sexta-feira, 4 de março de 2011

Municípios estão “em alerta” por causa de redução de recursos devido a corte no Orçamento


Brasília – A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) divulgou estudo no qual aponta “preocupação” com a redução de recursos para os municípios, decorrente do corte de R$ 50 bilhões no Orçamento da União. O presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, destacou que os municípios “entraram em estado de alerta” e afirmou que espera que a presidenta Dilma Rousseff reveja a questão, “pois a situação vai ficar agravada com a previsão de queda nos repasses para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM)”.
Segundo Ziulkoski, a diminuição dos recursos do FPM vai ocorrer por causa da previsão de queda de R$ 18 bilhões de receitas líquidas em 2011. Há ainda a estimativa de redução da arrecadação do Imposto de Renda (IR), da ordem de R$ 3,1 bilhões, e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), de R$ 3,9 bilhões – os dois impostos compõem a receita do FPM. O estudo da confederação aponta uma perda de R$ 1,4 bilhão este ano. A estimativa inicial para o FPM em 2011 era de R$ 69,9 bilhões.
“Todos os gestores municipais montaram seus orçamentos com base no valor fixado para o FPM no Orçamento da União. Qualquer redução vai causar mais problemas para as já debilitadas finanças dos municípios”, enfatiza Paulo Ziulkoski.
Na questão dos restos a pagar, a CNM reclama que há dúvida quanto ao que será repassado para cada localidade, o que não ficou definido na medida do governo. Segundo a entidade, dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) mostram expressivos recursos inscritos em restos a pagar processados e não processados destinados aos municípios em muitos ministérios.
No quantitativo geral, os restos a pagar somavam R$ 128 bilhões no Orçamento, mas caíram para R$ 77 bilhões, com a redução de R$ 51 bilhões.
Paulo Ziulkoski disse esperar que o governo não cancele o que estava previsto para repasse aos municípios, “pois são recursos que envolvem compromissos já assumidos pelos gestores com suas comunidades e envolvem obras importantes aprovadas em orçamentos anteriores ao de 2011″.
O presidente da confederação de municípios afirma que muitos pagamentos relativos a obras em andamento ainda precisam ser feitos este ano. Segundo ele, há grande preocupação entre os gestores de que as obras fiquem sucateadas caso não sejam finalizadas.

Edição: Lílian Beraldo

quinta-feira, 3 de março de 2011

O socialismo segundo Einsten...

Porquê o Socialismo?

por Albert Einstein
Albert EinsteinSerá aconselhável para quem não é especialista em assuntos económicos e sociais exprimir opiniões sobre a questão do socialismo? Eu penso que sim, por uma série de razões.

Consideremos antes de mais a questão sob o ponto de vista do conhecimento científico. Poderá parecer que não há diferenças metodológicas essenciais entre a astronomia e a economia: os cientistas em ambos os campos tentam descobrir leis de aceitação geral para um grupo circunscrito de fenómenos de forma a tornar a interligação destes fenómenos tão claramente compreensível quanto possível. Mas, na realidade, estas diferenças metodológicas existem. A descoberta de leis gerais no campo da economia torna-se difícil pela circunstância de que os fenómenos económicos observados são frequentemente afectados por muitos factores que são muito difíceis de avaliar separadamente. Além disso, a experiência acumulada desde o início do chamado período civilizado da história humana tem sido – como é bem conhecido – largamente influenciada e limitada por causas que não são, de forma alguma, exclusivamente económicas por natureza. Por exemplo, a maior parte dos principais estados da história ficou a dever a sua existência à conquista. Os povos conquistadores estabeleceram-se, legal e economicamente, como a classe privilegiada do país conquistado. Monopolizaram as terras e nomearam um clero de entre as suas próprias fileiras. Os sacerdotes, que controlavam a educação, tornaram a divisão de classes da sociedade numa instituição permanente e criaram um sistema de valores segundo o qual as pessoas se têm guiado desde então, até grande medida de forma inconsciente, no seu comportamento social.

Mas a tradição histórica é, por assim dizer, coisa do passado; em lado nenhum ultrapassámos de facto o que Thorstein Veblen chamou de “fase predatória” do desenvolvimento humano. Os factos económicos observáveis pertencem a essa fase e mesmo as leis que podemos deduzir a partir deles não são aplicáveis a outras fases. Uma vez que o verdadeiro objectivo do socialismo é precisamente ultrapassar e ir além da fase predatória do desenvolvimento humano, a ciência económica no seu actual estado não consegue dar grandes esclarecimentos sobre a sociedade socialista do futuro.

Segundo, o socialismo é dirigido para um fim sócio-ético. A ciência, contudo, não pode criar fins e, muito menos, incuti-los nos seres humanos; quando muito, a ciência pode fornecer os meios para atingir determinados fins. Mas os próprios fins são concebidos por personalidades com ideais éticos elevados e – se estes ideais não nascerem já votados ao insucesso, mas forem vitais e vigorosos – adoptados e transportados por aqueles muitos seres humanos que, semi-inconscientemente, determinam a evolução lenta da sociedade.

Por estas razões, devemos precaver-nos para não sobrestimarmos a ciência e os métodos científicos quando se trata de problemas humanos; e não devemos assumir que os peritos são os únicos que têm o direito a expressarem-se sobre questões que afectam a organização da sociedade.

Inúmeras vozes afirmam desde há algum tempo que a sociedade humana está a passar por uma crise, que a sua estabilidade foi gravemente abalada. É característico desta situação que os indivíduos se sintam indiferentes ou mesmo hostis em relação ao grupo, pequeno ou grande, a que pertencem. Para ilustrar o meu pensamento, permitam-me que exponha aqui uma experiência pessoal. Falei recentemente com um homem inteligente e cordial sobre a ameaça de outra guerra, que, na minha opinião, colocaria em sério risco a existência da humanidade, e comentei que só uma organização supra-nacional ofereceria protecção contra esse perigo. Imediatamente o meu visitante, muito calma e friamente, disse-me: “Porque se opõe tão profundamente ao desaparecimento da raça humana?”

Tenho a certeza de que há tão pouco tempo como um século atrás ninguém teria feito uma afirmação deste tipo de forma tão leve. É a afirmação de um homem que tentou em vão atingir um equilíbrio interior e que perdeu mais ou menos a esperança de ser bem sucedido. É a expressão de uma solidão e isolamento dolorosos de que sofre tanta gente hoje em dia. Qual é a causa? Haverá uma saída?

É fácil levantar estas questões, mas é difícil responder-lhes com um certo grau de segurança. No entanto, devo tentar o melhor que posso, embora esteja consciente do facto de que os nossos sentimentos e esforços são muitas vezes contraditórios e obscuros e que não podem ser expressos em fórmulas fáceis e simples.

O homem é, simultaneamente, um ser solitário e um ser social. Enquanto ser solitário, tenta proteger a sua própria existência e a daqueles que lhe são próximos, satisfazer os seus desejos pessoais, e desenvolver as suas capacidades inatas. Enquanto ser social, procura ganhar o reconhecimento e afeição dos seus semelhantess, partilhar os seus prazeres, confortá-los nas suas tristezas e melhorar as suas condições de vida. Apenas a existência destes esforços diversos e frequentemente conflituosos respondem pelo carácter especial de um ser humano, e a sua combinação específica determina até que ponto um indivíduo pode atingir um equilíbrio interior e pode contribuir para o bem-estar da sociedade. É perfeitamente possível que a força relativa destes dois impulsos seja, no essencial, fixada por herança. Mas a personalidae que finalmente emerge é largamente formada pelo ambinte em que um indivíduo acaba por se descobrir a si próprio durante o seu desenvolvimento, pela estrutura da sociedade em que cresce, pela tradição dessa sociedade, e pelo apreço por determinados tipos de comportamento. O conceito abstracto de “sociedade” significa para o ser humano individual o conjunto das suas relações directas e indirectas com os seus contemporâneos e com todas as pessoas de gerações anteriores. O indíviduo é capaz de pensar, sentir, lutar e trabalhar sozinho, mas depende tanto da sociedade – na sua existência física, intelectual e emocional – que é impossível pensar nele, ou compreendê-lo, fora da estrutura da sociedade. É a “sociedade” que lhe fornece comida, roupa, casa, instrumentos de trabalho, língua, formas de pensamento, e a maior parte do conteúdo do pensamento; a sua vida foi tornada possível através do trabalho e da concretização dos muitos milhões passados e presentes que estão todos escondidos atrás da pequena palavra “sociedade”.

É evidente, portanto, que a dependência do indivíduo em relação à sociedade é um facto da natureza que não pode ser abolido – tal como no caso das formigas e das abelhas. No entanto, enquanto todo o processo de vida das formigas e abelhas é reduzido ao mais pequeno pormenor por instintos hereditários rígidos, o padrão social e as interrelações dos seres humanos são muito variáveis e susceptíveis de mudança. A memória, a capacidade de fazer novas combinações, o dom da comunicação oral tornaram possíveis os desenvolvimentos entre os seres humanos que não são ditados por necessidades biológicas. Estes desenvolvimentos manifestam-se nas tradições, instituições e organizações; na literatura; nas obras científicas e de engenharia; nas obras de arte. Isto explica a forma como, num determinado sentido, o homem pode influenciar a sua vida através da sua própria conduta, e como neste processo o pensamento e a vontade conscientes podem desempenhar um papel.

O homem adquire à nascença, através da hereditariedade, uma constituição biológica que devemos considerar fixa ou inalterável, incluindo os desejos naturais que são característicos da espécie humana. Além disso, durante a sua vida, adquire uma constituição cultural que adopta da sociedade através da comunicação e através de muitos outros tipos de influências. É esta constituição cultural que, com a passagem do tempo, está sujeita à mudança e que determina, em larga medida, a relação entre o indivíduo e a sociedade. A antropologia moderna ensina-nos, através da investigação comparativa das chamadas culturas primitivas, que o comportamento social dos seres humanos pode divergir grandemente, dependendo dos padrões culturais dominantes e dos tipos de organização que predominam na sociedade. É nisto que aqueles que lutam por melhorar a sorte do homem podem fundamentar as suas esperanças: os seres humanos não estão condenados, devido à sua constituição biológica, a exterminarem-se uns aos outros ou a ficarem à mercê de um destino cruel e auto-infligido.

Se nos interrogarmos sobre como deveria mudar a estrutura da sociedade e a atitude cultural do homem para tornar a vida humana o mais satisfatória possível, devemos estar permanentemente conscientes do facto de que há determinadas condições que não podemos alterar. Como mencionado anteriormente, a natureza biológica do homem, para todos os objectivos práticos, não está sujeita à mudança. Além disso, os desenvolvimentos tecnológicos e demográficos dos últimos séculos criaram condições que vieram para ficar. Em populações com fixação relativamente densa e com bens indispensáveis à sua existência continuada, é absolutamente necessário haver uma extrema divisão do trabalho e um aparelho produtivo altamente centralizado. Já lá vai o tempo – que, olhando para trás, parece ser idílico – em que os indivíduos ou grupos relativamente pequenos podiam ser completamente auto-suficientes. É apenas um pequeno exagero dizer-se que a humanidade constitui, mesmo actualmente, uma comunidade planetária de produção e consumo.

Cheguei agora ao ponto em que vou indicar sucintamente o que para mim constitui a essência da crise do nosso tempo. Diz respeito à relação do indivíduo com a sociedade. O indivíduo tornou-se mais consciente do que nunca da sua dependência relativamente à sociedade. Mas ele não sente esta dependência como um bem positivo, como um laço orgânico, como uma força protectora, mas mesmo como uma ameaça aos seus direitos naturais, ou ainda à sua existência económica. Além disso, a sua posição na sociedade é tal que os impulsos egotistas da sua composição estão constantemente a ser acentuados, enquanto os seus impulsos sociais, que são por natureza mais fracos, se deterioram progressivamente. Todos os seres humanos, seja qual for a sua posição na sociedade, sofrem este processo de deterioração. Inconscientemente prisioneiros do seu próprio egotismo, sentem-se inseguros, sós, e privados do gozo naïve, simples e não sofisticado da vida. O homem pode encontrar sentido na vida, curta e perigosa como é, apenas dedicando-se à sociedade.

A anarquia económica da sociedade capitalista como existe actualmente é, na minha opinião, a verdadeira origem do mal. Vemos perante nós uma enorme comunidade de produtores cujos membros lutam incessantemente para despojar os outros dos frutos do seu trabalho colectivo – não pela força, mas, em geral, em conformidade com as regras legalmente estabelecidas. A este respeito, é importante compreender que os meios de produção – ou seja, toda a capacidade produtiva que é necessária para produzir bens de consumo bem como bens de equipamento adicionais – podem ser legalmente, e na sua maior parte são, propriedade privada de indivíduos.

Para simplificar, no debate que se segue, chamo “trabalhadores” a todos aqueles que não partilham a posse dos meios de produção – embora isto não corresponda exactamente à utilização habitual do termo. O detentor dos meios de produção está em posição de comprar a mão-de-obra. Ao utilizar os meios de produção, o trabalhador produz novos bens que se tornam propriedade do capitalista. A questão essencial deste processo é a relação entre o que o trabalhador produz e o que recebe, ambos medidos em termos de valor real. Na medida em que o contrato de trabalho é “livre”, o que o trabalhador recebe é determinado não pelo valor real dos bens que produz, mas pelas suas necessidades mínimas e pelas exigências dos capitalistas para a mão-de-obra em relação ao número de trabalhadores que concorrem aos empregos. É importante compreender que, mesmo em teoria, o pagamento do trabalhador não é determinado pelo valor do seu produto.

O capital privado tende a concentrar-se em poucas mãos, em parte por causa da concorrência entre os capitalistas e em parte porque o desenvolvimento tecnológico e a crescente divisão do trabalho encorajam a formação de unidades de produção maiores à custa de outras mais pequenas. O resultado destes desenvolvimentos é uma oligarquia de capital privado cujo enorme poder não pode ser eficazmente controlado mesmo por uma sociedade política democraticamente organizada. Isto é verdade, uma vez que os membros dos órgãos legislativos são escolhidos pelos partidos políticos, largamente financiados ou influenciados pelos capitalistas privados que, para todos os efeitos práticos, separam o eleitorado da legislatura. A consequência é que os representantes do povo não protegem suficientemente os interesses das secções sub-privilegidas da população. Além disso, nas condições existentes, os capitalistas privados controlam inevitavelmente, directa ou indirectamente, as principais fontes de informação (imprensa, rádio, educação). É assim extremamente difícil e mesmo, na maior parte dos casos, completamente impossível, para o cidadão individual, chegar a conclusões objectivas e utilizar inteligentemente os seus direitos políticos.

Assim, a situação predominante numa economia baseada na propriedade privada do capital caracteriza-se por dois principais princípios: primeiro, os meios de produção (capital) são privados e os detentores utilizam-nos como acham adequado; segundo, o contrato de trabalho é livre. Claro que não há tal coisa como uma sociedade capitalista pura neste sentido. É de notar, em particular, que os trabalhadores, através de longas e duras lutas políticas, conseguiram garantir uma forma algo melhorada do “contrato de trabalho livre” para determinadas categorias de trabalhadores. Mas tomada no seu conjunto, a economia actual não difere muito do capitalismo “puro”.

A produção é feita para o lucro e não para o uso. Não há nenhuma disposição em que todos os que possam e queiram trabalhar estejam sempre em posição de encontrar emprego; existe quase sempre um “exército de desempregados. O trabalhador está constantemente com medo de perder o seu emprego. Uma vez que os desempregados e os trabalhadores mal pagos não fornecem um mercado rentável, a produção de bens de consumo é restrita e tem como consequência a miséria. O progresso tecnológico resulta frequentemente em mais desemprego e não no alívio do fardo da carga de trabalho para todos. O motivo lucro, em conjunto com a concorrência entre capitalistas, é responsável por uma instabilidade na acumulação e utilização do capital que conduz a depressões cada vez mais graves. A concorrência sem limites conduz a um enorme desperdício do trabalho e a esse enfraquecimento consciência social dos indivíduos que mencionei anteriormente.

Considero este enfraquecimento dos indivíduos como o pior mal do capitalismo. Todo o nosso sistema educativo sofre deste mal. É incutida uma atitude exageradamente competitiva no aluno, que é formado para venerar o sucesso de aquisição como preparação para a sua futura carreira.

Estou convencido que só há uma forma de eliminar estes sérios males, nomeadamente através da constituição de uma economia socialista, acompanhada por um sistema educativo orientado para objectivos sociais. Nesta economia, os meios de produção são detidos pela própria sociedade e são utilizados de forma planeada. Uma economia planeada, que adeque a produção às necessidades da comunidade, distribuiria o trabalho a ser feito entre aqueles que podem trabalhar e garantiria o sustento a todos os homens, mulheres e crianças. A educação do indivíduo, além de promover as suas próprias capacidades inatas, tentaria desenvolver nele um sentido de responsabilidade pelo seu semelhante em vez da glorificação do poder e do sucesso na nossa actual sociedade.

No entanto, é necessário lembrar que uma economia planeada não é ainda o socialismo. Uma tal economia planeada pode ser acompanhada pela completa opressão do indivíduo. A concretização do socialismo exige a solução de problemas socio-políticos extremamente difíceis; como é possível, perante a centralização de longo alcance do poder económico e político, evitar a burocracia de se tornar toda-poderosa e vangloriosa? Como podem ser protegidos os direitos do indivíduo e com isso assegurar-se um contrapeso democrático ao poder da burocracia?

A clareza sobre os objectivos e problemas do socialismo é da maior importância na nossa época de transição. Visto que, nas actuais circunstâncias, a discussão livre e sem entraves destes problemas surge sob um tabu poderoso, considero a fundação desta revista como um serviço público importante.
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Einstein escreveu este trabalho especialmente para o lançamento da Monthly Review , cujo primeiro número foi publicado em Maio de 1949. Tradução de Anabela Magalhães. 

O original deste artigo encontra-se em http://www.monthlyreview.org/598einst.htm .

Este artigo encontra-se em http://resistir.info


Créditos: Arqueologia das Urgências

Lula, como conferencista, lidera ranking dos maiores salários


Lula tem vasta experiência em falar para o público
Lula tem vasta experiência em falar para o público

O ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva estreou, nesta quarta-feira, em sua nova atividade profissional: conferencista. Ele realizou uma exposição para executivos da área de telecomunicações, na capital paulista, e já ocupa o primeiro lugar no ranking dos palestrantes mais bem remunerados do país. O cachê do líder petista é de R$ 200 mil para a participação no circuito nacional de exposições, simpósios e eventos afins.
Lula participa da 7ª edição do LG Digital Experience, e realizará uma conferência sobre as perspectivas para a economia brasileira para 2011, sob o aspecto macroeconômico. A palestra vai durar cerca de 40 minutos e será restrita a convidados da empresa coreana, de acordo com a assessoria de imprensa da LG. Por este evento, Lula receberá um cachê pela apresentação, mas a companhia não revela o valor. A assessoria do ex-presidente da República confirmou sua presença no evento, mas também preferiu não comentar sobre o os valores acertados com os contratantes. Diretor do futuro Instituto Lula, Paulo Okamoto apenas situou a faixa dos recursos destinados à participação de um “líder global, respeitado em todo o mundo”.
– Lula é uma figura global, tem muita credibilidade. Ele vai contar sua experiência e trabalhar a autoestima do pessoal – afirmou a jornalistas.
Ainda segundo Okamoto, que acompanha a trajetória do líder sindical desde os anos 70, já existem palestras marcadas no exterior, contratadas por valores mais altos do que o desta quinta-feira.
– Temos sido procurados por empresas que querem animar os vendedores, se posicionar no mercado e ouvir o que o Lula tem a dizer, como está vendo as coisas. Esse é o papel de um líder, animar as coisas. Lula ajudou os brasileiros e ainda tem muito a contribuir com as causas da paz e da democracia. Ele quer elevar a autoestima do país – disse.
Após a palestra, o ex-presidente, acompanhado de executivos, circulará pelo show room montado pela LG no Expo Transamérica, na Zona Sul da capital paulista, que reunirá 700 produtos que serão lançados pela companhia no Brasil este ano. A maior atração é um aparelho celular 3D que começará a ser vendido em abril. Após conhecer os produtos, Lula participará de um jantar com clientes da empresa.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Indígenas são explorados em condições degradantes

Fiscalização flagrou 16 índios Terena na Fazenda Vargem Grande, que pertence à Agropecuária Rio Miranda Ltda e fica em Miranda (MS)




Bianca Pyl
Repórter Brasil

Um grupo de 16 índios foi encontrado em situação análoga à escravidão na Fazenda Vargem Grande, que pertence à Agropecuária Rio Miranda Ltda e fica em Miranda (MS). Os trabalhadores eram responsáveis pela limpeza de área destinada à formação de pastos para criação de gado bovino.

Os indígenas são da etnia Terena e vivem na Aldeia Lalima, em Miranda (MS), a 10 km da propriedade. A ação ocorreu em 25 de janeiro deste ano e contou com a participação do Ministério Público do Trabalho (MPT), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e da Polícia Federal (PF).

A equipe de fiscalização fazia uma operação de rotina para verificar as condições de trabalho em carvoarias, iniciada no último dia 24 de janeiro. Contudo, no meio do caminho que dava acesso a uma carvoaria que seria fiscalizada, os agentes públicos encontraram os 16 indígenas. As vítimas foram contratadas diretamente pela administradora da fazenda.

Os indígenas estavam há 15 dias no local e dormiam em barracos feitos de lona e cobertos com folha de bacuri (espécie de palha). Eles receberiam por produção e foram recrutados para trabalhar por 45 dias.

Não havia fornecimento de água potável às vítimas, que utilizavam água de um córrego para consumir e tomar banho. Não havia instalações sanitárias no local. Durante a execução dos serviços, os empregados não utilizavam nenhum equipamento de proteção individual (EPI). Os próprios trabalhadores preparavam as refeições em um fogão a lenha improvisado.

O local foi interditado. E, segundo Antonio Maria Parron, auditor fiscal do trabalho que coordena a fiscalização rural da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Mato Grosso do Sul (SRTE/MS), os próprios trabalhadores acabaram destruindo as barracas.

Tanto o auditor fiscal Antonio como o procurador do trabalho Rafael Salgado, que atua em Corumbá (MS) e também esteve na área, os trabalhadores manifestaram a intenção de seguir realizando o serviço. Diante disso, a opção, como explica Rafael, foi pela "empregabilidade".

"Não é comum não realizar o resgate. Contudo, achamos que essa era a melhor solução para o caso, pois a aldeia fica muito próxima da fazenda e os indígenas poderiam voltar a trabalhar escondido no local", complementa Antonio. Segundo ele, as Carteiras de Trabalho e da Previdência Social (CTPS) dos 14 empregados que quiseram continuar trabalhando foram assinadas com data retroativa (início do trabalho) e a empresa contratante também providenciou um ônibus para transportar os empregados diariamente.

A sócia-administradora da fazenda, Ana Paula Nunes da Cunha, firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), no dia 31 de janeiro, na sede do MPT em Corumbá (MS), por meio do qual se compromete a pagar multa de R$ 5 mil por cláusula descumprida e por trabalhador prejudicado

Se a empresa cumprir as cláusulas quanto ao oferecimento de água potável, áreas de vivência adequadas e EPIs, poderá funcionar sem a construção de novos alojamentos - desde que ofereça, sem custo para os empregados, condução ao local de trabalho e de volta à aldeia.

Foram lavrados, ao todo, oito autos de infração em relação às irregularidades encontradas. Para checar in loco se as irregularidades foram sanadas, o MPT solicitou ao MTE que nova fiscalização ocorra em 30 dias.

O proprietário Rubens Nunes da Cunha disse à reportagem que essa foi a primeira vez que tiveram problemas porque, antes do episódio em questão, nunca deixaram os trabalhadores alojados no empreendimento rural.

"A fazenda é nossa desde 1939. Nunca tivemos problemas. Nossos trabalhadores permanentes são registrados. E, quando precisávamos de temporário, fazíamos um contrato simples. Já regularizamos a situação", adiciona Rubens. "Vamos utilizar mais maquinário e menos recursos humanos".

Fotos: MPT

VIAJANDO PELA HISTÓRIA RUSSA: DEZEMBRISTAS , ANARQUISTAS , TERRORISTAS E MOVIMENTOS REVOLUCIONÁRIOS

 
Extraido do Blog da Milu
 
Por causa da vitória bolchevique em 1917, normalmente, o marxismo é visto como o motor do movimento revolucionário russo, ou - pelo menos, como uma manifestação isolada deste movimento. No entanto, o caráter autocrático da monarquia russa acarretou, não raras vezes, uma oposição de cunho revolucionário, mesmo quando formada por liberais ou socialistas moderados. Foi exatamente assim com o movimento conhecido como  dezembrista" (palavra do russo "dekabrist") e com o anarquismo, de diversos tipos, principal tendência do país no século XIX e com a revolução de 1.905.

O movimento dos Dezembristas foi uma revolta contra a Rússia Imperial por parte de um grupo de jovens oficiais do exército. O nome dezembristas se deve à data do levante: 26 de dezembro de 1825. Tudo estava planejado para o verão de 1826, mas a ação teve que se precipitar em virtude da morte do Tzar Aleksandr I (avô do último tzar e responsável pela vitória da Rússia sobre Napoleão), morte esta que nunca se soube ao certo como se deu e se realmente aconteceu. A versão oficial é de que ele teve morte súbita, em Taganrog, Criméia, devido a febres de causa desconhecida. Houve a suspeita de que tudo não passou de fingimento. Mais tarde, um eremita errante, de nome Fiodor Kuzmitch, foi considerado como sendo o falecido Tzar.

Aleksandr I
Kuzminitch
Se Kuzminitch era ou não o Tzar, o certo é que sua figura se tornou lendária, dando material para enriquecer ainda mais a literatura russa. Mas a morte ou o desaparecimento do monarca gerou insatisfação, em virtude da escolha de seu sucessor: Aleksandr não tinha descendentes e, segundo a lei de sucessão, o trono deveria passar para seu irmão, Constantino, que havia renunciado a este direito alguns anos antes. Ocuparia o trono, então, o irmão mais novo, Nikolai, cuja ascensão ficou marcada para o dia 26 de dezembro. O novo monarca era muito severo e conservador, o que desagradou aos intelectuais da nobreza e aos militares.Reuniram cerca de três mil soldados, em prol de uma Constituição e do fim do regime de servidão. Não passou disto, apesar de seus planos já terem sido preparados há algum tempo e de suas raízes existirem há, pelo menos, uma década. A rebelião foi esmagada, muitos dos dezembristas foram  mortos, presos ou enviados para trabalhos forçados na Sibéria ou no Cáucaso.Apesar do fracasso, eles foram os primeiros revolucionários a se colocar abertamente contra a autocracia.


A situação ficou calma por alguns anos, até começarem os movimentos anarquistas, cujo  maior  expoente foi Mikhail  Bakunin (1814-1876), que a meu ver foi o maior dos anarquistas, tendo alcançado grande fama no exterior, após um período de prisão (1851/57). Inicialmente hegeliano, ele passou a repudiar toda a religião e escravidão explícitas  na autoridade instituída, apoiando o "sagrado instinto da revolta".
Bakunin
auto-retrato(1829)

Bakunin foi sucedido por Piotr Kropotkin (1842-1921), que dotou o anarquismo de um conteúdo mais intelectual (foto abaixo).
 Ambos, de maneira surpreendente, foram super respeitados na URSS.Aliás, a elite educada da Rússia tratava tanto a Bakunin, como a outros teóricos como celebridades, sendo tolerante para com o terrorismo, o que influenciou na absolvição de Vera Zassulich, escritora e terrorista que atirou e feriu um  um  governador militar em São Petersburgo, no ano de 1881.Conta a crônica a este respeito que
"sua simpatia, sua modéstia, seu ar ingênuo e sua sinceridade conquistaram o júri, apesar de um crime como o cometido por ela acarretar, em casos semelhantes, uma pena de detenção entre 10 e 20 anos".
 Vera
vítima de Vera
As peculiaridades sociais da Rússia, notadamente a comuna camponesa de ajuda mútua, faziam com que o anarquismo se combinasse facilmente ao populismo dominante do sec.XIX. A política tinha tendência  a polarizar-se e os revolucionários recorriam cada vez mais ao terrorismo (situação muito bem mostrada por Dostoievski em "Os Demônios"), o que levou ao assassinato do Tzar Aleksandr II (pai do último Tzar), em 1881. Este tzar foi assassinado, malgrado suas inúmeras reformas  e modernização do país e, principalmente, sua alcunha de " o libertador", pelo fato de ter libertado mais de vinte milhões de pessoas que viviam sob o regime de servidão. Apesar destes aspectos positivos, usou de muita repressão, o que explica a revolta contra ele.

Aleksandr foi morto por uma bomba atirada contra ele por um terrorista isolado. Morreu exatamente no dia em que iria finalizar a proclamação de suas  reformas sociais - dia primeiro de dezembro de 1826.

Depois de um certo intervalo, a oposição larga os meios terroristas e passa a ser liderada pelos metódicos marxistas que, antes da revolução de 17, fizeram a de 1905, com o famoso "domingo sangrento". A crise política já estava instalada no país há mais tempos. Houve a libertação dos servos, a Rússia progredia, passando do feudalismo para o capitalismo, mas cheia de contradições. As classes abastadas e o imperador insistiam na manutenção da autocracia e do absolutismo; os antigos servos e os novos operários da nascente indústria viviam na miséria e, para piorar tudo, veio a derrota na guerra russo-japonesa. Foi  o estopim para o movimento de 1905.
Manifestantes em direção ao Palácio de Inverno
1905
O resultado do movimento foi o Manifesto de Outubro, através do qual, o tzar cedia um pouco de seus poderes à DUMA, cuja criação foi permitida, assim como permitiu, também, a existência de partidos políticos. Mas, como é sabido, a autocracia continuou e o resultado foi a Revolução Bolchevique, o que é matéria para outro post.
Por hoje é só.
Texto redigido com base na seguinte bibliografia:
-Rússia, vol.1 - Edições Del Prado
-http://www.megabook.ru/Article.asp?AID=628313
http://www.bibliotekar.ru/istoriya/208.htm
http://miud.in/osH
http://osten-sacken.h1.ru/text3_03_01.htm

velha chantagem

  Gilvan Rocha no Correio da Cidadania   
 
No processo de consolidação do stalinismo na Rússia soviética, usou-se de forma abusiva da chantagem. Todo aquele que se opusesse, criticasse, censurasse de forma justa ou injusta era apontado como "inimigo do povo". Por conta dessa acusação o individuo ou grupo estava sujeito aos mais violentos castigos, que iam do ostracismo nos campos de concentração até a execução sumária.
 
Já em 1921, levou-se a cabo uma grande calúnia, quando os operários insurretos do Soviete de Kronstadt foram apresentados como "inimigos do povo" e por conta de tal acusação mentirosa foram alvo dos canhões do senhor Leon Trotsky, com pleno apoio de Vladimir Lênin.
 
Durante esses noventa anos de hegemonia stalinista a chantagem funcionou e continua funcionando como elemento de repressão a qualquer manifestação de dissidência, e os trotskistas foram o contingente político que mais sofreu tal chantagem - por ironia da história, e ela está repleta de ironias.
 
Os grupos trotskistas, assim como o próprio Trotsky, usaram e usam abusivamente desse expediente para inibir qualquer divergência, qualquer quebra do velho monolitismo imposto no X Congresso do Partido Comunista Russo, em 1921. Na tentativa de fugir dessa vil chantagem, Leon Trotsky, ainda na URSS, organizou tardiamente seu grupo político com o nome de Oposição de Esquerda, na vã tentativa de fugir da acusação de serem eles, os trotskistas, considerados inimigos do povo.
 
De forma branda, porém, com as mesmas características, comporta-se a esquerda direitosa formada pelo PT, PSB e PC do B, hoje, em relação ao governo PT-PMDB.
 
Fazer oposição a esse governo, que representa a fina flor da escória da política fisiológica no Brasil, é correr o risco de ser acusado de estar fazendo o jogo da direita, como se não fossem eles, PT, PSB, PC do B, em conluio com o PMDB e assemelhados, autênticos representantes da direita, na medida em que, além do fisiologismo, praticam a política de manutenção do sistema capitalista.
 
Hoje é a velha esquerda direitosa que faz a chantagem, mas não devemos nos intimidar.
 
Gilvan Rocha é membro do Centro de Atividades e Estudos Políticos – CAEP.

A Política da Fome


Luis Hernández Navarro*

Luis Hernández Navarro 
Apesar de o Fundo para a Agricultura e Alimentação (FAO) reconhecer que “cada ano são produzidos alimentos suficientes para dar de comer a 12 mil milhões de pessoas, isto é, o dobro dos habitantes do planeta,” a multidão de famintos no mundo multiplica-se todos os anos, devido ao controlo mundial dos principais alimentos por meia dúzia de transnacionais.

Os preços dos alimentos no mundo atingiram níveis recorde. A fome cresce. Os protestos também. As revoltas no mundo árabe têm como uma das causas a ira contra o incremento no custo dos alimentos. Com os preços altos e instáveis dos cereais pelo menos até 2015, o descontentamento alargar-se-á a outras regiões do planeta.
Mais de 60 milhões de pessoas passam fome no mundo. Sessenta por cento são mulheres. Cada dia morrem por falta de alimentação suficiente, segundo dados da Organização das Nações Unidas, 24.000 pessoas. Na América Latina a falta de comida afecta 52,4 milhões de pessoas.
As mortes não têm a sua origem na escassez de comida, mas na pobreza e na desigualdade.
De acordo com o Fundo para a Agricultura e Alimentação (FAO), cada ano são produzidos alimentos suficientes para dar de comer a 12 mil milhões de pessoas, isto é, o dobro dos habitantes do planeta, No entanto, milhões de seres humanos não podem adquiri-los porque não têm recursos para isso.
Além da morte, a desnutrição crónica também provoca um crescimento deficiente, incapacidades visuais, esgotamento, e propensão para o aparecimento de doenças. As pessoas com desnutrição grave são incapazes de trabalhar sequer a um nível básico.
Ironicamente, mil milhões de pessoas no mundo sofrem de excesso de peso. Em 2015 esse número crescerá 50 por cento. Cerca de 300 milhões são clinicamente obesas. Cada ano morrem 2,6 milhões de pessoas por excesso de peso ou por obesidade. O mal atingiu proporções endémicas à escala mundial. Longe de diminuir, cresce.
Alguma coisa deve estar muito mal no sistema alimentar mundial quando um terço da população sofre graves problemas alimentares, seja por escassez de comida ou por uma deficiente alimentação.
Esta distorção provém, em grane parte, da forma como se produzem, distribuem e consomem os alimentos. A agricultura industrializada e a monopolização dos mercados, o uso intensivo de maquinaria e água, a utilização de sementes híbridas patenteadas em detrimento das nativas, a aplicação de agro-quimicos e a prática do monocultivo criaram um monstro. Esse monstro tem na produção industrializada de milho, de soja e carne de vaca três dos seus principais esteios. Se durante muitos anos se confrontaram as civilizações do trigo, do arroz e do milho, hoje é esmagadora a expansão das sementeiras de milho e soja, muitas com base em sementes geneticamente modificadas.
O preço do milho nos Estados Unidos duplicou nos últimos seis meses. Aumentará ainda mais no próximo ano em resultado da especulação financeira, da queda dos stocks e da sua utilização no fabrico de biocombustíveis. O nosso vizinho do norte [EUA] é o principal produtor e exportador de cereal do mundo, e o nosso principal abastecedor. O que acontece dentro da sua fronteira agrícola tem repercussões nos mercados mundiais e afecta-nos a todos.
As reservas de grãos em Washington encontram-se ao nível mais baixo dos últimos 15 anos. A exigência crescente de cereal para a produção de etanol é a causa principal desta diminuição. Para fazer cinco litros de biocombustível são preciso 230 quilos de milho, quantidade que alimentaria uma criança durante um ano. A indústria de agro-carburantes planeia aumentar este ano a compra de milho em 8,4 por cento.
O preço do milho tem impacto no custo de muitos outros alimentos. Este cereal é simultaneamente matéria-prima para fazer uma grande variedade de produtos comerciais e comida. É o adoçante preferido das empresas de refrigerantes e a base para produzir muitos batoques. E também alimenta pessoas, porcos, galinhas e vacas, apesar do gado vacum se ter originalmente engordado em pastos. É um dos pilares da comida rápida. E agora até faz movimentar os automóveis.
O milho tornou-se na principal fonte de energia vegetal Ainda que não se reconheçam como tal, os Estados Unidos transformaram-se, à sua maneira, num povo de milho… geneticamente modificado.
A sua produção está apoiada em abundantes subsídios estatais. As subvenções ao seu cultivo representam quase a quarta parte dos pagamentos federais aos fazendeiros: uns 19 mil milhões de dólares.
A gramínea é a cultura mais importante do México. Em 2010 colheram-se quase 24 milhões de toneladas numa superfície de 8,5 milhões de hectares. É a cultura com maior número de produtores: 3,2 milhões, na sua maioria ejidales [1] (só há 4 milhões de produtores agrícolas no país). Cerca de 90 por cento da colheita é de milho branco e destina-se ao consumo humano.
O aumento do preço do milho afectará gravemente a dieta popular. Este cereal é o elemento central na identidade de múltiplos grupos subalternos, sustento permanente da população camponesa e alimento barato de milhões de trabalhadores assalariados urbanos.
Ainda que diga o contrário, o governo mexicano não está preparado para enfrentar a actual escalada de preços. A situação agravou-se consideravelmente com as geadas que estragaram o ciclo Outono-Inverno (o mais importante) em Sinaloa, o principal Estado produtor da gramínea. No país não há inventários suficientes. Para garantir o abastecimento há que recorrer à importação, numa momento de preços elevados, redução dos inventários e fronteiras fechadas.
Como aconteceu noutras partes do mundo, a carestia da vida no México incubará um maior descontentamento. O cinismo das autoridades que recusam reconhecer a gravidade do assunto e a sua responsabilidade avivará ainda mais esse mal-estar.

Nota do tradutor:
[1] Trabalhador de um ejido, fracção de terra entregue aos agricultores para exploração colectiva durante a reforma agrária mexicana.
* Editor do diário mexicano La Jornada
Este texto foi publicado em La Jornada de 15 de Fevereiro de 2011.
 
Tradução de José Paulo Gascão

Camponesas realizam jornada contra o abuso de agrotóxicos


Em todo o Brasil, as mulheres da Via Campesina deflagraram a Jornada de Lutas das Mulheres para denunciar a utilização excessiva de agrotóxicos nas lavouras brasileiras, responsabilidade do modelo de produção do agronegócio.

Até o momento, foram mobilizados seis estados — Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Sergipe, Minas Gerais, São Paulo — para denunciar os efeitos nocivos à saúde e ao meio ambiente. De acordo com dados do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Agrícola, a utilização anual de venenos alcança mais de um bilhão de litros. O Brasil ocupa o primeiro lugar na lista de países consumidores de agrotóxicos desde 2009.

Segundo Ana Hanauer, integrante da coordenação nacional do MST, as ações iniciais já movimentam cerca de 5 mil mulheres de todo o Brasil. “Nossa luta é para defender a Reforma Agrária, a agroecologia, a produção de alimentos saudáveis. Estamos mobilizadas para dar visibilidade aos problemas causados pelo agronegócio. Um dos principais é o uso indiscriminado dos agrotóxicos. O mercado de venenos é um problema para a nossa soberania, para nossa saúde e para o meio ambiente”, disse.

O lema da jornada é “Mulheres contra a violência do agronegócio e dos agrotóxicos: por reforma agrária e soberania alimentar”.

Bahia

Na segunda-feira (28), 1500 mulheres ocuparam a Fazenda Cedro pertencente à multinacional Veracel, no município de Eunápolis, na Bahia. As trabalhadoras denunciam a ação do agronegócio no extremo sul da Bahia, com a produção da monocultura de eucaliptos praticada pela Veracel na região de maneira irregular, pois ocupa terras devolutas. Encontros para discutir a agricultura camponesa e sementes crioulas também estão previstos para os dias 05 a 10 de março, envolvendo os municípios de Pindaí, Caetité, Riacho do Santana, Rio do Antônio, Caculé, Brumado.

Pernambuco

Em Pernambuco, 800 trabalhadoras rurais ligadas ao MST, ao Movimento de Pequenos Agricultores (MPA), ao Movimento dos Atingidos por Barragem (MAB) e à Comissão Pastoral da Terra (CPT) marcharam na manhã desta terça-feira (1º) de Petrolina a Juazeiro, trancando a ponte que liga os dois municípios e denunciando a inoperância do Incra da região. Outras cerca de 500 mulheres ocuparam o Incra da cidade de Recife como forma de chamar a atenção para a Reforma Agrária.

Rio Grande do Sul

No Rio Grande do Sul, cerca de mil mulheres da Via Campesina, Movimento dos Trabalhadores Desempregados (MTD), Levante da Juventude e Intersindical protestaram, também nesta terça-feira (1º), em frente ao Palácio da Justiça, na Praça da Matriz, em Porto Alegre. Elas saíram em marcha do Mercado Público de Porto Alegre até a praça. Integrantes vestidas de preto permaneceram paradas em frente ao prédio, em silêncio, para lembrar que as mulheres têm sido silenciadas por várias formas de violência.

Outras mil manifestantes ocupam o pátio da empresa Braskem, do grupo Odebrecht, no Polo Petroquímico de Triunfo, região metropolitana de Porto Alegre. A manifestação tem o objetivo de denunciar que o plástico verde, produzido à base de cana-de-açúcar, é tão nocivo e poluidor quanto o plástico fabricado à base de petróleo.

Já em Passo Fundo (RS), 500 mulheres realizaram uma manifestação pública no centro, com atividades de formação no Seminário Nossa Senhora Aparecida.

Sergipe

No Sergipe, cerca de mil trabalhadoras rurais do estado estão acampadas na Praça da Bandeira de Aracaju. De 1 a 3 de março, elas participarão de atividades que denunciam os agrotóxicos, o agronegócio, a criminalização dos movimentos sociais e a violência da mulher.

Minas Gerais

Em Minas Gerais, o Fórum Regional por Reforma Agrária do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba ocupou a sede da Fazenda Inhumas, em Uberaba, no sábado (26). A ação envolveu cerca de 200 famílias. O evento marca as atividades do 8 de março — Dia Internacional das Mulheres — e discutirá com cerca de 500 mulheres a violência causada pelo agronegócio, as consequências do uso de agrotóxicos e as alternativas para transformação do modelo discriminatório estabelecido no campo e na cidade.

São Paulo

Em São Paulo, desde o início desta sexta-feira (25), várias mulheres do MST, realizam ato de denúncia e reivindicação na frente da Prefeitura de Limeira, próximo da Campinas. No último dia 24, cerca de 70 mulheres do MST e da Via Campesina realizaram a ocupação da prefeitura do município de Apiaí, localizado na região sudoeste do estado para reivindicar o acesso aos direitos básicos como: saúde, educação, moradia, transporte e saneamento básico, que vêm sendo negados pelo município às famílias acampadas.

Fonte: Portal do MST

terça-feira, 1 de março de 2011

Apesar de tudo, as massas se movem

Escrito por Wladimir Pomar   no Correio da Cidadania
 
Conta-se que Galileu, obrigado pela Inquisição católica a abjurar sua crença de que a Terra se movia, teria dito à meia voz que, apesar de tudo, ela se movia. O mesmo parece estar ocorrendo agora em relação às grandes massas populares de países da África do Norte, desdizendo as afirmações de uma certa Inquisição intelectual para a qual a época das grandes mobilizações e revoltas sociais era coisa do passado.
 
O capitalismo teria criado uma rede de mecanismos democráticos de tal ordem que seria possível evitar que, em algum momento, os pobres, os trabalhadores e mesmo setores médios se lançassem à luta. É verdade que aquela Inquisição fazia exceção a países que consideravam regidos por ditaduras, que a imprensa ocidental citava nominalmente como se restringindo à Coréia do Norte, Cuba, China, Iraque, Irã, Venezuela, Líbia, Chade e Zimbábue, pouco importando que alguns deles mantenham democracias de tipo liberal.
 
Por outro lado, essa mesma imprensa nada dizia sobre regimes ditatoriais na Tunísia, Egito, Iêmen, Bahrein, Marrocos, Arábia Saudita e outros países árabes aliados diletos dos Estados Unidos. O Iraque só se tornou uma ditadura abominável após haver demonstrado certa independência e tentado anexar o Kuwait. Sob o manto protetor dos acordos militares e geopolíticos com a grande democracia americana, tais países pareciam fadados a sucessões dinásticas de longa duração.
 
No entanto, as bases dessas sociedades se moviam imperceptivelmente, forçadas pelo aumento da miséria, pelos baixos salários, pelas baixas condições de vida e pela ausência de liberdades culturais, sindicais e políticas. Na superfície tudo parecia calmo, embora de vez em quando irrompesse algum fator de desestabilização, logo sufocado pelas eficientes redes de inteligência e repressão policial e militar. Em tais condições, para aqueles que se deixavam convencer pela aparência superficial, as revoltas de massa na Tunísia, Egito, Líbia e outros países da África do Norte causaram grande surpresa.
 
É natural, assim, que surjam, em conseqüência, interpretações disparatadas sobre os acontecimentos. A mais esdrúxula do momento é aquela que acusa a CIA e o governo norte-americano, através do uso das redes cibernéticas, de haver promovido tais insurreições. O governo dos Estados Unidos teria se dado conta de que aliados como Mubarak e outros, há muitos anos no poder, já não eram servidores eficientes. Promovendo mobilizações sociais do lumpenproletariado e desordeiros, que levassem a uma transição negociada em que tudo continuaria como antes, se livrariam dos servidores desgastados e, de quebra, incentivariam revoltas na Líbia e no Irã. Portanto, numa manobra clássica de Sun Tzu e Mao Zedong, fingiram atacar o secundário para golpear o principal.
 
Essa teoria conspirativa é idêntica à que credita à CIA a ocorrência das revoluções de veludo na Tchecoslováquia, Hungria e Bulgária, e da revolução sangrenta na Romênia, embora naquela época ainda não existissem as redes cibernéticas com grande poder de mobilização. É evidente que a CIA e os poderosos meios de comunicação ocidentais promoveram uma propaganda massiva contra o socialismo real daqueles países. Porém, qualquer propaganda só tem efeito quando corresponde às aspirações imediatas das grandes massas do povo. Estas massas só se mobilizam e vão para as ruas quando não querem mais viver como até então. E só se atiram contra os fuzis e metralhadoras quando acham que, além disso, não têm mais nada a perder.
 
Portanto, tanto a propaganda contra o socialismo real, produzida principalmente pelo rádio e televisão dos países ocidentais, quanto a propaganda contra os regimes ditatoriais da África do Norte, promovida em grande escala através da Internet, só tiveram efeito porque as populações desses países já não suportavam mais viver da forma que vinham vivendo. No caso dos países africanos, de populações formadas por trabalhadores assalariados, setores médios empobrecidos e milhões de desempregados transformados em lumpens, era inevitável que as revoltas também contassem com a participação destes últimos.
 
Assim, queiramos ou não, essa também era a situação das grandes massas do povo líbio, mesmo que seu país não estivesse no rol dos aliados servis dos Estados Unidos, e que estes possam estar se aproveitando das dificuldades de Kadafi para desviar a atenção do mundo dos eventos nos demais países de ditaduras apoiadas pelos americanos. Desqualificar a revolta das massas populares porque o regime é inimigo aparente de nosso inimigo não é um critério muito saudável, pelo menos para quem se diz de esquerda.
 
Algo parecido ocorre com as divergências sobre estarmos ou não diante de movimentos revolucionários e revoluções, que resultem em mudanças políticas, sociais e econômicas profundas. É verdade que a imprensa ocidental, numa tentativa de esconder sua omissão passada diante dos regimes ditatoriais aliados incondicionais dos Estados Unidos, está divulgando febrilmente as revoltas populares como revoluções de fato.
 
Mas isso não é novidade. Se até a Globo se transformou de aliada incondicional do regime militar brasileiro em defensora, mesmo tardia, das Diretas Já, seria pedir muito para os governos ocidentais e os Estados Unidos e suas mídias continuarem fiéis a seus antigos amigos árabes. Da mesma forma que não passa de ilusão supor que antigas forças políticas de apoio a tais regimes não vão se reciclar e participar da disputa no processo de mudanças políticas, econômicas e sociais que devem ocorrer, tentando limitá-las ao máximo.
 
Revoltas populares são indícios de situações revolucionárias. Mas nem todas as situações revolucionárias se transformam em revoluções, seja porque as massas populares não possuem partidos políticos organizados e com capacidade de dirigirem o processo, seja porque o lado oposto se reorganiza, faz concessões e consegue evitar que as transformações sejam profundas. Na maior parte dos países árabes convulsionados o quadro ainda está confuso para que se afirme, com certeza, se estamos diante de revoluções ou de reformas com tintura revolucionária ou conservadora.
 
De qualquer modo, as massas se movem. Esta parece ser uma lei geral das sociedades, em especial das sociedades de classes, sejam elas ditaduras ou democracias. Afinal, as massas nas democracias européias também estão se mobilizando e, em algum2as delas, como na Grécia, quase assumindo o caráter de revolta. E nos Estados Unidos os sindicatos de Wisconsin começam a mostrar que não estão paralisados.
 
Nessas condições, mesmo em países de regimes democráticos e liberais, com ativa vida parlamentar, partidos de esquerda que se desligam do dia-a-dia das grandes massas populares e não acompanham a evolução imperceptível de seu movimento correm sempre o perigo de perderem o pé da realidade e serem apanhados de surpresa. Por consolo, podem até acusar a CIA ou as forças ocultas, mas isto dificilmente as salvará.
 
Wladimir Pomar é escritor e analista político.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

José Reinaldo: O espírito da nossa época é o anti-imperialismo


De volta ao Brasil depois de participar do Fórum Social Mundial em Dacar, o secretário Nacional de Comunicação do PCdoB, José Reinaldo Carvalho, falou ao Vermelho sobre os debates realizados no FSM. Entre os destaques das discussões – promovidas entre 6 e 11 de fevereiro, na Universidade de Dacar – estão o combate à herança de subdesenvolvimento do continente e a luta contra os mecanismos de espoliação da África, através do cancelamento da dívida externa.


Por Mariana Viel

José Reinaldo, que também é editor do Vermelho, ressaltou ainda o lançamento do livro “Grupons-nous, et demain!” (literalmente, “Agrupemo-nos, e amanhã! – verso do hino A Internacional ). O evento, realizado no último dia 14, na Assembleia Nacional Francesa (parlamento), palco de marcantes acontecimentos políticos históricos, tem grande significado para a esquerda progressista mundial.
Publicado pela Editora Les Temps des Cerises, o livro aborda a crise internacional e as alternativas da esquerda. Fruto do seminário realizado em São Paulo, em junho de 2009, sob os auspícios do PT, o PCdoB e suas respectivas fundações de estudos, a Perseu Abramo e a Maurício Grabois, e da Rede Corresponências Internacionais, a obra traz uma das abordagens mais completas e profundas sobre a crise do capitalismo, apontando a incapacidade desse sistema para satisfazer as atuais necessidades da humanidade.
Promovido pela bancada parlamentar do bloco Esquerda Democrata e Republicana, do qual fazem parte os comunistas franceses, e pela Fundação Gabriel Peri, o ato foi coordenado pela Rede Correspondências Internacionais e contou com as presenças do renomado economista francês de esquerda, Paul Boccara, do jornalista e escritor Henri Alleg, do embaixador de Cuba na França, Orlando Gual, dos dirigentes políticos Robert Griffiths, secretário-geral do PC da Grã Bretanha, Chris Mathlako,do Birô Político do PC da África do Sul, Sérgio Ribeiro, do Comitê Central do PCP, Lô Gourmo, da União das Forças pelo Progresso, da Mauritânia, Gyula Thurmer, do Partido dos Trabalhadores da Hungria e Valter Pomar, do Partido dos Trabalhadores. Presentes entre o público a embaixadora da Bolívia na França, o embaixador do Sri Lanka e representações diplomáticas do Brasil e da Venezuela.


Vermelho: Qual é o significado da realização de uma nova edição do Fórum Social Mundial no continente africano?
José Reinaldo Carvalho: Acho que um dos destaques do Fórum Social de Dacar é o próprio fato de se fazer – pela segunda vez – um fórum em terras africanas. Se contarmos com o fórum setorial, que coincidiu também com a realização do Fórum Mundial das Alternativas — realizado em Bamako, capital do Mali — essa é a terceira vez que a África acolhe um acontecimento desse tipo.

Como os próprios acontecimentos no norte da África estão demonstrando, essa é uma região muito importante no mundo de hoje. O continente africano herda grandes chagas econômicas e sociais do colonialismo. Essa herança pesa muito nas condições de vida miseráveis, nas dificuldades para o desenvolvimento econômico, na opressão e nas discriminações de toda natureza. A realização de um fórum desse tipo na África atrai as atenções do mundo progressista para o continente.

Vermelho: Quais foram os destaques dos debates do fórum?
JR: Duas grandes questões foram objeto de debates: a luta pelo desenvolvimento, para combater essa herança do subdesenvolvimento, e a luta contra os mecanismos econômicos e financeiros de espoliação da África, particularmente relacionados com o cancelamento e o não pagamento da dívida externa.

Também me chamou bastante atenção a quantidade de pessoas presentes no fórum. A Universidade de Dacar – local onde se realizou o fórum – estava permanentemente lotada, era uma verdadeira multidão. A presença africana era maciça, o que deu uma beleza e uma conotação humana e social especial evento. Havia ainda uma grande presença de europeus e latino-americanos – em particular brasileiros. A presença dos movimentos sociais brasileiros chamava a atenção. Do ponto de vista humano, cultural e antropológico foi uma experiência extraordinária.

Vermelho: Qual foi a importância dos debates das Assembleias dos Movimentos Sociais?
JR: Essas assembleias — realizadas nos dias finais do fórum — feitas para traçar plataformas de luta e calendários de mobilização também foram muito concorridas. Elas são resultado do acerto de uma posição justa que considera que o fórum deve ser voltado para as lutas. Esse pensamento se contrapõe a uma corrente que defende que o fórum seja apenas um marco de debates, onde pontificam apenas as organizações não-governamentais e um grupo de intelectuais – muitos dos quais impregnados de ideologia anti-comunista e anti-socialista. Esses intelectuais e essas ONGs se opõem ao que chamam de “movimentos sociais tradicionais”, para desqualificar as organizações sindicais e de massas que têm raízes históricas e ligações mais profundas com as lutas dos trabalhadores e dos povos. Foi sobre a base dessas falsas concepções que surgiram os chamados “altermundialismo” e “movimentismo”. A luta pelo socialismo certamente se atualiza com as dinâmicas novas das lutas políticas e sociais e a incorporação de novos sujeitos e atores políticos, mas não carece desses modismos para se desenvolver. Em especial na América Latina e no Brasil devemos estar vigilantes com certas posturas que, embora posando de “modernas” e “originais”, macaqueiam, arremedam ou mimetizam os cacoetes europeus. Obviamente o fórum é um espaço para o pluralismo e o debate de ideias, mas é importante fazer deste debate um veículo para a luta. As Assembleias dos Movimentos sociais foram combativas e concorridas e tiraram importantes indicações de luta contra o neoliberalismo, as bases militares e as guerras imperialistas.

Vermelho: Após o Fórum de Dacar, você participou do lançamento do livro “Grupons-nous, et demain!” (“Agrupemo-nos, e amanhã!”), na França. Fruto do seminário realizado em junho de 2009, em São Paulo, através de uma parceria entre as Secretarias Internacionais do PT e do PCdoB, suas respectivas fundações de estudos, a Perseu Abramo e a Maurício Grabois e da Rede Corresponências Internacionais, o livro traz ainda grandes contribuições de economistas, intelectuais e dirigentes políticos. Como ele se apresenta no atual cenário progressista?
JR: O livro não se limitou ao seminário. A versão francesa incorpora contribuições de intelectuais, escritores, analistas e críticos que não puderam ter presença direta, participaram com seus textos. Entre eles está Paul Boccara, que é um dos maiores economistas franceses e o maior nome dentre os economistas progressistas de esquerda da França. Posso citar também o Samir Amin, que é um dos maiores intelectuais da atualidade, crítico do imperialismo e do capitalismo, organizador do Fórum Mundial das Alternativas e do Fórum do Terceiro Mundo e um dos nomes mais conhecidos do pensamento econômico marxista contemporâneo. O grande mérito desse livro é sistematizar uma série de pontos de vista progressistas, marxistas e anti-capitalistas sobre a crise do capitalismo. É uma das abordagens mais completas e profundas que conheço sobre a crise.

Vermelho: Como os textos reunidos no livro se apresentaram para o universo teórico-econômico da atual esquerda progressista?
JR: A maioria dos ensaios nele publicados refutam algumas teses que de maneira insidiosa e oportunista penetraram no pensamento da esquerda. Quando a crise começou a se instalar surgiu uma corrente de pensamento que dizia que ela era apenas uma crise financeira e passageira. Esta corrente defendia que essa não era uma crise do sistema capitalista e não nega os fundamentos do capitalismo. Tentaram até mesmo usar o Lênin para sustentar essa tese esdrúxula de que o capitalismo não estaria em decadência, mas sim em plena expansão. Ao mesmo tempo, dizia-se também que mesmo com o epicentro da crise nos Estados Unidos, sua economia era inabalável e sua hegemonia inamovível.

Eles não admitiam que os Estados Unidos são uma potência declinante no mundo. Assim como o seminário, o livro ajuda a fazer essa luta de idéias. Mostra que a crise é profunda, duradoura, de difícil saída, estrutural, sistêmica e põe em cheque os próprios fundamentos do sistema capitalista e imperialista. Isso não significa dizer que o capitalismo e o imperialismo vão cair de podre como resultado automático da crise. A superação revolucionária do capitalismo e do imperialismo depende também do fator subjetivo, da mobilização e luta dos trabalhadores, da revolução social e política. Ao mesmo tempo, ao desnudar suas dificuldades estruturais, o capitalismo revela também que é um sistema que não serve mais para satisfazer as necessidades da humanidade.

Ligado a isso, o livro discute o socialismo. Não pensando em voltar ao modelo antigo do socialismo. Sabemos que aquele modelo que vigorou no século 20 jogou um papel transformador na história, mas tal e qual ele era não volta mais. Não se pensa em restaurar aquele modelo, mas apresentamos a questão do socialismo olhando para o futuro.

Vermelho: Durante o lançamento do livro, Lô Gourmo, da União das Forças Progressistas da Mauritânia, afirmou que “a revolução bate à porta, mas não são ainda os revolucionários que a abrem”. O que isso significa no contexto de luta atual?
JR: Ele fez essa afirmação durante sua análise dos acontecimentos do Egito, onde houve uma revolta popular – com caráter revolucionário – que fez com que a revolução batesse à porta, mas o resultado é que as forças da grande burguesia, aliadas ao imperialismo, impedem que ela aconteça. Isto no caso do Egito, que seria uma espécie de revolução inacabada.

Pensando em termos mais globais, por toda a parte amadurecem as condições para a realização de transformações sociais e políticas, para a revolução social. Continuo achando que o espírito da nossa época é a luta antiimperialista. O espírito da nossa época é o anti-imperialismo.

Considero esta uma época promissora, de otimismo histórico, de luta e esperança. Mas as condições que dizem respeito à subjetividade dos atores sociais como a consciência política e ideológica, o nível de organização, a capacidade de mobilização, de ação coletiva, de formulações estratégicas e táticas e de elaboração teórica ainda deixam muito a desejar. Enquanto essas condições não amadurecerem, os movimentos revolucionários vão colher vitórias e derrotas, avanços e retrocessos.

Vermelho: Apesar dessas observações, as insurreições populares – iniciadas na Tunísia e Egito – e que se estenderam por uma série de países do mundo árabe jogam um papel importante na atualidade?
JR: Apesar do processo ainda estar truncado, este é um grande passo adiante. O fato das massas se colocarem em movimento e das ideias democráticas avançarem é um passo adiante.

Encarando uma experiência que tem outra forma de se manifestar, devemos citar a América Latina. Não estamos tendo explosões revolucionárias, mas experimentamos mudanças, sobretudo políticas, que também são passos adiante no sentido revolucionário. O fato de você ter um continente com classes dominantes tão poderosas e reacionárias, oligarquias cruéis que fabricaram ditaduras fascistas e governos neoliberais, hoje possuir um grande número de países que estão avançando nos processos democráticos, populares e antiimperialistas – alguns até se proclamando pelo socialismo – tem um grande significado histórico.

Vermelho: O que ainda impede o nosso desenvolvimento do ponto de vista econômico e social?
JR: Acho que não avançamos suficientemente nessas áreas pela força que o imperialismo e as classes dominantes ainda têm. No caso do Brasil, demos passos importantes com os dois governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acho que podemos dar novos passos com a presidente Dilma Rousseff, mas do ponto de vista econômico e social o processo ainda é muito lento porque as classes dominantes brasileiras não permitem a realização de mudanças profundas. São classes dominantes na sua essência reacionárias, como a grande burguesia financeira, verdadeira oligarquia antinacional e antipopular; a grande burguesia monopolista nacional, associada ao imperialismo, e o grande latifúndio. Setores dessas classes dominantes bancam de progressistas, o que engana até muita gente de esquerda. Tudo isso ainda impede que o ritmo das reformas estruturais no Brasil seja mais veloz. Não vejo isso como motivo para ansiedade nem pessimismo histórico. O Brasil está avançando, assim como a América Latina.

Vermelho: Nesse aspecto, quais seriam os atuais desafios dos comunistas brasileiros?
JR: Do ponto de vista do Partido Comunista do Brasil, esses desafios foram sistematizados durante o nosso último Congresso – realizado em outubro de 2009 –, quando o nosso partido elaborou um novo programa político. Eu diria que o desafio da esquerda, das forças revolucionárias, dos comunistas é a acumulação revolucionária de forças, através da luta política e social pelas reformas estruturais que vão fazer do Brasil um país democrático, progressista, soberano e socialmente justo, o que passa neste momento pelo apoio ao governo da presidente Dilma, como fizemos em relação a Lula, para que o país avance nas mudanças. O governo de Dilma só terá êxito se avançar nessa direção. Numa perspectiva estratégica, a libertação nacional e social do povo brasileiro só vai se produzir através de um caminho de árdua luta contra a dependência externa, o domínio geral que o imperialismo norte-americano ainda exerce em toda a nossa região e o sistema econômico, social e jurídico-político da classe dominante brasileira. É preciso conduzir uma luta de longo fôlego contra essas classes dominantes e o imperialismo.

Devemos fazer isso assumindo em nosso cotidiano aquelas lutas que correspondem aos anseios profundos das massas populares: a democracia, a justiça social, a independência e a soberania nacional e a paz mundial. Podemos fazer isso em melhores condições políticas atualmente porque o Brasil é um país democrático, com um governo que escuta o povo. Nossa palavra de ordem para a militância deve ser: “Onde há luta tem PCdoB”.

É indispensável também garantir a união de amplas forças políticas progressistas. É positivo que o Brasil seja governado por uma ampla coalizão, mas dentro dela é preciso que exista um núcleo de esquerda, democrático e popular, anti-imperialista, que tenha por objetivo a transformação socialista no país. Em segundo lugar, esta luta só vai dar certo com a ampla mobilização do povo. É por isso que os comunistas não vacilam em apoiar e participar de todas as lutas do povo. São elas que irão desempenhar um papel pedagógico para que o povo, através de suas próprias experiências, saiba quais são os passos que tem que dar no sentido da sua emancipação política e social. Do ponto de vista dos comunistas, o terceiro fator é ter um partido forte.

Vermelho: Com a política macroeconômica atual é possível mesmo o governo da presidente Dilma avançar para maiores mudanças?

JR: Em absoluto, não pode. A política econômica é conservadora e neoliberal. Tem que mudar. Mas, tal como o governo Lula, o da Dilma está em disputa entre os conservadores e os progressistas. Não devemos abandonar o barco. É um bom combate a travar.

Vermelho: Quais seriam os eixos para a construção de um partido comunista forte?
JR: Ter um partido comunista forte também significa enfrentar outros desafios. O primeiro é combater os experimentos que alguns alquimistas estão fazendo de reforma política que visam, entre outras coisas, colocar o partido comunista num gueto. A reforma política proposta por alguns setores da classe dominante e dos grandes partidos vai no sentido contrário do fortalecimento do partido comunista. Eles combatem o voto proporcional, defendem a imposição da cláusula de barreira, a proibição das coligações em eleições proporcionais e a manutenção do financiamento privado – que é a forma da grande burguesia mandar nos políticos. Também se fala no voto distrital, distrital misto e distritão. Tudo isso são experimentos de alquimistas a serviço de soluções anti-democráticas. Para fortalecer o partido comunista é preciso combater essa proposta de reforma política e propugnar uma reforma política democrática.

Vermelho: No quadro da reforma política, o que acha da anunciada fusão entre os dissidentes do DEM, sob a liderança do Kassab, com o PSB? Isto pode contribuir para o reforço das posições de esquerda no governo da Dilma?
JR: Falo em tese. Esse é um dos muitos paradoxos da vida política brasileira. A ida do Kassab para a base da Dilma poderá dar maior governabilidade numérica à presidente, nada mais. Qualitativamente acrescenta o quê? Não impulsiona o governo no sentido progressista, ao contrário. Não há dúvida de que toda cisão na direita deve ser explorada como reserva tática pela esquerda. Mas não vejo como esse movimento fortaleceria a esquerda. Não dou opinião sobre o que será do PSB se este partido se fundir com o bloco kassabista. Nem me refiro ao convite que o prefeito fez ao PCdoB em São Paulo para integrar sua administração. Insisto, falo em tese. Kassab e sua entourage constituem uma parte da direita brasileira. Em minha opinião, o fortalecimento da esquerda passa por outros caminhos. Estamos praticamente às vésperas de uma eleição municipal e seu governo sofre contestação de todos os lados no movimento social, além de ser mal avaliado pela população. Não vejo como a esquerda se unir em torno dele em 2012 nem em 2014. Outra coisa é a convivência política, que não é necessariamente sinônimo de aliança nem de composição orgânica.

Vermelho:Voltando ao PCdoB, como vê a sua transformação num partido forte?
JR:O partido precisa aumentar suas fileiras, adquirir maior densidade eleitoral, enraizar-se entre as massas trabalhadoras, a juventude, as mulheres, a intelectualidade progressista e atuar como força organizada. E acima de tudo, é preciso que o próprio partido reforce o seu caráter, sua identidade e sua ação como força política consciente, organicamente independente na luta pelo socialismo. O Partido Comunista do Brasil não vai crescer escamoteando seu caráter comunista. Nem rebaixando a perspectiva socialista ou ofuscando sua missão histórica. Ele só vai se fortalecer se tornar ainda mais nítida a sua identidade comunista e levantar cada vez mais alto a bandeira do socialismo. Além disso, deve colocar sua militância a serviço das lutas do povo e dos trabalhadores — que constituem o centro de gravidade da atuação do partido. Para nós, não há contradição entre estar na luta do povo e atuar em instituições parlamentares e governamentais. Se fizermos isso, iremos superar nossas metas de crescimento quantitativo, eleitoral e nos tornaremos um partido forte em todos os aspectos.