A Verdade -
[Lula Falcão] É comum ouvirmos ou lermos nos grandes meios de
comunicação burgueses que a empresa privada é eficiente, à prova de
corrupção, lucrativa e possui uma gestão profissional.
A fraude bilionária de R$ 2,5 bilhões no banco Panamericano, propriedade
privada da família Silvio Santos, é mais um exemplo do quanto é falsa
essa tese da eficiência da empresa privada.
De
acordo com o Banco Central (BC), a fraude foi descoberta entre julho e
agosto deste ano, mas só foi revelada no dia 9 de novembro, por
coincidência no mesmo dia em que o principal acionista do banco, Silvio
Santos, recebeu, com aval do próprio BC, um empréstimo de R$ 2,5 bilhões
do Fundo Garantidor de Crédito (FGG), associação criada pelas
instituições financeiras para socorrer bancos em dificuldade.
Várias
foram as manipulações utilizadas para praticar a fraude pelos diretores
do banco, executivos que recebiam salários de 90 mil reais por mês e
mais bônus.
A
principal, segundo o BC, era a venda de carteiras de créditos para
outros bancos sem dar baixa, passando a ideia de que tinha mais recursos
do que possuía na realidade. No setor de cartão de crédito, o esquema
funcionava da seguinte maneira: um cliente tinha uma dívida no cartão de
crédito do banco de R$ 1.000,00, pagava R$ 200,00 e financiava o
restante. A dívida era só R$ 800,00, mas ela era duplicada e se
transformava em R$ 1.600,00. O banco pagava R$ 1.000,00 aos lojistas e
R$ 600,00 restantes eram desviados. Como o banco tem milhares de
clientes com cartões de crédito, calcula o BC que nesse setor a fraude
foi de R$ 400 milhões.
Há
também casos de cartões e de empresas fantasmas, ou seja, de pessoas
inexistentes. No total, oito diretores do Banco Panamericano abriram 11
empresas nos últimos três anos, consideradas pela investigação como
fantasmas e que serviam para legalizar a fraude. Também há caso de um
único cliente do banco receber R$ 120 milhões de rendimento por uma
aplicação, graças a taxas muito superiores às do mercado.
De acordo com o jornal Valor Econômico,
o principal envolvido na fraude é o ex-presidente do banco, Rafael
Palladino, primo de primeiro grau de Íris Abravanel, mulher de Silvio
Santos. Palladino é também sócio de Silvio Santos em várias empresas,
como o Baú Distribuidora de Títulos e Valores Imobiliários, a Liderança
Capitalização S.A., a TV Stúdios Anhanguerra e o próprio Banco
Panamericano. (Valor, 15/11/2010)
Mas,
para o presidente do Banco Central Henrique Meirelles, o apresentador e
empresário Silvio Santos é o maior responsável, pois como principal
dono deveria saber o que se passava no banco: "O responsável número 1 é o
acionista majoritário", declarou Meirelles.
Após
a divulgação do crime, descobriu-se que vários diretores do banco
transferiram seus novos bens para parentes e enviaram dinheiro para o
exterior. Rafael Palladino, o ex- nº 1 do banco, remeteu quatro meses
antes da fraude ser divulgada US$ 2 milhões para os EUA. O dinheiro foi
enviado por uma das empresas de Palladino para uma outra empresa sua e
da esposa Ruth Palladino, sediada em Miami.
O
ex-diretor financeiro do banco, Wilson de Aro, também realizou operações
para proteger seu patrimônio nos meses de setembro e outubro. Entre
essas ações, está a criação da empresa M2GW com capital de R$ 3,1
milhões, que foi doada aos filhos.
O
diretor jurídico Luiz Augusto de Carvalho Bruno e uma sócia, Joyce de
Paula, adquiriram a Antillas Emprreeendimentos com capital de apenas R$
100. Elinton Bobrik, diretor de novos negócios, comprou a Razak
Empreendimentos em 9 de dezembro. Ambas as empresas foram criadas como
holdings, geralmente usadas para a lavagem de dinheiro em paraísos
fiscais. (FSP, 16/11/10)
Gente fina é outra coisa
Apesar
de ser um dos maiores roubos já acontecidos no sistema financeiro
nacional, cerca de R$ 2,5 bilhões, nenhum alto executivo do banco ou do
grupo Silvio Santos foi preso ou mesmo convocado para depor na polícia.
Pelo
contrário, o Grupo Silvio Santos recebeu um empréstimo bilionário com
condições privilegiadas para pagar, condições tão especiais que nenhum
cidadão que tem uma dívida de cartão de crédito ou no cheque especial
encontra no mercado. São dez anos para pagar e o primeiro pagamento só
começa depois de três anos. O empréstimo não terá juros, mas reajustes
de acordo com a inflação medida pelo IGPM. "Eu disse que juros eu não
pagaria. Aceitei apenas corrigir o desgaste inflacionário em cima do
dinheiro. Tenho dez anos para pagar, com três de carência", declarou o
empresário à imprensa após fechar o negócio.
Nesses
dez anos, Silvio Santos poderá achar um bom comprador para o banco ou,
com suas empresas capitalizadas graças ao empréstimo bilionário, voltar a
ter lucros e assim evitar uma nova falência e salvar suas 44 empresas
avaliadas em R$ 2,7 bilhões e dadas em garantia do empréstimo. Mas há um
detalhe: as ações da emissora de televisão SBT, por se tratar de uma
empresa concessionária de radiodifusão, não foram efetivamente entregues
em garantia ao empréstimo. Foi feita uma cláusula onde Silvio Santos se
compromete a vender o SBT, caso não pague o empréstimo. Mas apenas as
TVs de São Paulo, Rio e Brasília estão em seu nome. As outras TVs do SBT
estão em nome de sua filha, do irmão, da cunhada e da irmã.
Tem
mais. Em primeiro de dezembro de 2009, a Caixa Econômica Federal (CEF)
comprou 35,54% do banco (49% das ações com direito a voto) por R$ 739,3
milhões. Na ocasião, não havia evidências públicas de que o banco
estaria em dificuldades, embora toda venda de banco sempre esconda
alguma incapacidade financeira da instituição em questão. Acontece que
essa compra das ações do banco pela Caixa só foi aprovada pelo Banco
Central em novembro deste ano, no mês em que a fraude foi divulgada e o
empréstimo de 2,5 bilhões de reais obtido. A CEF poderia ter cancelado a
compra das ações, pois foi lesada pelo Panamericano, mas não o fez.
Manteve o negócio, alegando que tinha interesse na carteira dos clientes
do banco.
O
grupo Silvio Santos é um exemplo clássico de como funciona uma empresa
privada. Nele, esposa, irmãos, filhas, sobrinhos e primos ocupam altos
cargos para receberem salários milionários. Sua mulher, Iris Abravanel, é
a autora de telenovelas do SBT. As filhas têm cada uma um alto cargo no
grupo: Cintia Abravanel dirige o Teatro Imprensa; Patricia Abravanel é
diretora executiva da Abravanel Incorporações; Daniela Abravanel é
diretora e presidente do SBT; Rebeca Abravanel dirige a unidade de
negócios de moda e beleza do grupo e Renata Abravanel é a diretora de
projetos de novas mídias e do site do SBT. Henrique Abravanel, irmão, é
diretor de operações do grupo Silvio Santos; Leon Abravanel, sobrinho, é
diretor de produção do SBT; Guilherme Stoliar, sobrinho, é atual
presidente do grupo Silvio Santos e Fernando Abravanel, também sobrinho,
é diretor artístico do SBT. Todos eles com capacidade comprovada, como
revela o sobrenome que ostentam.
Como os ricos enriquecem
A
fraude bilionária no banco de Silvio Santos deixa bem claro como os
ricos constroem suas fortunas, a quem serve a propriedade privada, e
como eles se mantêm ricos mesmo quando devem a deus e o mundo.
Diz a
lenda que Silvio Santos fez fortuna como vendedor e trabalhando muito,
além de ser um bom patrão. Porém, em 2009, com a queda nos lucros das
suas empresas, a primeira medida de Silvio Santos não foi investigar o
balanço do banco ou das outras empresas, mas demitir de uma tacada só
1,2 mil funcionários.
Aliás,
o próprio Silvio Santos deixou claro numa carta enviada em janeiro de
2000 aos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que
sua fortuna não teria tido alcançada se não tivesse o apoio da ditadura
militar. Na carta, publicada pela primeira vez no jornal Tribuna da Imprensa
pelo jornalista Hélio Fernandes, Silvio Santos confessa que ganhou a
televisão do presidente General Ernesto Geisel, que para montar a rede
SBT foi ajudado pelo presidente General Figueiredo, e que o governador
Orestes Quércia "arranjou" para ele 10 milhões no Banespa, banco do
Estado. Vejamos trechos da carta de Silvio Santos ao TRF:
"...
em 1976, os homens que governavam o pais, achavam que o BRASIL deveria
ter, uma rede de televisão, que fosse capaz de dividir a audiência e a
opinião pública com a REDE GLOBO. Fui convidado para esta tarefa e
ganhei do Presidente GEISEL a concessão de uma emissora de televisão no
Rio de Janeiro, a TV CORCOVADO. Na época os meus recursos financeiros
eram pequenos, mas com muito trabalho, me saí bem no Rio, passei no
"TESTE" e o Presidente FIGUEIREDO achou que eu teria condições pessoais e
profissionais para assumir o controle de uma rede, que começou com 4
estações, e que hoje tem 99 afiliadas. (...)
Pedi
10 milhões de dólares adiantados para fazer publicidade do BRADESCO, o
LAZÁRO BRANDÃO me ajudou, confiou em mim, penhorei os meus bens e graças
ao governador ORESTES QUÉRCIA, consegui mais 10 milhões no BANESPA e,
logo após, vendi para o JOSÉ MARTINEZ por 15 milhões de dólares a TV
CORCOVADO DO RIO. A situação estava tão ruim que eu ia fechar o BAÚ e
entregar a Rede ao Governo. Era muito difícil, quase impossível,
conseguir anúncio no mercado publicitário, em razão da concorrência da
primeira Rede.
Tentando
encontrar uma solução, eu lancei no BRASIL o (CLAM) primeiro plano de
saúde com CAPITALIZAÇÃO, que oferecia assistência médica e hospitalar,
com a devolução integral do dinheiro capitalizado, após 20 anos. Foi um
sucesso de vendas." (Tribuna da Imprensa, 29 de maio de 2007)
Assim,
sem as constantes ajudas e favores do Estado, empréstimos em condições
privilegiadas e a proteção de órgãos oficiais para promover jogos de
azar dizendo que era capitalização para enganar a boa-fé de milhões de
pessoas, Silvio Santos já teria falido há muito tempo.
Agora,
Silvio Santos recebe uma nova mega-ajuda do Banco Central, que manteve a
sete chaves a fraude no seu banco, aguardando a negociação com Fundo
Garantidor de Crédito e dando aval ao empréstimo de R$ 2,5 bilhões, e da
própria Caixa Econômica que comprou uma massa falida.
Pelo
menos por mais dez anos, a família Silvio Santos continuará vivendo no
mesmo luxo e riqueza e com todos os seus bens preservados. Afinal, "o
crime do rico a lei o cobre". Passados esses dez anos, terá mais uma
nova ajudinha, isso se não houver uma transformação profunda
neste sistema econômico e político que serve unicamente para sustentar
uma minoria de parasitas e para espalhar desemprego e miséria para a
imensa maioria da população. Enquanto isso, 11,2 milhões de brasileiros
passarão neste Natal mais um dia com fome, como revelou pesquisa do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre segurança
alimentar divulgada em 26 de novembro.
(Lula Falcão é diretor de Redação de A Verdade e membro do comitê central do PCR)