Rachel Duarte no Sul21
A pressão da bancada evangélica impediu a votação, na Comissão de
Direitos Humanos do Senado, do projeto de lei complementar 122/06 que
criminaliza os atos de homofobia. Ele seria votado hoje (12) na Comissão
de Direitos Humanos (CDH) do Senado. Em uma sessão que ao final contou
com troca de xingamentos e ofensas entre o deputado Jair Bolsonaro
(PP-RJ) e a senadora Marinor Brito (PSOL-PA), o projeto foi retirado de
pauta sem previsão de retorno, a pedido da própria relatora, senadora
Marta Suplicy (PT-SP). A senadora espera chegar a um texto de consenso.
Antes do término da discussão — encerrada a pedido do senador
Humberto Costa (PT-PE) –. parlamentares se manifestaram sobre o assunto.
A polêmica girou em torno de dois temas: a punição de crimes
resultantes de discriminação por orientação sexual e o direito à
liberdade de expressão e à liberdade religiosa, assegurados pela
Constituição.
Ao salientar a necessidade de acabar com os preconceitos, o senador
Cristovam Buarque (PDT-DF) afirmou ser preciso aprovar um projeto de
consenso que estabeleça a punição para ações contra homossexuais, mas
que garanta a liberdade de manifestação de pensamento fundada na
liberdade de crença. “Talvez seja a hora de esgotamos todos os diálogos
necessários e possíveis e que deixe claro que o Estado regulamenta a
criminalização de preconceito, mas que o Estado não se meta na
‘pecamização’ de qualquer coisa. É preciso esgotar as conversas para que
o texto final não crie outro preconceito, o preconceito contra as
igrejas, contra as crenças”, disse.
Magno Malta (PR-ES) elogiou a decisão de adiar o debate e defendeu a
realização de audiências públicas para ouvir todos os segmentos da
sociedade que querem se manifestar sobre o assunto, como a Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB), os religiosos (católicos e evangélicos), e
homossexuais. Ele informou que apresentaria requerimento com esse
propósito. Segundo o parlamentar, o projeto de autoria da deputada Iara
Bernardi (PT-SP) apresenta uma “série de inconstitucionalidades” desde
sua origem e define uma série de privilégios para os homossexuais.
Segundo a relatora, Marta Suplicy (PT-SP), uma modificação feita no
texto da proposta preserva a liberdade religiosa. A mudança excluiu do
alcance da lei “os casos de manifestação pacífica de pensamento fundada
na liberdade de consciência e de crença”. O texto final exclui do
alcance das punições “os casos de manifestação pacífica de pensamento
fundada na liberdade de consciência e de crença”. E argumentou: “Quando
me colocaram que o problema não era a intolerância e o preconceito, e
sim uma questão de liberdade de expressão dentro de templos e igrejas,
aceitei. A liberdade está preservada”.
A proposta do PL 122/06 modifica a Lei de Racismo para criminalizar
também os atos de homofobia, estendendo a eles as mesmas punições
impostas aos crimes de preconceito racial. O projeto pune com reclusão
de um a três anos condutas discriminatórias, como recusar o atendimento a
gays em bares e restaurantes e reprimir trocas de afeto em locais
públicos, como beijos ou abraços. O item mais polêmico pune com prisão,
de um a três anos, e multa aqueles que induzirem ou incitarem a
discriminação ou preconceito contra os homossexuais.
Para atender às reivindicações da bancada evangélica, Marta incluiu
uma emenda permitindo que todas religiões e credos exerçam sua fé,
dentro de seus dogmas, desde que não incitem a violência. “O que temos
na fé é o amor e o respeito ao cidadão. Me colocaram que o problema não
era intolerância nem preconceito, mas liberdade de expressão dentro de
templos e igrejas. O que impede agora a votação? O que, além da
intolerância, do preconceito, vai impedir a compreensão dessa lei?”,
questionou Marta.
Ao deixar a reunião, o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) afirmou que a
proposta extrapola os direitos à religião, garantidos pela
Constituição, ao punir não apenas as ações, mas também as expressões de
pensamento. “Ninguém é a favor de que os homossexuais sofram agressões
psicológicas ou físicas. Agora, a proposta extrapola pelo fato de não
querer punir os fatos, mas punir as expressões do pensamento e as
palavras”, afirmou.
Como fica com a retirada?
Apesar de ter pedido a retirada da proposta da pauta da CDH, Marta
Suplicy disse que o Senado não pode mais “caminhar na contramão”. “Como é
que a Comissão de Diretos Humanos não vota uma lei que protege milhares
de pessoas?” questionou.
O presidente da Associação Brasileira de
Lésbicas,Gays,Bissexuais,Travestis e Transsexuais (ABGLT), Toni Reis,
está confiante que o PL122/06 seja aprovado e diz que a proposta tem
maioria no Congresso Nacional. “Está bem costurado. Será só uma questão
de tempo”, disse. Segundo ele, a maioria dos parlamentares e senadores
sabem que a intenção do projeto não tem a intenção de “acabar com as
igrejas, mas de garantir o respeito às minorias”. Ele disse que o Brasil
está atrasado na regulamentação da lei que criminaliza a homofobia em
relação a outros 53 países. “O Brasil está sendo reconhecido
internacionalmente sobre tantos aspectos, temos que nos tornar uma
potência também em direitos humanos. Propor um plebiscito para aceitar
os homossexuais é um absurdo. A Constituição Federal diz que todos são
iguais perante a lei”, falou.
Segundo ele, diferente do Supremo Tribunal Federal, que considerou
legal a união homoafetiva na última semana, o Congresso Nacional tem
setores “retrógrados que não sabem interpretar a lei”.
Representação contra Bolsonaro
Durante uma entrevista em que a senadora Marta Suplicy (PTSP)
explicava os motivos da retirada do PL nº 122 da pauta do dia da
Comissão de Direitos Humanos, o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ)
criava tumulto exibindo para as câmeras um folder que, que classificou
de “plano nacional da vergonha”. “O governo está distribuindo nas
escolas de primeiro grau uma cartilha estimulando nossas crianças a
serem gays”, afirmou o deputado. A senadora Marinor Brito (PSol/PA)
reagiu às agressões e à tentativa de intimidação durante a entrevista, e
exigiu que ele se retirasse com os panfletos, que pregam a violência
contra homossexuais.
Na discussão, Bolsonaro demonstrou uma atitude recorrente de
misoginia. Marinor afirma que a atitude do deputado é desrespeitosa e
que se sentiu ofendida em sua feminilidade.
Na semana que vem, o PSOL entrará com representação na Corregedoria
da Câmara dos Deputados. Além disso, a senadora entrará com uma ação
penal na justiça, pelos crimes de injúria e danos morais.
*Com informações da Agência Senado e de assessorias dos senadores.