“Meu
filho se chama Edison e tinha 29 anos. Foi morto na rua, tinha ido em
casa para buscar remédios e por gasolina em sua moto. Vivemos na Baixada
Santista, um bairro de trabalhadores em São Paulo. Os policiais o
seguiram e o mataram a 500 metros do posto de gasolina. Embora haja
contradições nas declarações, o Ministério Público não fez nada e
arquivou o caso”, disse Débora Maria da Silva, uma mulher de 50 anos, mãe de outras duas filhas.
Não só os filhos perdidos por assassinato, mas também os filhos
perdidos para a televisão, os filhos perdidos para a submissão, os
filhos perdidos que desistiram de raciocinar e acreditam que a vida é
apenas a busca do prazer, os filhos perdidos para as drogas, que
preferiram um estranho mundo interno e desistiram.
Dar presentes para as mães. Sair correndo e comprar aquela lembrancinha
porque todos saem correndo para comprar aquela lembrancinha e o império
da mídia manda todos correrem para comprar porque depois terão o almoço
especial de domingo feito pela mãe homenageada, que fingirá estar
feliz.
Não só os filhos perdidos por assassinato, mas principalmente os filhos
perdidos por assassinato. Os filhos perdidos por assassinato praticado
pelo Estado genocida. O Estado genocida que esconde a pobreza e, se
possível, a mata para escondê-la melhor ainda.
Mães de maio. Mães que somente são lembradas em maio. Cinicamente.
Não as mães que vivem em um mundo artificial, proporcionado pelo
dinheiro e a abundância. Estas brincam de mães de vez em quando e
ensinam aos filhos uma fictícia maneira de viver.
Mas as mães que vivem aflitas quando os seus filhos saem, porque não
sabem se eles voltarão. As mães que já perderam as ilusões e que
deixaram os sonhos de Cinderela há muito tempo. Ou as mães que não tem
filhos, mas são mães de todos e se preocupam e lutam e não desistem e
denunciam.
O Movimento Mães de Maio nasceu na Baixada Santista e já está se
espraiando por todo o Brasil. Foi logo após aquela onda de violência em
São Paulo, em 2006, que deixou mais de trezentos mortos, a maior parte
assassinada por policiais. Foi quando a Anistia Internacional denunciou
que estavam operando no Brasil esquadrões da morte integrados por
policiais cujas vítimas somaram-se aos quase nove mil assassinatos
perpetrados pela polícia brasileira, em sua maioria categorizados como
casos de “resistência seguida de morte”, sem investigação judicial,
entre 1999 e 2004.
Essa pesquisa foi feita pelo sociólogo uruguaio Raul Zibechi, que
constatou que no Brasil o Estado era o responsável por um verdadeiro
genocídio. O Estado tentou explicar, dizendo que eram resquícios da
ditadura militar. Passaram-se os anos e hoje, 2011, fazem-se filmes que
elogiam as matanças das polícias especiais e o povo está quase
acreditando que esses assassinatos são necessários.
Segundo Raul Zibechi, Rafael Dias, da ONG Defesa Global, acredita que
no Brasil existe um Estado genocida porque “nunca houve uma ruptura
entre o Estado da escravidão e o Estado moderno e temos agora um Estado
elitista que funciona através da violência para separar os índios, os
negros, os pobres, que são considerados como ameaças, como classes
perigosas”.
“Agora
temos o modelo da militarização das favelas, porque se segue
considerando o pobre como um perigo permanente e esta é a lógica da
segurança pública”.
“Os membros do Governo seguem tratando os favelados como lumpen, pessoas que estão fora da sociedade”, disse Rafael Dias.
“O
governo não compreende a situação dos mais pobres, porque como não
estão organizados em sindicatos nem em partidos, não formam parte do
projeto político e acreditam resolver o problema aplicando políticas
compensatórias, como o Bolsa Família. Estamos repetindo os três eixos
que haviam durante a escravidão, o tríplice P: pão, pau e pano.”
A criminalização da pobreza é uma das torpes características do sistema
capitalista. Um sistema que já é cruel por si mesmo, com a divisão de
classes e que classifica as pessoas de acordo com a maior ou menor
riqueza material.
Aos pobres, o serviço pesado e o arrocho salarial. Aos ainda mais
pobres a morte em vida ou a morte rápida sob qualquer acusação ou sob
nenhuma acusação. À classe média, a ilusão de uma democracia de novela.
Aos ricos tudo é permitido, inclusive o direito da extrema corrupção e
da extrema perversão, porque nunca serão punidos.
A BAGDÁ SANTISTA
Comunicado das Mães de Maio da Baixada Santista:
“Ao
longo dos anos de 2008 e 2009, a Baixada Santista foi a região do
estado de São Paulo onde os homicídios mais cresceram, verdadeiras
estatísticas de guerra!
“Durante
o mês de Abril de 2010 a Polícia Militar e grupos paramilitares de
extermínio ligados a ela voltaram a atuar na Baixada Santista, no mesmo
estado de São Paulo, executando sumariamente 27 pessoas num curto espaço
de 10 dias. Informações apuradas pela própria Corregedoria da Polícia
Militar de São Paulo atestaram que estes policiais e grupos de
extermínio seriam ligados à máfia chamada OS NINJAS, grupo de extermínio
de policiais encapuzados auto-denominados “justiceiros” que têm atuado
desde Maio de 2006 impunemente. Nas favelas e bairros periféricos da
Baixada, àquela altura, corria abertamente o boato de que a lista
completa daqueles Crimes de Abril seria de 51 pessoas. Uma lista que,
felizmente, parou na metade graças aos gritos e às denúncias das Mães e
Familiares que alertaram para o novo massacre em curso. As devidas
investigações e punições, porém, mais uma vez não avançaram...
“(...)Sem
uma apuração ampla, geral e irrestrita do Crimes de Maio de 2006 e dos
Crimes de Abril de 2010 (grande parte deles provocada pelos mesmos
grupos de extermínio), as tragédias de Abril de 2011, 2012, 2013,
2014... serão cada vez maiores! Estamos voltando a avisar com amplo
testemunho de todos os Senhores e as Senhoras, em cópia aberta.
“O
tempo urge: e estamos cansadas de bravatas e falações! Elas apenas
custam mais vidas! Queremos atitudes concretas, urgentemente! E que
fique escuro: não adianta pedir o envio de mais dezenas e dezenas de
viaturas para descerem a Serra, para a Baixada Santista, pois sabemos
que isso só piora o Terror vivido por nós! Os Grupos de Extermínio são
ligados à Polícia, isto está mais que provado. Só falta a Justiça se
mexer.
“Quantas
vidas mais será necessário nós perdermos para que se ampliem
investigações corretas, façam-se inquéritos decentes e apliquem-se as
devidas punições aos responsáveis? Quantos anos mais teremos que esperar
para ver um inquérito sequer sendo corretamente apurado, trazendo à
tona a Verdade e punindo Justamente os Responsáveis? Dos cerca de 500
assassinatos de 12 a 20 de Maio de 2006 não temos um policial sequer
devidamente julgado e punido até hoje, em plena "democracia"!
“Exigimos,
por favor, encaminhamentos concretos dos Senhores e das Senhoras,
conforme as respectivas atribuições profissionais, políticas e humanas
que a cada um compete. Que estes encaminhamentos sejam compartilhados
abertamente aqui para esta mesma lista, para que tod@s tenham ciência do
procedimento de cada um diante destes Crimes contra a Humanidade.
“Inconformadamente,
“Mães de Maio da Baixada Santista
“PS:
escrevemos esta mensagem enquanto helicópteros da Polícia, neste exato
momento, sobrevoam nossas casas, aqui, na periferia da Baixada Santista.
É assim que é!”
O ESTADO QUE MATA E ESCONDE A MÃO
Não só na Baixada Santista. O Brasil inteiro é uma imensa cova rasa
onde choram pais e mães pelos seus filhos assassinados pelo Estado.
Recentemente, em um dos seus estranhos pronunciamentos, Dilma falou que
os pobres devem “subir na vida”. É claro que devem, mas como? Dilma é
uma pessoa estranha, imensamente desinformada ou imensamente cúmplice
desse estado de coisas.
Em minha cidade existe uma vila chamada Vila Miséria. Os órgãos
públicos fingem que não existe. Fica ao lado do lixão da cidade e os
seus moradores se alimentam daqueles restos dos bem alimentados. Não tem
eletricidade, esgoto, centro de saúde, escola, e os moradores são como
zumbis que apenas esperam a segunda morte.
No Brasil inteiro existem vilas misérias, onde o povo que não consegue
nem ser pobre tenta sobreviver do lixo. De vez em quando, alguns entre
eles se indignam e saem para conseguir restos melhores, talvez para
assaltar. Não voltam. Mães choram, mas quem quer saber de mães
miseráveis? Essas não ganham flores no seu dia.
Vivemos em um Estado genocida que discrimina entre quem paga e quem não
paga impostos. Onde os pobres e os miseráveis são colocados de lado,
como pessoas de segunda e de última classe. Para estes a pena de morte
existe e pode ser aplicada a qualquer momento, sob qualquer pretexto.
Fala-se muito em direitos humanos. Há uma grande discussão no Brasil
sobre se deveremos ou não punir os militares assassinos e torturadores
da ditadura militar. Todos querem saber se os guerrilheiros do Araguaia,
nos anos 1970, terão a sua justiça póstuma. Mas ninguém se preocupa com
os abandonados de agora, com os assassinados diariamente, com os que
tentam sobreviver ao próprio Estado armado, que finge que não existe
mais ditadura. Os pobres não contam; são cifras incômodas. Não importa
quem chore por eles.
Então, neste domingo, vamos festejar o Dia das Mães. Fingidamente.
Vamos fingir que todas as mães estão satisfeitas neste Brasil que nos
engana. Vamos elogiar as mães, mesmo aquelas a quem o Estado roubou o
seu bem maior: os filhos. Quem sabe até, devamos agradecer por esta
sociedade malévola à qual pertencemos, enquanto não somos nós os
usurpados, os enganados, os assassinados.
Ou vamos à luta. Vamos ousar lutar, ousar vencer.