João Brant - para o Observatório do Direito à Comunicação | |
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Na última semana, o jornal O Estado de S.Paulo
publicou uma matéria na qual dizia que o governo havia desistido de
estabelecer limites à propriedade cruzada. Para quem não sabe,
propriedade cruzada é quando o mesmo grupo controla diferentes mídias,
como TV, rádios e jornais. Na maior parte das democracias consolidadas,
há limites a essa prática por se considerar que ela afeta a
diversidade informativa. No Brasil, não existem limites, e justamente
por isso esse é um dos temas em pauta no debate sobre uma nova lei para
os serviços de comunicação audiovisual.
Aparentemente não foi bem isso que o ministro Paulo Bernardo afirmou, o que significa que o jornal resolveu dizer o não dito por conta própria. Curioso é que o mesmo jornal afirma regularmente ser a favor de medidas anticoncentração da mídia. Seria então um alerta às forças democráticas? Durante o último processo eleitoral, o Estadão declarou em editorial estar “de pleno acordo” com a necessidade de se discutir os limites à propriedade cruzada. E ainda: “não é de hoje que o Estado critica a concentração da propriedade na mídia e as facilidades para que um punhado de grupos econômicos controle, numa mesma praça, emissoras e publicações”. Em 2003, o jornal fez mais de um editorial criticando a “cartelização da mídia” nos EUA, que iria surgir como resultado de medidas propostas pela FCC (Federal Communications Commission), órgão regulador das comunicações por lá. Aquele processo (e a revisão seguinte, de 2007) resultou num certo afrouxamento das regras norte-americanas, embora as mudanças mais liberalizantes propostas pela FCC tenham sido barradas pelo Poder Judiciário e pelo Congresso – com votos contrários inclusive dos republicanos –, após uma grande mobilização popular. Mas, afinal, por que esses limites são tão importantes a ponto de milhões de pessoas, em um país então governado por George W. Bush, terem se mobilizado para defendê-los? Por quê Historicamente, são duas as razões para se limitar a concentração de propriedade nas comunicações. A primeira é econômica, e pode ser entendida como tendo a mesma base das leis antitruste. A concentração em qualquer setor é considerada prejudicial ao consumidor porque gera um controle dos preços e da qualidade da oferta por poucos agentes econômicos, além de desestimular a inovação. Em alguns mercados entendidos como monopólios naturais (como a de transmissão de energia, de água ou telecomunicações), a concentração é tolerada, mas para combater seus efeitos são adotadas diversas medidas que evitam o exercício do 'poder de mercado significativo' que tem aquela empresa. O segundo motivo tem mais a ver com questões sociais, políticas e culturais. Os meios de comunicação são os principais espaços de circulação de ideias, valores e pontos de vista, e portanto são as principais fontes dos cidadãos no processo diário de troca de informação e cultura. Se este espaço não reflete a diversidade e a pluralidade de determinada sociedade, uma parte das visões ou valores não circula, o que é uma ameaça à democracia. Assim, é preciso garantir pluralidade e diversidade nas comunicações para garantir a efetividade da democracia. Uma das maneiras mais efetivas de se conseguir pluralidade e diversidade de conteúdos é garantindo que os meios de comunicação estejam em mãos de diferentes grupos, com diferentes interesses, que representem as visões de diferentes segmentos da sociedade. Ainda que a pluralidade na posse dos meios de comunicação não reflita necessariamente a pluralidade do conteúdo veiculado, na maior parte dos exemplos estudados essa correlação é positiva, especialmente no tocante à diversidade de ideias e pontos de vista (no caso da diversidade de tipos de programa, não necessariamente). Como Limites à propriedade cruzada tem a ver fundamentalmente com essa segunda justificativa. Países como Estados Unidos, França e Reino Unido adotam esses limites por entenderem que a concentração de vozes afeta suas democracias. É importante notar que nesses países esses limites são antigos, mas têm sido revistos e, via de regra, mantidos – ainda que relaxados, em alguns casos. Mesmo com todos os processos liberalizantes, revisões regulares de seus marcos regulatórios e convergência tecnológica, esses países seguem mantendo enxergando a propriedade cruzada como um problema. O que aconteceu nas últimas décadas foi uma complexificação dos critérios de análise adotados, incluindo alcance e audiência como critérios definidores. Os Estados Unidos, por exemplo, tinham uma regra clássica de limite à concentração cruzada em âmbito local: nenhuma emissora poderia ser dona de um jornal que circulasse na cidade em que ela atua. Essa regra foi levemente flexibilizada em 2007, quando se passou a levar em conta o índice de audiência das emissoras e o número de meios de comunicação independentes presentes naquela localidade. Mas essa flexibilização só vale para as vinte maiores áreas de mercado dos EUA (são 210 no total) e só acontece se o canal de TV não está entre os quatro mais vistos e se restam pelo menos oito meios independentes. Dá para ver, portanto, que a flexibilização é a exceção, não a regra. Na França, há regras para propriedade cruzada em âmbito nacional e em âmbito local. Em cada localidade, nenhuma pessoa pode deter ao mesmo tempo licenças para TV, rádio e jornal de circulação geral distribuídos na área de alcance da TV ou da rádio. No Reino Unido, nenhuma pessoa pode adquirir uma licença do Canal 3 (segundo maior canal de TV, primeiro entre os canais privados) se ela detém um ou mais jornais de circulação nacional que tenham juntos mais que 20% do mercado. Essa regra vale também para o âmbito local. No caso britânico, há outras regras que utilizam um complexo sistema de pontuação para sopesar o impacto de licenças nacionais e locais de TV e rádio e jornais de circulação local e nacional. Como se vê, nem com as mais agressivas tentativas de liberalização conseguiu-se chegar perto da situação brasileira, que simplesmente não prevê limites à propriedade cruzada. Exemplos como o da Globo no Rio de Janeiro, que controla a principal TV, as principais rádios e o único jornal da cidade voltado ao público formador de opinião (sem contar TV a cabo, distribuidora de filmes etc.) são completamente impensáveis em democracias avançadas. Assim, independentemente da fórmula que irá adotar, se o Brasil quiser aprovar um novo marco regulatório para o setor que seja de fato fortalecedor da diversidade informativa, e portanto de nossa democracia, essa questão não pode estar ausente. A despeito do que digam Estados e Globos.
João Brant, é coordenador do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social.
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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
"Por que e como se limita a propriedade cruzada"
domingo, 30 de janeiro de 2011
O fantasma fardado e outras histórias
Mino Carta no Carta Capital
A presidenta Dilma Rousseff parte dia 31 para uma visita a Buenos
Aires e está previsto seu encontro com as “mães da Plaza de Mayo”, as
valentes cidadãs argentinas cujos filhos foram assassinados ou
desapareceram durante a ditadura. Hoje elas frequentam a Casa Rosada,
recebidas pela presidenta Cristina Kirchner, em um país que puniu os
algozes, a começar pelos generais ditadores.
Há quem diga e até escreva que Dilma se expõe ao risco de uma
“saia-justa” (não aprecio a enésima frase feita frequentada pelos nossos
perdigueiros da informação, mas a leio e reproduzo) ao encontrar as
mães da praça. Quem fala, ou escreve, talvez funcione como porta-voz de
ambientes fardados. Ocorre, porém, que a reunião foi solicitada pela
própria presidenta do Brasil, e ela sabe o que faz.
No discurso de posse, Dilma mostrou-se orgulhosa do seu passado de
guerrilheira e homenageou os companheiros mortos na luta. Conta com o
aplauso de CartaCapital. Foi o primeiro sinal de um propósito claro do
novo governo: aprofundar o debate em torno das gravíssimas ofensas aos
Direitos Humanos cometidas ao longo dos nossos anos de chumbo. O
encontro de Buenos Aires confirma e sublinha a linha definida pela
presidenta, a bem da memória do País.
Cada terra tem suas características, peculiaridades, tradições. O
Brasil não é a Argentina. Ambos foram colônias. Nós padecemos, contudo,
três séculos de escravidão. A independência não veio com a rebelião
contra a metrópole e sim graças aos humores contingentes de um jovem
príncipe brigado com a família. A república foi proclamada pelos
generais. A resistência e a luta armada na Argentina tiveram uma
participação bem maior do que se deu no Brasil, e nem por isso o terror
de Estado deixou de ser menos feroz aqui do que no Prata.
Já li mais de uma vez comparações entre o número de mortos e de
desaparecidos brasileiros e argentinos, de sorte a justificar que a
nossa foi ditabranda. Bastaria um único assassinado. A violência, de
todo modo, foi a mesma, sem contar que os nossos torturadores deram
aulas aos colegas de todo o Cone Sul, habilitados por sua extraordinária
competência. Se a repressão verde-oliva numericamente matou, seviciou e
perseguiu menos que a argentina foi porque entendeu poder parar por aí.
Fernando Henrique Cardoso disse na terça-feira 25 ao Estadão ser
favorável à abertura dos arquivos da ditadura. Surpresa. Foi ele, antes
de deixar a Presidência, quem referendou a proposta do general Alberto
Cardoso, que comandava seu gabinete da Segurança Institucional, de
manter indevassável a rica documentação por 50 anos. No elegante
português que o distingue, FHC agora declara: “Aquilo ocorreu no meu
último dia de governo e alguém colocou um papel para eu assinar lá”. Deu
para entender que alguém pretendia enganá-lo e que o presidente
assinava sem ler. Resta o fato de que, ao chegar ao poder, o príncipe
dos sociólogos recomendou: “Esqueçam o que eu disse”. Dilma teve um
comportamento de outra dignidade. E não há como duvidar que saberá dar
os passos certos na realização da Comissão da Verdade.
Certos significa também cautelosos, sempre que necessário. E sem o
receio da “saia-justa”. Adequados a tradições que, infelizmente, ainda
nos perseguem. Colonização predatória, escravidão etc. etc. As desgraças
do Brasil. E mais, daninha além da conta, o golpe de 64 a provar no
País a presença insuportável de um exército de ocupação, pronto a
executar os planos dos Estados Unidos com a inestimável colaboração da
CIA e a servir às conveniências dos titulares do privilégio e seus
aspirantes. Os marchadores com Deus e pela liberdade. Que Deus e que
liberdade é simples esclarecer.
O fantasma brasileiro é fardado e não há cidadão graúdo que não o
tema, e também muitos miúdos. Todas as desculpas valem, na hora em que
se presume seu iminente comparecimento, para, de antemão, cancelar o
debate ou descartar as soluções destinadas a provocá-lo. Nada disso é
digno de um país em ascensão e de democracia conquistada. Carta-Capital
acredita que a presidenta saberá exorcizar o fantasma sem precipitar
conflitos. Saias-justas, se quiserem.
Um leitor escreve diretamente para Wálter Fanganiello Maierovitch.
Lamenta a posição dele e de CartaCapital a favor da extradição de Cesare
Battisti. Com urbanidade, felizmente. Enaltece a figura de Tarso Genro,
louva a decisão que precipitou o caso e cita, para demonstrar seu
teo-rema, um livro intitulado Terrorismo e Criminalidade Política, em
que o falecido Heleno Fragoso, professor universitário e célebre
criminalista carioca, se refere às inúmeras leis de exceção promulgadas
na Itália durante os anos de chumbo. Nada disso também é digno do
Brasil.
Fragoso não é o único entre os professores brasileiros que ignoram a
história recente com toda a solenidade condizente com suas becas. A
Itália dos anos 70, entregue ao comando da operação ao general Alberto
Dalla Chiesa, venceu o terrorismo sem recurso a leis de exceção. Houve
sim leis de emergência, que um Fragoso não poderia confundir com
aquelas. Na semana passada publicamos uma entrevista do filho de Dalla
Chiesa, que fez menção a outras leis aprovadas illo tempore, entre elas a
redução a 36 horas da jornada de trabalho por obra da poderosa atuação
do Partido Comunista e dos sindicatos, e a descriminalização do aborto,
que aqui é quimera.
Nas eleições políticas de 1976, o PDC teve 36% dos votos e o PCI 34%,
enquanto os pleitos administrativos davam aos comunistas a maioria das
prefeituras. A Itália dos anos 70, contudo, não era somente de Aldo
Moro e Enrico Berlinguer, mas também de primorosa cultura, representada
por figuras como Norberto Bobbio, Italo Calvino, Pasolini, Sciascia,
Fellini, De Sica, Montale, Visconti e assim por diante. Não bastaria
esta página para nomear a todos, e ninguém era de direita. Um importante
colaborador de Berlinguer, Giorgio Napolitano, atual presidente da
República italiana, enviou uma carta tocante à presidenta Dilma. Ele
renova os cumprimentos pela eleição, mas mira no caso Battisti.
“Não são aceitáveis distorções, negações ou leituras românticas de
crimes de sangue”, escreve Napolitano. A negativa à extradição, acentua
“significa motivo de desilusão e amargura para a Itália”. “Não foi
plenamente compreendida – prossegue – a necessidade de justiça
experimentada por meu país e pelos familiares das vítimas de brutais e
injustificados ataques armados, bem como dos feridos por aqueles
ataques, sobrevividos às duras penas.” E ao cabo lembra que o terrorismo
foi derrotado “dentro das regras do Estado de Direito”.
O Brasil no caso não deve satisfações ao governo italiano, o atual,
aliás, o pior desde o imediato pós- guerra, e sim ao Estado, que o
presidente da República representa. Talvez seja igual a pregar no
deserto recomendar uma boa pesquisa sobre os anos de chumbo italianos a
políticos, magistrados, jornalistas, irados cidadãos atolados em uma
patética patriotada, indigna do país que o Brasil merece ser. Isento o
trabalho, aconselhamos, da singular influência da hipocrisia francesa.
Falo deste nosso atual país onde ainda se verificam cenas do
faroeste. Na sexta-feira 21, o caminhão que carregava para o Rio o
reparte de CartaCapital foi assaltado ao longo da Dutra. Os assaltantes
não eram ávidos de boa leitura: a carga não tinha para eles a menor
serventia, queriam era o próprio caminhão. Renderam e aprisionaram o
motorista, ficaram com o veículo, imediatamente remetido para outro
canto do País.
A última edição da revista não circulou no Rio. Na noite da mesma
sexta tentamos reunir um número suficiente de exemplares para
reabastecer as bancas cariocas. Infelizmente não havia sobras, na manhã
de sábado todos os repartes tinham sido distribuídos. Pelo gravíssimo
percalço pedimos desculpas muito sentidas aos leitores do Rio. Com uma
derradeira observação. Ao recordar os assaltos às diligências dos filmes
western, murmurei para meus espantados botões: a presença de bandos
armados no trajeto da mais importante rodovia do País não é digna do
Brasil que queremos. Os botões me acharam comedido.
Mino Carta
Mino Carta é diretor de redação de CartaCapital.
Fundou as revistas Quatro Rodas, Veja e CartaCapital. Foi diretor de
Redação das revistas Senhor e IstoÉ. Criou a Edição de Esportes do
jornal O Estado de S. Paulo, criou e dirigiu o Jornal da Tarde.
redacao@cartacapital.com.br
A cidade que acolhe o FSM
Dacar começa a compartilhar os primeiros
espaços, atividades e expressões da sua cultura com visitantes que
chegam para ajudar a construir o FSM.
Fotos: Antonio Pacor
Quem vier ao Fórum Social Mundial, com vontade de compartilhar
idéias, experiências e propostas para um outro mundo possível, e tiver
acolhida em alguma casa senegalesa, aprenderá também a compartilhar um
cebu djen.
Ao meio dia de cada dia, famílias se reúnem em torno desse prato
coletivo e popular, que consiste no preparo de um peixe com ervas, em
cuja água de cozimento são imersos diferentes legumes, gerando o caldo a
ser utilizado para o preparo do arroz. Tudo servido assim, com muitas
colheres que avançam sobre os bocados do cebu dijen
Dacar começa a compartilhar as primeiras casas com visitantes que
chegam para ajudar a construir o FSM. A casa de Lia, italiana que vive
no Senegal a maior parte do ano, ensinando costura e estilismo em uma
escola local, é uma delas. Procurada por outro italiano, o videomaker
Paco, que facilita coberturas de video do Forum, assegurou estadia para
vários colaboradores da comunicação.
E foi assim que cheguei a Dacar, conhecendo Lia e seus alunos, que
pensam em ir ao Fórum em busca de contatos de economia solidária, e com
quem conheci Abi, a senegalesa da foto que motivou a reunião de todas
essas pessoas em torno do prato mais apreciado do Senegal, preparado por
ela para nos dar as boas vindas.
Enquanto almoçamos, são naturais algumas notícias sobre o FSM, como o
informe de que Via Campesina trabalhará o tema da violência contra as
mulheres no campo, ou a confirmação da Assembleia que debaterá
perspectivas da comunicação. Reunirá gente da Africa, América Latina,
Europa, e quiça da Asia e Oriente Médio. O programa com todas as
atividades será impresso no domingo.
É o segundo dia que eu e Paco passamos na cidade que acolherá o Fórum
e já é possível sentir a ansiedade das pessoas encarregadas de
organizar as bases do evento, com aquele sentimento de toda véspera de
uma edição mundial, de que "tudo ainda está por fazer".
Nosso olhar esteve especialmente voltado para a comunicação,
procurando as conexões potenciais entre as redes que compartilham
informação sobre os temas do FSM e o trabalho local de cobertura e
propagação do evento. Na Enda, organização de referência do FSM em
Dacar, a equipe do escritório do FSM no Brasil já está ha mais dias e
trabalha na organização de informações, na distribuição de atividades
por eixos do FSM. No Centre Bopp, onde a comunicação se organiza, se
formam e desfazem pequenas rodas multilingues de pessoas que chegam para
ajudar.
Predominam no espaço os colaboradores locais do FSM e há uma certa
ansiedade em relação à infraestrutura. Voluntários falam dos intervalos
que algumas áreas da cidade enfrentam sem energia elétrica. Com os
preços elevados do petróleo e gás, que estão na base do abastecimento
local, o Senegal sofre. O problema afetará o FSM? Pessoas da organização
acreditam que não, porque as instalações da universidade dispôem de
geradores em caso de emergência.
A banda para internet é outra preocupação, que aliás se repete em
todos os eventos centralizados do FSM. Para assegurar um bom fluxo de
informações e pacotes audiovisuais do FSM para fora, é preciso garantir
um mínimo de conexão e isso deve ser assegurado pela organização local
junto à Universidade.
As coisas caminham, sob pressão e urgência, impulsionadas por lutas
inadiáveis por outro mundo possível. As conversas sobre credenciamento e
programa no Centre Bopp se misturam com outras, sobre gente que se
levanta no mundo, e particularmente na Africa, como os jovens da
Tunisia, com sua revolução Jasmin, a resistencia sarawi, ou a revolta da
Costa do Marfim. Também se fala de uma Diáspora africana que terá no
FSM uma oportunidade de voltar para casa. Um dia inteiro do FSM será
dedicado à Diápora.
Os jovens de Dakar sentem o peso da responsabilidade e se expressam
especialmente pela participação em atividades culturais - grande parte
delas terá lugar naquele mesmo Centre Bopp, segundo participantes da
Comissão de Cultura.
Neste sábado, haverá um concerto na capital senegalesa. Estarão no
palco músicos de várias áreas da cidade para lançar um cd que gravaram
em conjunto. A obra foi feita especialmente para acolher o FSM. Mil
cópias serão vendidas durante o fórum.
sábado, 29 de janeiro de 2011
Mundo àrabe se revolta contra as ditaduras imperialistas
O movimento de protesto no Egipto:
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29/Jan/11
O mundo árabe desperta
O Diário
- Primeiro foram os protestos em Argel contra a subida dos preços.
Depois ocorreram as grandes manifestações da Tunísia, reprimidas com
ferocidade pela ditadura de Zin Ben Ali.
O protesto evoluiu para
rebelião nacional. Em Washington acreditou-se que a fuga de Ben Ali e a
formação imediata de um governo transitório presidido pelo
primeiro-ministro Ghanuchi «normalizaria» a situação. Mas isso não
aconteceu. O povo manteve-se nas ruas exigindo o afastamento de todos os
ex-ministros do ditador incluindo o primeiro-ministro e a punição dos
elementos da engrenagem corrupta do Poder.
Na Casa Branca e no
Pentágono a inquietação cedeu lugar a uma atmosfera de alarme quando os
acontecimentos da Tunísia começaram a abalar o mundo árabe, do Atlântico
ao Tigre e ao Golfo Pérsico.No Cairo e depois em Suez e noutras cidades os egípcios decidiram também desafiar o poder despótico de um regime corrupto e vassalo. Hosni Mubarak respondeu com a repressão. Mas o povo não se intimidou e, em manifestações gigantescas, exigiu a renúncia do presidente e da sua camarilha. Isso no momento em que Mubarak, na presidência há três décadas, se preparava para designar como seu sucessor o filho Gamal. Quase simultaneamente, em efeito de contágio dominó, os iemenitas tomaram as ruas em Sana, a capital, num movimento de protesto torrencial. Em Marrocos, o rei, dócil instrumento dos EUA e da França, assustado, decide impedir a subida do preço dos alimentos e de bens essenciais, temendo pelo futuro da monarquia feudal. Na Arábia Saudita o clima é de tensão. O mesmo ocorre no Sultanato de Oman e na Jordânia, um estado artificial criado pelos ingleses após a I Guerra Mundial. Registe-se que todos esses países eram (ou são) oprimidos por regimes ditatoriais, tutelados por Washington, cujos governantes actuam como instrumentos da sua estratégia para o Médio Oriente e a África muçulmana. OS EUA temem sobretudo o rumo imprevisível da situação criada no Egipto, um gigante com quase 80 milhões de habitantes, o país tampão entre a África e a Ásia que controla o Canal de Suez e tem uma fronteira explosiva com a Palestina (Gaza) e Israel. Mubarak tem sido ao longo dos 30 anos do seu consulado o mais submisso dos aliados de Washington. Com excepção de Israel, é o maior recebedor da «ajuda» financeira norte-americana, 1.300 milhões de dólares por ano, grande parte investida na compra de armamento. O Egipto foi o primeiro país árabe a estabelecer relações diplomáticas com o Estado sionista de Israel e sem a sua cumplicidade a estratégia de dominação imperialista na Região seria inviável. É compreensível portanto o temor de Washington (e de Tel Aviv) nascido da rebelião em marcha dos povos árabes contra os regimes ditatoriais que suportam há décadas. Como era de esperar, os analistas de serviço nos media portugueses acumulam disparates nos comentários aos acontecimentos da Tunísia e do Egipto. Fazer previsões sobre o desfecho das rebeliões populares árabes que alarmam a Casa Branca e as burguesias europeias, suas aliadas seria uma imprudência. Mas pode-se afirmar que a saída torrencial das massas às ruas em países aliás muito diferentes, exigindo o fim de regimes autocráticos e corruptos, configura uma derrota do imperialismo. É significativo que El Baradei (um politico que goza da confiança do Departamento de Estado) tenha voado imediatamente para o Cairo, apresentando-se como alternativa a Mubarak. Cumprir ali a missão de bombeiro no incêndio social egípcio é o seu objectivo. Também na Tunísia, os EUA tudo farão para evitar a radicalização do processo. Seja qual for o desenvolvimento das lutas populares em curso, a atitude de intelectuais que se apressaram a antever na rebelião tunisina o prólogo de um 25 de Abril árabe é romântica. Não devemos esquecer o ensinamento de Lenine segundo o qual não há revolução social profunda vitoriosa, que dure, sem que a sua direcção seja assumida por um partido ou organização revolucionária. E tal partido não é identificável na rebelião árabe, marcada pelo espontaneismo. O tsunami político que agita o mundo árabe deve porém ser saudado com firmeza e entusiasmo pelas forças progressistas em todo o mundo. As massas, assumindo-se como sujeito histórico, tomam as ruas. A rebelião pode desembocar em revoluções democráticas nacionais. Os editores de Odiário.info |
Filme Russo sobre um conto de Anton Tchekhov...
A Dama do Cachorrinho
(Dama s sobachkoy)
The Lady With a Little Dog (1959)
(Dama s sobachkoy)
The Lady With a Little Dog (1959)
Poster
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Sinopse
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Ialta,
verão de 1899. Dmítri Gurov, banqueiro moscovita, apaixona-se pela
jovem Ana Sierguéievna, que passeia sempre com seu cachorrinho. Ele vive
um infeliz casamento arranjado; ela afunda-se numa união sem amor.
Ambos de férias sem seus cônjuges, Dmítri e Ana começam uma relação
amorosa. Após breve período, ela regressa a Saratov e ele a Moscou,
acreditando que ser este um adeus definitivo. Por todo o inverno, Dmítri
sente-se infeliz, melancólico e irritadiço. Em desespero, ele decide ir
a Saratov, surpreendendo Ana num concerto. Temendo ser descoberta em
sua cidade natal, ela promete ir a Moscou revê-lo. Abdicarão eles de
suas reputações para viverem juntos ou será uma relação inconstante,
marcada por encontros furtivos em quartos de hotel?
Baseado no conto de Anton Tchekhov, A Dama do Cachorrinho é um belíssimo filme sobre o amor, nomeado à Palma de Ouro em Cannes. Legendas Exclusivas !!
CRÉDITOS: cinebaixar, POSTADO NO MAKINGOFF.ORG
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Elenco
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Informações sobre o filme
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Informações sobre o release
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Iya Savvina...Ana Sierguéievna Aleksey Batalov...Dmítri Gurov Nina Alisova...Madame Gurov Pantelejmon Krymov...von Didenitz | Gênero: Drama Diretor: Iosif Kheifits Duração: 83 minutos Ano de Lançamento: 1960 País de Origem: Rússia Idioma do Áudio: Russo IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0053746/ | Qualidade de Vídeo: DVD Rip Vídeo Codec: XviD Vídeo Bitrate: 1.051.662 Kbps Áudio Codec: MPEG1/2 L3 Áudio Bitrate: 96 kbps 48 KHz Resolução: 576 x 432 Aspect Ratio: 1.333 Formato de Tela: Tela Cheia (4x3) Frame Rate: 25.000 FPS Tamanho: 700.3 MiB Legendas: Em anexo |
Premiações
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- Nomeado à Palma de Ouro em Cannes, em 1960. - Prêmio Especial pelo Nobre Humanismo e Excelência Artística em Cannes, em 1960. - Nomeado ao Prêmio BAFTA de Melhor Filme, em 1963. | ||
Curiosidades
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Sobre o conto de Tchekhov: Anton Tchekhov escreveu o conto A dama do cachorrinho, uma de suas obras-primas, no final de 1899, quando se encontrava em Ialta, época em que sua saúde estava seriamente abalada. Maximo Gorki, amigo de Tchekhov, escreveu-lhe, após ter lido esse conto: “Li sua Dama. Sabe você o que está fazendo? Está matando o realismo. E acabará de matá-lo. Em breve há de liquidá-lo por muito tempo. Essa forma já viveu o que tinha de viver – é um fato! Ninguém pode ir mais longe que você por esta senda, ninguém pode escrever com tamanha simplicidade sobre coisas tão simples, como você sabe. Depois do mais insignificante de seus contos, tudo o mais parece grosseiro e escrito não com a pena, mas com um pedaço de pau. E, principalmente, tudo parece não simples, isto é, inverídico. É verdade (...) E quanto ao realismo, você vai exterminá-lo mesmo. Estou contente ao extremo. Chega! Diabo que o carregue!” Gorki prossegue com sua carta para o amigo Tchekhov: “Com efeito, chegou o tempo de se necessitar de algo heróico: todos desejam algo excitante, colorido, que não seja parecido com a vida, mas sim mais elevado que ela, melhor, mais belo. É absolutamente indispensável que a literatura atual comece a enfeitar um pouco a vida e, logo que ela o comece, a vida se embelezará, isto é, os homens viverão de modo mais veloz e vibrante. E, agora, veja que olhos ordinários eles têm: enfastiados, turvos, congelados”. [...] Ainda, sobre a repercussão do conto de Tchekhov, A dama do cachorrinho, agora com a manifestação de Tolstoi, como foi anotado no seu diário, em 16 de janeiro de 1900: “Li A dama do cachorrinho, de Tchekhov. Sempre Nietzsche. Pessoas que não elaboraram em si uma clara visão do mundo, que separe o bem e o mal. Antes se intimidavam, ficavam à procura, mas agora, acreditando encontrar-se além do bem e do mal, permanecem aquém, isto é, quase uns animais”. Em A dama do cachorrinho, Tchekhov criou o personagem Guru, homem casado, que, na estação de veraneio de Exalta, conheceu a dama do cachorrinho, Ana Sierguieivna, mulher também casada, que, uma semana após o primeiro encontro, levou-o ao seu quarto. O que se passa na mente de Ana e Gurov, nesse primeiro encontro, é contado com sutileza e maestria por Tchekhov. Passado algum tempo, Ana regressa para sua casa, numa província perto de Moscou, e Gurov regressa a Moscou e reassume o seu trabalho no banco. Gurov não conseguindo esquecer Ana, procurou-a mais tarde em sua casa; com medo de ser descoberta pelo marido, prometeu encontra-se com ele em Moscou. A partir daí passaram a encontrar-se a cada dois ou três meses; os amantes convencem-se de que foram feitos um para o outro; mas não há uma solução definitiva para o caso; Tchekhov deixa o desfecho por conta do leitor. Essa falta de conclusão no conto A dama do cachorrinho espantou os críticos de Tchekhov, como V. Burênin, que escreveu no Nórvíe Vrênia, em 25 de janeiro de 1900: “O final nas obras deste literato de talento surge no ponto em que, segundo parece, deveríamos esperar o verdadeiro trabalho do criador”. Além do caráter fragmentário do conto, outros críticos fizeram restrições ao conto sob o aspecto moral. Hoje, evidentemente, tais críticas não seriam feitas por críticos sérios, quer quanto à forma, quer quanto ao seu conteúdo. Texto de Pedro Luso de Carvalho em: http://panorama-dire...achorrinho.html | ||
Coopere, deixe semeando ao menos duas vezes o tamanho do arquivo que baixar.
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Links Rapidshare (mesma versão): http://rapidshare.com/files/88997262/The_Lady_With_a_Little_Dog__1959__Iosif_Kheifits__e.part1.rar http://rapidshare.com/files/89016205/The_Lady_With_a_Little_Dog__1959__Iosif_Kheifits__e.part2.rar http://rapidshare.com/files/89038680/The_Lady_With_a_Little_Dog__1959__Iosif_Kheifits__e.part3.rar http://rapidshare.com/files/89072059/The_Lady_With_a_Little_Dog__1959__Iosif_Kheifits__e.part4.rar http://rapidshare.com/files/89120959/The_Lady_With_a_Little_Dog__1959__Iosif_Kheifits__e.part5.rar http://rapidshare.com/files/89178569/The_Lady_With_a_Little_Dog__1959__Iosif_Kheifits__e.part6.rar http://rapidshare.com/files/89222623/The_Lady_With_a_Little_Dog__1959__Iosif_Kheifits__e.part7.rar http://rapidshare.com/files/89224029/The_Lady_With_a_Little_Dog__1959__Iosif_Kheifits__e.part8.rar
Arquivo(s) anexo(s)
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Restrição à propriedade cruzada é medida urgente
Laurindo Lalo Leal Filho no Correio do Brasil
É uma falácia afirmar que a
convergência de mídias tornou obsoleta a discussão sobre propriedade
cruzada.
Formas de produção e circulação de dados e noticiários em
diferentes
plataformas não têm nada a ver com a propriedade cruzada. Esta diz
respeito a organização societária dos conglomerados e, o mais
importante, a sua abrangência sobre a sociedade.
A mídia derrotada
nas eleições presidenciais prossegue em campanha para pautar o novo
governo segundo seus interesses. A última é do Estadão de quinta-feira,
informando em manchete de primeira página que o governo desistiu de
incluir a propriedade cruzada no projeto de regulação da mídia.
O
blogueiro Eduardo Guimarães perguntou logo cedo ao ministro Paulo
Bernardo, via twitter, se isso era verdade. Resposta: “Bom dia, meu
caro! Basta ler a matéria para concluir que não decidimos nada. Quando
houver decisão enviaremos ao Congresso”.
É verdade, não há nenhum
dado concreto que confirme a manchete da capa: “Convergência de mídias
leva governo a desistir de veto à propriedade cruzada”.
O texto,
além disso estabelece uma confusão entre meios impressos e eletrônicos.
Chega a dizer que “propriedade cruzada é o domínio, pelo mesmo grupo de
comunicação, de concessões para operar diferentes plataformas (TV,
jornal e portais)”.
Mistura na mesma frase meios que legalmente
são concedidos pelo Estado em nome da sociedade (TV, e também o rádio)
com aqueles que operam em circuitos privados, sem interferência direta
do poder público, como jornais, revistas e portais na internet.
No
Brasil uma nova lei de meios tem que dar conta, entre outras coisas, de
dois tipos de regulação. Uma específica para o rádio e a TV cujos
concessionários ocupam o espectro eletromagnético, escasso e finito.
Outra dando conta da mídia em geral.
No primeiro caso, trata-se de
um bem público (o espectro eletromagnético) utilizado por particulares
que, por isso, devem se submeter a regras precisas de controle social.
Nada
ilegal ou arbitrário. Ao se candidatarem a uma concessão os
interessados deveriam deixar claro que tipo de serviço será prestado à
sociedade e de que forma.
Assinariam um compromisso com o Estado,
conhecido em alguns países como “caderno de encargos”, onde estariam
detalhados seus direitos e deveres. Ao final, o contrato deveria ser
avaliado pelo órgão regulador (hoje inexistente) podendo vir a ser
renovado ou não.
A lei atual, benevolente, estabelece um período
de dez anos para as concessões de rádio e de quinze para a televisão. E
as renovações são praticamente automáticas passando por trâmites
burocráticos, ainda que submetidas ao Congresso nacional.
O
segundo caso, referente aos jornais e revistas não tem nada a ver com
isso. São empreendimentos particulares que trafegam por canais privados.
Não se submetem a concessões como sugere o Estadão.
Mas nem por
isso podem deixar de se submeter à leis específicas, como a de imprensa
que garantia o direito de resposta e foi suprimida.
E também aos
limites da propriedade cruzada. O Estadão afirma que “o desenvolvimento
tecnológico tornou a discussão (sobre propriedade cruzada) obsoleta” e
que “o conceito de convergência de mídias, que consolidou o tráfego
simultâneo de dados e noticiários em todas as plataformas – da impressa à
digital -, pôs na mesa do ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, um
projeto de concessão única”.
Nada mais falacioso. Primeiro porque
formas de produção e circulação de dados e noticiários em diferentes
plataformas não tem nada a ver com a propriedade cruzada. Esta diz
respeito a organização societária dos conglomerados e, o mais
importante, a sua abrangência sobre a sociedade.
A lei atual,
ainda que burlada, determina um máximo de cinco concessões de TV para o
mesmo grupo, em cidades diferentes, sendo cinco em VHF e cinco em UHF.
Mas não impede que esses concessionários sejam proprietários de jornais
ou revistas, por exemplo.
Pela lei implacável do mercado, a
tendência é que alguns grupos se tornem gradativamente hegemônicos em
suas regiões e mesmo no país.
Com isso passam a monopolizar todas
as formas de comunicação existentes, impedindo o confronto de idéias e
restringindo a diversidade cultural.
Os limites à propriedade
cruzada, portanto, devem ter como referência o tamanho do público
atingido pelas empresas de comunicações, sejam ouvintes, leitores,
telespectadores e até mesmo internautas. Junto com restrições mais
rigorosas à propriedade de diferentes meios nas mesmas áreas
geográficas.
É o que ocorre em países democráticos como forma de
evitar que o pensamento único se consolide. Trata-se de garantir a
liberdade através da multiplicação de vozes e não de restringi-la como
alardeiam os interessados em manter tudo como está. Apelando algumas
vezes, como se viu, para a confusão.
Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
Os Povos Turcos Na aventura do Homem
Miguel Urbano Rodrigues no Odiario.info
Miguel
Urbano Rodrigues evoca neste artigo a grande aventura dos povos turcos,
satanizada pelos historiadores do Ocidente.
Recorda a origem turca de povos tão diferentes como os hunos, os ávaros,
os seljucidas, os fundadores do Império indiano do Grão Mogol, os
búlgaros, os húngaros, os finlandeses e os estónios, e povos que hoje
falam línguas turcas, os usbeques, os cazaques, os kirguizes, os
turquemenos, os iakutos. Reflectindo sobre a Turquia, lembra que os
antigos Otomanos criaram uma grande cultura e que, na época de Solimão, o
Magnífico, o Império turco, então o maior do mundo, cobria uma área de 8
milhões de quilómetros quadrados com 60 milhões de habitantes.
Conheci Istambul quando me iniciava no ofício de escrever. Voltei agora, transcorridas quase seis décadas.
Foi um estranho reencontro.
A cidade, quando a descobri, tinha um milhão de habitantes; hoje tem
mais de 15 milhões e é uma das maiores megalopolis do planeta. Em 1953
camelos pachorrentos ainda deambulavam por ruelas enlameadas; hoje o
aeroporto da antiga Constantinopla é um dos mais movimentados da Europa.
Na juventude a Turquia aparecia-me como porta de um Oriente
misterioso. Tinha lido os Sete Pilares da Sabedoria de T. E. Lawrence e
muita coisa sobre as Cruzadas.
Como a maioria dos jovens da minha geração via na Turquia o país dos
turcos, que se ocidentalizara no governo de Ataturk após a desagregação
do Império Otomano.
A névoa da ignorância tardou a dissipar-se. Foi somente a partir dos
anos 70, em viagens pela Ásia Soviética, que, lentamente, principiei a
tomar conhecimento da grande aventura dos povos turcos e da sua
contribuição para o progresso da humanidade.
UMA SAGA ESQUECIDA
Em livros que então me ofereceram aprendi que o berço das tribos
turcas da antiguidade foi a taiga siberiana. Das montanhas da
Transbaikalia, do Orkhon e das margens do Selenga, os primeiros turcos
começaram, muito antes do início da Nossa Era, a descer para o Sul. Nas
suas lentas migrações, trocaram as florestas pelas estepes da actual
Mongólia, e aí essas tribos transformaram-se de sedentárias em nómadas
criadores de cavalos, bois, camelos e ovelhas.
Mais tarde, entraram pela China e destruíram e fundaram ali
impérios. Muitos séculos depois, correram para Ocidente e invadiram
províncias do Império Romano, semeando o terror por onde passavam.
Com o passar dos séculos, ao disseminarem-se pelo mundo, empurrados
por grandes fomes ou após guerras com vizinhos agressivos, os turcos
diferenciaram-se muito e os idiomas das primitivas sociedades tribais
evoluíram, distanciando-se.
Mas turcófonos eram os Hunos de Átila; os Heftalitas que invadiram a
China, a Índia e a Pérsia sassânida; os Ávaros que chegaram até à
Hungria; os Uigures, professores dos Mongóis e criadores de um alfabeto;
os primeiros Búlgaros; os Mamelucos Egípcios.
Turcófonos eram os Seljucidas vindos da Sogdiana (actual
Uzbequistão) que reconquistaram Jerusalém aos Cruzados e quase
expulsaram Bizâncio da Ásia Menor; os Kazhar, os Kiptchak, os
Ptechenegos que povoaram as estepes da Ucrânia e do Sul da Rússia, povos
dos quais descendem dezenas de milhões de russos. Os Polovtses, das
crónicas medievais russas, eram também nómadas turcos.
Turcófonos são os actuais Kazaks, Uzbeques, Kirguizes, Turquemenos, Azeris.
Turcofónas eram as tribos Karluk, da Sogdiana, que, aliadas aos árabes na cavalgada destes para Oriente, lutaram contra os chineses em Talas, uma batalha que no ano 751 travou definitivamente a avançada da China para o Ocidente.
Turcofónas eram as tribos Karluk, da Sogdiana, que, aliadas aos árabes na cavalgada destes para Oriente, lutaram contra os chineses em Talas, uma batalha que no ano 751 travou definitivamente a avançada da China para o Ocidente.
O finlandês e o estónio mergulham as raízes nos dialectos turcos falados pelos seus antepassados, vindos da Alta Ásia.
A historiografia europeia desconhece, com poucas excepções, a grande
aventura dos povos turcos ao longo de mais de dois milénios. A maioria
dos chamados «Mongóis da conquista» era turca. Mas poucos historiadores,
incluindo os árabes e iranianos, assinalam nas suas obras que mais de
dois terços dos exércitos dos filhos e netos de Gengis Khan falavam não o
mongol, mas línguas turcas com ele aparentadas.
A minha geração «aprendeu» no liceu que os turcos eram muçulmanos
fanáticos quando irromperam na Europa. Nos compêndios escolares do meu
tempo não era minimamente clara a diferença entre árabes e turcos.
Alguns professores aludiam a choques entre os portugueses e os turcos
nos mares da Índia, mas as referências eram superficiais, vagas.
Na Espanha, na Itália e em França o panorama não era muito
diferente. A derrota da armada otomana na batalha de Lepanto era
celebrada como uma grande vitória da Cristandade contra a barbárie.
Dos turcos foi durante séculos projectada a imagem de gente selvagem
e cruel, imagem que o cinema, já na nossa época, contribuiu para levar
às massas.
Voltaire, entre outros grandes escritores, apresentou Tamerlão como
demónio com figura humana, um flagelo da humanidade. A personagem desse
turco chagatai, o maior conquistador do século XIV, único vencedor dos
turcos Otomanos, inspirou gerações de dramaturgos, poetas e
historiadores que o amaldiçoaram. Foi satanizado em óperas famosas.
É inegável que Tamerlão cometeu crimes comparáveis aos das hordas de
Gengis Khan. Mas o autor das chacinas de Isfahan, Damasco e Delhi,
entre outras, o turco que ao perseguir as Hordas Mongóis através da
Rússia arrasou tudo o que encontrou pela frente, o emir devoto que
mandava construir pirâmides com as cabeças dos vencidos, não deixou na
História somente um rasto de violência irracional. Tamerlão atraiu a
Samarcanda os maiores artistas e sábios do Islão asiático e fez dela, na
época, a mais bela cidade do mundo muçulmano. Alguns dos seus
descendentes foram príncipes cultos, que promoveram o chamado
renascimento timurida que renovou a arquitectura, a poesia, a pintura, a
musica nos países por eles governados. Babur, seu trineto, fundou o
Império do Grão Mogol na Índia onde durante dois séculos floresceu uma
cultura que criou monumentos maravilhosos como o Tahj Mahal de Agra.
Outro efémero império turco que os historiadores somente recordam
como responsável por hecatombes inesquecíveis teve o seu pólo em Ghazni,
uma cidade, hoje em ruínas, situada no actual Afeganistão. Um sultão,
Mahmud, nas suas campanhas pelo Norte da Índia, actuou como um genocida.
Mas esse grande bárbaro foi uma personalidade contraditória. Ghazni,
cujo nome está hoje esquecido, emergiu em poucas décadas como a mais
prestigiada metrópole cultural do Islão oriental. Admite-se que a sua
população rondou o milhão de habitantes. No século XI, nos territórios
governados pelos Ghaznividas nasceram, viveram e criaram ciência,
cultura e beleza alguns dos mais famosos sábios e artistas do Islão,
entre os quais Al Biruni, etnólogo, astrónomo, matemático; Ferdauci, o
autor do poema épico Xá Naama (o livro dos reis), considerado o criador
do persa moderno; Sanai, um sufista que foi um precursor de Dante; Ibn
Sina, o Avicena, cujo tratado de Medicina foi referencia na Europa
durante cinco séculos.
Turco era o Xá Ismail, o primeiro dos Safévides, a dinastia de
mecenas durante a qual a arquitectura e a pintura persas atingiram o
apogeu, adquirindo prestígio mundial.
DO ÁRCTICO AO MEDITERRÂNEO
Não esqueci o choque recebido em l974 ao visitar a República da
Iakutia no grande Norte siberiano. Estava instalado num hotel
confortável, mas fora o termómetro descera a 45 graus negativos. Os
Iacutos, pelo aspecto físico, traziam-me à memória os inuit da
Groenlândia e falavam uma língua muito diferente do russo. Alguns não o
entendiam. Um jovem traduzia para o meu intérprete que vertia para o
português.
Perguntei que idioma era aquele?
Quando ouvi que se expressavam num dos muitos dialectos turcos da
Sibéria, a resposta lançou-me numa meditação inesperada sobre o longo
caminho percorrido por antepassados daquela gente, empurrada para o
Norte por outros povos turcófonos.
Perante o meu espanto, um professor russo que acompanhava a conversa
esclareceu que das terras geladas do Estreito de Behring, frente ao
Alasca, ao Adriático, numa faixa que atravessa a Ásia e a Europa,
continuam a viver comunidades turcófonas.
Uma das mais prodigiosas aventuras dos antigos turcos foi a das
tribos Oghuz que, saindo no século XII das margens orientais do Cáspio,
vieram em vagarosa caminhada fixar-se na Ásia Menor como vassalas dos
emires seljucidas que então lutavam contra o Império Bizantino. Do nome
do seu chefe, Othman, ficaram conhecidos como os Otomanos, fundadores de
um Império gigantesco. Ao longo de duzentos anos foram a primeira
potência militar do mundo.
Durante séculos, os primitivos turcos permaneceram fiéis à religião
animista que os acompanhou nas suas migrações, da taiga às estepes,
muito semelhante à dos Mongóis. Acreditavam num deus supremo, Tengri, o
céu azul, criador do universo e veneravam e temiam forças da Natureza.
Era uma religião tolerante aberta à compreensão das praticadas pelos
povos dos países conquistados ou vizinhos. A rápida absorção de
culturas muito mais elaboradas do que a das estepes levou os primitivos
turcos a assumir grandes religiões da antiguidade. Na China tornaram-se
budistas na época em que o budismo por algum tempo ali penetrou. No
oásis do Tarim (actual Sinkiang Uigur) aderiram ao maniqueísmo. Uma
pequena minoria adoptou o cristianismo nestoriano. Os Khazars da Rússia
converteram-se ao judaísmo. Mas foi no primeiro contacto com os árabes,
sobretudo na Sogdiana (actual Uzbequistão), que a avalancha das tribos
turcas na sua deslocação para ocidente fez a opção religiosa que viria a
ter uma grande influência no rumo da História.
Em meados do século VIII, o Califado Abássida exercia uma soberania
nominal sobre uma área enorme, da China ao Egipto, do Indo à Sicília. A
fase de expansão findara, iniciava-se a defensiva. Os árabes eram
poucos, os territórios imensos. As turbulentas tribos turcas
forneceram-lhe os soldados de que necessitava. Formidáveis guerreiros,
os turcos tornaram-se a coluna vertebral dos exércitos do Islão
asiático. E aconteceu o inevitável. O poder militar conquistou
rapidamente o poder político. Primeiro na Sogdiana, depois no actual
Afeganistão, no Irão, no Iraque, no norte islamizado da Índia surgiram
sultanatos turcos. Em Bagdad, o Califa, o chefe religioso, já era uma
figura pouco mais do que decorativa, quando os Seljucidas enfrentaram a
invasão dos Cruzados no século X.
ERAM POUCOS E DIFERENTES
ERAM POUCOS E DIFERENTES
Os turcófonos não constituem uma comunidade de povos etnicamente
homogénea. Os antigos Kirguizes da Alta Ásia eram louros e de pele
clara; a maioria dos Petchenegos, segundo as crónicas russas medievais,
tinham os olhos azuis e os cabelos claros; a fisionomia dos Kiptchak
também não era oriental. O príncipe Igor, herói lendário da Rússia
antiga, era um Polovtse e a sua língua materna o turco. O denominador
comum do mundo turco foi o idioma e não a raça.
Eram muitos os turcos da conquista? Não, eram poucos, tal como os
visigodos que se estabeleceram em Espanha e os Francos na Gália Romana. O
historiador Claude Cahen avalia em 300.000 no máximo o total dos
seljucidas que invadiram a Ásia Menor, procedentes do Irão, e ali se
fixaram. Muito menos numerosas eram as tribos otomanas que se instalaram
no planalto com a concordância dos Bizantinos.
No século XIII, os turcos constituíam apenas 10% da população da
Anatólia, não obstante o poder militar dos sultanatos existentes.
A mestiçagem foi um processo complexo. Os persas, com raras
excepções, não se fundiram com os turcos. Na Geórgia e na Arménia
ocorreu o mesmo: as populações locais não se misturaram com os invasores
turcos.
Foi nas regiões helenizadas do Império Bizantino que a turquização
das populações avançou embora lentamente. Mas no século XX, mais de um
terço dos habitantes da Ásia Menor eram gregos, kurdos, arménios. Não
exageram os historiadores que identificam na Turquia actual um
Estado-nação criado e viabilizado pela vontade de um homem.
O FURACÃO OTOMANO
Os otomanos, de pequena comunidade tribal estabelecida em terras
bizantinas transformaram-se rapidamente num Sultanato que alastrou pela
Ásia Menor e, ganhando força e prestígio, construíram os alicerces de um
grande Império. Em meados do século XIV já estavam solidamente
implantados no coração da Península Balcânica e infligiram sucessivas e
esmagadoras derrotas aos príncipes romenos, búlgaros, sérvios e
húngaros.
Quando em 1453 Mehmet II, o jovem sultão otomano, se apresentou com
um grande exército perante as muralhas de Constantinopla, a grande
cidade era tudo o que restava do Império Romano do Oriente.
As potências ocidentais não atenderam aos pungentes apelos de ajuda
chegados de Bizâncio. As querelas religiosas que tinham separado Roma do
Patriarcado Ortodoxo haviam gerado uma seara de ódios.
Durante mais de um milénio, a orgulhosa Bizâncio, filha de Roma e da
Grécia, resistira vitoriosamente às investidas de godos, celtas,
persas, árabes, búlgaros, russos. Mas os cavaleiros da IV Cruzada,
financiados por Veneza, tomaram a cidade por dentro, saquearam os seus
palácios igrejas e criaram um efémero império Latino.
Restaurado em 1261,o Império Bizantino sobreviveu por quase dois
séculos. Dizia-se que as muralhas de Constantinopla eram inexpugnáveis.
Mas cederam perante a avalancha otomana. No cerco, o sultão, para abrir
brechas nas muralhas, utilizou os maiores canhões até então fabricados.
Para os historiadores do Ocidente, a queda de Constantinopla foi um acontecimento trágico que assinalou o fim da Idade Média.
Na perspectiva dos muçulmanos, a tomada da cidadela dos cristãos
marcou o inicio da era de ouro do Império Otomano. Selim I derrotou os
persas, conquistou a Síria, a Palestina e o Egipto e somou o poder
religioso ao político, assumindo-se como herdeiro do Califado. Durante o
longo reinado do filho, Solimão I, o Magnífico, a expansão prosseguiu
num ritmo que alarmou as grandes monarquias cristãs. Os exércitos
otomanos ultrapassaram o Eufrates e o Tigre e as suas esquadras
enfrentaram os portugueses nos mares da Índia. A bandeira do crescente
foi hasteada em Tripoli, Tunis, Argel e Budapeste e o Mediterrâneo, até
ao Adriático, tornou-se um lago turco.
A basílica de Santa Sofia, transformada em mesquita, foi uma fonte
de inspiração para os arquitectos otomanos. Istambul no final do século
XVI tinha recuperado o antigo esplendor de Constantinopla e era a maior e
mais próspera capital da Europa com uma população que excedia 600.000
habitantes.
O Império tinha uma superfície de oito milhões de quilómetros
quadrados (16 vezes o tamanho da Espanha) e uma população superior a 60
milhões de habitantes.
Uma nova cultura surgiu de um sincretismo nascido da fusão difícil
da persa, da árabe e da bizantina. Na arquitectura, na pintura, na
cerâmica, na tapeçaria, os otomanos inovaram durante dois séculos. As
grandes mesquitas imperiais, como a Suleimanieh e a Sultanahmet, são
obras de arte maravilhosas, património da humanidade.
No século XVII principiou a decadência, lenta, mas irreversível.
Ao terminar a primeira guerra mundial, o Império Otomano, derrotado,
desapareceu. Os vencedores tomaram conta das Províncias Árabes e a
própria Turquia – berço e núcleo do Estado imperial multinacional –
ocupada, retalhada e invadida, esteve prestes a desaparecer.
Foi então que surgiu um daqueles raros homens que, em situações
excepcionais, alteram o caminhar dos povos. Mustafa Kemal, o Ataturk,
desafiou a lógica da História. Pela guerra e pela negociação garantiu a
continuidade da Turquia. Transformou em realidades concretas o
impossível aparente. Expulsou as tropas estrangeiras em quatro anos de
guerra, depôs o último sultão, aboliu o Califado, proclamou a República
laica, proibiu o vestuário tradicional, atribuiu à mulher a igualdade de
direitos, adoptou o calendário gregoriano e impôs a substituição do
alfabeto árabe pelo latino.
Poucas revoluções mudaram tão profundamente a vida de um povo num
espaço de tempo tão breve. Uma cultura milenária, asiática, oriental,
foi anatemizada e reprimida e incentivada a adesão a uma cultura
ocidental que durante séculos aparecera aos turcos otomanos como hostil.
A Turquia sobreviveu, mas a transição, traumática, dolorosa, deixou sequelas cujos efeitos continuam a manifestar-se.
Os turcos contemporâneos sabem que todas as civilizações quando
morrem não voltam. Mas as sementes ficam e a sua germinação é complexa e
imprevisível.
Voltarei ao tema em texto de reflexão sobre o meu reencontro com
Istambul, uma cidade fascinante, implantada num dos mais belos cenários
do mundo.
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