A revista Veja não economiza espaço quando se trata de
divulgar os palpites de Gustavo Ioschpe sobre educação. Não haveria um
articulista mais articulado para essa tarefa? Ou, pensando melhor,
Ioschpe e Veja vivem em total harmonia. As afirmações de um, abalizadas
pela outra, demonstram, apesar do tom peremptório e seguro, uma
fragilidade teórico-prática impressionante.
Por Gabriel Perissé, no Observatório da Imprensa
Ioschpe costuma aludir a pesquisas
(não especificando, na maioria das vezes, que pesquisadores são esses,
que pesquisas são essas, onde consultá-las), dando como líquido e certo
tal ou qual verdade. Na Veja de 13/10/2010, por exemplo, escreveu um artigo, "Educação de qualidade: de volta ao futuro", do qual destaco o seguinte trecho:
Contudo, já no final do século 20, pesquisadores do mundo inteiro
reuniam experiências que demonstravam como a utilização de computadores e
da internet tornam as práticas docentes motivadoras. Bastaria citar um
estudo de 1998, "The emerging contribution of online resources and tools
to classroom learning and teaching", e, para entender a necessidade de a
escola ingressar na Idade Mídia, o livro de Don Tapscott, A Hora da Geração Digital (Agir Negócios, 2010).
Ainda nesse artigo de Ioschpe, outra pérola:
Tentativa de corrigir uma injustiça
Contudo, qualquer psicopedagogo, qualquer educador haverá de nos dizer que em turmas reduzidas o professor conseguirá dar atenção mais individualizada, poderá perceber melhor progressos e dificuldades de cada aluno, detectando os problemas e intervindo com mais eficácia. E, quanto aos salários, é difícil acreditar que pesquisadores (motivados por bolsas de estudos, talvez com ajuda do exterior...) dediquem seu tempo para descobrir que aumentos salariais não motivam professores...
Em dezembro do ano passado, visivelmente abalado com a vitória de Dilma Rousseff, Ioschpe, em novo artigo (Veja, 29/12/2010), intitulado "Aumentaram os gastos, mas a qualidade...", teve a coragem de escrever:
Ora, não se pode usar o advérbio "extremamente" em relação a uma generosidade nada extrema. Aliás, nem de generosidade se trata, mas da tentativa (tardia!) de corrigir uma injustiça: o salário de um professor de escola pública com diploma universitário equivale, hoje, a 60% do que recebem, em média, profissionais com o mesmo nível de ensino.
Realidade se resume a poucas palavras
E não são as universidades federais que "despejam" professores despreparados no mercado! Na década de 1990, calculava-se que 80% dos professores da rede pública estadual de São Paulo formaram-se em faculdades privadas. Em 2008, o MEC divulgou estudo segundo o qual 70% dos professores aptos a lecionar no ensino básico do Brasil formaram-se em faculdades e universidades particulares.
Andar na contramão da realidade pode provocar acidentes. No caso de Ioschpe, suas declarações entram em rota de colisão com o óbvio. Nem precisaríamos recorrer a teses de doutorado ou pesquisas financiadas por bancos ou assemelhados. Em novembro e dezembro de 2010, e neste mês de janeiro, o articulista publicou em três partes um artigo cujo título não é nada ambicioso: "Como melhorar a educação brasileira". Basta-nos ler (e brevemente comentar) alguns dos seus melhores momentos...
Correto. Mas essa constatação é insuficiente. Por que muitos professores chegam atrasados? E por que a chamada é tão prolongada (ao mesmo tempo que exigida pela burocracia escolar)? E por que cabe aos professores darem recados e advertências? Se Ioschpe fizesse as perguntas certas aos que vivem essas realidades estaria realizando verdadeira pesquisa empírica e acabaria por descobrir uma realidade que se pode resumir em poucas palavras: professores sobrecarregados e turmas com grande número de alunos.
Uma breve pesquisa informa o óbvio
Outro momento de Ioschpe, influenciado pelos noticiários sobre o Morro do Alemão:
Mais do que curioso... é incrível que alguém possa, impunemente, comparar bandidos e professores universitários! Que tipo de "limpeza" deveria ser feita nas universidades públicas? Não seria o caso de imaginar que as particulares merecem igual ou maior rigor?
Um último parágrafo:
De novo, impressiona ler uma afirmação dessas. Será que, além de desconhecer a escola pública, Ioschpe ignora a realidade vantajosa das escolas particulares, cujos alunos obtêm os melhores resultados no Enem?
Uma breve pesquisa na internet informa o óbvio. As melhores escolas possuem laboratórios, computadores e biblioteca. Seus professores são bem remunerados, o que lhes permite dedicação exclusiva, ou quase exclusiva, com tempo necessário para prepararem aulas inovadoras, em geral empregando recursos tecnológicos.
"[...] as pesquisas empíricas [...]
mostram que a presença de computadores nas escolas não tem nenhum
impacto sobre o aprendizado."
Ainda nesse artigo de Ioschpe, outra pérola:
"Sindicatos mais poderosos pressionam
para que o grosso da verba de educação seja gasto em aumentos salariais e
diminuição do número de alunos em sala de aula, duas variáveis que não
têm relação com a qualidade de ensino."
Tentativa de corrigir uma injustiça
Contudo, qualquer psicopedagogo, qualquer educador haverá de nos dizer que em turmas reduzidas o professor conseguirá dar atenção mais individualizada, poderá perceber melhor progressos e dificuldades de cada aluno, detectando os problemas e intervindo com mais eficácia. E, quanto aos salários, é difícil acreditar que pesquisadores (motivados por bolsas de estudos, talvez com ajuda do exterior...) dediquem seu tempo para descobrir que aumentos salariais não motivam professores...
Em dezembro do ano passado, visivelmente abalado com a vitória de Dilma Rousseff, Ioschpe, em novo artigo (Veja, 29/12/2010), intitulado "Aumentaram os gastos, mas a qualidade...", teve a coragem de escrever:
"[...] esse governo [federal] foi
extremamente generoso nas concessões e omisso nas cobranças. Instituiu
um piso nacional de salário para o magistério, atualmente em 1.024,00
reais. O salário médio do professor brasileiro subiu de 994 reais em
2003 para 1.527,00 reais em 2008 [...]. O governo, porém, não fez
nenhuma intervenção mais forte nos cursos de formação de professores das
próprias universidades federais, que continuam despejando no mercado
profissionais despreparados para o exercício da docência."
Ora, não se pode usar o advérbio "extremamente" em relação a uma generosidade nada extrema. Aliás, nem de generosidade se trata, mas da tentativa (tardia!) de corrigir uma injustiça: o salário de um professor de escola pública com diploma universitário equivale, hoje, a 60% do que recebem, em média, profissionais com o mesmo nível de ensino.
Realidade se resume a poucas palavras
E não são as universidades federais que "despejam" professores despreparados no mercado! Na década de 1990, calculava-se que 80% dos professores da rede pública estadual de São Paulo formaram-se em faculdades privadas. Em 2008, o MEC divulgou estudo segundo o qual 70% dos professores aptos a lecionar no ensino básico do Brasil formaram-se em faculdades e universidades particulares.
Andar na contramão da realidade pode provocar acidentes. No caso de Ioschpe, suas declarações entram em rota de colisão com o óbvio. Nem precisaríamos recorrer a teses de doutorado ou pesquisas financiadas por bancos ou assemelhados. Em novembro e dezembro de 2010, e neste mês de janeiro, o articulista publicou em três partes um artigo cujo título não é nada ambicioso: "Como melhorar a educação brasileira". Basta-nos ler (e brevemente comentar) alguns dos seus melhores momentos...
"Muitos professores chegam atrasados a
suas aulas. Perdem tempo fazendo chamada, dando recados e advertências. É
um desperdício" (Veja, 10/11/2010).
Correto. Mas essa constatação é insuficiente. Por que muitos professores chegam atrasados? E por que a chamada é tão prolongada (ao mesmo tempo que exigida pela burocracia escolar)? E por que cabe aos professores darem recados e advertências? Se Ioschpe fizesse as perguntas certas aos que vivem essas realidades estaria realizando verdadeira pesquisa empírica e acabaria por descobrir uma realidade que se pode resumir em poucas palavras: professores sobrecarregados e turmas com grande número de alunos.
Uma breve pesquisa informa o óbvio
Outro momento de Ioschpe, influenciado pelos noticiários sobre o Morro do Alemão:
"É curioso: nossos governantes criaram
coragem para invadir o Morro do Alemão, mas as universidades públicas
continuam sendo consideradas território perigoso demais para a ação
saneadora do estado. Esculachar bandido armado de metralhadora é mais
fácil do que peitar os doutores da academia, que permanecem livres para
perpetrar seus delitos intelectuais" (Veja, 22/12/2010).
Mais do que curioso... é incrível que alguém possa, impunemente, comparar bandidos e professores universitários! Que tipo de "limpeza" deveria ser feita nas universidades públicas? Não seria o caso de imaginar que as particulares merecem igual ou maior rigor?
Um último parágrafo:
"Em termos de regime de trabalho, ao
contrário dos desejos dos sindicatos, a maioria das pesquisas mostra que
não faz diferença, para o aprendizado do aluno, quantos empregos o
professor tem, se trabalha em uma escola ou mais" (Veja, 19/01/2011).
De novo, impressiona ler uma afirmação dessas. Será que, além de desconhecer a escola pública, Ioschpe ignora a realidade vantajosa das escolas particulares, cujos alunos obtêm os melhores resultados no Enem?
Uma breve pesquisa na internet informa o óbvio. As melhores escolas possuem laboratórios, computadores e biblioteca. Seus professores são bem remunerados, o que lhes permite dedicação exclusiva, ou quase exclusiva, com tempo necessário para prepararem aulas inovadoras, em geral empregando recursos tecnológicos.