sábado, 26 de fevereiro de 2011

Hitler falava em nome dos cristãos?



        Hitler é o da direita

 
Estou cansado de ler textos analíticos de esquerda e de direita sobre o Oriente Médio.

E todos acabam se perdendo em elucubrações sobre o islamismo.

Como se o islamismo fosse  um bicho papão.

Isso na verdade é o preço que se paga ao se ilustrar pela mídia corporativa que não vende informações, mas adjetivos.

O islamismo, como toda religião, tem seus altos e baixos.

O perigo é a generalização.

Associar o radicalismo ao islamismo é o mesmo que associar o cristianismo ao nazismo e o sionismo ao judaísmo.

Nem todo cristão é nazista e nem todo judeu é sionista.

Ambas as religiões tem seu lado bom e seu lado ruim.

O que está acontecendo no Oriente Médio não tem nada a ver com religião.

Tem a ver com a miséria, exclusão, fome e opressão.

No Oriente Médio ha nações ocupadas fisicamente – Iraque, Palestina, Líbano, Síria, o que as transforma em nações colonizadas em pleno século 21.

E há nações ocupadas monetariamente por corporações que mantêm no poder títeres cuja única preocupação é assaltar seus países e manter suas populações sob o jugo dos carrascos.

O que ocorre agora na região não tem nada a ver com religião, mas com revoluções que num primeiro momento prescindem das armas, mas todos sabemos o que pode acontecer num segundo momento.

Sempre se fala que a vontade do povo é soberana, que a voz do povo é a voz de Deus, mas ai do povo que acreditar nisso.

Acaba pagando um preço muito alto.

No entanto e independente disso, a roda da História sempre caminha para frente.

Pode até haver alguns recuos para que o sistema tenha alguma sobrevida, mas que ela anda para a frente, ela anda.

E se o povo do Oriente Médio entender que o islamismo pode sim ajudar na realização de bons governos, que assim seja.

Pelo menos o islamismo não produziu a inquisição, nem as duas guerras mundiais e nem jogou bombas atômicas sobre Nagazaki e Hiroshima.

Então que tal deixarmos o islamismo em paz e nos atermos ao que de fato interessa?

Revolução: a vez do Bahrain e da Arábia Saudita?


Revolta popular cresce na pequena monarquia e desponta no maior produtor mundial de petróleo. Mas são aliados dos EUA — e, portanto, “modernos” para a velha mídia…

Por Pepe Escobar, do Asia Times Online | Tradução: Coletivo VilaVudu


Nessa terça-feira, nada menos que 20% da população do Bahrein reuniu-se na rotatória Lulu (Pérola) (na foto) em Manama na maior manifestação contra a monarquia feudal, ação intimamente conectada à grande revolta árabe de 2011. Amostra de toda a sociedade bahraini – professores, advogados, engenheiros, suas mulheres e filhos – numa marcha infinita, em volta do monumento, coluna compacta nas cores vermelho e branco, da bandeira nacional.
Na quinta-feira, havia motivos para crer que a revolta alcançara o santo graal, i.e., a Casa de Saud, quando 100 jovens saíram às ruas de Hafar al-Batin, nordeste da Arábia Saudita, exigindo o fim dessa monarquia feudal encharcada em petróleo. O extraordinário é que tenha acontecido justamente quando o “Guardião das Duas Mesquitas Sagradas”, rei Abdullah da Arábia Saudita, 85 anos, voltava para casa depois de três meses de tratamento médico e cirurgia nos EUA e convalescença no Marrocos – em plena onda de massiva propaganda do regime, completada com toques de orientalismo, como um homem vestido de branco dançando danças tradicionais beduínas sobre tapetes especialíssimos.

Para a Casa de Saud, a revolta é o pesadelo absoluto: como todo o mundo já está sabendo, um Bahrain microscópico, de maioria xiita, mas também microscópica, faz fronteira com a região da Arábia Saudita, de grande maioria xiita, onde está o petróleo.

Mas não surpreende que a revolta tenha eclodido nem bem o rei Abdullah pôs o pé nos seus tapetes, e apesar de toda a ação preventiva para evitar que surgissem espasmos pró-democracia entre as massas, com lançamento de um programa de 35 bilhões de dólares, que inclui um ano de benefícios para jovens desempregados, além da criação de um fundo nacional de desenvolvimento que permitirá que os jovens comprem casa, abram pequenos negócios e casem.

Em teoria, a Arábia Saudita prometeu nada menos que 400 bilhões de dólares em programas, até o final de 2014, para melhorar a educação, a saúde pública e a infraestrutura. Economista-chefe do Banco Saudita Fransi, John Sfakianakis, diz, eufemisticamente, “o rei tenta criar ampla via para o enriquecimento, sob a forma de bem-estar social”.

Como sempre, todos os eufemismos param na política: não se vê sinal algum de qualquer investimento real na direção de atender as aspirações políticas dos súditos – partidos políticos, sindicatos e qualquer tipo de manifestação pública continuam totalmente proibidos. E não se vê qualquer sinal, tampouco, de que o rei esteja preocupado com os enormes problemas sociais – da repressão policial, à intolerância religiosa – exatamente os problemas que o encurralaram e obrigaram a tentar seu gambito multibilionário da “ampla via”.

Adivinhem, então, quem se apresentou para dar as boas vindas ao rei Abdullah e discutir “a crise” – palavra-código para “A Grande Revolta Árabe de 2011”? Acertaram: o monarca feudal sunita vizinho, rei Hamad al-Khalifa, do Bahrein.

Assassinato soft, com nossa trilha sonora

A narrativa inventada no ocidente, à Disneyworld, de que o rei Hamad seria “reformista progressista”, interessado em “fazer avançar a democracia” e “preservar a estabilidade” foi totalmente detonada quando o exército real realmente mercenário atirou, com munição real, usando armamento antiaéreo, de APC, contra manifestantes que levavam flores, ou quando helicópteros marca Bell, americana, sobrevoaram e perseguiram pessoas, sem parar de atirar.

Mensagem pelo tuíter, semana passada, vinda da jornalista bahraini Amira al-Husseini, resumiu tudo: “Também amo o Bahrein. Nasci no Bahrein. Meu sangue é bahraini – e vi meu país assassinado hoje, à vista dos próprios filhos.”


A rebelião xiita contra a dinastia al-Khalifa de mais de 200 anos – invasores, vindos do continente –, está em andamento, de fato, há décadas; inclui centenas de prisioneiros políticos em quatro prisões, na cidade e nos arredores da capital Manama, presos e torturados por “conselheiros” jordanianos; e um regime cujo exército é composto, basicamente, de soldados punjabi e baloques paquistaneses.

Demorou um pouco – mas, então, aconteceu aquele telefonema estratégico de Washington, que deu ânimo para que al-Khalifa se decidisse a tratar do assunto da matança com um pouco mais de aplicação.

O relato de como a política externa dos EUA agilmente se adaptou à Grande Revolta Árabe de 2011 oferece algumas lições. Hosni Mubarak expulso do Egito e o rei Hamad do Bahrein são “moderados” e certamente não são “o mal”. Afinal, um foi e o outro é, respectivamente, pilar da “estabilidade”, como se lê em MENA (Middle East-Northern Africa [em http://en.wikipedia.org/wiki/2010–2011_Middle_East_and_North_Africa_protests ].
Por outro lado, Muammar Gaddafi da Líbia e Bashar al-Assad da Síria são realmente péssimos, porque não se submetem nunca aos diktats de Washington. A escala moral que determina a resposta dos EUA é diretamente proporcional a o quanto o monarca ditador feudal em questão comporte-se como sátrapa a serviço dos EUA.

Assim se explica a instantânea repulsa (que o Departamento de Estado manifestou anteontem e o presidente Obama só hoje, quinta-feira) aos ataques de Gaddafi contra seu próprio povo, enquanto a mídia-empresa nos EUA e legiões de analistas de think-tanks disputam entre eles a glória de ter encontrado o adjetivo que mais elaboradamente ensina a crucificar Gaddafi. Ninguém é melhor que essa gente, quando se trata de denunciar ditador que não se encaixa no modelo de lacaio que os EUA prefiram.

Simultaneamente, não se ouviu no MENA nem um pio quando o aparelho de repressão de Hamad – parcialmente importado da Arábia Saudita – matou seus próprios cidadãos na rotatória da Pérola. OK, terrorista reabilitado, Gaddafi sempre foi doido, mas ao Bahrain aplica-se todo um longo mantra, como “aliado próximo” dos EUA; “nação pequena mas estrategicamente valiosa”; lar da 5ª Frota, essencial para garantir que o petróleo continue a fluir pelo Estreito de Ormuz; defesa contra o Irã etc.

Seja como for, mesmo depois do massacre, Sheikh Ali Salman, líder do maior partido de oposição, xiita, o partido al-Wefaq, e também Ebrahim Sharif, líder do partido secular Wa’ad, e Mohammed Mahfood da Sociedade de Ação Islâmica, todos aceitaram encontrar-se com o Príncipe Coroado Salman bin Hamad al-Khalifa, para um diálogo proposto pela monarquia.

Husain Abdullah, diretor de Americans for Democracy and Human Rights no Bahrein, não está convencido: “Não sei se a própria família reinante, eles próprios, merecem alguma confiança para algum diálogo sério, porque, se se assiste à televisão do Bahrain, nada se vê além de ataques sectários contra a multidão que permanece na praça-rotatória Lulu.”

Para Abdullah, o que está de fato acontecendo é que “mais e mais pessoas estão exigindo abertamente o fim do regime, por meios pacíficos, e querem que o Bahrein seja governado pelo povo do Bahrein. Além disso, há conclamação séria de desobediência civil completa (não parcial, como até agora), em todo o país, para expulsar do país a família reinante, como foi feito na Tunísia e no Egito.” Não surpreende que a Casa de Saud esteja em pânico.
O levante dos 70% de xiitas do Bahrein, mais alguns poucos sunitas – o mantra principal do protesto era “Nem xiitas nem sunitas. Todos bahrainis” – começou como movimento de direitos civis. Mas o príncipe coroado melhor fará se concordar rapidamente – ou a coisa ali também se transformará em revolução. Por enquanto, há muita retórica sobre “estabilidade”, “calma”, “segurança”, “coesão nacional”, mas nada de sério sobre reforma eleitoral e constitucional.

Há razões para crer que Salman – aconselhado pelos sauditas – talvez tente uma saída à Mubarak e faça algumas promessas vagas para algum futuro distante. Todos sabemos como a coisa acabou, na praça Tahrir.

Os manifestantes começaram por pedir primeiro-ministro eleito, monarquia constitucional e o fim da discriminação contra os xiitas. Agora, Matar Ibrahim, um dos 18 deputados xiitas do Parlamento, já diz que há um abismo de distância entre os manifestantes da rotatória da Pérola e os deputados da oposição que se reuniram com o Príncipe Coroado. A palavra de ordem que mais se ouve na rotatória da Pérola já é “Fora, Fora Khalifa”.

Milhares de trabalhadores da fábrica gigante de alumínio Alba já deixou claro que um poderoso sindicato e vários movimentos sindicais já apoiam os manifestantes em sua maioria xiitas. O presidente do sindicato de trabalhadores da Alba, Ali Bin Ali – que é sunita, mas isso nada muda – já alertou que há greve organizada para eclodir a qualquer momento.

Queremos nossos direitos sociais

Se houver mudança democrática de regime no Bahrein, os megaperdedores serão a Arábia Saudita e os EUA.
O Bahrein é caso clássico de colusão entre o império das bases dos EUA e uma ditadura/monarquia feudal sem sal. Naturalmente, o chefe do Estado-maior dos EUA favorece a “ordem-e-estabilidade” comandada pela ditadura – e o mesmo aconteceu com o velho poder colonial britânico; os massacres de civis no Bahrein e na Líbia chegam até vocês por especial cortesia da Royal Military Academy Sandhurst e dos sistemas BAE [para saber o que é, veja http://www.baesystems.com]
O rei Hamad é formado pela Escola Militar de Alto Comando dos EUA (orig. US Army Command and General Staff School) em Fort Leavenworth, Kansas, e “tem papel destacado na direção da política de segurança do Bahrein” – como se leu em telegrama de 2009 publicado por WikiLeaks. Foi ministro da Defesa de 1971 a 1988 e é fã do armamento pesado dos EUA.

O Príncipe Coroado, renomado por sua “abordagem muito ocidental”, por sua vez, estudou na escola que o Departamento de Defesa mantém no Bahrein e graduou-se na American University em Washington. Tradução: dois vassalos cabeça-de-Pentágono, estão hoje encarregados de fazer reformas democráticas no Bahrein.

A Grande Revolta Árabe de 2011, por todas as razões específicas nos diferentes países, não é, não, de modo algum, sobre religião (como Mubarak, Gaddafi e Hamad tentaram fazer parecer que seria). É revolta da classe trabalhadora, diretamente provocada pela crise global do capitalismo.

Choque de civilizações, fim da história, islamofobia e outros conceitos igualmente tolos estão mortos e enterrados. As pessoas querem direitos sociais, querem navegar em águas da democracia política e da democracia social.

Nesse sentido, a rua árabe é hoje a vanguarda do mundo. Se al-Khalifa não entender, será arrancado de lá.

Ecoa, nessa frase, a primeira linha do Manifesto Comunista, Marx e Engels, 1848: “Um espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo [em http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/manifestocomunista.pdf (NTs)].

Chinchilpos e Gamonales, arte e diferenças sociais no Peru




Por Júlia Nassif de Souza na Caros Amigos

Huancayo é um distrito localizado na região central do Peru, no sul do Valle del Mantaro, no estado de Junín. A zona foi originalmente habitada pelos huancas, povo que sofreu com a dominação inca e novamente com espanhóis, recebendo posteriormente seu apoio e o nome de Santíssima Trindade de Huancayo, desgastados pelo Império Inca de Cuzco.
Huancayo está nos pés da perpetuada Cordilheira dos Andes, nutrida de terras férteis e clima temperado, a 3244 metros sobre o nível do mar. Seu nome significa “o lugar da rocha”, que parece representar uma pedra de grandes extensões antigamente encontrada no trajeto do Caminho Real dos Incas que cortava a cidade.
No alto e marcando presença igualmente em todas as estações climáticas, está a Huaytapallana, a montanha nevada e grande responsável pelas chuvas que alimentam as terras e lagoas de Huancayo. Não é atoa que a montanha nevada representa a personificação do deus huanca, Huallallo-Carhuancho, ao qual lhe é oferecido oferendas e rituais, assim como à Pachamama (Mae Terra).
Huancayo historicamente é uma das importantes cidades responsáveis por grande parte da produção alimentícia e artesanal, que abastece Lima, a capital peruana. Está localizada a nada mais que 310 quilômetros da capital, mas esse trajeto pode durar de 5 a 9 horas, dependendo das condições das estradas e por consequência do tempo. É também uma das principais cidades da serra peruana e do centro do país.
A população do distrito de Huancayo, além do espanhol, fala quéchua wanka, uma língua pré-incaica, viva até hoje e importante para a manutenção e preservação da cultura ancestral na região, que abunda em músicas e danças.
A disputa entre Chinchilpos e Gamonales é uma das diversas festas do distrito de Huancayo. Ao final de janeiro, a população fantasiada de brancos e negros representam a disputa entre Chinchilpos, os camponeses, oprimidos; e os Gamonales, os comerciantes, patrões, a burguesia aristocrática; em três dias de festas que terminam em uma grande batalha, onde um deles é derrotado, caso seja o patrão, haverá colheita o ano inteiro, caso seja o camponês, virá adiante um ano de seca e escassez.
O Bando dos Chinchilpos são os negros dançarinos e trajam uniformes com detalhes vermelhos, o Bando dos Gamonales, estão protegidos pela cor azul, estes são os celestiais patrões, e ambas as vestimentas levam luvas grossas, uma espécie de capacete, botas, paletó e calcas bem abrigadas.
As festas se dividem pelos povoados do distrito e é Huaycachi que recebe a disputa final que tem importância em toda a região, já que é dela que sairá a previsão de escassez ou abundancia na produção agrícola anual, por isso é representada no mês de janeiro, a princípio de cada ano.
De caráter religioso a celebração de três dias dá início com diversas festas de negros bailarinos e todas acontecem em homenagem a Tayta Niño, patrono de Huayucachi, que representa o menino Jesus considerado o menino Sábio, que aos 12 anos foi encontrado no Templo de Jerusalém, e a ele são oferecidas todas as danças e festejos.
Os Caporales são os grupos de bailarinos que, divididos entre os dois bandos (Gamonal e Chinchilpo), integram a comunidade à festividade, onde todos participam, mas somente jovens rapazes usam as vestimentas representativas de cada bando.
O espetáculo da região de Huancayo demonstra a religiosidade adquirida em épocas coloniais e assimiladas pelos costumes, tradições e até mesmo pela língua originária dos huancas, que permite manter vivos elementos importantes da cultura ancestral.
As contradições das classes sociais na sociedade peruana aparecem na representação do patrão e do camponês, uma questão sócio-política igualmente posicionada e relacionada à questões da natureza e aos resultados a serem obtidos na agricultura do ano inteiro.
Zumbanacuy, a luta final que definirá a situação da colheita anual, acontece no Estádio de Huayucachi, com a utilização da Zumba, uma espécie de espada feita de couro e madeira, manuseada somente pelos homens mais habilidosos, onde aquele que mais acerta o adversário, de forma honesta, mais pontos soma para seu bando.
Em Huancayo o religioso, as questões sociais e o poder estão diretamente vinculados à natureza e a sua capacidade produtiva, atuando como castigo aos camponeses ou premio para trabalhadores e patrões.
Esse ano a batalha foi vencida pelos Chinchilpos, ou seja, os camponeses derrotaram o patrão, e o ano de 2011 promete fartura e boa colheita, para alegria de Tayta Niño e de toda a população.
Julia Nassif de Souza é antropóloga e comunicadora.

>> Assista o vídeo do Grupo de Negritos Corazón Africano, residentes na cidade de Huancayo, durante parte da celebração em homenagem a Tayta Niño, realizado nos dias 28, 29 e 30 de janeiro de 2011.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Gilberto Carvalho: “Política para salário mínimo até 2015 é vitória das centrais”


Ramiro Furquim/Sul21

Felipe Prestes no Sul21

O secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, teve encontro ameno ontem (24) à tarde com o governador Tarso Genro, no Palácio Piratini. Carvalho foi um dos convidados do governo para um seminário que discute a participação popular. Entre o encontro e o seminário, Carvalho concedeu coletiva em que minimizou possível estremecimento na relação entre governo e centrais sindicais.
Para o ministro, responsável pela relação entre governo e movimentos sociais, a aprovação da lei que permite ao governo reajustar por decreto o salário mínimo até 2015 é uma vitória para os trabalhadores, por que isso provavelmente acarretará ganhos reais nos próximos anos. “A política do salário mínimo é uma grande vitória das centrais. O Brasil tem crescido a uma média de 5% ao ano, nossa expectativa é que continue (crescendo nesta média), o que garante ao trabalhador uma recuperação real do salário mínimo”, afirmou.
Para Carvalho ao manifestarem sua contrariedade durante as votações no Senado e na Câmara, as centrais faziam seu papel, de reivindicar. Ele assegurou que os representantes dos trabalhadores devem ter papel central nas políticas do governo. “Embora tenham feito o barulho que era natural que fizesse – é o papel das centrais – o diálogo vai continuar. Nós não queremos as centrais apenas reivindicando, queremos que elas opinem e participem do conjunto das políticas do governo. O diálogo está muito acima desse incidente na questão do salário mínimo”.

Infiéis

Questionado sobre a atuação dos senadores gaúchos na discussão sobre o salário mínimo, Gilberto Carvalho exaltou o senador Paulo Paim, que votou com o governo, mas fez certo barulho antes da votação. “Vamos valorizar muito o gesto do Paim. Vai ser chamado para tratar os grandes temas do governo. A presidenta já tratou com ele alguns temas, como a questão da pequena e da micro empresa”, disse, prometendo também que o governo começará a discutir na semana que a valorização dos aposentados, um dos pleitos de Paim.
Quanto aos senadores Ana Amélia Lemos, que votou pelo salário mínimo de R$ 600, e Pedro Simon, que se absteve, Carvalho adotou postura dúbia. Primeiro, disse que os infiéis “sabem dos problemas que vão enfrentar”. Depois, disse que o governo espera contar muito com os dois senadores. “Tenho o maior respeito pelo senador Pedro Simon, a senadora Ana Amélia está começando uma carreira que nós sabemos que será brilhante”.

Fórum Social Mundial em Porto Alegre

Gilberto Carvalho garantiu que, caso o Fórum Social Mundial de 2013 seja sediado no Brasil, vai ocorrer em Porto Alegre. “Fizemos um acordo lá em Dacar. Se for no Brasil, será em Porto Alegre. Há um reconhecimento do êxito que os fóruns aqui tiveram e, portanto, a tendência é vir para cá”, revelou. A cidade de Salvador também pleiteia ser sede do evento.

McDonald´s: Maus tratos e superexploração


Nesta semana, nas bancas, o jornal Brasil de Fato traz uma grande reportagem sobre a superexploração e maus tratos que sofrem os jovens e adolescentes na maior rede fastfood do mundo. Confira a seguir trechos



Michelle Amaral
da Reportagem










“Uma vez eu estava com uma bandeja cheia de lanches prontos para serem entregues e escorreguei. Quando ia caindo no chão, meu coordenador viu, segurou a bandeja, me deixou cair e disse: 'primeiro o rendimento, depois o funcionário'”, conta Kelly, que trabalhou na rede de restaurantes fast food McDonald´s por cinco meses.
“Lá você não pode ficar parado, se sentar leva bronca”, relata Lúcio, de 16 anos, que há 4 meses trabalha em uma das lojas da rede na cidade de São Paulo. “Você não tem tempo nem para beber água direito”, completa José, de 17 anos. “Uma vez eu queimei a mão, falei para a fiscal e ela disse para eu continuar trabalhando”, lembra o adolescente. Maria, de 16 anos, ainda afirma que, apesar da intensa jornada de trabalho nos restaurantes, recebe apenas R$ 2,38 por hora trabalhada.
Os relatos acima retratam o dia-a-dia dos funcionários do McDonald´s. Assédio moral, falta de comunicação de acidentes de trabalho, ausência de condições mínimas de conforto para os trabalhadores, extensão da jornada de trabalho além do permitido por lei e fornecimento de alimentação inadequada são algumas das irregularidades apontadas por trabalhadores da maior rede de fast food do mundo.
Somente no Brasil, o McDonald´s tem mais de 600 lojas e emprega 34 mil funcionários, em sua maioria jovens de 16 a 24 anos.
As relações de trabalho impostas pelo McDonald´s são objetos de estudo de muitos pesquisadores. Do mesmo modo, pelas irregularidades recorrentes, a rede de fast food é alvo de diversas denúncias na Justiça do Trabalho.
Em São Paulo, o Sindicato dos Trabalhadores em Hotéis e Restaurantes de São Paulo (Sinthoresp), ao longo dos anos, tem denunciado as más condições a que são submetidos os funcionários do McDonald´s.
Recentemente, resultou em uma punição ao McDonald´s uma denúncia feita há quinze anos pelo sindicato ao Ministério Público do Trabalho (MPT) da 2ª Região, em São Paulo. Trata-se de um acordo que, além de exigir o cumprimento de adequações trabalhistas, estabelece o pagamento de uma multa de R$ 13,2 milhões.
Desse valor, a rede de fast food deve destinar R$ 11,7 milhões ao financiamento de publicidade contra o trabalho infantil e à divulgação dos direitos da criança e do adolescente durante os próximos nove anos. Além disso, a rede deve doar R$ 1,5 milhão para o Instituto de Medicina Física e Reabilitação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). O compromisso foi firmado em outubro de 2010 e passou a valer em janeiro deste ano.
As investigações realizadas pelo MPT a partir da denúncia do Sinthoresp confirmaram as seguintes irregularidades: não emissão dos Comunicados de Acidente de Trabalho (CAT); falta de efetividade na Comissão Interna de Prevenção de Acidentes; licenças sanitárias e de funcionamento vencidas ou sem prazo de validade, prorrogação da jornada de trabalho além das duas horas extras diárias permitidas por lei, ausência do período mínimo de 11 horas de descanso entre duas jornadas e o cumprimento de toda a jornada de trabalho em pé, sem um local para repouso.
O MPT também apontou irregularidades na alimentação fornecida aos trabalhadores: apesar de oferecer um cardápio com variadas opções, o laudo da prefeitura de São Paulo reprovou as refeições baseadas exclusivamente em produtos da própria empresa por não atender às necessidades nutricionais diárias. Em relação à alimentação, o McDonald´s chegou a ser condenado, em outubro de 2010, pela Justiça do Rio Grande do Sul a indenizar em R$ 30 mil um ex-gerente que, após trabalhar 12 anos e se alimentar diariamente com os lanches fornecidos pela rede de fast food, engordou 30 quilos. (A reportagem completa você lê na edição impressa número 417 do jornal Brasil de Fato).

























*Os nomes dos funcionários citados na matéria são fictícios.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

THE SOFT MACHINE: VOLUMES ONE AND TWO - 1968 - 1969


Créditos: From Russians With Love

Volume One
1. Hope for Happiness (Kevin Ayers, Brian Hopper, Michael Ratledge) – 4:21
2. Joy of a Toy (Ayers, Ratledge) – 2:49
3. Hope for Happiness (reprise) (Ayers, B. Hopper, Ratledge) – 1:38
4. Why Am I So Short? (Ayers, Hugh Hopper, Ratledge) – 1:39
5. So Boot if At All (Ayers, Ratlege, Robert Wyatt) – 7:25
6. Certain Kind (H. Hopper) – 4:11
7. Save Yourself (Wyatt) – 2:26
8. Priscilla (Ayers, Ratledge, Wyatt) – 1:03
9. Lullabye Letter (Ayers) – 4:32
10. We Did It Again (Ayers) – 3:46
11. Plus Belle Qu'une Poubelle (Ayers) – 1:03
12. Why Are We Sleeping? (Ayers, Ratledge, Wyatt) – 5:30
13. Box 25/4 Lid (Ratledge, H. Hopper) – 0:49

Volume Two
14. Pataphysical Introduction - part I (Robert Wyatt) - 1:01
15. A Concise British Alphabet - part I (Hugh Hopper, arr. Wyatt) - 0:10
16. Hibou Anemone and Bear (Mike Ratledge, Wyatt) - 5:59
17. Concise British Alphabet - part II (Hopper, arr. Wyatt) - 0:12
18. Hullo Der (Hopper, arr. Wyatt) - 0:54
19. Dada Was Here (Hopper, arr. Wyatt) - 3:26
20. Thank You Pierrot Lunaire (Hopper, arr. Wyatt) - 0:49
21. Have You Ever Bean Green? (Hopper, arr. Wyatt) - 1:19
22. Pataphysical Introduction - part II (Wyatt) - 0:51
23. Out of Tunes (Ratledge, Hopper, Wyatt) - 2:34
24. As Long as He Lies Perfectly Still (Ratledge, Wyatt) - 2:35
25. Dedicated to You But You Weren't Listening (Hopper) - 2:32
26. Fire Engine Passing with Bells Clanging (Ratledge) - 1:51
27. Pig (Ratledge) - 2:09
28. Orange Skin Food (Ratledge) - 1:47
29. A Door Opens and Closes (Ratledge) - 1:10
30. 10:30 Returns to the Bedroom (Ratledge, Hopper, Wyatt) - 4:13

Chegou a hora de uma nova ordem monetária internacional


A contínua diluição das dívidas em dólar pede a mudança para uma nova ordem multi-divisas. A defesa da revisão — pelos países ocidentais liderados pelos Estados Unidos — da forma como as atuais contas correntes são mensuradas expõe plenamente suas tentativas de transferir as responsabilidade dos desequilíbrios da economia global aos países que têm superavit no comércio exterior.


Por Zhang Monan, no China Daily via Portal Vermelho

Os desequilíbrios econômicos globais são em essência um resultado do desequilíbrio das vantagens trabalhistas comparadas entre diferentes países. Existem duas grandes divisões na atual economia global, nomeadamente o comércio e as finanças.

A primeira categoria é representada principalmente pela Alemanha, Japão e China, todos exportadores de commodities que sustentam um grande saldo positivo nas suas contas, e o segundo é representado pelos Estados Unidos e algumas nações europeias, que usufruem de grandes vantagens financeiras na exportação de capital e vários tipos de produtos financeiros e serviços que contribuem para seu grande déficit nas contas correntes.

Enquanto o setor industrial global foi transferido dos países desenvolvidos para os mercados emergentes, as economias desenvolvidas ainda conseguem reter seu status como centros financeiros mundiais.

Países em desenvolvimento, devido a seus sistemas e mercados financeiros menos vulneráveis, tiveram de empregar reservas monetárias estabelecidas por seus preços, ajustes, empréstimos e investimentos. Em resultado disso, as economias emergentes têm de sustentar uma taxa de câmbio cada vez maior e riscos de investimentos.

O gigantesco déficit nas contas correntes dos EUA é um reflexo do atual deslocamento da ordem monetária internacional. Em 31 de janeiro de 2011, o débito público estadunidense correspondia a US$ 14,13 trilhões, 96,4% do PIB do país, que é de US$ 17,7 trilhões.

Tomando vantagem de seu longo domínio monetário, os Estados Unidos têm uma longa história de abuso de crédito e seus déficits fiscais e comerciais aumentaram muito mais rapidamente que a produção. O volume dos débitos nacionais dos EUA em mãos de países e regiões estrangeiras tem se mantido em ascensão na última década e já significa 32% do valor total dos títulos em todo o mundo.

Entretanto, Washington habilmente utilizou o dólar como reserva monetária internacional para financiar seu débito nacional, promovendo sua circulação internacional em seu próprio benefício.

O sistema padrão dólar não só ajudou os EUA a circularem internacionalmente seu enorme débito nacional como também ajudou a maior economia do mundo a aumentar suas riquezas nacionais, por meio da monetização ou desvalorização do dólar. O status do dólar como principal moeda internacional também aumentou a capacidade dos Estados Unidos de liquidar sua dívida externa por meio da superprodução e emissão em excesso de papel moeda.

Somente de 2002 a 2006, os Estados Unidos diluiram o valor acumulado de US$ 3,58 trilhões de sua dívida nacional utilizando tal estratégia. Com a evaporação de grande volume das dívidas nacionais dos Estados Unidos, a riqueza de outros países, especialmente aqueles que possuiam papéis da dívida internan americana, tiveram sérias perdas nos últimos anos.

Em 2009, o valor global das reservas internacionais era pouco mais de 13% do PIB mundial. Deste valor, mais de 60% era de ativos baseados no dólar. No mesmo ano, o volume bruto dos ativos americanos em mãos de países estrangeiros, não incluindo aí os derivativos, era 1,25 vez o seu PIB nominal. Entretanto, a depreciação do dólar acelerou a transferência desta grande quantidade de riqueza, um processo no qual os Estados Unidos resultaram ser os maiores beneficiários.

A atual ordem monetária internacional baseada no dólar já fracassa em refletir os últimos desenvolvimentos da estrutura econômica global. Na ausência de um sistema monetário correspondente, a economia mundial está encontrando uma série de desafios e dilemas, induzidos pelas políticas conflitivas entre diferentes países em relação ao crescimento econômico, inflação, emprego e taxa de juros. Em resumo, a última crise financeira global é um ajuste inevitável das disparidades na distribuição dos juros globais e uma retificação de alguns problemas disparatados no processo da globalização.

Devido ao desequilíbrio da estrutura monetária global ter produzido um desequilíbrio nas contas correntes globais, tem havido fortes sinais da comunidade internacional por uma reforma do sistema monetário internacional, desde o início da crise financeira global. Seguindo a proposta da China de criar uma moeda super-soberana para as reservas internacionais, os países europeus, que estão diante da possibilidade da crise da dívida se alastrar, também clamaram pelo estabelecimento de uma moeda global, por meio de reformas do sistema monetário internacional, sob um mecanismo de consulta subordinado ao G20.

Considerando o alastramento internacional das críticas ao atual sistema monetário liderado pelo dólar, um sistema global diversificado permanece como uma boa opção para promover um desenvolvimento equilibrado e saudável da economia global.

O fim da hegemonia de décadas do dólar e a formação de um sistema multi-divisas, que inclua também o euro, o iene japonês e o iuane chinês, ajudará a economia global a se desenvolver em uma direção mais equilibrada.

O autor é pesquisador de economia do Centro Estatal de Informação.

Fonte: China Daily

Mulheres conduzem luta pelo meio ambiente

Um poderoso movimento social, destinado a proteger os recursos naturais e adaptar-se à mudança climática, apoia-se em mulheres que assumiram papeis de liderança nesta região costeira de El Salvador.

Por Dahr Jamail na Revista Forum

Um poderoso movimento social, destinado a proteger os recursos naturais e adaptar-se à mudança climática, apoia-se em mulheres que assumiram papeis de liderança nesta região costeira de El Salvador.

Cristina Reyes cumpre seu segundo período como presidente da junta diretora da comunidade Ciudad Romero, no departamento de Usulután, no Pacífico. O trabalho feito, motivo de sua reeleição, vai desde conseguir eletricidade, água potável e estradas até instalar serviços de combate à violência contra as mulheres. Antes desta fase de construção, sua vida e a de muitos na região pode ser contada como uma história épica de aventuras, sobrevivência e resistência.

Cristina e sua família tiveram que fugir de sua aldeia natal nos anos de violência política que desembocaram na guerra civil (1980-1992), que deixou cerca de 75 mil mortos. Escondendo-se com uma irmã na selva, fugindo dos militares que combatiam toda a oposição apoiados pelos Estados Unidos, Cristina buscou refúgio na vizinha Honduras. Contudo, “em 1980 tivemos de regressar porque os militares hondurenhos realizavam uma campanha de repressão contra a sociedade exatamente como a de El Salvador”, recorda Cristina. De volta ao seu país, “o Exército continuava com a mesma política”.

Cristina descreve ações brutais como o incêndio de casas, as prisões e a repressão contra sacerdotes católicos que defendiam os direitos humanos. O nome da que agora é sua comunidade é homenagem a um deles, o arcebispo Óscar Arnulfo Romero, assassinado em 1980 quando rezava a missa. “Ao voltar para casa não restava nada, nem um cachorro. Nos juntamos à guerrilha por causa dos massacres que presenciamos”, recorda.

Na época, diferentes grupos armados haviam se unificado na Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN). Cristina e sua irmã trabalhavam em uma emissora de rádio da insurgência e ajudavam as mulheres que haviam perdido seus maridos e filhos na guerra. Essas tarefas a levaram a somar-se a organizações de mulheres na capital e finalmente mudar-se para a região do baixo Rio Lempa, em Usulután, onde Ciudad Romero e outras comunidades se formaram pelos ex-combatentes e refugiados que voltavam ao país.

Hoje olha para frente. “Ajudamos a criar programas de alimentos e agora trabalhamos para melhorar o serviço elétrico. E temos plano de construir um hospital” afirma. Cristina faz parte de um movimento social que se aglutina na Coordenadoria do Baixo Lempa e Baía de Jiquilisco, uma coalizão de grupos de base que atuam em mais de cem comunidades desta região que a Unesco declarou em 2007 Reserva da Biosfera Xiriualtique Jiquilisco. Trata-se de uma planície costeira, banhada pelo Rio Lempa e margeada por mangues.

As juntas diretoras de cada comunidade, constituídas legalmente, são as encarregadas de tomar as decisões políticas. A Associação Mangue, que faz parte da Coordenadoria, funciona como resposta às frequentes crises causadas pela mudança climática: inundações e transbordamento de rios. O movimento social tenta fortalecer a agricultura sustentável e diversificada, a alimentação orgânica, a segurança alimentar e a adaptação às alterações do clima.

“Neste movimento as comunidades cuidam de seus próprios recursos”, explica à IPS Estela Hernández, que integra a junta diretora da Associação Mangue. “E, ao mesmo tempo, trabalhamos para que as políticas do novo governo nacional incluam nossas ações para conseguir a soberania alimentar, o manejo ambiental e hídrico e a tomada de decisões no plano local”, afirma Estela, entrevistada em seu escritório.

O novo governo nacional do qual fala Estela está nas mãos do FMLN, que deixou as armas após os acordos de paz de 1992 e, convertido no principal partido opositor, ganhou as eleições de 2009, levando a esquerda ao poder pela primeira vez neste pequeno país de seis milhões de habitantes.

Maria Elena Vigil, também dirigente da Associação Mangue, dedica-se a organizar a população afetada pelas operações da estatal Comissão Executiva Hidrelétricas do Rio Lempa (CEL), que administra quatro empresas. Na estação chuvosa, as descargas de água de uma delas, a 15 de Setembro, às vezes sem aviso, destruíam as plantações rio abaixo. Assim foram perdidos muitos cultivos, e “inclusive algumas vidas”, assegura. “As comunidades estão sumindo pela inundação. Assim, as estamos organizando contra as hidrelétricas”, completou Maria Elena.

Maria Elena também tem tempo para combater as práticas da indústria açucareira local, que aplica nos canaviais produtos agrotóxicos aos quais se atribui o aumento de doenças como a insuficiência renal. “Há mais doenças. O veneno cai dos aviões usados para aplicá-los e entra em nossa comida e nossa água, e inclusive atinge os mangues da costa”, descreve.

Dolores Esperanza Maravilla coloca sua capacidade de organização a serviço da resistência contra a CEL, a qual responsabiliza por agravar as inundações. “As hidrelétricas são responsáveis por isto. E há outras falhas como esta”, disse Dolores, apontando uma terraplenagem rachada pelas inundações de alguns meses atrás.

Ela foi uma das primeiras a chegar ao lugar quando a barreira cedeu, e usou as fotos que fez do desastre com seu telefone celular para exigir do Ministério da Agricultura que se fizesse presente na área e tomasse medidas. Além destes esforços, muitas mulheres salvadorenhas assumiram a tarefa de estudar, aproveitando um programa nacional de alfabetização.

Em um círculo de leitura e escrita organizado na aldeia de El Carmen, três mulheres resolvem problemas matemáticos com a conversão de divisas. “Esperamos muito por isto”, disse uma delas, María Concepción Ortillo. “A guerra nos impediu de estudar, a maioria de nós estava na guerrilha ou no Exército. Hoje estou feliz de estar aqui e que as mulheres possam avançar na sociedade”.

Para Cristina, um dos êxitos maiores é “a confiança que damos umas às outras e, sobretudo, como combinamos isto com a criação dos filhos”. Ela ajudou a construir um abrigo administrado por sua comunidade, que proporciona assistência psicológica e um mecanismo para que as mulheres possam denunciar de forma confidencial se sofrem violência doméstica ou abuso sexual e consigam ajuda.

Sua própria vida é um exemplo do papel relevante que as mulheres estão desempenhando na organização social da região. “Estamos em um lugar onde tentamos fazer mais pelas mulheres. Esperamos o futuro e mais trabalho como este”, disse.

Por Envolverde/IPS. Foto por http://www.flickr.com/photos/38076430@N05/.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

“Ninguém sabe como lidar com o crack”

Jairo Werner na Revista Fórum

 Para o psiquiatra e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Jairo Werner, um dos principais problemas em relação ao tratamento de usuários de crack no país é a falta de um protocolo de tratamento. Segundo ele, até mesmo o meio acadêmico enfrenta sérias dificuldades nesse aspecto. “Temos que evoluir muito o trabalho para chegar a um consenso”, pondera. Leia a entrevista abaixo: 

Por Thalita Pires


Fórum - O crack realmente causa mais dependência que outras drogas?

Jairo Werner - O crack causa dependência de forma similar a todas as outras drogas. A diferença é o tempo que esse processo leva. O crack chega mais rapidamente ao cérebro, o caminho da droga pelo pulmão é mais curto. Logo depois da tragada, o cérebro é “inundado” por neurotransmissores, mas não é isso que causa a dependência. A sensação é muito forte e isso faz com que a pessoa queira fumar outra vez, o mais rápido possível. Não gosto de falar isso porque posso ser mal-compreendido, mas a violência da sensação que o crack proporciona é da ordem de vários orgasmos. A pessoa não vai ter orgasmos fumando crack, mas a magnitude do efeito é semelhante. É por isso que o crack causa uma dependência mais rápida.

Fórum - Por que o crack é a escolha das crianças de rua, se o preço de um cigarro de maconha e de uma pedra de crack é semelhante?

Werner - A maconha relaxa, o crack estimula. Pessoas que não têm o que comer não vão fumar maconha, que além de relaxar dá mais fome, mas sim o crack, que faz com que todas as outras sensações sejam suplantadas.

Fórum - É possível dizer que o crack deixou de ser uma droga usada por moradores de rua e passou para a classe média?

Werner - Isso é um processo dinâmico. Não é porque a droga começou a ser usada principalmente por moradores de rua que isso não pode mudar. O tipo de usuário muda sim. Minha esperiência clínica mostra que a droga está chegando na classe média. Há dez anos não víamos dependentes de crack de classe média, hoje isso já acontece.

Fórum - Qual a sua opinião sobre o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, lançado no ano passado pelo governo federal?

Werner - Qualquer plano já é alguma coisa, já que antes não havia nada. Mas é bom lembrar que, na UERJ, denunciamos a existência do crack há cinco anos. Isso significa que essa iniciativa já chega atrasada. O problema é que o crack já está em uma dimensão muito maior do que qualquer plano.

Fórum – Dentro dele, quais seriam os pontos positivos? O texto enfatiza, por exemplo, a atuação de atores sociais como igrejas e líderes comunitários.

Werner - Sim, a participação social é importantíssima. Quando a comunidade que cerca o usuário está envolvida, é possível fornecer uma acolhida imediata. Isso é importante porque o usuário ou dependente não vai buscar ajuda no começo. Se isso acontecer, vai ser apenas quando sua situação chegar num nível muito perigoso. Então, essa é uma forma de buscar o usuário ativamente, e não apenas esperar que ele busque tratamento.

Fórum – E em relação à rede de atendimento ao usuário?

Werner - Temos um atendimento, hoje, que não é uma rede. Precisamos de equipamentos de saúde em todos os níveis, que sejam de fato integrados. Tudo tem que trabalhar junto, a educação, a saúde, a assistência social. Os municípios, no entanto, são muito setorizados, os secretários, em vez de colaborarem, brigam entre si. Esse é um problema que um plano federal pode ajudar a resolver.

Fórum – E quais as falhas, o que pode dar errado no Plano?

Werner - Tenho medo, por exemplo, de que se criem “cracolândias terapêuticas”, um depósito de viciados. Isso já se mostrou ineficaz. O crack é diferente de outras drogas. O problema é que não temos especialistas nem métodos reconhecidos para tratar os dependentes. Uma parte desses pacientes são crianças, mas ninguém sabe lidar com isso. Em resumo, ninguém sabe como lidar com o crack não há protocolo de tratamento e é nisso que devemos trabalhar.

Fórum – O meio acadêmico não pode ajudar a criar esse protocolo de tratamento?

Werner - A universidade também não sabe como lidar com isso. Temos que evoluir muito o trabalho para chegar a um consenso.

Fórum - O que impede a criação desse consenso?

Werner - Nossa discussão sobre drogas é muito ideologizada. Algumas pessoas querem segregar o usuário, tratá-lo separadamente e depois reintegrá-lo à sociedade. Isso já foi tentado e não funcionou. Outros acham que o problema da dependência é estritamente social, então o usuário deve ser deixado como está, pois sua situação só vai melhorar com uma mudança da sociedade. Esses dois extremos ficam debatendo e não chegamos a conclusão alguma.

Nos EUA, por exemplo, existe a Justiça Terapêutica. A pessoa deixa de ser processada por alguns crimes se aceitar o tratamento contra a dependência. Hoje isso jamais seria aceito no Brasil, por que há quem trate o usuário como criminoso. Aqui ou querem o autoritarismo ou a permissividade; ou as crianças ficam nas ruas ou vão para mini-Carandirus. Nenhuma dessas opções é a certa.

O que é ser de esquerda, hoje?

No final do século 19, ser de esquerda era lutar pelos direitos políticos e pelo sufrágio universal. Não mais que isso. Ao longo do século 20, outras bandeiras incorporaram-se ao (nosso) prontuário de lutas identitárias: as ações pelos direitos civis e sociais, contra o colonialismo e pela independência nacional, o combate à hegemonia imperial estadunidense, a equanimidade entre homens e mulheres, as afirmações étnicas, o respeito às diferenças, a integração dos países latino-americanos, a inversão de prioridades na administração pública e, ainda, a democracia participativa, cuja inspiração acha-se na máxima de Marx de que “a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”. A partir dos anos 70, surgiu a questão ecológica.
Luiz Marques no Sul21

A “modernidade” nasceu com o Renascimento, a Reforma e a conquista das Américas. Encerrou-se com os horrores das duas Guerras Mundiais. Começou então a gincana intelectual para achar uma expressão adequada à sociedade que sobreveio. “Pós-industrial”, arriscou-se nos anos 50. “Pós-moderna”, insinuou-se nos 80. “Era nova”, comemorou-se no auge da globalização teleguiada pelo capital financeiro, nos 90. Esses termos suscitaram discussões e confusões semânticas na academia e nos cafés, o que esvaziou o potencial analítico de cada um. Mas ajudaram a compreender a crise dos paradigmas modernos e suas negatividades intrínsecas.
Que paradigmas? 1) a economia de mercado, que acelerou a urbanização do ser humano, desembocando no neoliberalismo e na violência no cotidiano das metrópoles; 2) o progresso nas ciências e nas técnicas de manipulação da matéria não-viva (exploração da energia atômica) e viva (descoberta do DNA, práticas de clonagem), com desenlaces imprevisíveis, indo de uma possível hecatombe a servidões jamais imaginadas; 3) os esforços seculares da opinião pública para controlar o poder político, que não consideraram o fato de a mídia induzir em larga escala o juízo da cidadania, através da radiofonia, da televisão e dos jornais, que a propriedade cruzada agrava; 4) a conversão do indivíduo em vértice social e moral da sociedade, que não levou em conta que a massificação (heteronomia) corrói a livre consciência (autonomia) e; 5) a preeminência do eurocentrismo na avaliação de outras culturas, que conduziu ao colonialismo.
A lição a ser tirada, conforme o filósofo francês Pierre Fougeyrollas (A crise dos paradigmas modernos e o novo pensamento, 2007), remete a uma forma de pensar comprometida com a espécie e o planeta. “Cósmica”, para reintegrar a humanidade no cosmos. “Lúdica”, para estampar a criatividade poética e artística na abordagem do real. “Demiúrgica”, para apropriar-se do existente e promover uma recriação de tudo, com espírito ecumênico. “Interativa”, para subverter as hierarquias clássicas do conhecimento, conectando intuições e conceitos, ideias e imagens. Os eixos estratégicos do “novo pensamento” decorrem de um olhar realista sobre o presente.
Esse programa traduz a luta dos movimentos sociais e ambientalistas que reúnem-se nas edições do Fórum Social Mundial e, para 2012, já preparam um rol de intervenções visando a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que marcará duas décadas da Eco-92. O modelo de desenvolvimento ocidental (o modo de produção e de consumo), baseado na dominação da natureza, sem nenhum planejamento democrático, esgotou-se. Urge um mundo de fraternidade. Como pregou São Francisco de Assis, ao celebrar o Irmão Sol (Fratello Sole) e a Irmã Lua (Sorella Luna). Ou como indicou Marx, no terceiro volume d’O Capital, ao definir o socialismo como a sociedade onde “os produtores associados organizam racionalmente as suas trocas com a natureza”. No caso, a emotiva prece cristã e o prognóstico ateu coincidem.
Ecossocialismo
Publicado em 2002, o “Manifesto Ecossocialista Internacional” conjuga o socialismo e o ecologismo, de maneira orgânica. “Na nossa visão, as crises ecológicas e o colapso social estão relacionados e deveriam ser encarados como manifestações diferentes das mesmas forças estruturais”, lê-se no documento. Os desequilíbrios são o preço pago pela incontrolável dinâmica da acumulação, da ânsia de rentabilidade que não pode ser cancelada, da suposição de que os recursos naturais são infinitos, do ideal de enriquecimento pessoal. “Cresça ou morra”, é o lema do capitalismo. Seja “vencedor”, não “perdedor”, é o imperativo do mercado. No entanto, a lógica do produtivismo é insuportável. Orientada pelo valor de troca em detrimento do valor de uso, a produção ilimitada causa danos ambientais de proporções irreparáveis.
“Não se trata de opor os ‘maus’ capitalistas ecocidas aos ‘bons’ capitalistas verdes: é o próprio sistema, ancorado na concorrência impiedosa, nas exigências de lucro rápido, que é o destruidor do meio ambiente”, sublinha Michael Löwy. Sob certo aspecto, a falsa subdivisão apareceu no Protocolo de Kyoto (1997), que empregou dois mecanismos na tentativa de conter as emissões de carbono na atmosfera, o Cap and Trade: um teto máximo de emissões e um mercado de troca de títulos de direito de emissão de carbono no hemisfério Sul, para compensar a poluição provocada pelas nações industrializadas do Norte. Com o que o carbono atmosférico virou uma commodity. Forjado nas leis do mercado, o artifício para sensibilizar (a rigor, chantagear) o “empreendorismo” fracassou e as emissões aumentaram três vezes mais. A autonomização da economia não permite a sua subordinação a um controle social, político ou ético-ambiental.
O resultado é a profusão de bens desnecessários, e a escassez daqueles necessários às demandas sociais e ao equilíbrio ecológico. A política econômica capitalista é alinhavada por valores monetários. Não se rege por nenhuma consciência de espécie e tampouco planetária. Por isso, acarreta riscos iminentes para o futuro. “Se a primeira contradição do capitalismo se dá entre as forças produtivas e as relações de produção, a segunda ocorre entre as forças produtivas e as condições de produção (trabalhadores, espaço urbano, natureza)”, observou James O’Connor, editor da revista norte-americana Capitalism, Nature and Socialism. Hoje, não existe a contradição principal e a secundária, elas apresentam-se imbricadas. O ecossocialismo pugna em ambas as frentes.
O marxismo renovou-se ao encontrar a ecologia, a problemática de gênero e raça. Não se confirmou a assertiva de que suas categorias teóricas (os modos de produção e a formação econômico-social) seriam demasiado esquemáticas para apreender a sobreposição das esferas ideológica, política e econômica, e a articulação dos processos ecológicos, tecnológicos e culturais que constituem os suportes de sustentabilidade da produção. O marxismo revelou-se aberto às oposições não-classistas e comedido em relação à noção de “progresso”. Atento às forças destrutivas do capitalismo. Reside aí a contribuição do ecologismo à práxis marxista. Em contrapartida, os movimentos ecologistas que estenderam as mãos ao marxismo somaram, à denúncia do produtivismo, a percepção crítica sobre as estruturas sócio-econômicas que impulsionam a ganância.
Ecologia de mercado
Não raros, circunscrevem as mobilizações ecológicas aos temas pontuais, sem contextualizá-las em uma totalidade significativa. Apostam em um “capitalismo limpo”, que combine a “responsabilidade social”, apregoada pelos que elidiram do Estado a obrigação de políticas para erradicar a pobreza, e a “responsabilidade verde”, destacada com ridículas medalhas ao mérito para as empresas que adotam uma praça ou um canteiro de plantas. Abstêm-se de pressionar o aparelho estatal para que tome iniciativas em prol dos setores sociais desfavorecidos e do combalido meio ambiente. Propõem “ecotaxas” aos infratores da legalidade, se tanto. Preocupam-se com os “excessos”, não com o que rotiniza a predação. Tais inhapas são absorvidas pelo status quo, passando a impressão que a ameaça sobre a Terra (Gaia, no dizer de um pioneiro, José Lutzenberger) pode ser revertida com um marketing de “varejo”, prescindindo das políticas de “atacado”.
Se essa parcela de ativistas exprime um discernimento precário ao agir, o mesmo ocorre quando o movimento operário alia-se ao lobby da indústria automobilística para forçar vantagens fiscais. O automóvel, glamourizado e erotizado pela publicidade, é um símbolo do american way of life, da incitação ao consumo individual. Calcula-se que 45% do território de Los Angeles esteja reservado aos carros, incluindo a área viária e os estacionamentos. Em São Paulo, chega-se a algo em torno de 35%. Politicamente correto é investir no transporte coletivo de qualidade, em faixas segregadas para ônibus, trens de superfície, metrôs e bicicletas nas cidades para evitar os congestionamentos, bem como pleitear ferrovias para desafogo dos pesados caminhões de carga nas estradas, que engordam as estatísticas de acidentes com vítimas. Tragédias, aliás, que não se resolvem em mesas redondas com as associações de construtores de veículos automotivos e os consumidores para estudar os dispositivos de freios, o raiado dos pneus, etc. Resolvem-se com o participacionismo social, desde que este postule um outro modo de vida, sob um horizonte civilizacional que supere o fetichismo da mercadoria de rodas.
Os verdes tendem a abstrair da história a defesa ambiental, tecendo uma responsabilização genérica, como se um ascensorista de elevador tivesse idêntica parcela de envolvimento que o proprietário de uma fábrica de celulose. “A culpa é do homem”, são as manchetes jornalísticas nos cadernos especiais sobre a agenda do crescimento sustentável. Vale salientar, contudo, que os ambientalistas europeus fizeram a leitura correta das eleições presidenciais brasileiras. Declararam apoio a Dilma Rousseff, no segundo turno, para que “o voto libertário em Marina Silva paradoxalmente não se transformasse em uma catástrofe para as mulheres, para os direitos humanos e para os direitos da natureza… José Serra não é um socialdemocrata de centro… Por trás dele, a direita mobiliza o que há de pior… preconceitos sexistas, machistas e homofóbicos, junto com interesses econômicos escusos e míopes”. Entre os signatários, Dany Cohn Bendit (Alemanha), Alain Lipietz (França), Philippe Lamberts (Bélgica), Monica Frassoni (Itália).
O bom senso (que veio do frio) não contagiou Marina que, ao invés de dramatizar o momento em que decidia-se a continuidade do projeto representado pelo governo Lula (avanços sociais, participação cidadã, política externa soberana) ou a volta ao neoliberalismo (privatizações, desemprego, corrupção, submissão à Alca e aos EUA), optaram pela neutralidade. Com o que, dois terços dos eleitores do PV penderam para o candidato do atraso, sem um gesto sequer da dirigente-mor para impedir o deslizamento político. A pequenez tirou do partido o papel de educador das massas, despolitizou as escolhas e fez tábua rasa das duras batalhas contra as desigualdades sociais e regionais. Ao contrário de situar os verdes nativos como uma pretensa alternativa, o vergonhoso silêncio erigiu-os em tristes bengalas auxiliares da reação nas urnas.
Esquerda versus Direita
Anthony Giddens (Para além da esquerda e da direita, 1994), mentor da “Terceira Via”, tentou uma síntese superior entre o conservadorismo e o socialismo, os quais teriam sido abatidos pela marcha da globalização e a expansão da reflexividade social. O campo da política, assim, haveria se alterado e cedido terreno aos paradoxos do neoliberalismo. Sua sugestão para “repensar” o Welfare State (o Estado de bem-estar social) foi acolhida pelo primeiro-ministro britânico, e em nada diferenciou-se do receituário de Thatcher/Major. Tony Blair manteve a legislação que flexibilizava e desregulamentava o contrato de trabalho e, com cinismo, explicitou em um discurso a essência da Third Way: “flexibilização sim, mas com fair play”. O livro do sociólogo inglês mostra o quanto a esquerda desceu ao inferno no período, rendendo-se ao Consenso de Washington.
Coube a Norberto Bobbio (Direita e esquerda, 1994) defender a atualidade da díade política que remonta à Revolução Francesa. A esquerda teria como epicentro o valor da “igualdade” (as pessoas são mais iguais que desiguais, socialmente). A direita, o valor da “liberdade” (as pessoas são mais desiguais que iguais, naturalmente). A importância da reflexão, lançada numa época em que o capitalismo triunfante trombeteava o “fim das ideologias”, esteve em (re)legitimar a dualidade político-ideológica. O opúsculo do jurista italiano teve 200 mil exemplares vendidos e 19 traduções em um curto prazo. Como Fênix, o pássaro da mitologia grega, a esquerda renascia depois de assassinada pelas agências internacionais de notícias, que viram na queda do Muro de Berlim (1989) a domesticação da utopia e o desaparecimento da rebeldia e da esperança.
Mas o princípio da igualdade não exaure a conceituação sobre o que significa externar uma atitude anticapitalista. No final do século 19, ser de esquerda era lutar pelos direitos políticos e pelo sufrágio universal. Não mais que isso. Ao longo do século 20, outras bandeiras incorporaram-se ao (nosso) prontuário de lutas identitárias: as ações pelos direitos civis e sociais, contra o colonialismo e pela independência nacional, o combate à hegemonia imperial estadunidense, a equanimidade de gênero, as afirmações étnicas, o respeito às diferenças, a integração dos países latino-americanos, a inversão de prioridades na administração pública e, ainda, a democracia participativa, cuja inspiração acha-se condensada na máxima de que “a emancipação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores”. A partir dos anos 70, surgiu a questão ecológica.
O perfil da esquerda sofreu uma mutação com o tempo, abrindo um leque complexo de temáticas, antes, desapercebidas. Quem nunca mudou foi a burguesia continental, que sempre opôs-se à distribuição de renda, à desconcentração das terras e à socialização do poder político e econômico. Aquela, desde priscas eras, reitera uma contrariedade ao pagamento de impostos. Não porque sejam regressivos ou recolhidos com critérios tributários que penalizam as classes trabalhadoras. Mas porque, com a ascensão de governos democrático-populares na América Latina, os fundos públicos são redirecionados por políticas republicanas à dignificação da vida da população. “Prefiro ser essa metamorfose ambulante / Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”, cantava Raul Seixas. Isso, para preservar a coerência com a “justiça social” no enfrentamento à “ordem estabelecida”. Acrescente-se, no metafórico aniversário de 31 anos do PT.

Luiz Marques é professor de Ciência Política da Ufrgs