Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
Relação com a mídia dominou entrevista de Lula aos blogueiros
Em entrevista a blogueiros, concedida nesta quarta-feira (24), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disse que, depois de “desencarnar” do cargo de presidente da República, pretende se tornar "tuiteiro" e "blogueiro". “Quero ficar quatro meses sem fazer nada quero desencarnar primeiro, para a gente começar a conversar. Pode ficar certo de que serei tuiteiro, blogueiro. Eu vou ser um monte de coisa que eu não fui até agora”, disse.
Em uma conversa de cerca de duas
horas, Lula falou sobre eleições, reforma política, aborto e
principalmente da relação com a mídia nos quase oito anos de governo.
Questionado por blogueiros, o presidente voltou a comentar a polêmica envolvendo a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que traçou metas de regulação da mídia e foi boicotado pelas entidades que representam os principais grupos empresariais do setor. Segundo o presidente, a acusação de que o governo pretende censurar a imprensa é infundada.
"O (ministro da Comunicação Social) Franklin Martins, quando convocou a conferência internacional, trouxe Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Espanha, Portugal e França, e todo mundo disse que lá tem regulação, sim, e não é crime. É crime ter censura. Mas ter regulação não é crime", afirmou.
O Presidente Lula disse que, a participação da sociedade nas discussões da Confecom dão respaldo ao governo para levar adiante as propostas debatidas no encontro. "Nós agora temos uma coisa dita pela sociedade brasileira que nos dá garantia de que nós não somos um governo maluco que inventou uma discussão porque quis investir", disse.
Lula disse ainda que pretende apresentar até o fim de seu mandato um esboço do projeto de lei que regula a atuação da imprensa. A responsabilidade de encaminhar o texto ao Congresso, entretanto, será de sua sucessora, a presidente eleita Dilma Rousseff. "Espero ter condições de apresentar um texto antes de terminar meu mandato e passar para Dilma. Ela certamente vai fazer o debate e levar para o Congresso Nacional", afirmou.
Esta é a primeira vez que o presidente Lula concede entrevista exclusiva a blogueiros. Internautas que acompanharam a entrevista também fizeram perguntas ao presidente pelo Twitter. Participaram como entrevistadores os blogueiros Altamiro Borges (Blog do Miro), Altino Machado (Blog do Altino), Conceição Lemes (Vi o Mundo), William Barros (Cloaca News), Eduardo Guimarães (Cidadania), Leandro Fortes (Brasília, Eu Vi), Pierre Lucena (Acerto de Contas), Renato Rovai (Blog do Rovai), Rodrigo Vianna (Escrevinhador) e Túlio Vianna (Blog do Túlio Vianna).
Confira abaixo os principais trechos.
Pós-governo
“Eu tenho vontade de trabalhar com as experiências bem sucedidas do Brasil. Tenho vontade de trabalhar na América Central, nos países menores do Caribe. Ajudar Gautemala, El Salvador, Nicarágua. Quero ver se eu dedico um pouco do meu tempo a levar algumas experiências de políticas nossas para ver se a gente consegue implantar na África.”
“Quero ficar quatro meses sem fazer nada quero desencarnar primeiro pra gente começar a conversar. Pode ficar certo de que serei tuiteiro, blogueiro. Eu vou ser um monte de coisa que eu não fui até agora."
Transição
“No dia 15 de dezembro, eu vou fazer uma coisa nova que ninguém fez. Nós estamos fazendo um balanço de tudo o que foi feito em todas as áreas do governo. Vamos registrar em cartório para que nenhum ministro me conte nenhuma mentira, seja de que fez ou de que não fez, para que a gente não saia falando coisas que não fez. Sabe, eu quero registrar em cartório para a gente deixar no Arquivo Nacional, na Biblioteca das Universidades, aquilo que foi a nossa passagem pelo governo”.
Eleições
“Eu não ia dar entrevista, mas aí quando vi a cena patética que estavam montando... Eu falei: a Dilma, mulher, não deve lembrar do jogo do Brasil de 1990. Ela não deve saber nada do tal do [Roberto] Rojas [goleiro da seleção do Chile]. Eu vou falar. Porque realmente foi uma desfaçatez. Eu perdi três eleições. Eu poderia perder a quarta, a quinta, jamais teria coragem de fazer uma mentira daquela. Eu fiquei decepcionado porque tentaram inventar uma outra história. Tentaram inventar um objeto invisível que até agora não mostraram. Não precisa disso. O Serra tem de pedir desculpa ao povo brasileiro. Porque ninguém pode brincar com o povo desse jeito”.
Aborto
“Enquanto cidadão, eu sou contra o aborto. Enquanto chefe de estado, eu tenho que tratar o aborto como questão de saúde pública, porque eu tenho que reconhecer que ele existe. Tem milhões de pessoas fazendo aborto, meninas fazendo aborto pelo interior do País, colocando foligem de fogão de lenha. Meninas furando o útero com agulha de crochê. O chefe de estado sabe que isso existe e não vai permitir que uma madame possa ir a Paris fazer um tratamento e uma pobre tenha que morrer na rua.”
Plano Nacional de Direitos Humanos
“Nós nos deixamos levar por setores que nos criticaram no relatório apresentado pela Comissão de Direitos Humanos, que não tinham lido o relatório de 1996 e o de 2000. Os dois feitos no governo Fernando Henrique Cardoso tratavam as coisas quase que do mesmo jeito. Um dia chamei o Paulinho Vanucchi [ministro da Secretaria de Direitos Humanos] aqui e disse: os mesmos veículos que estão te triturando não falaram nada quando foi feito o primeiro e o segundo [relatórios].”
Reforma política
“É inconcebível este país atravessar mais um período sem fazer a reforma política. Não é papel de quem está na Presidência. É papel dos partidos e do Congresso. No meu caso, [o papel] é convencer meu partido e, segundo, convencer os partidos de esquerda, porque muitos não querem. É preciso que as coisas aconteçam com a seriedade que nós queremos que aconteça no Brasil, sobretudo no financiamento de campanha. Eu prefiro o financiamento público, que a gente sabe quanto vai custar uma campanha. A companheira Dilma pode contar comigo. Eu vou estar muito mais livre para dizer coisas que eu não posso dizer com o papel institucional de presidente da República”.
Mídia
“Não existe maior censura do que a ideia de que a mídia não pode ser criticada (...). Quando você acusa uma pessoa, você tem de ter provas. Se der errado, peça desculpas. No Brasil, parece que é feio pedir desculpas. Eu lembro da Escola de Base de São Paulo, que é um marco. Quando eu deixar a Presidência eu vou reler, porque eu parei de ler revista, parei de ler jornal. Pelo fato de não os ler, eu não fico nervoso. Eu vou reler muita coisa porque eu quero saber a quantidade de leviandades, de inverdades que foram ditas a meu respeito. Apenas para gravar na história. Porque não foi fácil.”
“Precisamos ter certo controle sobre a participação dos estrangeiros [na mídia]. Isso é a minha tese. (...) Eu sou o resultado da liberdade de imprensa deste país, com todos os defeitos. Não temos de julgar. O que eles [mídia] se enganam é que pensam que o povo é massa de manobra como era no passado. E agora eles têm de lidar como uma coisa chamada internet. Quando um cidadão conta uma mentira, ele é desmentido em tempo real e tem de se explicar.”
Código Florestal
“Nós tínhamos feito praticamente um acordo ainda quando Minc [Carlos Minc, ex-ministro do Meio Ambiente] estava no Ministério do Meio Ambiente. Seria muito ruim para o governo, depois de debatido no Congresso, a gente fazer um projeto. Sei das críticas que fazem ao projeto. O que vier fora dos padrões que nós acordamos, se vier no meu governo, nós vetaremos, e, se for no da Dilma, tenho certeza de que ela vai vetar.”
Com informações do G1 e blog Amigos do Presidente Lula
Questionado por blogueiros, o presidente voltou a comentar a polêmica envolvendo a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que traçou metas de regulação da mídia e foi boicotado pelas entidades que representam os principais grupos empresariais do setor. Segundo o presidente, a acusação de que o governo pretende censurar a imprensa é infundada.
"O (ministro da Comunicação Social) Franklin Martins, quando convocou a conferência internacional, trouxe Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Espanha, Portugal e França, e todo mundo disse que lá tem regulação, sim, e não é crime. É crime ter censura. Mas ter regulação não é crime", afirmou.
O Presidente Lula disse que, a participação da sociedade nas discussões da Confecom dão respaldo ao governo para levar adiante as propostas debatidas no encontro. "Nós agora temos uma coisa dita pela sociedade brasileira que nos dá garantia de que nós não somos um governo maluco que inventou uma discussão porque quis investir", disse.
Lula disse ainda que pretende apresentar até o fim de seu mandato um esboço do projeto de lei que regula a atuação da imprensa. A responsabilidade de encaminhar o texto ao Congresso, entretanto, será de sua sucessora, a presidente eleita Dilma Rousseff. "Espero ter condições de apresentar um texto antes de terminar meu mandato e passar para Dilma. Ela certamente vai fazer o debate e levar para o Congresso Nacional", afirmou.
Esta é a primeira vez que o presidente Lula concede entrevista exclusiva a blogueiros. Internautas que acompanharam a entrevista também fizeram perguntas ao presidente pelo Twitter. Participaram como entrevistadores os blogueiros Altamiro Borges (Blog do Miro), Altino Machado (Blog do Altino), Conceição Lemes (Vi o Mundo), William Barros (Cloaca News), Eduardo Guimarães (Cidadania), Leandro Fortes (Brasília, Eu Vi), Pierre Lucena (Acerto de Contas), Renato Rovai (Blog do Rovai), Rodrigo Vianna (Escrevinhador) e Túlio Vianna (Blog do Túlio Vianna).
Confira abaixo os principais trechos.
Pós-governo
“Eu tenho vontade de trabalhar com as experiências bem sucedidas do Brasil. Tenho vontade de trabalhar na América Central, nos países menores do Caribe. Ajudar Gautemala, El Salvador, Nicarágua. Quero ver se eu dedico um pouco do meu tempo a levar algumas experiências de políticas nossas para ver se a gente consegue implantar na África.”
“Quero ficar quatro meses sem fazer nada quero desencarnar primeiro pra gente começar a conversar. Pode ficar certo de que serei tuiteiro, blogueiro. Eu vou ser um monte de coisa que eu não fui até agora."
Transição
“No dia 15 de dezembro, eu vou fazer uma coisa nova que ninguém fez. Nós estamos fazendo um balanço de tudo o que foi feito em todas as áreas do governo. Vamos registrar em cartório para que nenhum ministro me conte nenhuma mentira, seja de que fez ou de que não fez, para que a gente não saia falando coisas que não fez. Sabe, eu quero registrar em cartório para a gente deixar no Arquivo Nacional, na Biblioteca das Universidades, aquilo que foi a nossa passagem pelo governo”.
Eleições
“Eu não ia dar entrevista, mas aí quando vi a cena patética que estavam montando... Eu falei: a Dilma, mulher, não deve lembrar do jogo do Brasil de 1990. Ela não deve saber nada do tal do [Roberto] Rojas [goleiro da seleção do Chile]. Eu vou falar. Porque realmente foi uma desfaçatez. Eu perdi três eleições. Eu poderia perder a quarta, a quinta, jamais teria coragem de fazer uma mentira daquela. Eu fiquei decepcionado porque tentaram inventar uma outra história. Tentaram inventar um objeto invisível que até agora não mostraram. Não precisa disso. O Serra tem de pedir desculpa ao povo brasileiro. Porque ninguém pode brincar com o povo desse jeito”.
Aborto
“Enquanto cidadão, eu sou contra o aborto. Enquanto chefe de estado, eu tenho que tratar o aborto como questão de saúde pública, porque eu tenho que reconhecer que ele existe. Tem milhões de pessoas fazendo aborto, meninas fazendo aborto pelo interior do País, colocando foligem de fogão de lenha. Meninas furando o útero com agulha de crochê. O chefe de estado sabe que isso existe e não vai permitir que uma madame possa ir a Paris fazer um tratamento e uma pobre tenha que morrer na rua.”
Plano Nacional de Direitos Humanos
“Nós nos deixamos levar por setores que nos criticaram no relatório apresentado pela Comissão de Direitos Humanos, que não tinham lido o relatório de 1996 e o de 2000. Os dois feitos no governo Fernando Henrique Cardoso tratavam as coisas quase que do mesmo jeito. Um dia chamei o Paulinho Vanucchi [ministro da Secretaria de Direitos Humanos] aqui e disse: os mesmos veículos que estão te triturando não falaram nada quando foi feito o primeiro e o segundo [relatórios].”
Reforma política
“É inconcebível este país atravessar mais um período sem fazer a reforma política. Não é papel de quem está na Presidência. É papel dos partidos e do Congresso. No meu caso, [o papel] é convencer meu partido e, segundo, convencer os partidos de esquerda, porque muitos não querem. É preciso que as coisas aconteçam com a seriedade que nós queremos que aconteça no Brasil, sobretudo no financiamento de campanha. Eu prefiro o financiamento público, que a gente sabe quanto vai custar uma campanha. A companheira Dilma pode contar comigo. Eu vou estar muito mais livre para dizer coisas que eu não posso dizer com o papel institucional de presidente da República”.
Mídia
“Não existe maior censura do que a ideia de que a mídia não pode ser criticada (...). Quando você acusa uma pessoa, você tem de ter provas. Se der errado, peça desculpas. No Brasil, parece que é feio pedir desculpas. Eu lembro da Escola de Base de São Paulo, que é um marco. Quando eu deixar a Presidência eu vou reler, porque eu parei de ler revista, parei de ler jornal. Pelo fato de não os ler, eu não fico nervoso. Eu vou reler muita coisa porque eu quero saber a quantidade de leviandades, de inverdades que foram ditas a meu respeito. Apenas para gravar na história. Porque não foi fácil.”
“Precisamos ter certo controle sobre a participação dos estrangeiros [na mídia]. Isso é a minha tese. (...) Eu sou o resultado da liberdade de imprensa deste país, com todos os defeitos. Não temos de julgar. O que eles [mídia] se enganam é que pensam que o povo é massa de manobra como era no passado. E agora eles têm de lidar como uma coisa chamada internet. Quando um cidadão conta uma mentira, ele é desmentido em tempo real e tem de se explicar.”
Código Florestal
“Nós tínhamos feito praticamente um acordo ainda quando Minc [Carlos Minc, ex-ministro do Meio Ambiente] estava no Ministério do Meio Ambiente. Seria muito ruim para o governo, depois de debatido no Congresso, a gente fazer um projeto. Sei das críticas que fazem ao projeto. O que vier fora dos padrões que nós acordamos, se vier no meu governo, nós vetaremos, e, se for no da Dilma, tenho certeza de que ela vai vetar.”
Com informações do G1 e blog Amigos do Presidente Lula
Crise: não há apenas uma saída
José
Paulo Gascão denuncia neste texto uma das campanhas de desinformação em
curso, a de que a única saída da crise é dentro do sistema capitalista.
E depois de contactar que o capitalismo não é reformável, afirma:
“Desenganem-se os que pensam que nos parlamentos se pode ir criando
condições para reverter a situação. Particularmente com a ditadura
mediática dos media apelidados de referência, os parlamentos são um
instrumento do capital monopolista.”
«Hoje,
Sócrates é já um cadáver político e muitos dos que estão calados apenas
esperam que o desenvolvimento dos acontecimentos lhes diga o momento
oportuno de reconhecer o óbito.
O cadáver político está aí, a família que o enterre.»
O cadáver político está aí, a família que o enterre.»
A frase em epígrafe, escrita em Fevereiro do ano passado, vinha ao arrepio das notícias e comentários dos media de
referência. Então, os meios de comunicação ainda promoviam José
Sócrates que, dando sequência ao trabalho iniciado por Mário Soares,
completara já o processo de fusão ideológica do PS com a direita e
consolidara a sua rendição incondicional ao capitalismo e ao
neoliberalismo.
A profunda crise sistémica do capitalismo há muita prevista, uma
crise económica, financeira, social, cultural e moral que varre o mundo,
foi em Portugal agravada pelas consequências da adesão à União
Europeia: destruição da agricultura e desmantelamento das pescas e da
indústria transformadora…
A eleição em Março passado de Passos Coelho, tal como Sócrates um
impreparado político, pouco culto, sem passado nem futuro políticos, não
permitiu aos media começar de imediato a reflectir a retirada
do apoio do grande capital a Sócrates. Era preciso que as medidas
impostas pelos monopólios recaíssem sobre Sócrates, o chefe do turno
cessante.
Ao reunir primeiro com Passos Coelho na sede do PSD, em 13 de
Outubro último, seis meses e três PECs passados, e só no dia seguinte
com Teixeira dos Santos (nestes casos nunca há dificuldades de agenda…),
o grande capital quis dizer, inequivocamente, quem concitava agora seu
apoio. A substituição de Sócrates pelo seu ministro das Finanças na
reunião do dia seguinte foi o recurso diplomático para disfarçar o
vexame.
Depois sim, a imprensa já podia dar continuidade à manobra. E deu: a maioria dos sábios económicos do costume
que enxameavam a comunicação social foram substituídos, Sócrates deixou
de ter os favores da imprensa que dele passou a fazer o retrato óbvio: o
de um político impreparado, sem ideias nem convicções, que foi
publicitariamente promovido como se de uma pasta dos dentes se tratasse.
E muitos dos que ao longo dos últimos o incensaram passaram, sem pudor,
a ser os seus mais cáusticos críticos.
A POLÍTICA EUROPEIA
PARA A RECUPERAÇÃO DO CAPITAL
PARA A RECUPERAÇÃO DO CAPITAL
O rebentar da crise e o seu desenvolvimento não destruiu apenas os
mitos do desenvolvimento contínuo do capitalismo e o do seu benefício
comum para o trabalho e o capital. Pôs também a nu que ela é uma
consequência inevitável do próprio sistema capitalista, evidenciou as
tensões entre os imperialismos norte-americano e europeu e evidenciou
ainda a conflitualidade de interesses no seio da União Europeia.
No entanto, ainda não é claro para a uma parcela significativa da
classe trabalhadora e do povo que a União Europeia, um instrumento do
capital monopolista europeu, aproveita a crise do capitalismo para
exigir aos governos uma redução drástica dos salários e dos direitos
sociais conquistados ao longo de décadas. Como não está claro que o
objectivo é a recuperação do capital fictício perdido com o rebentar da
crise pela banca e por outros grupos monopolistas, à custa de um corte
dos salários e pensões e uma diminuição crescente dos direitos sociais.
Para os grupos monopolistas e a União Europeia as medidas tomadas
são ainda pouco. Se antes da aprovação do Orçamento de Estado (OE) na
generalidade este era um «documento fundamental para acalmar os
mercados», logo no dia seguinte á sua aprovação a Comissão Europeia,
congratulou-se com a sua aprovação, mas não deixou de acrescentar que
«era necessário uma redução do deficit mais rápida» e os juros da dívida
pública começaram uma vez mais a subir.
Eram previsíveis estes comportamentos. Já no 1º dia de debate sobre o
OE, na SIC notícias, Morais Sarmento (PSD) e Francisco Assis (PS)
lamentavam o tom em que decorrera o debate, o que dificultava futuros
acordos para novas medidas gravosas para a classe trabalhadora, tendo
este último deixado escapar: «… até porque lá para Maio vamos ter que
negociar outro PEC».
Antes mesmo do início da discussão do OE na Assembleia da República,
à saída da reunião da Comissão Política onde Sócrates explicou o acordo
PS/PSD Almeida Santos, presidente do PS, comentou: «Os sacrifícios que
estão a ser exigidos ao povo não são sacrifícios incomportáveis. Oxalá
que o país nunca tenha de enfrentar sacrifícios maiores. As crises não
são só do governo, são do povo, e o povo tem que sofrer as crises como o
governo as sofre»!
Michael Hudson, um insuspeito Professor da Universidade de Missouri,
em 30 de Setembro resumia em New Economic Perspectives objectivo da UE
nesta citação: «O objectivo é baixar os salários cerca de 30% ou mais,
até níveis de depressão, pretendendo que isso “deixará mais excedentes”
disponíveis para pagar o serviço da dívida. (…) Trata-se de um projecto
de reversão da era das reformas democrático-sociais que a Europa
conheceu no século passado».
—///—
Na sua queda, Sócrates arrasta o PS para uma derrota profunda e
muitos do que estiveram anos calados acham que é este «… o momento
oportuno de reconhecer o óbito» político do chefe até agora
incontestado.
O governo dá crescentes provas de desagregação e até de
desorientação: ministros e secretários de Estado desdobram-se em
contradições, confrontos e disparates.
À classe trabalhadora e às restantes classes e camadas exploradas
resta um caminho: lutar e aprender com a vida que o capitalismo não é
reformável e nesta sua fase senil pode mesmo conduzir a Humanidade a uma
nova barbárie.
Desenganem-se os que pensam que nos parlamentos se pode ir criando
condições para reverter a situação. Particularmente com a ditadura
mediática dos media apelidados de referência, os parlamentos são um
instrumento do capital monopolista.
Como sem rebuço reconheceu o bilionário norte-americano Warren Buffet, numa frase que deve causar arrepios nos media portugueses,
«Existe uma guerra de classes, é verdade, mas é a minha classe, a
classe dos ricos, que está a fazer a guerra, e nós estamos a ganhá-la».
O caminho será provavelmente longo até que a classe trabalhadora
inverta a situação e passe á ofensiva. No entanto, essa importantíssima
alteração da correlação de forças só será possível quando, e enquanto, a
luta e classes for conduzida nas suas três formas, teórica, política e
económica, de forma coordenada e interligadas entre si.
Só assim poderá transformar-se a justa revolta de hoje contra a injustiça na luta pela transformação do país e do mundo.
Golpes e contragolpes na economia mundial
Existem temores de que se o caos
monetário ou a guerra cambial não se solucionar, rapidamente o mundo
deve enfrentar uma onda protecionista. O Instituto de Finanças
Internacionais estima que cerca de 825 bilhões de dólares fluirão para
os países em desenvolvimento este ano, um aumento de 42% em relação ao
ano passado. Alguns países já introduziram mecanismos de controle de
capitais. O Brasil triplicou o imposto aos estrangeiros que compram
bônus locais. A Tailândia fixou um imposto de 15% sobre os juros e os
rendimentos do capital em cima dos bônus tailandeses. A Coréia do Sul
anunciou que estabelecerá novos limites no mercado futuro. O artigo é de
Martin Khor, do South Center.
Martin Khor (*) - IPS via Carta Maior
As últimas semanas viram o surgimento de um
caos monetário que representa uma nova ameaça para as perspectivas de
recuperação da economia mundial. Alguns dos países mais importantes
estão tomando medidas para desvalorizar suas moedas a fim de obter
vantagens comerciais. Se o valor da moeda de um país diminui, seus
produtos de exportação ficam mais baratos e aumenta a demanda
internacional. Por outro lado, as importações neste país ficarão mais
caras, o que fomentará a produção local e melhorará a produção
comercial. Mas os países que sofrem por causa destas políticas podem ir a
forra, desvalorizando também suas moedas ou colocando barreiras ou
altas tarifas alfandegárias em suas importações.
Isso pode levar a uma sucessão de desvalorizações competitivas como ocorreu nos anos 30, precipitando uma contração do comércio mundial e uma prolongada recessão. A situação atual é complexa e compreende ao menos três questões inter-relacionadas.
Em primeiro lugar, os Estados Unidos acusam a China de manter o yuan em um nível artificialmente baixo, o que – diz Washington – está causando seu enorme déficit comercial com a China. Um projeto de lei estadunidense está solicitando a aplicação de tarifas alfandegárias extras sobre os produtos chineses, enquanto a China assegura que isso vai contra as normas da Organização Mundial do Comércio (OMC) e que uma forte valorização do yuan seria desastrosa para sua economia e não contribuiria para corrigir o déficit estadunidense.
Em segundo, Washington está tratando de desvalorizar o dólar mediante uma nova rodada de “expansão quantitativa” nas qual o Banco Central gastará 600 bilhões de dólares para comprar bônus do governo e outras dívidas. Isso incrementará a liquidez no mercado, reduzindo as taxas de juro a longo prazo e, segundo se espera, contribuirá para a recuperação econômica.
Isso coloca os Estados Unidos na situação de ser acusado de provocar uma desvalorização competitiva. Além disso, essa nova liquidez se agregaria a uma onda de capitais que migram dos Estados Unidos, onde os rendimentos são muito baixos, para alguns países em desenvolvimento e emergentes. No passado, tais ondas de “dinheiro quente” foram bem recebidas pelos países receptores. Mas os países do Sur aprenderam com essas más experiências, quando repentinas entradas e saídas de capitais causaram sérios problemas como, por exemplo:
- A afluência de capital conduz a um excesso de dinheiro no país que o recebe, incrementando a pressão sobre os preços ao consumidor e alimentando as “bolhas de ativos” ou aumentos nos preços das casas e nas bolsas de valores. Essas bolhas cedo ou tarde explodirão, causando grande dano.
- A afluência de capitais estrangeiros fará com que a moeda do país receptor se valorize significativamente em relação a outras moedas. Nesse caso, as autoridades financeiras deveriam intervir no mercado para neutralizar essa valorização que encareceria as exportações nacionais.
- Os repentinos ingressos de capital também podem se converter em saídas repentinas de capital quando as condições globais mudam, como se viu na crise asiática de 1997. Isso pode causar uma desordem econômica, incluindo uma forte depreciação monetária, restrição de crédito, dificuldades na balança de pagamentos e recessão.
Recentemente o International Herald Tribune advertiu que Wall Street está comprando com avidez os ativos de economias emergentes e pediu as países em desenvolvimento que “prestassem muita atenção” e que “considerassem o controle de capitais para reduzir o ingresso desses capitais.
Em terceiro lugar, alguns países já introduziram mecanismos de controle de capitais. O Instituto de Finanças Internacionais estima que uma soma de 825 bilhões de dólares fluirá para os países em desenvolvimento este ano, um aumento de 42% em relação ao ano passado. O Brasil triplicou o imposto aos estrangeiros que compram bônus locais. A Tailândia fixou um imposto de 15% sobre os juros e os rendimentos do capital em cima dos bônus tailandeses. A Coréia do Sul anunciou que estabelecerá novos limites no mercado futuro e solicitou aos bancos que não outorguem empréstimos em moedas estrangeira.
Finalmente, existem temores de que se o caos monetário ou a guerra cambial não se solucionar, rapidamente o mundo deve enfrentar uma onda protecionista, seja elevando barreiras aduaneiras, seja mediante depreciações competitivas.
(*) Martin Khor é diretor executivo do South Center
Tradução: Katarina Peixoto
Isso pode levar a uma sucessão de desvalorizações competitivas como ocorreu nos anos 30, precipitando uma contração do comércio mundial e uma prolongada recessão. A situação atual é complexa e compreende ao menos três questões inter-relacionadas.
Em primeiro lugar, os Estados Unidos acusam a China de manter o yuan em um nível artificialmente baixo, o que – diz Washington – está causando seu enorme déficit comercial com a China. Um projeto de lei estadunidense está solicitando a aplicação de tarifas alfandegárias extras sobre os produtos chineses, enquanto a China assegura que isso vai contra as normas da Organização Mundial do Comércio (OMC) e que uma forte valorização do yuan seria desastrosa para sua economia e não contribuiria para corrigir o déficit estadunidense.
Em segundo, Washington está tratando de desvalorizar o dólar mediante uma nova rodada de “expansão quantitativa” nas qual o Banco Central gastará 600 bilhões de dólares para comprar bônus do governo e outras dívidas. Isso incrementará a liquidez no mercado, reduzindo as taxas de juro a longo prazo e, segundo se espera, contribuirá para a recuperação econômica.
Isso coloca os Estados Unidos na situação de ser acusado de provocar uma desvalorização competitiva. Além disso, essa nova liquidez se agregaria a uma onda de capitais que migram dos Estados Unidos, onde os rendimentos são muito baixos, para alguns países em desenvolvimento e emergentes. No passado, tais ondas de “dinheiro quente” foram bem recebidas pelos países receptores. Mas os países do Sur aprenderam com essas más experiências, quando repentinas entradas e saídas de capitais causaram sérios problemas como, por exemplo:
- A afluência de capital conduz a um excesso de dinheiro no país que o recebe, incrementando a pressão sobre os preços ao consumidor e alimentando as “bolhas de ativos” ou aumentos nos preços das casas e nas bolsas de valores. Essas bolhas cedo ou tarde explodirão, causando grande dano.
- A afluência de capitais estrangeiros fará com que a moeda do país receptor se valorize significativamente em relação a outras moedas. Nesse caso, as autoridades financeiras deveriam intervir no mercado para neutralizar essa valorização que encareceria as exportações nacionais.
- Os repentinos ingressos de capital também podem se converter em saídas repentinas de capital quando as condições globais mudam, como se viu na crise asiática de 1997. Isso pode causar uma desordem econômica, incluindo uma forte depreciação monetária, restrição de crédito, dificuldades na balança de pagamentos e recessão.
Recentemente o International Herald Tribune advertiu que Wall Street está comprando com avidez os ativos de economias emergentes e pediu as países em desenvolvimento que “prestassem muita atenção” e que “considerassem o controle de capitais para reduzir o ingresso desses capitais.
Em terceiro lugar, alguns países já introduziram mecanismos de controle de capitais. O Instituto de Finanças Internacionais estima que uma soma de 825 bilhões de dólares fluirá para os países em desenvolvimento este ano, um aumento de 42% em relação ao ano passado. O Brasil triplicou o imposto aos estrangeiros que compram bônus locais. A Tailândia fixou um imposto de 15% sobre os juros e os rendimentos do capital em cima dos bônus tailandeses. A Coréia do Sul anunciou que estabelecerá novos limites no mercado futuro e solicitou aos bancos que não outorguem empréstimos em moedas estrangeira.
Finalmente, existem temores de que se o caos monetário ou a guerra cambial não se solucionar, rapidamente o mundo deve enfrentar uma onda protecionista, seja elevando barreiras aduaneiras, seja mediante depreciações competitivas.
(*) Martin Khor é diretor executivo do South Center
Tradução: Katarina Peixoto
terça-feira, 23 de novembro de 2010
Preconceitos e a juventude
Por Gregório Grisa, no Augere
Essa
onda de atos preconceituosos e manifestações racistas e
discriminatórias para com grupos sociais diversos dos últimos meses, nos
mostra uma característica fundante da classe economicamente
privilegiada do nosso país. Já ouvi falas do tipo “não se pode dizer
mais nada que corremos o risco de virar debate na internet e na
televisão” ou até mesmo pérolas como “estão exagerando com essa
hipervisibilização de movimentos de homossexuais, quilombolas, negros,
índios e minorias”.
Processos
políticos que signifiquem a perda de privilégios reais ou simbólicos
expõem uma conduta preconceituosa que antes não tinha razão de se
mostrar. Causam uma sensação de sufoco na elite que a faz gritar “deu,
chega desse papo”, e quando os intelectuais que passeiam nas televisões
hegemônicas ainda não desenvolveram as perfumarias argumentativas ou os
malabarismos de palavras para justificar esse grito, o que exala é mais a
raiva instintiva da elite, fruto da sua formação, do que qualquer outra
coisa.
Aqui
no sul do país isso ficou claro; enquanto a raiva do comentarista Luiz
Carlos Prates da RBS contra os “pobres que agora compram carros” se
mostrava para todos, no horário do almoço dessas mesmas famílias, seu
companheiro de empresa David Coimbra através do seu blog tentou, ao
organizar sua perfumaria interpretativa, defender o colega relativizando
sua fala carregada de preconceito. Esse é o exemplo típico do fenômeno
que descrevi no parágrafo anterior.
A
internet, os espaços de trabalho, as disputas nas universidades são os
meios pelos quais desagua esse preconceito sem filtro da elite e ao
perceberem-se ridiculamente dispostos em uma sociedade cada vez mais
plural, alguns grupos, jovens em geral o que infelizmente surpreende,
resolvem assumir essa postura retrograda e se unir para não ficar tão
feio.
É
o que vem ocorrendo nas eleições dos diretórios centrais dos estudantes
da USP e da UFRGS, por exemplo, aonde algumas chapas saudosas de
pensamentos conservadores, até certo ponto perigosos, vêm pautando a
disputa política por valores religiosos, antidemocráticos, por
inculcação de preconceitos que imaginávamos superados e por condutas que
ferem o lento, mas fértil processo de avanços que o Brasil tem
experimentado. Há uma chapa paulista contra o direito de greve
inclusive.
Há
uma guerra de posições instaurada entre aqueles que querem a promoção
da igualdade entre negros, brancos e indígenas, entre gays e
heterossexuais, nordestinos e sulistas e aqueles que resistem de várias
formas a qualquer movimento de avanço ou políticas que valorizem grupos
discriminados. Esses que resistem, que chamo aqui de elite, o fazem, às
vezes, de modo desesperado e desarticulado como temos visto em
manifestações absurdas nos meios digitais, mas também o fazem de forma
bem organizada e articulada através do monopólio da comunicação por meio
de personagens “bonzinhos”, “lidos”, “bem arrumadinhos” que
superficialmente analisam a realidade e difundem essas interpretações
como verdades.
PSOL quer regulamentar artigos da Constituição sobre comunicação
Petição inicial da Ação Direta de
Inconstitucionalidade por Omissão, ajuizada pelo jurista Fábio Konder
Comparato (foto), requer ao STF que determine ao Congresso Nacional a
regulamentação de matérias existentes em três artigos da Constituição
Federal (220, 221 e 223), relativos à comunicação social. Entre as
providências, está a criação de uma legislação específica sobre o
direito de resposta, a proibição de monopólio ou oligopólio dos meios de
comunicação social e a produção e programação exibida pelos veículos.
www.psol50.org.br
No dia 10 de novembro, o PSOL propôs ao
Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade
por Omissão, ajuizada pelo jurista Fábio Konder Comparato. A petição
inicial requer à Corte que determine ao Congresso Nacional a
regulamentação de matérias existentes em três artigos da Constituição
Federal (220, 221 e 223), relativos à comunicação social. Entre as
providências, está a criação de uma legislação específica sobre o
direito de resposta, a proibição de monopólio ou oligopólio dos meios de
comunicação social e a produção e programação exibida pelos veículos.
De acordo com a petição, a Constituição Federal brasileira admite o
cabimento da ação direta de inconstitucionalidade por omissão de medida
para tornar efetiva norma constitucional.
Uma ação com mesmo texto e objetivo foi protocolada pelo advogado no dia 18 de outubro, representando a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e a Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão (Fitert).
Embasamento jurídico
O direito de resposta - De acordo com o artigo 5°, inciso V, Capítulo I (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos), Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), da Constituição Federal “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.
Entretanto, a petição lembra que, em abril de 2009, o STF decidiu que a Lei de Imprensa, de 1967, havia sido revogada com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Em função dessa interpretação, os juízes deixaram de contar com um parâmetro legal, embora o direito de resposta permaneça reconhecido no ordenamento jurídico.
Assim, Comparato pergunta “em quanto tempo está o veículo de comunicação social obrigado a divulgar a resposta do ofendido? Dez dias, um mês, três meses, um ano? É razoável que a determinação dessa circunstância seja deixada ao arbítrio do suposto ofensor?”
No caso dos jornais e periódicos, a ação questiona a publicação de respostas com letras menores do que aquelas que geraram a ofensa. No caso das emissoras de rádio e televisão, não há nenhum dispositivo que proíba a veiculação de resposta em programas diferentes ou em emissoras que pertençam a um mesmo grupo econômico.
A ação aponta também que até hoje não há regulação do direito de resposta na Internet e “quando muito, a Justiça Eleitoral procura, bem ou mal, remediar essa tremenda lacuna com a utilização dos parcos meios legais de bordo à sua disposição”.
Produção e programação – o segundo ponto de omissão legislativa que a petição cita é com relação aos princípios declarados no art. 221, no que concerne à produção e à programação das emissoras de rádio e televisão.
Para argumentar a necessidade da regulamentação, o jurista relembra que as emissoras de rádio e televisão servem-se, para as suas transmissões, de um espaço público. “Fica evidente, portanto, que os serviços de rádio e televisão não existem para a satisfação dos interesses próprios daqueles que os desempenham, governantes ou particulares, mas exclusivamente no interesse público; vale dizer, para a realização do bem comum do povo”.
Para cumprir essa função, o artigo 221 coloca os seguintes princípios para a produção e programação: I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei, e IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Em seguida, o texto conclui que passadas mais de duas décadas da entrada em vigor da Constituição Federal, nenhuma lei foi editada especificamente para regulamentar artigo 221, presumivelmente sob pressão de grupos empresariais privados.
Monopólio ou oligopólio – o terceiro ponto de omissão legislativa que a petição cita é com relação à proibição de monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação social, disposta no artigo 220.
Sobre esse caso, a petição afirma que o abuso de poder econômico na comunicação social coloca em risco a democracia. “Na sociedade de massas contemporânea, a opinião pública não se forma, como no passado, sob o manto da tradição e pelo círculo fechado de inter-relações pessoais de indivíduos ou grupos. Ela é plasmada, em sua maior parte, sob a influência mental e emocional das transmissões efetuadas, de modo coletivo e unilateral, pelos meios de comunicação de massa”.
Comparato ressalta no texto que monopólio e oligopólio não são conceitos técnicos do Direito; são noções, mais ou menos imprecisas, da ciência econômica. Sendo assim, “pode haver um monopólio da produção, da distribuição, do fornecimento, ou da aquisição. Em matéria de oligopólio, então, a variedade das espécies é enorme, distribuindo-se entre os gêneros do controle e do conglomerado, e subdividindo-se em controle direto e indireto, controle de direito e controle de fato, conglomerado contratual (dito consórcio) e participação societária cruzada. E assim por diante.” A falta de uma lei definidora de cada um desses tipos, anulam o direito do povo e a segurança das próprias empresas de comunicação social.
Veja AQUI a ação na íntegra:
Uma ação com mesmo texto e objetivo foi protocolada pelo advogado no dia 18 de outubro, representando a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e a Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão (Fitert).
Embasamento jurídico
O direito de resposta - De acordo com o artigo 5°, inciso V, Capítulo I (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos), Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), da Constituição Federal “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.
Entretanto, a petição lembra que, em abril de 2009, o STF decidiu que a Lei de Imprensa, de 1967, havia sido revogada com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Em função dessa interpretação, os juízes deixaram de contar com um parâmetro legal, embora o direito de resposta permaneça reconhecido no ordenamento jurídico.
Assim, Comparato pergunta “em quanto tempo está o veículo de comunicação social obrigado a divulgar a resposta do ofendido? Dez dias, um mês, três meses, um ano? É razoável que a determinação dessa circunstância seja deixada ao arbítrio do suposto ofensor?”
No caso dos jornais e periódicos, a ação questiona a publicação de respostas com letras menores do que aquelas que geraram a ofensa. No caso das emissoras de rádio e televisão, não há nenhum dispositivo que proíba a veiculação de resposta em programas diferentes ou em emissoras que pertençam a um mesmo grupo econômico.
A ação aponta também que até hoje não há regulação do direito de resposta na Internet e “quando muito, a Justiça Eleitoral procura, bem ou mal, remediar essa tremenda lacuna com a utilização dos parcos meios legais de bordo à sua disposição”.
Produção e programação – o segundo ponto de omissão legislativa que a petição cita é com relação aos princípios declarados no art. 221, no que concerne à produção e à programação das emissoras de rádio e televisão.
Para argumentar a necessidade da regulamentação, o jurista relembra que as emissoras de rádio e televisão servem-se, para as suas transmissões, de um espaço público. “Fica evidente, portanto, que os serviços de rádio e televisão não existem para a satisfação dos interesses próprios daqueles que os desempenham, governantes ou particulares, mas exclusivamente no interesse público; vale dizer, para a realização do bem comum do povo”.
Para cumprir essa função, o artigo 221 coloca os seguintes princípios para a produção e programação: I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei, e IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Em seguida, o texto conclui que passadas mais de duas décadas da entrada em vigor da Constituição Federal, nenhuma lei foi editada especificamente para regulamentar artigo 221, presumivelmente sob pressão de grupos empresariais privados.
Monopólio ou oligopólio – o terceiro ponto de omissão legislativa que a petição cita é com relação à proibição de monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação social, disposta no artigo 220.
Sobre esse caso, a petição afirma que o abuso de poder econômico na comunicação social coloca em risco a democracia. “Na sociedade de massas contemporânea, a opinião pública não se forma, como no passado, sob o manto da tradição e pelo círculo fechado de inter-relações pessoais de indivíduos ou grupos. Ela é plasmada, em sua maior parte, sob a influência mental e emocional das transmissões efetuadas, de modo coletivo e unilateral, pelos meios de comunicação de massa”.
Comparato ressalta no texto que monopólio e oligopólio não são conceitos técnicos do Direito; são noções, mais ou menos imprecisas, da ciência econômica. Sendo assim, “pode haver um monopólio da produção, da distribuição, do fornecimento, ou da aquisição. Em matéria de oligopólio, então, a variedade das espécies é enorme, distribuindo-se entre os gêneros do controle e do conglomerado, e subdividindo-se em controle direto e indireto, controle de direito e controle de fato, conglomerado contratual (dito consórcio) e participação societária cruzada. E assim por diante.” A falta de uma lei definidora de cada um desses tipos, anulam o direito do povo e a segurança das próprias empresas de comunicação social.
Veja AQUI a ação na íntegra:
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
Para relaxar......e pensar....
O hipocondríaco é, antes de tudo, um forte
Tudo é uma questão de ponto de vista.
A frase é extremamente idiota, eu sei. Mas dessas pequenas idiotices
do dia-a-dia a gente consegue extrair verdadeiras lições – ou são os
sábios que zelam por nós condensando em pílulas de conforto instantâneo
grandes ensinamentos?
Vamos exemplificar o ditado. Meu ortopedista. Grande sujeito, pai de
um amigo meu. Um dia, deu uma opinião reversa sobre o senso comum que
rodeia o meu prontuário médico e disse algo do tipo: “você não é uma
pessoa fraca, pelo contrário, é muito forte – caso contrário, já teria
empacotado”.
Vamos aos fatos: devido ao jornalismo, peguei muita pereba nesta
vida. De malária, foram duas, falciparum, uma em Timor Leste e outra em
Angola, durante coberturas. Não digo isso com orgulho, pelo contrário.
Jornalistas da antiga contam que mediam-se carreiras pelo número de
doenças tropicais contraídas. Mas o tempo passou e a régua foi para a
quantidade de textos censurados, depois para processos na Justiça e o
número de discursos inflamados de congressistas indignados. Ou seja,
pegar malária durante o exercício da profissão virou coisa demodê, quiçá
despreparada para usar um repelente caro do exército norte-americano.
Dengue foi uma, no interior da Paraíba, doída – sem manchas, pelo
menos. Teve uma mononucleose do Punjab paquistanês. Dizem que é chamada
de “doença do beijo”, pela forma de transmissão – a explicação que eu
trouxe para casa (e que colou, graças a Deus) foi de que em muitos
vilarejos, durante as refeições, o uso do copo era coletivo (isso mesmo,
“do”, artigo, definido, masculino, singular). Com o treco circulando
pela boca e pela mão de todos, não deu outra.
Outra vez, alguma porcaria se alojou perto do meu coração, gerando
uma pericardite – o que me deixou uma semana internado, comendo boa
comida. Nessa, achei que ia empacotar, tamanha a dor no peito logo no
começo. Foi um período bom para terminar o mestrado. Tranquilo, sem
muita gente ligando, cobrando textos ou dívidas.
Viroses e afins não entraram na lista, mesmo que ferozes, porque aí
teríamos uma capivara e não um post. Aliás, a virose é a “pescada” da
medicina. É aquele peixe genérico, que muitas vezes nem o médico sabe o
que é mas, pelos sintomas, recebe o tratamento básico – água,
alimentação leve e repouso.
(Ter na conta também o fato de ser hipertenso, conviver com uma
cardiopartia, dois discos mal colocados na coluna e uma artrose torna a
vida mais divertida – para dizer o mínimo. E como jornalismo é uma
profissão relaxante e o Brasil nem tem problemas na área de direitos
humanos, tá tudo na santa paz.)
E retornando ao pensamento inicial: pegar todas essas perebas em um
contexto como esse e estar de pé a ponto de ser um (péssimo) goleiro e
com o fígado pronto para aguentar os benefícios de um chope no final do
expediente não é para qualquer um, meu irmão.
Por que o texto? Uai, nada melhor do uma escrita hipocondríaca para passar o tempo na espera do hospital.
Tudo (realmente) é uma questão de ponto de vista.
Emílio Lopez: Buscando entender as raízes do ódio contra os pobres
por Emílio Carlos Rodriguez Lopez*no viomundo
A Frei Caneca, brasileiro e americano que lutou contra os privilégios da nobreza brasileira.
Este artigo não se destina a atacar a classe média paulista ou
carioca. Ao contrário. O objetivo é entender os motivos de setores da
elite e da classe média terem votado contra o PT e concordarem com uma
campanha de claros contornos de extrema direita, que se aproximou
perigosamente de setores religiosos, como a Opus Dei e TFP, claramente
influenciados pelo fascismo.
Creio que dois fatores podem ajudar a entender melhor o que Chico Buarque, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, chamou de o crescente ódio das elites e das classes médias contra os pobres.
O primeiro fator leva em consideração a formação do estado nacional
brasileiro, quando se refaz o conceito de nobreza (diferente do sentido
e das práticas sociais do antigo regime português) e que se articula
com o que Modesto Florenzano, ao analisar a Revolução Francesa, chamou
de nobreza do capital. Em suma, um grupo dirigente que se via como
nobre, detentor de privilégios que os plebeus não poderiam almejar.
Chamarei isto de se “sentir nobre”, portanto apartado do mundo dos
pobres.
Nesse processo de formação história ainda presente em nosso
cotidiano, todos os que acham que têm um pouco de poder querem ser
chamados de “doutor”. Basta lembrar da frase dos jovens pobres
agredidos na Avenida Paulista por membros da classe média em 14 de
novembro de 2010, que afirmou indignado com a libertação rápida dos
seus agressores:
Se fosse eu que tivesse batido em um
grupo de “filhinhos de papai” estaria preso até agora. Mas eles têm
dinheiro para pagar advogado. O dinheiro que eu tenho é para ajudar a
minha mãe.
Mas valeria perguntar, pela ótica desta classe média, o que fazem os
pobres na Avenida Paulista? Como ousam invadir esse território sagrado
da classe média paulista?
Exatamente este é o ponto: a classe média percebe que a ascensão dos
pobres ameaça o que ela via como espaços exclusivos para “a nobreza”. O
mesmo se dá nos aeroportos e muitos outros locais. A ascensão dos
pobres no governo Lula é vista por estes setores como uma nova invasão
de bárbaros contra o Império Romano. Deste modo, a elite e a classe
média sentem cada vez mais ameaçadas a sua identidade como “nobreza”,
além dos seus privilégios. Devemos lembrar, por exemplo, que daqui a
20 anos os pobres que ingressaram na Universidade pelo PROUNI e ENEM
irão concorrer em condições mais igualitárias com os filhos da classe
média e da elite.
O segundo ponto leva em consideração que a elite e classe média
atual são marcadas por concepções neoliberais e de valorização do modo
de vida (norte) americano. Espalhou-se que o individualismo, o
consumismo e a mercantilização desenfreados são os novos valores que
devem reger a sociedade. Muitos brasileiros se recusam a ver que esse
modelo fracassou. A crise ecológica não permite mais ele se perpetuar,
visto que os recursos naturais são finitos. E as bolhas econômicas
destruíram a economia norte americana.
O modelo neoliberal aumentou as distâncias entre ricos e pobres.
Além disso, pretendia a exclusão de milhares de pessoas e se baseava na
separação física entre as classes sociais, demarcando territórios. Um
bom exemplo são os condomínios fechados em São Paulo.
Neste contexto, as práticas sociais da elite e da classe média
tenderam a uma radicalização, pois cada vez mais percebem que os seus
“privilégios” e “lugares sagrados” são atacados e invadidos por outros
grupos sociais.
Ainda chamo a atenção que muitos setores da classe média preferem um
Brasil com Z. Por exemplo, adoram comemorar o Hallowen e não o dia do
Saci. Identificam-se como norte- americanos e babam pelos valores
difundidos pela industria cultural deste país.
Ironicamente, a crise econômica e a recessão impulsionaram os
Estados Unidos e a Europa para a direita do espectro político e
favoreceram o crescimento de movimentos xenófobos e de extrema direita.
Já no Brasil o governo Lula vence a crise e o Brasil vive tempos de
prosperidade econômica. Nunca a classe média e as elites ganharam tanto
dinheiro, consumiram e viajaram tanto. Daí a pergunta, por que esta ingratidão com o PT e Lula, visto que preferiram um projeto de país marcado pela exclusão social?
Lembro ainda que o voto espelha uma identidade cultural e uma visão
de mundo, pois, 70% dos bairros da elite e da classe média paulista ao
votarem em Serra, reafirmaram convicções e valores que devem reger a
sociedade. Como se vê há um grupo que defende um Brasil para poucos
privilegiados, que se sentem nobres e se recusam a tolerar os pobres.
Por último, gostaria de lembrar a todos que depois de 300 anos de
guerras religiosas e da Revolução Francesa não me parece cabível querer
atacar um traço fundamental do Estado contemporâneo que está baseado
na tolerância e no respeito à diferença de pensamentos e de modos de
ser.
O Brasil necessita a radicalização da democracia e não do preconceito.
A verdadeira radicalização democrática é ampliar os recursos,
inclusive de mídia, para os trabalhadores e os mais pobres poderem
democraticamente desfrutar das mesmas condições que a elite tem para
divulgar os seus pensamentos e sua visão de mundo.
* Emílio Carlos Rodriguez Lopez é mestre em História pela USP
Você tem que se decidir: a árvore ou o PIB?
Escrito por Eduardo Almeida no Correio da Cidadania | |
O "Chomsky Verde" não poupa palavras para alertar sobre a crise
invisível da fome. Claro e incisivo em suas opiniões, Devinder Sharma é o
tipo de entrevistado que coloca o editor numa situação complicada.
Pinçar o mais importante entre tantas colocações cruciais torna-se um
desafio técnico.
Devinder Sharma, 55 anos, é jornalista, escrevendo e mantendo colunas
em um punhado de jornais editados em diferentes línguas indianas – e
freqüentemente é solicitado para foros de debate e entrevistas,
inclusive pela rede americana CNN. Sharma mantém seu blog "Ground
Reality", Realidade Nua e Crua, numa tradução livre, focado no debate
sobre políticas para alimentação, agricultura e fome (http://devinder-sharma.blogspot.com/) - visitado por dezenas de milhares de internautas em todo o mundo, sobretudo formadores de opinião.
Sharma mora em Nova Deli, onde dirige uma iniciativa independente
chamada Foro para a Biotecnologia e Segurança Alimentar. Autodefine-se
como um "analista sobre políticas para alimentação e comércio". Tem
formação agronômica, sendo reconhecido estudioso e pensador sobre o
desenvolvimento, a sustentabilidade e a fome, tema de livros que tem
publicado. Chomsky Verde foi o apelido que ganhou do semanário indiano The Week
no ano passado pela similaridade de sua postura crítica ampla e aguda
com a do famoso lingüista e pensador americano Noam Chomsky. Devinder
Sharma ainda encontra tempo para constantes visitas e debates em
comunidades rurais de seu país.
A passagem recente pelo Brasil aprofundou sua análise sobre o país.
As conclusões são pouco lisonjeiras. Confessa-se "assombrado diante do
modo como as empresas de agronegócio, incluindo gigantes internacionais,
controlam a economia brasileira", sem entender como o Brasil, com todo o
"vasto celeiro de biodiversidade e riqueza genética que possui",
prefere um modelo de desenvolvimento rural que "marginaliza as
comunidades rurais e deixa rastros profundos de destruição ecológica".
Em tempos de crise financeira mundial e emergências globais, Sharma
denuncia o aumento da fome no mundo e acentua o protagonismo popular na
superação das crises, lembrando Ghandi – "Ele nos disse que se faz
necessário um sistema de produção pelas massas e não para as massas".
Não faz por menos, detona em série com os modelos atuais de
desenvolvimento – "a ‘economia do crescimento’ que as economias
emergentes perseguem é, na realidade, nada mais que economia da
violência"; com o endeusamento do PIB – "é uma cortina de fumaça para
que o rico explore o pobre"; com o capitalismo wallstreetiano – "levará o
mundo na direção da extinção da espécie humana"; com a democracia tal
como se apresenta hoje no mundo, com a ONU, sobrando ainda para os
economistas.
Apresentado por colega comum de rede de discussão ao jornalista free
lancer baiano Eduardo Almeida, Sharma concedeu a entrevista pela
internet.
O senhor esteve por sete dias no Brasil recentemente. Esse país tem
estado em evidência em temas contraditórios que são objeto de suas
preocupações: a luta contra a fome e o agronegócio de grande escala com
elevado apetite por desmatamento e organismos geneticamente modificados
(OGMs). O que mais lhe chamou a atenção no Brasil?
Devinder Sharma: Eu vim ao Brasil a convite da AS-PTA (Assessoria
e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa, ONG brasileira
dedicada à agroecologia e agricultura familiar) para participar de uma
conferência internacional, no Rio de Janeiro, sobre alimentos e lavouras
geneticamente modificados. A conferência congregou ativistas,
especialistas, ONGs, representantes governamentais e de organizações de
produtores da Índia, Brasil e África do Sul - nações que formam o IBSA
–, além de outros países. Em certo sentido, o evento foi focado em
fortalecer o movimento anti-transgênicos no Brasil. Sabendo que o Brasil
vem adotando crescentemente lavouras geneticamente modificadas, e já
tomou o lugar da Argentina como país com maior área de lavouras GM
(geneticamente modificadas) na América do Sul, foi importante ter um uma
compreensão, em primeira mão, das razões que estão por trás dessa
crescente difusão das lavouras GM, e, ao mesmo tempo, conhecer a luta
das pessoas contra esse tipo de agricultura.
Além disso, na semana em que estive no Brasil, busquei informações sobre
duas outras áreas de meu interesse. Uma se relaciona ao Programa Fome
Zero, que o presidente Lula lançou entre 2003 e 2004, e a outra diz
respeito à formidável reviravolta que o Brasil realizou em desenvolver
gado puro de algumas raças indianas e ainda se tornando importante
exportador dessas raças para a América Latina, África e Ásia. Essas
raças bovinas proporcionam rendimentos em leite comparáveis às raças
Jersey e holandesa, enquanto suas primas pobres na Índia são tachadas de
‘improdutivas’, com capacidade de produção de leite muito baixa.
As crescentes ações do Brasil em outros países tropicais,
especialmente da África e América Latina, difundem tecnologias para
produções de grãos e carne em larga escala, ao estilo "revolução verde",
em pacotes que freqüentemente incluem transgênicos, química pesada e
pouco cuidado com o meio ambiente. O senhor acha que a dita "estória de
sucesso do moderno agronegócio brasileiro" é um bom espelho para países
tropicais em desenvolvimento?
Devinder Sharma: Este é um motivo para grave inquietação. A
guinada deliberada do Brasil, de uma agricultura sustentável, utilizando
o vasto celeiro de biodiversidade e riqueza genética que possui, para a
agricultura industrial, que é ecologicamente destrutiva e leva ao
aquecimento global, vem não apenas resultando na marginalização das
comunidades rurais como também deixando rastros profundos de destruição
ecológica, cujos custos serão assumidos pelas gerações futuras. A dívida
ecológica que o Brasil tem criado no processo supera o ganho econômico
de curto prazo que ele visa. Como não há jeito de medir o rastro de
destruição ecológica em termos econômicos, o Brasil parece inteiramente
despreocupado.
Eu fico assombrado diante do modo como as empresas de agronegócio,
incluindo gigantes internacionais, controlam a economia brasileira. O agrobusiness prospera
na destruição das florestas originais, no envenenamento dos solos,
minando as águas subterrâneas e contaminando a cadeia alimentar. Estudos
recentes evidenciam que os pequenos produtores são os mais atingidos, e
acabam migrando em massa para as cidades. Não obstante, o ministro da
Agricultura, assim como o (da Indústria e) do Comércio, parece
simplesmente facilitar a encampação empresarial da agricultura e, assim,
almejam políticas agrícolas e comerciais que não projetam nem protegem
os interesses de produtores e do meio de vida, não apenas do Brasil, mas
também de outros países em desenvolvimento.
Que papel o senhor espera que Estados Democráticos como a Índia e o
Brasil podem desempenhar na construção de uma Nova Ordem Mundial livre
da fome, com agricultura sustentável, respeito pela biodiversidade, com
justiça social e comércio justo? Sendo o seu país considerado a maior
democracia do Mundo e tendo o senhor uma abordagem crítica sobre a
relutância do governo indiano em prevenir situações de opressão social,
qual o problema com a Democracia? Falhando em garantir poder real ao
povo em tantos países, deve a Democracia ser aprofundada e redesenhada?
Devinder Sharma: Houve um tempo em que Abraham Lincoln afirmou
que "a democracia é do povo, pelo povo e para o povo". Hoje, as
propaladas democracias ao redor do mundo, incluindo a Índia, o Brasil e
os Estados Unidos, tornaram-se "da indústria, pela indústria e para a
indústria". Gigantes democráticos do mundo em desenvolvimento – Brasil,
Índia, África do Sul – estão ocupados criando uma nova ordem mundial
onde o interesse empresarial reine supremo. Os governos em todos esses
países perderam o contato com as massas e seguem um modelo econômico que
não enxerga nada além de negócios, comércio e indústria.
Na Índia, que reivindica o título de maior democracia do mundo, não há
justificativa plausível para o fato de que um terço da população de 1,2
bilhões de pessoas esteja vivendo com fome. Com quase 47% das crianças
com idade inferior a seis anos subnutridas, e com 55% da população
classificada pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento) como afetada pela pobreza, a Índia projeta-se a si
mesma como uma superpotência emergente. Nos anos recentes, desde que a
Índia se antecipou na liberalização econômica, as disparidades
econômicas têm apenas aumentado. Os ricos se tornaram mais ricos e os
pobres vêm sendo empurrados contra a parede. O gradual apossamento dos
recursos naturais pela indústria tem criado um sentimento de
desesperança entre as comunidades tribais. O aprofundamento da
desconfiança, entre os mais pobres das regiões mais pobres do país, em
relação às políticas de governo é de tal ordem que quase um terço do
país, principalmente o rico cinturão mineral (estados do Nordeste e
Centro-Norte da Índia), enfrenta rebeliões lideradas pelos maoístas.
Eu me admiro como a Índia pode ser uma orgulhosa democracia se
sucessivos governos têm falhado em satisfazer as aspirações da maioria
da população. Como fome e pobreza podem existir em escala tão dramática
numa democracia? A projeção do crescimento econômico, onde se reivindica
ter a segunda maior taxa de crescimento econômico, pouco se espelha nas
realidades. Os governos perderam o contato com as massas e o poder real
está nas mãos do empresariado. Tanto é assim que a maioria dos
representantes populares eleitos para o Parlamento agora são
milionários. Você não pode vencer uma eleição se não for rico. A
verdadeira essência da democracia, conseqüentemente, se perdeu. A
democracia se tornou uma ‘Empresariocracia’. Acredito fortemente que é
chegado o tempo de uma revisão sobre o significado de democracia.
Na medida em que se submetem ao controle empresarial, as democracias
perdem essência e comprometem o papel para o qual foram concebidas por
nossos antepassados. Quero dizer, o mundo dos negócios, certamente, não
vai nos propiciar equidade e justiça.
O senhor tem sustentado que os mercados de capitais são os principais
protagonistas do esgotamento dos recursos naturais em escala planetária
e na manutenção da fome e da injustiça. O neoliberalismo disseminou a
idéia de que o capitalismo ainda é o grande propulsor do desenvolvimento
e, de fato, países emergentes, como Índia, China e Brasil, têm crescido
a altas taxas em parte devido a grandes influxos de capital. Acredita
em caminhos alternativos ao desenvolvimento que beneficiem as maiorias e
minorias excluídas de modos social e ambientalmente sustentáveis?
Devinder Sharma: Não há outra inovação – se você não gosta do
termo invenção – nos tempos recentes que não apenas influenciou, mas
acelerou o processo do consumo desenfreado do que a emergência de Wall
Street. De fato, os economistas podem se recusar a aceitar isso agora e
por razões óbvias, mas os mercados de capitais levarão o mundo na
direção da extinção da espécie humana, como nos alertou o cientista
australiano Frank Fenner.
Eu fico impressionado com a maneira como opera o mercado de capitais. Esses mercados transformaram tudo em commodity.
Grande parte dos males ambientais do mundo é conseqüência direta do
mercado de capitais. Os mercados de capitais sugarão cada gota d’água –
ou outro recurso natural – do planeta. Há um preço para tudo, incluindo o
ar que você respira.
A ‘economia do crescimento’ que as economias emergentes perseguem é, na
realidade, nada mais que economia da violência. Ela desencadeia
violência contra os recursos naturais, contra o clima, contra a natureza
e também contra o próximo, o ser humano. Ela retira os recursos
naturais, físicos e também financeiros das mãos dos pobres para os
bolsos dos ricos e das elites. Dizem-nos freqüentemente que os 20% de
providos da população mundial controlam e usam os recursos dos 80% dos
desprovidos. A globalização reforça ainda mais esse monopólio e amplia
as disparidades já existentes. Tira recursos das mãos dos pobres para
adicionar à fortuna dos ricos.
Muitos pensadores e economistas de sensibilidade social têm
argumentado que é inevitável primeiro alavancar o PIB por todos os meios
e somente depois implementar políticas de distribuição de rendas. Como o
senhor concebe o desenvolvimento no quadro internacional atual?
Devinder Sharma: Os economistas são uma raça esperta. Eles
conceberam o PIB como um indicador de crescimento. Eles o moldaram com
tanta destreza que nós aceitamos um indicador de riqueza pessoal como um
ponteiro para o desenvolvimento nacional.
Quanta ilusão de crescimento eles criaram. Eles fizeram com que tudo, incluindo o clima global, se pareça com uma commodity
a ser vendida e explorada. Quanto mais você explora, mais o PIB sobe.
Você pode destruir um país numa guerra, e então você o reconstrói e o
PIB se eleva. Isso é o que aconteceu com o Iraque.
O PIB, para o leigo, significa o montante de dinheiro que troca de mãos.
Se você compra um carro, o PIB sobe. Se você corta uma árvore, o PIB
sobe. Mas se você preserva a árvore, o PIB pode não crescer. Agora você
tem que decidir se precisa da árvore ou do PIB.
Se você visualizar globalmente, o aumento no PIB não tem levado a
desenvolvimento integral. Mesmo nos Estados Unidos, o país mais rico do
mundo, a fome quebrou um recorde de 14 anos. Hoje, uma em cada 10
pessoas passa fome. A menos que a gente reverta essa prescrição
deformada de crescimento econômico, nós nunca teremos a renda sendo
distribuída razoavelmente em qualquer população. Vale lembrar, o PIB não
é a pedra de toque do desenvolvimento. Ele é uma cortina de fumaça para
que o rico explore o pobre.
No contexto da atual crise econômica e seu impacto sobre a
agricultura e a segurança alimentar, que diretrizes e abordagens, em sua
opinião, devem ser adotadas por países em desenvolvimento no sentido de
prevenir desastres e retomar o desenvolvimento social sustentável?
Devinder Sharma: O colapso econômico atual trouxe globalmente US$
20 trilhões em pacotes de ajuda. Esses pacotes beneficiaram bancos e
firmas de investimento que, na verdade, deveriam ter sido penalizadas
por levar a economia mundial à beira do precipício. Ao invés disso, eles
receberam aplausos e honrarias pelo crime econômico que cometeram com
toda impunidade.
A questão que precisa ser colocada é: por que o mundo injetou tanto
dinheiro em bancos e empresas de investimento? A resposta é que o
objetivo é manter o fluxo financeiro, que permitirá aos governos manter o
ritmo do crescimento econômico. Eu tenho perguntado constantemente onde
está o objetivo subjacente dessa generosidade. A resposta que obtenho é
de que o objetivo é reduzir a fome e a pobreza ao proporcionar
oportunidade de renda e meios de vida. Se não há crescimento não haverá
oportunidades para criação de meios de vida. Isso é certamente
divertido, com jeito de arrogância intelectual beirando a estupidez.
O que está sendo camuflado é que o mundo necessita apenas de US$ 1
trilhão para eliminar a fome, doenças e pobreza da face do planeta. Nós
não temos dinheiro para isso. Mas nós temos US$ 20 trilhões para
socorrer os corruptos e escroques dos negócios e da indústria.
Superar as barreiras políticas, econômicas e ideológicas estruturais
ao desenvolvimento social e sustentável, incluindo zerar a fome,
certamente não é tarefa fácil. Como poderemos lidar, nessa luta, com os
desafios extras representados pelas chamadas emergências globais, como
aquecimento global, mudanças climáticas, perda de biodiversidade e crise
energética?
Devinder Sharma: As barreiras estruturais ao desenvolvimento
social e sustentável, incluindo combater a fome, estão, na verdade,
entremeadas nas políticas neoliberais equivocadas. Os desafios extras
das mudanças climáticas, aquecimento global, perda de biodiversidade e
da sempre crescente crise energética são também resultados do paradigma
do crescimento.
Deixe-me fazer uma pergunta. Se a prescrição econômica para a economia
global que o mundo vem seguindo é tão boa, por favor, me diga por que o
mundo chegou a essa beira de precipício? Por que os recursos naturais do
planeta foram poluídos e pilhados? Por que os rios estão fluindo sujos,
e por que as fontes de água limpa estão todas secando?
Por que a biodiversidade tem desaparecido a um ritmo tão alarmante,
trazendo o mundo mais próximo da extinção? Por que motivo o IPCC (Painel
Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, promovido pela ONU) chega
ao ponto de nos alertar que, se não procedermos a uma mudança radical
no modo em que o mundo progride, não haverá tempo suficiente para evitar
um colapso da população humana? Essa é uma clara denúncia das políticas
econômicas que o mundo foi levado a seguir. As emergências que você
menciona são o resultado de um pensamento econômico grosseiramente
falho.
A resposta está no que Mahatma Gandhi nos falou. Ele disse que a Terra tem o suficiente para a necessidade de cada um, mas não para a ganância. Ele também nos disse que se faz necessário um sistema de produção pelas massas e não para
as massas. Esse, em essência, é o fundamento do conceito de soberania
alimentar de que a sociedade civil fala. Ao invés de fomentar o livre
comércio, usando a OMC (Organização Mundial do Comércio) como agente
policial para basicamente disponibilizar mercado à produção agrícola
altamente subsidiada dos países da OCDE (Organização de Cooperação e
Desenvolvimento Econômico, ou "Clube dos Países Ricos"), o mundo deve
voltar-se ao atendimento da auto-suficiência alimentar. Tornar os países
dependentes de importações de alimentos é uma receita para o desastre,
mas certamente soma para o PIB e, o que não é dito, quanto mais
comércio, mais aquecimento global.
Contudo, você se surpreenderá em saber que nos últimos 30 e poucos anos,
desde que o Banco Mundial e o FMI começaram os programas de ajustes
estruturais, 105 dos 149 países do Terceiro Mundo se tornaram
importadores de alimentos. Se a Rodada de Doha, da forma como tem sido
concebida, chegar a uma conclusão em breve, escreva o que estou dizendo,
o restante dos países do Terceiro Mundo também se tornará importador de
alimentos a qualquer momento. E não se esqueça: importar alimentos é
como importar desemprego. Os alimentos se tornarão, então, a mais forte
das armas políticas.
Como o senhor avalia o papel exercido pelas Nações Unidas e seu
Sistema (PNUD, FAO e outras) no esforço para enfrentar os principais
problemas da Humanidade? A ONU estabeleceu os Objetivos do Milênio (ODM)
a serem atingidos em 2015. Isso irá funcionar?
Devinder Sharma: Os Objetivos do Milênio não vão dar certo.
Lembro que quando a Cúpula Mundial sobre Alimentação, em 1996 (em Roma),
anunciou que é criminoso observar 24.000 pessoas sucumbindo ante a fome
todos os dias e os dirigentes internacionais manifestavam urgência no
enfrentamento da fome, prometendo reduzir em 50% as estimadas 842
milhões de pessoas famintas até 2015, eu reagi com choque e desgosto.
Disse, então, que isso é um caso clássico de desonestidade política.
Pelo tempo que o mundo promete reduzir à metade o número de famintos,
considerando que 24.000 pessoas morrem de fome todos os dias em algum
lugar, 128 milhões de pessoas podem ter sucumbido apenas pela fome. Como
isso pode ser classificado como emergência? Não seria isso um crime
contra a Humanidade?
Os ODM meramente reiteraram a promessa da Cúpula Mundial sobre a
Alimentação. E, como sabemos hoje, o número de famintos na verdade
aumentou: de 842 milhões em 1996 para 1,1 bilhão em 2010. A ONU pode com
certeza se vangloriar, se mostrar satisfeita com sua ‘grande’ missão
humanitária. Mas a realidade é que a ONU não é nada melhor que o Banco
Mundial. A linha fronteiriça entre a ONU e o Banco Mundial foi borrada
com o passar dos anos.
Quais as suas visões sobre Cooperação Sul-Sul? Países como Índia e
Brasil compartilham condições similares em muitos aspectos, mas
continuam mantendo relativamente fracos comércio e intercâmbio
técnico-científico. Velhos vínculos Norte-Sul, heranças estruturais do
colonialismo, parecem colidir com a perspectiva de os países do Terceiro
Mundo se associarem no enfrentamento de desafios comuns. O que o senhor
acha que Índia e Brasil poderiam fazer em conjunto pelo avanço da luta
contra a fome e pelo desenvolvimento sustentável em seus respectivos
países e em outros?
Devinder Sharma: Cooperação Sul-Sul soa agradável. Os acadêmicos
têm usado isso em resposta ao "fator NHA" (não há alternativa). Eu
sempre acho graça quando ouço falar em cooperação Sul-Sul. Eu não
conheço nenhum país do Sul que não almeje imitar o Norte. O que quer que
os líderes políticos possam dizer, eles se sentem honrados quando
convidados a se alinhar para a foto nas cúpulas do G20. Os acadêmicos
fazem o mesmo; os economistas, claro, extrapolam. Se você observa os
currículos, lá está a menção orgulhosa de universidades do Norte que
eles visitaram ou onde realizaram trabalhos.
Mesmo quando o presidente Lula e o primeiro-ministro Manmohan Singh
falam em colaboração bilateral, no mais das vezes é para promover o
mesmo sistema que eles tomam emprestado dos países ocidentais. Na
verdade, a cooperação Sul-Sul, quando existe, é construída sobre os
mesmos princípios de exploração. O ‘big brother’ faz exatamente o mesmo,
com seu primo menor, que os Estados Unidos fazem com a Índia e o
Brasil.
Isso não significa que a cooperação Sul-Sul não seja possível. Tudo que
ela precisa como ponto de partida é confiança e respeito. Isso só é
possível se o líder do país mais desenvolvido exibe estadismo político e
se abstém do papel de peixe grande que come o peixe menor. Tenhamos
esperança de que, algum dia, alguém mostre sagacidade política e uma
nova ordem possa então surgir.
A título de exemplo, está sendo anunciado na África um programa ambicioso, o AGRA – Aliança para a Revolução Verde na África (Alliance for Green Revolution in África)
-, com o objetivo de incrementar a produção agrícola. Kofi Annan
(ex-Secretário Geral da ONU) está à frente desta iniciativa.
Lamentavelmente, esse programa é baseado em agricultura industrial e
incentiva o domínio empresarial da agricultura.
A AGRA não é o que a África precisa. Nesse caso, melhor teria sido a
África buscar cooperação Sul-Sul com países em desenvolvimento,
apostando em sistemas agrícolas que não matam os agricultores. A África
precisaria aprender as lições do fiasco da revolução verde na Índia.
Mais de 200 mil camponeses cometeram suicídio nos últimos 15 anos na
Índia, essencialmente porque a equação da revolução verde deu errado.
Estou certo de que os líderes africanos não desejam que seus camponeses
morram. Portanto a África não precisa da AGRA, mas sim da ‘SAGRA’ -
Agricultura Sustentável para a África (Sustainable Agriculture for Africa).
No começo de setembro, Moçambique foi palco de agitações populares.
Sete pessoas foram mortas quando manifestantes se mostraram
inconformados com o aumento do preço do pão. O senhor acha que isso pode
indicar uma nova crise de alimentos mundial como se esboçou em
2007-2008?
Devinder Sharma: As manifestações por comida em Moçambique e as
crescentes tensões no Paquistão, Egito e Rússia siberiana por causa da
espiral altista de preços de alimentos evidenciam a crise mundial de
alimentos e suas vulnerabilidades. Apesar de a FAO-ONU mostrar
preocupações – mas não o receio de repetição da crise de 2007-2008 –,
não se vê nenhuma iniciativa em superar os desequilíbrios do sistema de
gerenciamento dos alimentos que ocasionam a crise. Enquanto o mundo
assiste a agitações populares por alimentos em 37 países, os estoques de
grãos de empresas multinacionais e de tradings deram um salto.
Não se vê nenhum aprendizado com a débâcle que aconteceu em
2007-2008. Na verdade, o G-20 tem encorajado uma repetição do problema.
Ele tem orientado seus países membros a remover tudo que impeça
investimentos estrangeiros diretos em varejo de alimentos e, ao mesmo
tempo, pressiona agressivamente os países em desenvolvimento a removerem
todas as barreiras comerciais nos Acordos de Livre Comércio e outros
tratados regionais. Os países em desenvolvimento, portanto, têm se
tornado cada vez mais importadores de alimentos. Observemos que
Moçambique teve suas manifestações populares quando a Rússia impôs
proibição à exportação de trigo por mais um ano após uma seca severa e
incêndios no campo.
O que aconteceu em Moçambique nesse setembro é algo que pode se repetir
em qualquer lugar nos anos vindouros. A menos que o mundo incentive os
países em desenvolvimento e os menos desenvolvidos a se tornarem
auto-suficientes em grãos alimentares, a ameaça iminente de distúrbios
continuará sobre a cabeça das nações como espadas de Dâmocles.
Entretanto, como o assunto afeta os interesses dos gigantes do
agronegócio, o G-20 prefere encarar de outra maneira.
Eduardo Almeida é jornalista.
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Crise social em Portugal...
1/5 dos que recebem apoio social não tem o que comer
Existem quase cinco mil pessoas na fila de espera
e a maioria esmagadora das 200 mil que recorrem ao Banco Alimentar são
mulheres. Metade dos que procuram comida ganha menos de 250 euros.
Foto Paulete Matos.
Mais de um quinto das pessoas que procuram instituições de
solidariedade sente falta de alimentos pelo menos uma vez por semana,
segundo um inquérito realizado pela Universidade Católica, em parceria
com o Banco Alimentar e a Associação Entreajuda.
Do universo de 4691 usuários de mais de 500 instituições que responderam
aos questionários, 27 por cento mencionaram estar um dia inteiro sem
comer algumas vezes por semana ou pelo menos uma vez.
“Vinte por cento diz não ter comida até ao final do mês, 32 por cento
diz que tal acontece às vezes e 49 por cento diz ter sempre comida até
ao fim do mês”, refere ainda o estudo divulgado este domingo.
Sessenta e seis mil famílias recorrem à rede do Banco Alimentar Contra a
Fome (BACF) o que corresponde a mais de 200 mil pessoas, segundo a
análise da Universidade Católica. Na amostra recolhida para o estudo há
75 por cento de mulheres, o que “pode dever-se ao fato de serem elas
que, dentro do agregado familiar, mais se dirigirem às instituições a
pedir ajuda”.
No que respeita ao apoio em medicamentos, pode concluir-se que
atualmente são 6600 as famílias ajudadas, num total de quase 16 mil
pessoas. Estima-se ainda que as instituições que pertencem à rede do
BACF dão igualmente apoio monetário a 5700 famílias e 11 968 pessoas.
Numa análise mais detalhada por faixa etária, o questionário mostra que
são pelo menos 74 mil as crianças que recebem apoio alimentar da rede
do BACF, número que o próprio estudo admite estar aquém da realidade.
Nos últimos três anos, mais de 70 por cento das instituições de
solidariedade social registaram mais pedidos de apoio para alimentação,
situação atribuída sobretudo pelo aumento do desemprego. É a
vulnerabilidade econômica decorrente quer do aumento do desemprego, quer
das baixas reformas, que, a par de rupturas familiares, estão na base
do aumento da procura alimentar”, conclui a análise.
O inquérito do Centro de Estudos e Sondagens da Católica foi respondido
por 1500 organizações de solidariedade que integram a rede do Banco
Alimentar, num universo de mais de 3200 instituições.
A pobreza que vem com a sobrevivência e não com o luxo
Segundo o estudo, cerca de um terço dos inquiridos contraiu
empréstimos, a esmagadora maioria para a compra de casa, mas so menos de
metade dizem pagar sempre as mensalidades.
Além da compra de casa (53 por cento), o carro (19 por cento) e os
electrodomésticos (16 por cento) são os bens que mais frequentemente são
comprados a crédito. Apenas seis por cento diz ter recorrido a crédito
para adquirir um televisor, verificando-se a mesma percentagem para
consolas de jogos.
Da análise resulta ainda que quatro em cada dez pessoas só compram os
medicamentos quando têm dinheiro ou optam pelos mais baratos, não
conseguindo adquirir sempre os remédios que são receitados pelo médico.
Numa auto-avaliação à sua situação económica, 72 por cento dos
inquiridos sentem-se pobres, com uma larga maioria a atribuir a culpa da
sua situação à própria sociedade (situações de desemprego ou
rendimentos baixos).
Fonte: EsquerdaNet
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