material agora publicado há mais de 92 mil relatórios de ações dos
militares norte-americanos no Afeganistão entre janeiro de 2004 e
dezembro de 2009. Os arquivos foram distribuídos por Wikileaks, website
que publica material não rastreável de várias fontes. Em colaboração com
o New York Times e Der Spiegel, o Guardian trabalhou durante semanas
nesse oceano de dados, até extrair deles a textura oculta e as histórias
de horror humano que são o dia a dia da guerra.
Esse material teve de ser tratado como o que é: um relato
contemporâneo ao conflito. Alguns dos relatórios de inteligência não têm
fonte confirmada: alguns dos aspectos da contagem do número de mortes
entre civis não parecem confiáveis. São relatos – classificados como
secretos – enciclopédicos, mas incompletos. Foram removidas do que
adiante se lê todas as informações que ponham em risco a segurança dos
soldados, de informantes locais e de agentes colaboradores.
O quadro geral que emerge é extremamente perturbador. Há relatos de
cerca de 150 incidentes nos quais as forças da coalizão, inclusive
soldados britânicos, mataram e feriram civis, a maioria dos quais jamais
divulgados; de centenas de confrontos de fronteira entre soldados
afegãos e paquistaneses, de dois exércitos supostamente aliados; da
existência de uma unidade de forças especiais cuja única missão é
assassinar líderes Talibã e da al-Qaeda; do massacre de civis apanhados
em locais onde aconteçam explosões das bombas de fabricação caseira dos
Talibã; e uma longa lista de incidentes nos quais os soldados da
coalizão atiraram uns contra os outros, também envolvendo soldados
afegãos, com mortos e feridos.
Ao ler esses relatos, é fácil suspeitar de que reine por lá o mais
absoluto descaso pela vida de inocentes. Um ônibus que não para para uma
patrulha a pé é metralhado (4 passageiros mortos e 11 feridos). Os
documentos contam como, na caça a um guerrilheiro local, uma unidade das
Forças Especiais executou sete crianças. As crianças não eram
prioridade. Relato assinalado “Noforn” (ing. not for foreign elements of
the coalition, “proibido para elementos estrangeiros [não da coalizão,
locais, portanto]”) sugere que a prioridade daquela unidade foi
esconder, o mais rapidamente possível, o sistema de mísseis móveis que
haviam usado na ação.
Nesses documentos, as agências de inteligência do Irã e do Paquistão
organizam manifestações e tumultos. O Serviço Secreto do Paquistão
(Inter-Services Intelligence, ISI) tem ligações com os mais conhecidos
senhores-da-guerra. Diz-se que o ISI teria entregue 1.000 motocicletas a
Jalaluddin Haqqani, um desses senhor-da-guerra, para serem usadas em
ataques suicidas nas províncias de Khost e Logar, e que estariam
implicados em sequência impressionante de ações, desde atentados contra a
vida do presidente Hamid Karzai até o envenenamento dos carregamentos
de cerveja para os soldados ocidentais. São relatos que não há como
comprovar e é possível que sejam parte de uma barreira de falsa
informação distribuída pelo serviço secreto afegão.
Mas a resposta da Casa Branca ontem – que negou que o exército
paquistanês seja tão direta e especificamente ligado aos guerrilheiros
locais – basta, para que se tenha de definir como inaceitável o status
quo na guerra do Afeganistão.
Para a Casa Branca, os “paraísos seguros” para “terroristas” em
território paquistanês continuam a ser “ameaça intolerável” às forças
dos EUA. Sejam ou não, esse não é um Afeganistão que EUA ou Grã-Bretanha
estejam a alguns meses de entregar, embrulhado em papel de presente e
fitas cor-de-rosa, a um governo nacional soberano em Cabul. Antes,
exatamente o contrário. Depois de nove anos de guerra, o caos, sim,
ameaça tornar-se incontrolável. Guerra ostensivamente feita para
conquistar corações e mentes afegãs não será vencida do modo como as
coisas parecem estar, por lá.
segunda-feira, 26 de julho de 2010
Multa abre caminho para punir multi poluidora
Brizola Neto em seu blog Tijolaco
Uma notícia que não saiu, que eu visse, em qualquer jornal brasileiro, é importantíssima. A Justiça da Holanda condenou a multinacional Trafigura -
que opera na comercialização de petróleo e derivados – em 1 milhão de
Euros por ter ocultado a natureza tóxica de uma carga de gasolina com
alto teor de enxofre, transportada no navio Probo Koala e
tê-la exportado para Abdijan, na Costa do Marfim, sem antes saber se
haveria condição de tratar lá este lixo tóxico. A multa é menos
importante pelo seu valor em dinheiro – a Trafigura teve um lucro 340
vezes maior, ano passado – do que pelo caminho que abre para que a
empresa responda em diversas cortes pela intoxicação que seu produto
causou em milhares de marfinenses, levando 16 deles à morte, em 2006.
No ano seguinte, a empresa teria feito um acordo com o governo da
Costa do Marfim para evitar processos e iniciou uma ofensiva contra os
meios de comunicação para abafar o escândalo.
A Trafigura entrou com uma ação judicial para proibir o jornal britânico The Guardian de publicar um documento – conhecido como Relatório Milton – no qual especialistas atribuíam os problemas em Abidjan aos resíduos do Probo Koala. O jornal foi proibido de mencionar não só o relatório, como o próprio recurso judicial da Trafigura. Mas os detalhes do Relatório Milton,
e o próprio documento, rapidamente começaram a circular na Internet. A
ação foi movida também contra a BBC, que teve censurada, no final do
ano passado, uma peça jornalística anterior, com o título “Dirty tricks
and toxic waste in the Ivory Coast” (“Jogos sujos e lixo tóxico na
Costa do Marfim”). A estatal, porém, não parou de noticiar o caso.
A nossa imprensa, que diz estar tendo sua liberdade “ameaçada” –
ninguém sabe como nem porque – não se interessou em noticiar nem o caso,
nem a tentativa de abafá-lo na imprensa.
O Novo Transcendente
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Frei Betto * Adital
A história da humanidade é uma história de sujeições. No período
pré-moderno, sujeição aos deuses do politeísmo, ao Deus do monoteísmo,
ao Rei da monarquia e ao Povo (sujeito abstrato) da República. Havia
sempre uma figura do Outro ao qual todos deveriam se reportar.
* Escritor e assessor de movimentos sociais
Esse Grande Outro prescrevia o certo e o errado, o bem e o mal, a
graça e o pecado, a lei e o crime. O mundo se configurava de acordo com
os preceitos do Grande Outro. As alternativas eram simples: sujeitar-se
sob promessa de recompensa ou rebelar-se sob risco de punição.
Na modernidade, o Outro se multiplicou, adquiriu várias faces, descentralizou-se na diversidade de ideologias, sistemas de governo e crenças religiosas. Tanto a antiguidade quanto a modernidade nos remetiam à transcendência, ainda que fundada na razão. Se não era Deus, era o Partido, o líder supremo, as ideias inquestionáveis. Algo ou alguém nos precedia e determinava o nosso comportamento, incutindo-nos gratificação ou culpa.
A pós-modernidade, em cuja porta de entrada nos encontramos, promete fazer de nós sujeitos livres de toda sujeição. Seria a volta ao protagonismo exacerbado, em que cada indivíduo é a medida de todas as coisas. Já não se vive em tempos de cosmogonias e cosmologias, teogonias e ideologias. Agora todos os tempos convergem simultaneamente ao espaço reduzido do aqui e agora. Graças às novas tecnologias de comunicação, tempo e espaço ganham dimensão holográfica: cabem em cada pequeno detalhe do aqui e agora. Será que, de fato, a pós-modernidade nos emancipa do transcendente e da transcendência? Introduz-nos no "desencantamento do mundo" apontado por Max Weber?
A resposta é não.
Há um novo Grande Outro que nos é imposto como paradigma inquestionável: o Mercado. As sedutoras imagens deste deus implacável são disseminadas por seu principal oráculo: a publicidade. À semelhança de seu homólogo de Delfos, nos adverte: "Dize o que consomes e eu te direi quem és".
O grande teólogo desse novo deus foi Adam Smith. Inspirado na física de Newton, em "A riqueza das nações" e "A teoria dos sentimentos morais", Smith aplicou à economia a metáfora religiosa do Grande Relojoeiro que preside o Universo.
O relógio funciona graças à precisão mecânica fabricada por alguém fora dele e invisível a quem o porta: o relojoeiro. Assim, na opinião de Newton, seria o Universo. Na de Smith, a vida social regida por interesses econômicos. A diferença é que o Deus Relojoeiro de Newton é chamado de Mão Invisível por Smith. Segundo este, o egoísmo de cada um, guiado pela Mão Invisível, promoveria o bem de todos...
É exatamente o que afirma Milton Friedman, líder da Escola de Chicago: "Os preços que emergem das transações voluntárias entre compradores e vendedores são capazes de coordenar a atividade de milhões de pessoas, sendo que cada uma conhece apenas o próprio interesse".
Esse o fundamento do pensamento liberal e do sistema capitalista. É o principio do laisser faire, deixar (deus) fazer. O que, traduzido em termos políticos, significa desregulamentar, não apenas as esferas econômicas e políticas, mas também a moral. Abaixo a ética de princípios e viva a ética de resultados! Nesse protagonismo pós-moderno, cada ego é a medida de todas as coisas. O que imprime ao sujeito (no sentido latino de sujeição, submissão) a impressão de autonomia e liberdade.
O resultado do novo paradigma centrado no deus Mercado todos conhecemos: degradação ambiental; guerras; gastos exorbitantes em armas, sistemas de defesa e segurança; narcotráfico e dependência química; esgarçamento dos vínculos familiares; depressão, frustração e infelicidade.
Ainda é tempo de professarmos o mais radical ateísmo frente ao deus Mercado e, iconoclastas, apelarmos à ética para introduzir, como paradigma, a generosidade, a partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho, a felicidade centrada nas condições dignas de vida e no aprofundamento espiritual da subjetividade.
Isso, contudo, só será possível se não ficarmos restritos à esfera da autoajuda, das terapias tranquilizadoras da alma para suportarmos o estresse da competitividade, e nos mobilizarmos comunitariamente para organizar a esperança em novo projeto político fundado na globalização da solidariedade.
Eis o desafio ético que, como assinalou José Martí, será capaz de articular emancipação política e emancipação espiritual.
[Autor de "A arte de semear estrelas" (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org twitter:@freibetto
Na modernidade, o Outro se multiplicou, adquiriu várias faces, descentralizou-se na diversidade de ideologias, sistemas de governo e crenças religiosas. Tanto a antiguidade quanto a modernidade nos remetiam à transcendência, ainda que fundada na razão. Se não era Deus, era o Partido, o líder supremo, as ideias inquestionáveis. Algo ou alguém nos precedia e determinava o nosso comportamento, incutindo-nos gratificação ou culpa.
A pós-modernidade, em cuja porta de entrada nos encontramos, promete fazer de nós sujeitos livres de toda sujeição. Seria a volta ao protagonismo exacerbado, em que cada indivíduo é a medida de todas as coisas. Já não se vive em tempos de cosmogonias e cosmologias, teogonias e ideologias. Agora todos os tempos convergem simultaneamente ao espaço reduzido do aqui e agora. Graças às novas tecnologias de comunicação, tempo e espaço ganham dimensão holográfica: cabem em cada pequeno detalhe do aqui e agora. Será que, de fato, a pós-modernidade nos emancipa do transcendente e da transcendência? Introduz-nos no "desencantamento do mundo" apontado por Max Weber?
A resposta é não.
Há um novo Grande Outro que nos é imposto como paradigma inquestionável: o Mercado. As sedutoras imagens deste deus implacável são disseminadas por seu principal oráculo: a publicidade. À semelhança de seu homólogo de Delfos, nos adverte: "Dize o que consomes e eu te direi quem és".
O grande teólogo desse novo deus foi Adam Smith. Inspirado na física de Newton, em "A riqueza das nações" e "A teoria dos sentimentos morais", Smith aplicou à economia a metáfora religiosa do Grande Relojoeiro que preside o Universo.
O relógio funciona graças à precisão mecânica fabricada por alguém fora dele e invisível a quem o porta: o relojoeiro. Assim, na opinião de Newton, seria o Universo. Na de Smith, a vida social regida por interesses econômicos. A diferença é que o Deus Relojoeiro de Newton é chamado de Mão Invisível por Smith. Segundo este, o egoísmo de cada um, guiado pela Mão Invisível, promoveria o bem de todos...
É exatamente o que afirma Milton Friedman, líder da Escola de Chicago: "Os preços que emergem das transações voluntárias entre compradores e vendedores são capazes de coordenar a atividade de milhões de pessoas, sendo que cada uma conhece apenas o próprio interesse".
Esse o fundamento do pensamento liberal e do sistema capitalista. É o principio do laisser faire, deixar (deus) fazer. O que, traduzido em termos políticos, significa desregulamentar, não apenas as esferas econômicas e políticas, mas também a moral. Abaixo a ética de princípios e viva a ética de resultados! Nesse protagonismo pós-moderno, cada ego é a medida de todas as coisas. O que imprime ao sujeito (no sentido latino de sujeição, submissão) a impressão de autonomia e liberdade.
O resultado do novo paradigma centrado no deus Mercado todos conhecemos: degradação ambiental; guerras; gastos exorbitantes em armas, sistemas de defesa e segurança; narcotráfico e dependência química; esgarçamento dos vínculos familiares; depressão, frustração e infelicidade.
Ainda é tempo de professarmos o mais radical ateísmo frente ao deus Mercado e, iconoclastas, apelarmos à ética para introduzir, como paradigma, a generosidade, a partilha dos bens da Terra e dos frutos do trabalho, a felicidade centrada nas condições dignas de vida e no aprofundamento espiritual da subjetividade.
Isso, contudo, só será possível se não ficarmos restritos à esfera da autoajuda, das terapias tranquilizadoras da alma para suportarmos o estresse da competitividade, e nos mobilizarmos comunitariamente para organizar a esperança em novo projeto político fundado na globalização da solidariedade.
Eis o desafio ético que, como assinalou José Martí, será capaz de articular emancipação política e emancipação espiritual.
[Autor de "A arte de semear estrelas" (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org twitter:@freibetto
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* Escritor e assessor de movimentos sociais
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