sábado, 21 de maio de 2011

Ministra pede punição de Roger Abdelmassih por manipular embriões e abuso sexual

por Conceição Lemes no Viomundo

Roger Abdelmassih, o “rei da paternidade”, está condenado a 278 anos de cadeia. Ele foi preso, mas graças a um habeas corpus concedido pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ele foi solto e acabou fugindo do Brasil. Hoje é um foragido da Justiça.
No último final de semana, a revista Época publicou a reportagem “A clínica do horror”, que torna público outras monstruosidades daquele que já foi médico queridinho de 99,99% da mídia brasileira e das celebridades.
Como bem observa Fátima Oliveira no artigo O Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) vai calar?, algumas chamadas da matéria  falam por si: “Pais descobriram que os bebês concebidos com a ajuda do fugitivo Roger Abdelmassih não eram seus filhos biológicos”; “O casal que recebeu R$ 600 mil para ficar em silêncio”; e “Um cientista que frequentava o laboratório denuncia manipulação genética…”.
No seu artigo, Fátima cobra uma posição do CNDM: “Como cidadã eu quero saber: O CNDM vai ou não exigir do governo as medidas cabíveis para proteger mulheres e homens nos processos de fertilização in vitro (FIV) e as crianças nascidas por tais meios?
Como jornalista e cidadã, eu também. Tanto que desde o início desta semana tento saber da ministra Iriny Lopes, da Secretaria de Política para as Mulheres (SPM), ligada à presidência da República, que medidas serão adotadas em relação ao caso.
Pois a assessoria de imprensa da ministra acaba de responder a esta repórter, informando  que ela solicitou ao Ministério Público do Estado de São Paulo a “imediata e rigorosa punição do médico Roger Abdelmassih, acusado de praticar crimes de abuso sexual de mulheres  e a manipulação indevida de material genético.”
Em outro documento, enviado ao Conselho Regional de São Paulo (Cremesp), a ministra “pediu a cassação definitiva do registro de Roger, em virtude da prática de crimes  cometidos no exercício da profissão de medicina”.
A questão agora é prendê-lo. Mas como e onde?

Segue a íntegra da resposta da assessoria de imprensa da SPM

A ministra Iriny Lopes, Secretaria de Política para as Mulheres (SPM) encaminhou, nessa quinta-feira (19/05), um oficio ao Ministério Público de São Paulo solicitando a imediata e rigorosa punição do médico Roger Abdelmassih, acusado de praticar crimes de abuso sexual de mulheres  e a manipulação indevida de material genético.
Em outro documento remetido ao Conselho Regional de Medicina Paulista, a ministra  pediu a cassação definitiva do registro de Roger, em virtude da prática de crimes cometidos no exercício da profissão de medicina.
A SPM, que acompanha o caso desde de 2009, reitera nos documentos pedido para que o Poder Judiciário adote providências efetivas e que o acusado seja responsabilizado pelos crimes praticados.
Nesse sentido, a SPM, que têm por compromisso desenvolver políticas públicas de enfrentamento à violência e discriminação contra as mulheres, vem somar-se ao clamor da sociedade brasileira e dos movimentos feministas e de mulheres para que a justiça seja plena e os direitos humanos das mulheres sejam garantidos

Acampados nas ruas, espanhóis protestam por reformas e uma participação mais ativa na política

 No OperaMundi

 

“Praça Livre, aqui ninguém nos representa”, indica um cartaz escrito com tinta preta na entrada da Praça Catalunha de Barcelona, um dos epicentros do surpreendente Movimento 15-M (em referência ao dia 15 de maio), que gerou uma onda de protestos que se estende por toda a Espanha. Milhares de cidadãos comuns protestam há sete dias contra o atual sistema político e econômico de um país com mais de 40% de desemprego juvenil.


E prometem continuar, apesar de a junta eleitoral ter proibido as manifestações neste fim de semana antes das eleições locais deste domingo, ainda que a polícia tenha anunciado que somente atuará em caso de distúrbios ou alterações de ordem.

Em Barcelona, os “indignados” dividiram a praça em três áreas simbólicas – Tahrir, Palestina e Islândia – colocando, ao redor, barracas protegidas do sol por lonas de plástico, cada uma representando uma “comissão” distinta: desde infraestruturas e comunicação até atividades e cozinha. Em frente a eles, se aglomeram dezenas de pessoas, a maioria jovens, mas também aposentados e trabalhadores que se interessam pelas propostas do novo movimento.

Efe

A Praça da Catalunha tornou-se o foco dos protestos em Barcelona. Manifestantes prometem continuar até domingo.

“Isso é como o Speaker’s Corner, mas à sua maneira”, comentou atrás da mesa da comissão de cozinha Alberto Velasco, um comerciante de 32 anos, em referência ao famoso local de debate no Hyde Park de Londres. “Estamos fartos que os pobres paguem a crise dos ricos, a corrupção aqui é um escândalo. Há muita vontade que algo mude, esta é uma centelha de esperança”.
 
Enquanto fala, não deixa nem por um segundo de atender os cidadãos que chegam carregados com bolsas de plástico repletas de comida e utensílios de cozinha para apoiar o protesto. Algumas pessoas perguntam como podem contribuir com dinheiro e depositam 5, 10, 15 euros, em um pote de plástico que está sobre a mesa.

Efe

Cabanas foram erguidas na Praça Porta do Sol, onde os milhares de manifestantes pretedem apresentar reivindicações.

No outro extremo da praça, atravessando acalorados corredores de cidadãos e  fileiras de mensagens de reivindicações de todo o tipo penduradas em cordas, é possível alcançar o local onde se encontra a comissão de comunicação. Lá, Enric Martín, funcionário de 43 anos e um dos porta-vozes do movimento, comenta que, no princípio, o coletivo era formado sobretudo por estudantes que se organizaram através das redes sociais como #spanishrevolution no Twitter.

Entretanto, desde terça-feira (17/05), os mais velhos também se somaram ao protesto após interarem-se pela rádio e televisão. Ele mesmo chegou havia alguns dias perguntando-se o que poderia fazer, equipado com um computador com conexão via satélite. “Há pouco cortaram a conexão wi-fi na praça, para que não possamos expandir nossa mensagem”, protesta.
 
Martín comentou que o movimento, chamado “Democracia Real Ya”, não conta com um líder, é sobretudo pacífico, e destacou que as decisões são adotadas pelo maioria na assembleia popular que é realizada no final do dia. A noite de quinta-feira (19/05) anterior reuniu sete mil pessoas, precedida por um sonoro panelaço. Até agora seu objetivo foi identificar o movimento e organizar-se, ainda que já trabalham na apresentação de um manifesto com exigências mínimas que deverão ser aprovadas em assembleia.

Em Madri, onde o movimento nasceu após uma concentração realizada no último domingo, os manifestantes apresentaram algumas propostas entre as quais figura a reforma eleitoral. Entre elas que a iniciativa privada não possa financiar os partidos e que não haja acusados por corrupção nas listas eleitorais. Tudo isso ainda está para ser decidido. Os protestos serão estendidos para além das eleições de domingo?, pergunto a Martín antes de me despedir. “Veremos, em breve veremos”, afirma.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Eduardo Galeano aponta quatro mentiras sobre o ambiente


Eduardo Galeano(*) via Arqueologia das urgências

1 – Somos todos culpados pela ruína do planeta.

A saúde do mundo está feito um caco. “Somos todos responsáveis”, clamam as  vozes do alarme universal, e a generalização absolve: se somos todos responsáveis, ninguém é. Como coelhos, reproduzem-se os novos tecnocratas do meio ambiente. É a maior taxa de natalidade do mundo: os experts geram experts e mais experts que se ocupam de envolver o tema com o papel celofane da ambiguidade. Eles fabricam a brumosa linguagem das exortações ao “sacrifício de todos” nas declarações dos governos e nos solenes acordos internacionais que ninguém cumpre. Estas cataratas de palavras – inundação que ameaça se converter em uma catástrofe ecológica comparável ao buraco na camada de ozônio – não se desencadeiam gratuitamente. A linguagem oficial asfixia a realidade para outorgar impunidade à sociedade de consumo, que é imposta como modelo em nome do desenvolvimento, e às grandes empresas que tiram proveito dele. Mas, as estatísticas confessam.. Os dados ocultos sob o palavreado revelam que 20% da humanidade comete 80% das agressões contra a natureza, crime que os assassinos chamam de suicídio, e é a humanidade inteira que paga as consequências da degradação da terra, da intoxicação do ar, do envenenamento da água, do enlouquecimento do clima e da dilapidação dos recursos naturais não-renováveis. A senhora Harlem Bruntland, que encabeça o governo da Noruega, comprovou recentemente que, se os 7 bilhões de habitantes do planeta consumissem o mesmo que os países desenvolvidos do Ocidente, “faltariam 10 planetas como o nosso para satisfazerem todas as suas necessidades. ” Uma experiência impossível.

Mas, os governantes dos países do Sul que prometem o ingresso no Primeiro Mundo, mágico passaporte que nos fará, a todos, ricos e felizes, não deveriam ser só processados por calote. Não estão só pegando em nosso pé, não: esses governantes estão, além disso, cometendo o delito de apologia do crime. Porque este sistema de vida que se oferece como paraíso, fundado na exploração do próximo e na aniquilação da natureza, é o que está fazendo adoecer nosso corpo, está envenenando nossa alma e está deixando-nos sem mundo.

2 – É verde aquilo que se pinta de verde.

Agora, os gigantes da indústria química fazem sua publicidade na cor verde, e o Banco Mundial lava sua imagem, repetindo a palavra ecologia em cada página de seus informes e tingindo de verde seus empréstimos. “Nas condições de nossos empréstimos há normas ambientais estritas”, esclarece o presidente da suprema instituição bancária do mundo. Somos todos ecologistas, até que  alguma medida concreta limite a liberdade de contaminação.

Quando se aprovou, no Parlamento do Uruguai, uma tímida lei de defesa do meio-ambiente, as empresas que lançam veneno no ar e poluem as águas sacaram, subitamente, da recém-comprada máscara verde e gritaram sua verdade em termos que poderiam ser resumidos assim: “os defensores da natureza são advogados da pobreza, dedicados a sabotarem o desenvolvimento econômico e a espantarem o investimento estrangeiro.” O Banco Mundial, ao contrário, é o principal promotor da riqueza, do desenvolvimento e do investimento estrangeiro. Talvez, por reunir tantas virtudes, o Banco manipulará, junto à ONU, o recém-criado Fundo para o Meio-Ambiente Mundial. Este imposto à má consciência vai dispor de pouco dinheiro, 100 vezes menos do que haviam pedido os ecologistas, para financiar projetos que não destruam a natureza.

Intenção inatacável, conclusão inevitável: se esses projetos requerem um fundo especial, o Banco Mundial está admitindo, de fato, que todos os seus demais projetos fazem um fraco favor ao meio-ambiente.

O Banco se chama Mundial, da mesma forma que o Fundo Monetário se chama Internacional, mas estes irmãos gêmeos vivem, cobram e decidem em Washington. Quem paga, manda, e a numerosa tecnocracia jamais cospe no prato em que come. Sendo, como é, o principal credor do chamado Terceiro Mundo, o Banco Mundial governa nossos escravizados países que, a título de serviço da dívida, pagam a seus credores externos 250 mil dólares por minuto, e lhes impõe sua política econômica, em função do dinheiro que concede ou promete.

A divinização do mercado, que compra cada vez menos e paga cada vez pior, permite abarrotar de mágicas bugigangas as grandes cidades do sul do mundo, drogadas pela religião do consumo, enquanto os campos se esgotam, poluem-se as águas que os alimentam, e uma crosta seca cobre os desertos que antes foram bosques.


3 – Entre o capital e o trabalho, a ecologia é neutra.

Poder-se-á dizer qualquer coisa de Al Capone, mas ele era um cavalheiro: o bondoso Al sempre enviava flores aos velórios de suas vítimas… As empresas gigantes da indústria química, petroleira e automobilística pagaram boa parte dos gastos da Eco 92: a conferência internacional que se ocupou, no Rio de Janeiro, da agonia do planeta. E essa conferência, chamada de Reunião de Cúpula da Terra, não condenou as transnacionais que produzem contaminação e vivem dela, e nem sequer pronunciou uma palavra contra a ilimitada liberdade de comércio que torna possível a venda de veneno.

No grande baile de máscaras do fim do milênio, até a indústria química se veste de verde. A angústia ecológica perturba o sono dos maiores laboratórios do mundo que, para ajudarem a natureza, estão inventando novos cultivos biotecnológicos. Mas, esses desvelos científicos não se propõem encontrar plantas mais resistentes às pragas sem ajuda química, mas sim buscam novas plantas capazes de resistir aos praguicidas e herbicidas que esses mesmos laboratórios produzem. Das 10 maiores empresas do mundo produtoras de sementes, seis fabricam pesticidas (Sandoz-Ciba- Geigy, Dekalb, Pfizer, Upjohn, Shell, ICI). A indústria química não tem tendências masoquistas.

A recuperação do planeta ou daquilo que nos sobre dele implica na denúncia da impunidade do dinheiro e da liberdade humana. A ecologia neutra, que mais se parece com a jardinagem, torna-se cúmplice da injustiça de um mundo, onde a comida sadia, a água limpa, o ar puro e o silêncio não são direitos de todos, mas sim privilégios dos poucos que podem pagar por eles. Chico Mendes, trabalhador da borracha, tombou assassinado em fins de 1988, na Amazônia brasileira, por acreditar no que acreditava: que a militância ecológica não pode divorciar-se da luta social.

Chico acreditava que a floresta amazônica não será salva enquanto não se fizer uma reforma agrária no Brasil. Cinco anos depois do crime, os bispos brasileiros denunciaram que mais de 100 trabalhadores rurais morrem assassinados, a cada ano, na luta pela terra, e calcularam que quatro milhões de camponeses sem trabalho vão às cidades deixando as plantações do interior. Adaptando as cifras de cada país, a declaração dos bispos retrata toda a América Latina. As grandes cidades latino-americanas, inchadas até arrebentarem pela incessante invasão de exilados do campo, são uma catástrofe ecológica: uma catástrofe que não se pode entender nem alterar dentro dos limites da ecologia, surda ante o clamor social e cega ante o compromisso político.

4 – A natureza está fora de nós.

Em seus 10 mandamentos, Deus esqueceu-se de mencionar a natureza. Entre as ordens que nos enviou do Monte Sinai, o Senhor poderia ter acrescentado, por exemplo: “Honrarás a natureza, da qual tu és parte.” Mas, isso não lhe ocorreu. Há cinco séculos, quando a América foi aprisionada pelo mercado mundial, a civilização invasora confundiu ecologia com idolatria. A comunhão com a natureza era pecado. E merecia castigo. Segundo as crônicas da Conquista, os índios nômades que usavam cascas para se vestirem jamais esfolavam o tronco inteiro, para não aniquilarem a árvore, e os índios
sedentários plantavam cultivos diversos e com períodos de descanso, para não cansarem a terra. A civilização, que vinha impor os devastadores monocultivos de exportação, não podia entender as culturas integradas à natureza, e as confundiu com a vocação demoníaca ou com a ignorância. Para a civilização que diz ser ocidental e cristã, a natureza era uma besta feroz que tinha que ser domada e castigada para que funcionasse como uma máquina, posta a nosso serviço desde sempre e para sempre. A natureza, que era eterna, nos devia escravidão. Muito recentemente, inteiramo-nos de que a natureza se cansa, como nós, seus filhos, e sabemos que, tal como nós, pode morrer assassinada. Já não se fala de submeter a natureza. Agora, até os seus verdugos dizem que é necessário protegê-la. Mas, num ou noutro caso, natureza submetida e natureza protegida, ela está fora de nós. A civilização, que confunde os relógios com o tempo, o crescimento com o desenvolvimento, e o grandalhão com a grandeza, também confunde a natureza com a paisagem, enquanto o mundo, labirinto sem centro, dedica-se a romper seu próprio céu.

(*)Eduardo Galeano é escritor e jornalista uruguaio

Governo retoma desapropriações e pode assentar até 50 mil famílias


Em resposta ao Grito da Terra, presidenta Dilma Rousseff autoriza liberar, até julho, R$ 530 milhões para compra de terras. Com pagamento de R$ 600 mil em desapropriações este ano, reforma agrária estava quase parada. Custo médio de assentamentos na última década indica que até 50 mil famílias podem ser beneficiadas em 2011, um terço do que pediam manifestantes.


 O governo Dilma Rousseff planeja retomar as desapropriações de terra para fazer reforma agrária a partir de junho ou julho, liberando meio bilhão de reais que já está previsto no orçamento, mas que um corte de despesas anunciado pela equipe econômica em fevereiro havia deixado em dúvida se seria gasto. Não existe ainda meta oficial de assentamentos, mas os recursos (R$ 530 milhões) têm potencial para atender até 50 mil famílias.

De 2000 a 2010, o governo pagou R$ 7,7 bilhões para comprar terras e assentar 780 mil famílias, de acordo com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Em média, cada família custou em torno de R$ 10 mil para ser assentada. Com base neste valor, tem-se uma ideia da ordem de grandeza da reforma agrária pretendida pela gestão Dilma neste ano. Em 2011, essa política estava quase parada. Foram pagos R$ 600 mil em desapropriações, segundo o Incra.

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Afonso Florence, disse que ainda não é possível estimar quantas pessoas serão atendidas em 2011. Parte do dinheiro pode ter de ser usada para pagar desaproporiações anteriores que passaram por revisão de quantias na Justiça.

No Grito da Terra, marcha anual de reivindicações que realiza esta semana em Brasília, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) pedia assentamento emergencial de 150 mil famílias acampadas.

O anúncio do governo de que vai liberar recursos para reforma agrária foi feito após reunião da diretoria da Contag com a presidenta Dilma Rousseff e os ministros Afonso Florence e Gilberto Carvalho (Secretaria Geral). Primeiro à imprensa, no Palácio do Planalto, por Florence e o presidente da Contag, Alberto Broch. Depois, por eles e Gilberto Carvalho, todos cima de um carro de som, aos manifestantes do Grito que estavam na Esplanada dos Ministérios, em Brasília.

Os produtores ali presentes ouviram que governo decidiu criar superintendência exclusiva para cuidar de habitação rural dentro da Caixa Econômica Federal. A Contag queria R$ 2 bilhões para um fundo específico destinado a moradias rurais. O fundo nasceu em 2009, com R$ 500 milhões, dos quais R$ 130 milhões já foram objeto de contrato para construir 8,9 mil unidades habitacionais, segundo o Ministério das Cidades.

Em vez de se comprometer a aumentar as cifras do fundo, o governo optou por tentar reduzir a burocracia da Caixa, acostumada a lidar com clientes urbanos. “A agricultura familiar tem suas especificidades. Lá na Amazônia, quem não tem título de regularização fundiária não consegue financiamento para reformar uma casa. Essa superintendência vai ajudar a buscar alternativas”, disse o agricultor Carlos Augusto Santos Silva, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará.

Plano safra: afinação
Em outra reinvindicação feita pelo Grito, o entendimento com o governo foi total. No plano safra 2011-2012, o financiamento oficial aos agricultores familiares será de R$ 16 bilhões. Igual ao que pedia a Contag – e igual ao anterior, como achou bom o governo, que está tentando segurar gastos. Será a primeira vez, desde a passagem da safra 2002-2003 para a 2003-2004, que não haverá aumento do crédito ao segmento familiar.

“Mas agora os juros serão mais baixos. Teremos mais dinheiro em condições atrativas”, afirmou o ministro do Desenvolvimento Agrário. Além disso, explicou Florence, o governo reforçará a prestação de assistência técnica ao produtor familiar, que a Contag acredita ter sido “desmantelada”. O apoio técnico ajuda o agricultor a se preparar para tomar dinheiro emprestado nos bancos. Com mais assistência, espera-se que o segmento consiga usar o máximo que lhe foi reservado em financiamento oficial.

Segundo dados do ministério da Agricultura, a média de aproveitamento do crédito pelos pequenos produtores na última década foi de 70% ao ano. Uma única vez passou de 80%. No caso dos grandes, em oito anos foi preciso dar mais dinheiro do que estava disponível de início.

O não aproveitamento total dos recursos é que levou a Contag a abrir mão de pedir a ampliação das linhas de crédito em 2011. “Hoje, a renda é que é um dos nossos grandes problemas. Nem todo mundo tem acesso a crédito” afirmou Alberto Broch.

Neste sentido, para ele, foi importante a sinalização dada pelo governo em outro pleito da Contag: a criação de um programa de garantia de preços mínimos para a produção dos agricultores familiares. O governo montará um grupo de trabalho, coordenado pelo ministério da Fazenda, para estudar como instituí-lo e com quais valores.

“Estamos satisfeitos. A cada dois meses, sentaremos com o governo para avaliar as coisas que estão andando e que não estão andando”, afirmou Broch. “O balanço é positivo. A presidenta Dilma tomou decisões que colocam a agricultura familiar na base do desenvolvimento do país”, declarou Florence.

Base militar tornou “sem ilha” o povo chagassiano


Brizola neto no TIJOLACO

Um drama ocupa hoje espaço de destaque na edição de hoje do jornal inglês The Guardian.
É o sofrimento do chagassianos, antigos habitantes do Arquipélago de Chagos, a leste da costa africana, a meio caminho da Ásia.
Mais de duas mil pessoas foram “removidas” das ilhas, entre 1967 e 1973 para as ilhas Maurício. A finalidade foi usar a maior de suas ilhas, Diego Garcia, como base aérea e naval  dos EUA , com estruturas de apoio inglesas nas demais ilhas. Quem não aceitou a “remoção” foi embarcado à força e aprisionado nas Ilhas Seychelles, hoje um famoso paraíso fiscal.
A desocupação das ilhas incluiu até um sui generis “fuzilamento de cachorros”, matando os animais de estimação dos moradores para intimidá-los
De lá, partiram bombardeiros para a guerra do Iraque.
Os tribunais ingleses reconheceram a posse indevida das ilhas, mas recusaram a devolução de Diego Garcia, sob o argumento que o arrendamento da ilha aos EUA era válido.
A base é estratégica e, para mantê-la, vale até uma aliança com os ambientalistas.
Um telegrama vazado pela Wikileaks mostra que a  transformação das  ilhas em “área marinha protegida”, que encantou os ambientalistas,  revelou que um alto funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros britânicos tinha dito a seus colegas americanos a criação da reserva “poria fim aos pedidos de reinstalação dos antigos moradores do arquipélago”.
O funcionário, identificado como Colin Roberts, diretor de territórios ultramarinos, observou que o  “lobby ambiental   é muito mais poderoso do que o dos defenores dos chagossianos “, e acrescentou que o governo britânico não queria “nenhum Sexta-Feira (o personagem de Robinson Crusoé) nas ilhas.
Alguns dos chagassianos voltaram, de visita, às suas ilhas, e encontraram ruínas de suas antigas casas.
Em pleno século 21, as chagas do colonialismo, por vezes, aparecem de forma impressionante.

A Palestina já existe no cinema

Durante os últimos dez anos, uma nova onda de cineastas palestinos projetou na tela uma identidade nacional específica

 

Sabah Haider, via BrasilDeFato
Oficina de Información Chileno-palestina


Durante os últimos dez anos, uma nova onda de cineastas palestinos projetou na tela uma identidade nacional específica. Está relacionada mais especificamente com a política do que outras representações anteriores sobre vidas e histórias dos palestinos.
Enquanto a segunda Intifada (que começou em setembro de 2000) estava em seu apogeu máximo em Israel e nos territórios palestinos ocupados, a película "Intervenção divina" ("Divine Intervention") (2002), do cineasta Elia Suleiman, nascido em Nazaré, foi apresentada na Academia de Artes e Ciências Cinematográficas como indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. A Academia o rechaçou porque a "Palestina não é um país". Em 2006, quando o filme do cineasta palestino Hany Abu-Assad "Paradise Now" (2005) foi indicado para a mesma categoria, a Academia o validou e identificou seu país como "a Autoridade Palestina".
O estudioso Edward Said escreveu na introdução do livro sobre o cinema palestino Dreams of a Nation [Sonhos de uma Nação]: "Toda a história da luta palestina tem a ver com o desejo de ser visível". Este desejo é o que tem guiado a nova onda de filmes palestinos na última década. O cinema palestino se reinventou muitas vezes nos últimos 40 anos, mas os filmes feitos desde a segunda Intifada, que começou no ano 2000, são os que têm recebido atenção internacional. E não porque existam, mas porque representam uma afirmação social, cultural e política sem precedentes.
Nos últimos dez anos, milhares de partidários da causa palestina em todo o mundo - não somente palestinos - têm recorrido às câmeras, com a ajuda de uma tecnologia digital, para fazer filmes sobre a Palestina e a urgente situação atual dos palestinos. Seu cinema se caracteriza pelo uso de fatos históricos e sociais comuns para documentar a luta dos palestinos, a ocupação israelense e a identidade cultural.
Os destacados estudiosos do cinema palestino Nureth Gertz e Michel Khleifi identificaram quatro períodos diferentes em seu livro Palestinian Cinema: Landscape, Trauma and Memory [Cinema Palestino: Paisagem, Trauma e Memória]. O primeiro se estende entre 1935 e 1948, ano da nakba (catástrofe, termo utilizado para designar o êxodo dos palestinos em 1948). O segundo, "a época do silêncio", compreende de 1948 a 1967, em que não se produziram películas. O terceiro abarca os filmes do período revolucionário entre 1968 e 1982 - provocado pela ocupação da Cisjordânia e Gaza depois da Guerra dos Seis Dias - que foram realizadas sobretudo pela Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e outras organizações palestinas no exílio no Líbano. No quarto período, que começou em 1982 depois da invasão israelense do Líbano e do massacre de Sabra e Chatila, continua até a atualidade.

Nação sem Estado

A doutora Lina Khatib, especialista em cinema árabe e professora da Universidade de Stanford na Califórnia, afirma que a relação de um filme com a história é subjetiva. Acrescenta que o conflito árabe-israelense é o exemplo mais claro de um mesmo fato histórico ao qual se dá "diferentes interpretações, muitas vezes contraditórias" em Hollywood e nos filmes árabes. Ela opina que as verdades construídas por cada uma das partes se produzem por determinados e diferentes contextos históricos e que refletem tais diferenças.
Os filmes palestinos da nova fase estão inerentemente ligados à política. São construções cinematográficas que tratam da resistência específica do período posterior a 2000. A segunda Intifada é um acontecimento-chave na luta palestina, ponto no qual se desenvolve a construção da identidade nacional definida pelos fatos históricos e sociais que ocorreram. Os filmes anteriores, com uma voz palestina como alternativa ao discurso dominante israelense sobre o conflito, constituem esse novo momento.
O cinema palestino é realmente um cinema nacional sem estado, que representa 9,7 milhões de palestinos social, econômica e geograficamente espalhados por todo o mundo - aproximadamente 74% dos palestinos são refugiados. Nos territórios ocupados, os palestinos quase não têm acesso a cinema: durante a primeira Intifada, Israel fechou todos os centros de entretenimento, incluindo os cinemas. O estado israelense paralisou as pessoas e asfixiou seus esforços culturais, e também proibiu as manifestações públicas e encontros culturais.
Definir o cinema palestino não é fácil. Em um ensaio, o cineasta Omar al-Qattan, nascido em Beirute e educado na Grã-Bretanha, levanta questões sobre o que o torna um diretor de cinema palestino, além de ser filho de pais palestinos. Afirma que sua relação com a Palestina é um imperativo ético para o qual está equipado devido ao patrimônio histórico e cultural de sua família e a amizades com outros palestinos. Al-Qattan se mantém firme no fato de considera "palestina qualquer película comprometida com a Palestina, e não limita o nome às estreitas fronteiras nacionalistas". Adotando a definição de Qattan, entende-se que "A porta do Sol" ("Bab el Shams") seja considerado um filme palestino, apesar de ter um diretor egípcio e financiamento francês.

Esperança e desespero

Hamid Dabashi, editor de Dreams of a Nation [Sonhos de uma Nação], escreveu: "A simples proposta do cinema palestino marca a disposição traumática de sua origem e originalidade. O mundo do cinema não sabe muito bem como abordar o cinema palestino, precisamente porque surge como um cinema sem estado com sérias consequencias em nível nacional". Isso aparece talvez bem refletido na nova produção de Elia Suleiman "O tempo que resta” (“The Time That Remains”) (2009), o último da trilogia palestina (os outros dois que compõem a trilogia são "Crônica de um desaparecimento" (“Chronicle of a Disappearance”) (1996) e “Intervenção divina” (“Divine Intervention”), em que afirma que os espectadores têm que considerar o fato de que, simplesmente, "o tempo se acaba".
Os filmes palestinos da nova geração acreditam em ações sociais comuns, como a ocupação, a ausência de um estado e a luta pelo direito de retorno para construir uma identidade nacional que transcenda a diáspora fragmentada. A ocupação israelense e a opressão são representadas por meio da descrição dos postos de controle, bloqueios de estradas e cartões de identificação. A contínua ausência de um estado e a aspiração de ter uma pátria se mostram como esperança e desesperança - a esperançada busca de uma nação soberana; os que carecem de esperança, como os personagens dos filmes de Elia Suleiman, sofrem frustração e desespero. O direito ao retorno que aparece em todos esses filmes pretende eliminar a causa do sofrimento e voltar a um estado de paz e segurança.
A segunda Intifada permitiu ver os símbolos da sublevação: Yasser Arafat, os postos de controle e bloqueios de estradas, a barreira israelense da Cisjordânia e a expansão dos assentamentos. A maioria dos filmes da nova onda estão ambientados na Cisjordânia, onde os palestinos vivem "atrás do muro" e utilizam os pilares da luta - a falta de pátria, a opressão, a resistência e o direito ao retorno. Desde o bloqueio israelense é difícil rodar filmes na Faixa de Gaza, ainda que no ano passado tenha sido rodada uma película de grande alcance, “Imad Aqel” (2009), que trata de um combatente do Hamas, Movimento de Resistência Islâmico, morto em conflito. Fazer um filme sob ocupação, dentro do bloqueio israelense, em um lugar assolado pela pobreza, era uma façanha, ainda que as manchetes internacionais tenham se concentrado no fato de o filme ter sido financiado e produzido pelo Hamas. Quatro dos atores do filme foram posteriormente assassinados durante e Operação Chumbo Fundido - a guerra israelense em Gaza, que durou 22 dias entre dezembro de 2008 e janeiro de 2009.

Uma arma cultural

A ideia de "conjunturas históricas específicas" de que Khatib fala está vinculada à ideia de identificar os "fatos sociais" essenciais - um termo criado pelo sociólogo francês Emile Durkheim. Segundo ele, os fatos sociais podem ser ao mesmo tempo "objetivos, resistentes e persistentes" e são a chave para entender a vontade coletiva ou a consciência e identidade de um grupo. Durkheim define os fatos sociais como "formas de atuar ou de pensar como a característica peculiar de exercer uma influência coercitiva sobre a consciência individual... Inclusive os símbolos que representam esses conceitos mudam em função do tipo de sociedade"
Nos filmes da nova fase palestina, a relação entre o cinema e a realidade está historicamente e politicamente modulada para construir uma arma cultural que também atue como resistência. Essas películas são textos históricos dos oprimidos.
Poucos hispsters em Londres ou Nova York são conscientes do significado político do lenço palestino kufiya que compram na H&M ou Top Shop. A kufiya se converteu em um símbolo de solidariedade palestina e da resistência palestina em tempos de nakba, de forma não totalmente deliberada. Foi uma coincidência cultural. A Palestina era uma sociedade agrária antes da criação de Israel, e tanto a terra como a agricultura são grande parte desse patrimônio cultural palestino. Durante a nakba, quando os sionistas arrasaram os povos e os palestinos fugiram, os povos rurais foram os primeiros a serem destruídos. Os que fugiram foram os agricultores, que levavam a kufiya para se proteger do sol no verão e do frio no inverno nos campos e plantações de oliva. A kufiya é um símbolo recorrente no novo cinema palestino.
Outros símbolos são o mapa original da Palestina (antes de 1948), a terra e a bandeira palestina. A história demonstra que, como seres humanos, nos apoiamos nos símbolos para projetar nossa identidade quando nossas vozes e ações não podem (na França, o dia da Queda da Bastilha não seria o mesmo sem a bandeira francesa); a bandeira palestina é o símbolo mais importante de solidariedade, resistência e nacionalismo nos filmes da nova fase.
Por exemplo, "Intervenção Divina" (“Divine Intervention”), de Suleiman, e “Paradise Now”, de Abu Assad, relacionam o ambiente da ocupação israelense e a paisagem dos territórios ocupados com as personagens; dá a eles um contexto, convertendo-se também em uma parte da história. Na fantástica sequência de "Intervenção Divina", a noiva do protagonista vai coberta com uma kufiya quando luta contra os soldados israelenses. Sem a kufiya, a sequência poderia ser lida como feminista nas entrelinhas. No entanto, ocultando sua identidade com a kufiya, ela se converte em um símbolo de resistência palestina.
Ambas as películas identificam um objetivo coletivo de retorno à pátria. Mas "Intervenção Divina" pode ser interpretada como uma alegoria do fracasso da aspiração nacional, enquanto que "Paradise Now" pode ser entendida como uma alegoria difundida para alcançar uma determinação. No filme "O sal deste mar" ("Salt of this Sea") (2008) da cineasta palestino-estadunidense Annemarie Jacir, a personagem principal, Soraya, é uma jovem e rebelde estadunidense nascida no Brooklyn, que pertence à terceira geração de refugiados palestinos. Ela vai em busca de sua antiga casa em Jaff (atualmente em Israel) para aceitar sua identidade pessoal e história familiar, e anseia recuperar a casa de sua família. Como disse o historiador Issam Nassar: "O êxodo e a expulsão forçada dos palestinos em 1948 e a construção dos campos de refugiados em todo o Oriente Médio estabeleceram o contexto para a transformação dos antigos locais palestinos e afiliações comuns em nacionalistas".
Os cineastas do novo período conseguiram construir uma identidade nacional palestina que transcende a diáspora fragmentada; tem feito do cinema um meio-chave para a documentação e preservação da história de sua luta. Fundamentalmente, conservam o dialeto árabe-palestino - que não é fácil, tendo em consideração a dispersão geográfica da comunidade. A jornalista árabe-estadunidense Nana Asfour afirma: "O que une os filmes palestinos é o idioma - árabe palestino, o tema - a vida dos palestinos - e o desejo de cada diretor de retratar sua própria visão sobre o significado de ser palestino".
Há pouco tempo conheci Elia Suleiman em Beirute enquanto promovia seu novo filme "O tempo que resta", que estreou em Cannes no ano passado. Sugeriu que vale a pena considerar a multiplicidade de vozes dos cineastas palestinos. "Não sei se o microcosmos do conflito árabe-israelense é um reflexo do mundo, ou se o mundo é um microcosmos da Palestina. Em nível mundial, a Palestina se multiplicou e criou muitas Palestinas. Creio que se fôssemos ao Peru, também encontraríamos ali uma Palestina em estado grave".

Sabah Haider é jornalista e cineasta radicado em Beirute. Realiza oficinas de cinema para jovens palestinos em campos de refugiados na Palestina, Jordânia, Líbano e Síria.

A súbita riqueza do ministro chefe

Escrito por Leo Lince  no Correio da Cidadania 
 
Em priscas eras, quando o PT ainda postulava a mudança na ordem econômica e defendia uma "nova gramática do poder", a palavra "projeto" sempre aparecia em seus documentos associada ao esforço coletivo: projeto estratégico dos trabalhadores, projeto político para o Brasil. Como goiabada cascão em caixa, coisa fina que não mais se acha.
 
Depois de quase uma década na posse da principal alavanca do poder político, a palavra mudou de conteúdo no vocabulário petista. O que era plural se individualizou. Projeto, agora, é uma empresa particular de consultoria financeira.
 
A classe operária, claro, não foi ao paraíso. Os trabalhadores seguem moendo no áspero, mas os que chegaram ao poder político em seu nome navegam no mar das facilidades. Alguns descobriram cedo que, ao invés de dar "cavalo-de-pau" em transatlântico, mais confortável era tomar assento na boleia.
 
A súbita riqueza do atual ministro chefe da Casa Civil não passa de mera decorrência de outras escolhas, não só dele, e muito anteriores. Em 2002, a esperança só venceu o medo na campanha eleitoral. Ato contínuo, como alertou na época o saudoso Celso Furtado, a música do continuísmo já tocava no grupo de transição para o primeiro governo petista.
 
O que era grande, a promessa de mudança, foi trocado em miúdos: milhares de pequenas "metamorfoses ambulantes". Quem se vendeu como artífice da mudança, agora se oferece como palestrante e consultor da restauração.
 
O alvoroço montado nos jornais desta semana não passa de um episódio a mais em tal trajetória. Episódio, aliás, que pode se tornar território de múltiplas revelações. Algumas delas, além de curiosas, sintomáticas. Por exemplo: José Serra e Aécio Neves, que brigam de foice pela liderança do tucanato, estiveram unidos na defesa do acusado. Comem da mesma fruta e, na certa, não querem saber de marolas no condomínio do poder.
 
Por outro lado, a nota expedida pela assessoria da Casa Civil em defesa do ministro é um espanto. Foi feito até um levantamento do número de parlamentares que, como o acusado, "costuram para fora" durante o exercício do mandato. Levantamento que cumpre um duplo objetivo: defender a absoluta normalidade do duvidoso procedimento e, ao mesmo tempo, ameaçar quem recalcitra na crítica. Ou seja, "locupletemo-nos todos...".
 
Mais grave ainda é a defesa do princípio dos vasos comunicantes entre os pontos fortes da economia e as alavancas que definem, na estrutura do Estado, o destino das finanças públicas. Quem ocupou postos chaves na administração e depois virou banqueiro ou, no percurso inverso, banqueiro que virou ministro, são fornecidos exemplos concretos com nome e sobrenome, são procedimentos defendidos na nota como naturais e desejáveis. Um absurdo sem tamanho.
 
Ao tratar como natural a malha de cumplicidades de mão dupla, que coloca o aparelho estatal como extensão das corporações dominantes, o objetivo da nota é justificar o "enorme valor de mercado" dos "profissionais" que transitam por tais escaninhos. Os consultores de luxo, pagos a peso de ouro pelos barões do setor privado, não precisam revelar a fonte nem a quantia de seus ganhos. Estão protegidos pelo manto sagrado da confidencialidade dos contratos. Um privilégio dos poderosos que, infelizmente, não esteve ao alcance do caseiro Francenildo.
 
Nas origens, quando Carlito Maia não cobrava tostão por seus slogans geniais, o PT se orgulhava da sua condição de partido diferente. Nas cantorias de militância, interpelava os partidos da ordem por serem "tão iguais". Agora ficou igual aos demais. Para desfrutar os privilégios do poder, vangloria-se de fazer o que todos fazem. Pratica o que antes execrava e, sem desconforto aparente, defende de cara limpa a súbita riqueza do ministro chefe.
 
Léo Lince é sociólogo.
 

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Qual a graça?

 
Umas das principais polêmicas recentes foi a entrevista da revista "Rolling Stone Brasil" com o cqc Rafael Bastos. A matéria revela um trecho do show do comediante, em que ele diz, referindo-se ao estupro de uma "mulher feia": "Tá reclamando do quê? Deveria dar graças a Deus. Isso pra você não foi um crime, e sim uma oportunidade."


Ora, na mesma semana em que jovens de três estados foram detidos por atuarem num movimento que defende a legalização da maconha, acusados de "apologia às drogas", as declarações de Bastos suscitam alguns questionamentos. Por um lado, os jovens mencionados estavam exercendo seu direito à livre manifestação de ideias, defendendo seu ponto de vista, disputando sua opinião na sociedade legitimamente.
De outro lado, Rafael Bastos, cujo discurso não tem nenhuma dessas características, não poderia ser acusado de apologia a um crime hediondo? Por que? Porque aquilo pretende ser uma piada? Porque ele só quer "desconstruir o politicamente correto"? Porque é famoso e ganhou carta branca pra dizer as barbaridades que quiser impunemente?
Há meios inteligentes, ou pelo menos, não tão vulgares, de pôr o "politicamente correto" em questão. Sugerir o estupro de mulheres e promover sua banalização não choca o moralismo, choca quem, há décadas, concentra esforços para denunciar e combater essa violência injustificável - que não é ficção, é de verdade, mais comum e mais impune do que se imagina.
Tratar estupro como piada passa por cima de tantas mulheres que o machismo já vitimizou por meio dessa arma cruel, legitima essa violência, conferindo-lhe o status de coisa qualquer, coisa da vida, coisa que acontece e pode ser tolerada. Esse é o texto implícito. Não precisa se dedicar muito pra entender.
Acontece que estupro não é piada, não é engraçado, não é tolerável e não há atenuantes. Banalizar esse assunto é tornar-se cúmplice dele. Não há meio termo. Aceitar rir de si mesmo é uma coisa. Rir de uma mulher estuprada é outra completamente diferente.
A quem quer caçoar do "politicamente correto", que o faça sem brincar com o que não tem graça nenhuma. Indicar o estupro como "oportunidade" num texto humorístico não é bonitinho, nem engraçadinho, nem original, muito menos inteligente. É cruel, leviano, beira o fascismo. Atitudes como essa, travestida de moderninha e descolada, é o que de mais reacionário pode haver numa sociedade desigual como a nossa. Afinal, por que Bolsonaro é criticado quando fala sério, mas Rafael Bastos tem autorização pra falar "brincando"?
Violência contra a mulher é crime. Não tem graça. Não tem desculpa.

* Alessandra Terribili, jornalista, é integrante da Secretaria Nacional de Mulheres do PT.

A rebelião jovem que o mundo não quer ver

Brizola Neto no TIJOLACO



Não sai, ou sai discretamente, nos jornais, o movimento que está abalando a Espanha e possivelmente  vai se espalhar para países como Portugal e Grécia, devastados pela estagnação econômica. Ontem, eu publiquei aqui um vídeo sobre o “15-M” da Espanha (numa referência ao dia 15 de maio, quando começaram os protestos). Mesmo desrespeitando a ordem da Justiça para que se dispersem, eles continuam lá, aos milhares.
Por isso, traduzi um trecho do artigo de Jan Martínez Ahrens, no El Pais de hoje, para que a gente entenda melhor o que se passa por lá e reflita, também, como temos de evitar que a representação política caia neste pântano da falta de credibilidade e esperança.
Por razões obvias, a mídia internacional, que sentou praça junto aos manifestantes do Oriente Médio, ignora ou praticamente ignora estes, que estão debaixo de seus narizes.

Por que o Movimento 15-M tem êxito

A ação dos partidos na campanha eleitoral foi parcialmente superada por um movimento forjado nas margens do sistema, o 15-M. Nessa época, quando os partidos geralmente passam usar mais pólvora para atrair atenção para suas propostas, um grupo de insatisfeitos e cyberativistas foi agarrando o interesse e despertar a simpatia de centenas de milhares de pessoas agitando uma mensagem cheia de revolta, utopia e um ponto (“não somos bons nas mãos de banqueiros e políticos”, proclamam)
Argumentos não lhes faltam. Dois são óbvios: a gravidade da crise, com o desemprego dos jovens de até 43%, e o desencanto com a classe política incapaz de oferecer um discurso envolvente aos seus eleitores e cheio de líderes e aqueles que só estão interessados em fazer afirmações sem possibilidade de questionamento e não mostram qualquer escrúpulo para incluir na lista (fechada) réus em casos de corrupção, e até mesmo mistura-los nas arenas de touros (referência a um comício da direita espanhola na Plaza de Toros de Valencia)

Neste clima de erosão econômica e perda de credibilidade é adicionado um processo eleitoral fora do biorritmo real: sob o açoite da maior crise econômica da democracia perdem o interesse, principalmente nas grandes cidades, os debates municipais e regionais ( por sinal , alguém lembra de algum brilhante?). Os cidadãos têm os olhos em eleições gerais, ou seja, numa  possível mudança de ciclo. Assim, a atenção do público, o espetáculo entediante e pobre que eles estavam testemunhando, levou tão rapidamente a este grupo e suas reivindicações. Em geral, são demandas muito pouco desenvolvidas, mas por isso, são próximas e fáceis de compreender. Típicas de tempos de crise decorrente da revolta de uma geração que vê sua vida presente afundar. Sob a premissa de uma revolução ética, afirmam sua fé juvenil contra os “o modelo econômico ultrapassado e antinatural”, contra o desejo e a acumulação de poder por parte de alguns, contra o desemprego, contra a “ditadura partidocrática” apontando diretamente para o PP e do PSOE.

Com esta mensagem de banda larga, o movimento foi bem jogado através da comunicação. Primeiro, entre eles, utilizando novas tecnologias, especialmente oTwitter, que lhes permitiu superar as barreiras tradicionais de convocar suas ações. Depois, conseguiu gerar um universo horizontal e consciente, permanentemente ligado e com ações imediatas. Nesse movimento gigantesco de informação, em se forjaram muitas das suas iniciativas, foram captando a atenção de milhares de pessoas, principalmente jovens, que sofrem a devastação da insegurança e do desemprego, e viram suas chances diminuírem em relação à geração de seus pais.

Pedido de impeachment de Gilmar Mendes não é notícia para a "grande imprensa"

Do blog do Mello, por ele mesmo

Nas versões nas bancas, nos telejornais e portais de notícias da chamada "grande imprensa" não há uma linha, uma frase, uma palavra sobre o pedido de impeachment do ministro Gilmar Mendes protocolado no Senado e na OAB pelo advogado Alberto de Oliveira Piovesan.

A "grande imprensa" que diz que tem o dever de informar, que se diz defensora ardente da liberdade de expressão, de imprensa, não dá informação alguma a seus leitores, telespectadores sobre o pedido. Para quem só se (des)informa por eles, não existe.

Não é possível que não haja uma estratégia por trás disso, uma combinação entre eles. Afinal, é um pedido de impeachment do homem que até há pouco tempo era o presidente do STF, do homem que percorreu o país emitindo opinião sobre os principais assuntos da vida brasileira, como um Simão Bacamarte a defender a sanidade do Judiciário.

Mas, o pedido de impeachment é uma das pontas da informação. A outra é o que há nele, as sérias acusações contra Gilmar Mendes que também não são levadas ao conhecimento da população, a quem a "grande imprensa" (e, mais importante que ela, a Constituição do país) diz ter o direito à informação:

(...) A referida reportagem informou, dentre outros fatos, que o Advogado Sergio Bermudes hospeda o Ministro Gilmar Ferreira Mendes quando este vem ao Rio de Janeiro, e que já hospedou-o em outras localidades, além de fornecer-lhe automóvel Mercedes Benz com motorista.

A citada reportagem informou também que o Ministro Gilmar Ferreira Mendes recebeu de presente, do mesmo Advogado Sergio Bermudes, uma viagem a Buenos Aires, Argentina, quando deixou a presidência do Supremo Tribunal Federal no ano passado (2010). E que o presente foi extensivo à mulher do Ministro, acompanhando-os o Advogado nessa viagem.

A citada reportagem informou ainda que o referido Advogado emprega e assalaria, acima do padrão, a mulher do Ministro. Evidente que no recesso do lar pode ela interferir junto ao marido a favor dos interesses do escritório onde trabalha,
e de cujo titular é amiga intima (sempre segundo a citada reportagem). É o canal de voz, direto e sem interferências, entre o Ministro e o Advogado.

Se comprovados estes fatos, notadamente a viagem de presente, ficará configurada violação de dever funcional, com consequente inabilitação para o cargo, eis que
vedado o recebimento de benefícios ao menos pelo Código de Ética da Magistratura, precisamente seu artigo 17.

Será que nada disso é notícia? Por que o silêncio cúmplice?

Este pequeno blog vai ficar batendo na tecla, até que o ministro venha a público desmentir e desqualificar - se puder - as graves acusações que lhe são feitas.

Quem já chamou às falas um presidente da República também deve ser chamado às falas, porque ninguém pode estar acima das leis, pairando olímpico. Como não ficou o Simão Bacamarte original, que, ao final, internou-se na Casa Verde.

Nossa Casa Verde e Amarela e Azul e Branca aguarda o ministro.

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