“Não somos uma organização exclusivamente da esquerda. Somos uma
organização exclusivamente pela verdade e pela justiça”. Essa é apenas
uma das muitas afirmações feitas pelo fundador e publisher do WikILeaks, Julian Assange, em entrevista aos internautas brasileiros.
A entrevista será publicada por diversos blogs, entre eles:
Blog do Nassif,
Viomundo,
Nota de Rodapé,
Maria Frô,
Trezentos,
Fazendo Média,
Falha de S Paulo,
O Escrevinhador, Blog do Guaciara,
Observatório do Direito à Comunicação,
Blog da Dilma,
Futepoca,
Elaine Tavares, Blog do Mello,
Altamiro Borges,
Doutor Sujeira,
Blog da Cidadania.
Julian, que enfrenta um processo na Suécia por crimes sexuais e
atualmente vive sob monitoramento em uma mansão em Norfolk, na
Inglaterra, concedeu a entrevista para internautas que enviaram
perguntas a este blog.
Eu selecionei doze perguntas dentre as cerca de 350 que recebi – e
não foi fácil. Acabei privilegiando perguntas muito repetidas, perguntas
originais e aquelas que não querem calar. Infelizmente, nem todos foram
contemplados. Todas as perguntas serão publicadas depois.
No final, os brasileiros não deram mole para o criador do WikiLeaks.
Julian teve tempo de responder por escrito e aprofundar algumas
questões.
O resultado é uma entrevista saborosa na qual ele explica por que
trabalha com a grande mídia – sem deixar de criticá-la -, diz que
gostaria de vir ao Brasil e sentencia: distribuir informação é
distribuir poder.
Em tempo: se virasse filme de Hollywood, o editor do WikiLeaks diz que gostaria de ser interpretado por Will Smith.
A seguir, a entrevista.
Vários internautas - O WikiLeaks
tem trabalhado com veículos da grande mídia – aqui no Brasil, Folha e
Globo, vistos por muita gente como tendo uma linha política de direita.
Mas além da concentração da comunicação, muitas vezes a grande mídia tem
interesses próprios. Não é um contra-senso trabalhar com eles se o
objetivo é democratizar a informação? Por que não trabalhar com blogs e
mídias alternativas?
Por conta de restrições de recursos ainda não temos condições de
avaliar o trabalho de milhares de indivíduos de uma vez. Em vez disso,
trabalhamos com grupos de jornalistas ou de pesquisadores de direitos
humanos que têm uma audiência significativa. Muitas vezes isso inclui
veículos de mídia estabelecidos; mas também trabalhamos com alguns
jornalistas individuais, veículos alternativos e organizações de
ativistas, conforme a situação demanda e os recursos permitem.
Uma das funções primordiais da imprensa é obrigar os governos a
prestar contas sobre o que fazem. No caso do Brasil, que tem um governo
de esquerda, nós sentimos que era preciso um jornal de centro-direita
para um melhor escrutínio dos governantes. Em outros países, usamos a
equação inversa. O ideal seria podermos trabalhar com um veículo
governista e um de oposição.
Marcelo Salles – Na sua opinião, o
que é mais perigoso para a democracia: a manipulação de informações por
governos ou a manipulação de informações por oligopólios de mídia?
A manipulação das informações pela mídia é mais perigosa, porque
quando um governo as manipula em detrimento do público e a mídia é
forte, essa manipulação não se segura por muito tempo. Quando a própria
mídia se afasta do seu papel crítico, não somente os governos deixam de
prestar contas como os interesses ou afiliações perniciosas da mídia e
de seus donos permitem abusos por parte dos governos. O exemplo mais
claro disso foi a Guerra do Iraque em 2003, alavancada pela grande mídia
dos Estados Unidos.
Eduardo dos Anjos – Tenho
acompanhado os vazamentos publicados pela sua ONG e até agora não
encontrei nada que fosse relevante, me parece que é muito barulho por
nada. Por que tanta gente ao mesmo tempo resolveu confiar em você? E por
que devemos confiar em você?
O WikiLeaks tem uma história de quatro anos publicando documentos.
Nesse período, até onde sabemos, nunca atestamos ser verdadeiro um
documento falso. Além disso, nenhuma organização jamais nos acusou
disso. Temos um histórico ilibado na distinção entre documentos
verdadeiros e falsos, mas nós somos, é claro, apenas humanos e podemos
um dia cometer um erro. No entanto até o momento temos o melhor
histórico do mercado e queremos trabalhar duro para manter essa boa
reputação.
Diferente de outras organizações de mídia que não têm padrões claros
sobre o que vão aceitar e o que vão rejeitar, o WikiLeaks tem uma
definição clara que permite às nossas fontes saber com segurança se
vamos ou não publicar o seu material.
Aceitamos vazamentos de relevância diplomática, ética ou histórica,
que sejam documentos oficiais classificados ou documentos suprimidos por
alguma ordem judicial.
Vários internautas – Que tipo de
mudança concreta pode acontecer como consequência do fenômeno Wikileaks
nas práticas governamentais e empresariais? Pode haver uma mudança na
relação de poder entre essas esferas e o público?
James Madison, que elaborou a Constituição americana, dizia que o
conhecimento sempre irá governar sobre a ignorância. Então as pessoas
que pretendem ser mestras de si mesmas têm de ter o poder que o
conhecimento traz. Essa filosofia de Madison, que combina a esfera do
conhecimento com a esfera da distribuição do poder, mostra as mudanças
que acontecem quando o conhecimento é democratizado.
Os Estados e as megacorporações mantêm seu poder sobre o pensamento
individual ao negar informação aos indivíduos. É esse vácuo de
conhecimento que delineia quem são os mais poderosos dentro de um
governo e quem são os mais poderosos dentro de uma corporação.
Assim, o livre fluxo de conhecimento de grupos poderosos para grupos
ou indivíduos menos poderosos é também um fluxo de poder, e portanto uma
força equalizadora e democratizante na sociedade.
Marcelo Träsel -
Após o Cablegate, o Wikileaks ganhou muito poder. Declarações suas sobre
futuros vazamentos já influenciaram a bolsa de valores e provavelmente
influenciam a política dos países citados nesses alertas. Ao se tornar
ele mesmo um poder, o Wikileaks não deveria criar mecanismos de
auto-vigilância e auto-responsabilização frente à opinião pública
mundial?
O WikiLeaks é uma das organizações globais mais responsáveis que existem.
Prestamos muito mais contas ao público do que governos nacionais,
porque todo fruto do nosso trabalho é público. Somos uma organização
essencialmente pública; não fazemos nada que não contribua para levar
informação às pessoas.
O WikiLeaks é financiado pelo público, semana a semana, e assim eles “votam” com as suas carteiras.
Além disso, as fontes entregam documentos porque acreditam que nós
vamos protegê-las e também vamos conseguir o maior impacto possível. Se
em algum momento acharem que isso não é verdade, ou que estamos agindo
de maneira antiética, as colaborações vão cessar.
O WikiLeaks é apoiado e defendido por milhares de pessoas generosas
que oferecem voluntariamente o seu tempo, suas habilidades e seus
recursos em nossa defesa. Dessa maneira elas também “votam” por nós
todos os dias.
Daniel Ikenaga – Como você define o que deve ser um dado sigiloso?
Nós sempre ouvimos essa pergunta. Mas é melhor reformular da seguinte
maneira: “quem deve ser obrigado por um Estado a esconder certo tipo de
informação do resto da população?”
A resposta é clara: nem todo mundo no mundo e nem todas as pessoas em
uma determinada posição. Assim, o seu médico deve ser responsável por
manter a confidencialidade sobre seus dados na maioria das
circunstâncias – mas não em todas.
Vários internautas – Em
declarações ao Estado de São Paulo, você disse que pretendia usar o
Brasil como uma das bases de atuação do WikiLeaks. Quais os planos
futuros? Se o governo brasileiro te oferecesse asilo político, você aceitaria?
Eu ficaria, é claro, lisonjeado se o Brasil oferecesse ao meu pessoal
e a mim asilo político. Nós temos grande apoio do público brasileiro.
Com base nisso e na característica independente do Brasil em relação a
outros países, decidimos expandir nossa presença no país. Infelizmente
eu, no momento, estou sob prisão domiciliar no inverno frio de Norfolk,
na Inglaterra, e não posso me mudar para o belo e quente Brasil.
Vários internautas – Você teme pela sua vida? Há algum mecanismo de proteção especial para você? Caso venha a ser assassinado, o que vai acontecer com o WikiLeaks?
Nós estamos determinados a continuar a despeito das muitas ameaças
que sofremos. Acreditamos profundamente na nossa missão e não nos
intimidamos nem vamos nos intimidar pelas forças que estão contra nós.
Minha maior proteção é a ineficácia das ações contra mim. Por
exemplo, quando eu estava recentemente na prisão por cerca de dez dias,
as publicações de documentos continuaram.
Além disso, nós também distribuímos cópias do material que ainda não
foi publicado por todo o mundo, então não é possível impedir as futuras
publicações do WikiLeaks atacando o nosso pessoal.
Helena Vieira - Na
sua opinião, qual a principal revelação do Cablegate? A sua visão de
mundo, suas opiniões sobre nossa atual realidade mudou com as
informações a que você teve acesso?
O Cablegate cobre quase todos os maiores acontecimentos, públicos e
privados, de todos os países do mundo – então há muitas revelações
importantíssimas, dependendo de onde você vive. A maioria dessas
revelações ainda está por vir.
Mas, se eu tiver que escolher um só telegrama, entre os poucos que eu
li até agora – tendo em mente que são 250 mil – seria aquele que pede
aos diplomatas americanos obter senhas, DNAs, números de cartões de
crédito e números dos vôos de funcionários de diversas organizações –
entre elas a ONU.
Esse telegrama mostra uma ordem da CIA e da Agência de Segurança
Nacional aos diplomatas americanos, revelando uma zona sombria no vasto
aparato secreto de obtenção de inteligência pelos EUA.
Tarcísio Mender e Maiko Rafael Spiess - Apesar
de o WikiLeaks ter abalado as relações internacionais, o que acha da
Time ter eleito Mark Zuckerberg o homem do ano? Não seria um paradoxo,
você ser o “criminoso do ano”, enquanto Mark Zuckerberg é aplaudido e
laureado?
A revista Time pode, claro, dar esse título a quem ela quiser. Mas
para mim foi mais importante o fato de que o público votou em mim numa
proporção vinte vezes maior do que no candidato escolhido pelo editor da
Time. Eu ganhei o voto das pessoas, e não o voto das empresas de mídia
multinacionais. Isso me parece correto.
Também gostei do que disse (o programa humorístico da TV americana)
Saturday Night Live sobre a situação: “Eu te dou informações privadas
sobre corporações de graça e sou um vilão. Mark Zuckerberg dá as suas informações privadas para corporações por dinheiro – e ele é o ‘Homem do Ano’.”
Nos bastidores, claro, as coisas foram mais interessantes, com a
facção pró- Assange dentro da revista Time sendo apaziguada por uma capa
bastante impressionante na edição de 13 de dezembro, o que abriu o
caminho para a escolha conservadora de Zuckerberg algumas semanas
depois.
Vinícius Juberte – Você se considera um homem de esquerda?
Eu vejo que há pessoas boas nos dois lados da política e
definitivamente há pessoas más nos dois lados. Eu costumo procurar as
pessoas boas e trabalhar por uma causa comum.
Agora, independente da tendência política, vejo que os políticos que
deveriam controlar as agências de segurança e serviços secretos acabam,
depois de eleitos, sendo gradualmente capturados e se tornando
obedientes a eles.
Enquanto houver desequilíbrio de poder entre as pessoas e os governantes, nós estaremos do lado das pessoas.
Isso é geralmente associado com a retórica da esquerda, o que dá
margem à visão de que somos uma organização exclusivamente de esquerda.
Não é correto. Somos uma organização exclusivamente pela verdade e
justiça – e isso se encontra em muitos lugares e tendências.
Ariely Barata – Hollywood divulgou que fará um filme sobre sua trajetória. Qual sua opinião sobre isso?
Hollywood pode produzir muitos filmes sobre o WikiLeaks, já que quase
uma dúzia de livros está para ser publicada. Eu não estou envolvido em
nenhuma produção de filme no momento.
Mas se nós vendermos os direitos de produção, eu vou exigir que meu
papel seja feito pelo Will Smith. O nosso porta-voz, Kristinn Hrafnsson,
seria interpretado por Samuel L Jackson, e a minha bela assistente por
Halle Berry. E o filme poderia se chamar “WikiLeaks Filme Noire”.