Do blog CINE-AFRICA
Há
cinquenta anos atrás, o cinema africano nascia e se afirmava como um
cinema engajado, comprometido social e ideologicamente com as lutas de
emancipação que agitavam toda a África nos períodos da descolonização.
Mas depois das independências, novas prioridades afastaram os governos
africanos do seu cinema. A partir dos anos 70, os cinemas africanos se
tornaram de vez filhos da cooperação cultural que sobretudo a França
vem mantendo com as suas ex-colônias. Muitas vozes denunciam os efeitos
perversos da política de ajuda francesa nas cinematografias africanas.
Paradoxalmente, as críticas mais virulentas partem dos próprios
cineastas que vêem nesta forma de apoio um freio e um empecilho à
emergência de políticas cinematográficas endógenas. Toda a ambiguidade
da ajuda ocidental às cinematografias africanas decorre do fato de que
ela carrega boa parte das contradições que cercam as relações do
ocidente com o Outro e com essas culturas. Olivier Barlet resume assim o
paradoxo da relação da ajuda internacional com os cinemas africanos:
“Os sucessos dos filmes africanos fragilizaram esta cinematografia: há muita pressão sobre os conteúdos e a política de ajuda, ao corresponder a uma necessidade ocidental de imagens do sul, tende para uma adaptação às normas de qualidade internacional.” (BARLET, 1996)
“Os sucessos dos filmes africanos fragilizaram esta cinematografia: há muita pressão sobre os conteúdos e a política de ajuda, ao corresponder a uma necessidade ocidental de imagens do sul, tende para uma adaptação às normas de qualidade internacional.” (BARLET, 1996)
Se
a ajuda a uma cinematografia estrangeira é ambígua, precisa o autor,
não é porque a transforma numa cinematografia assistida - todo o cinema
é, aliás, assistido, inclusive Hollywood. O problema é que esta ajuda é
baseada no princípio de um gesto bondoso de um centro em relação ao
Outro, à sua cultura e ao seu cinema, isto é, um cinema diferente. Isso
não deixa de acarretar consequências no plano temático e ideológico
nos trabalhos dos cineastas africanos que se sentem cada vez mais
impelidos a conformar os conteúdos de seus filmes às expectativas
ligadas a esta “solidariedade” interessada, proveniente de uma grande
nação de cultura. Para muitos autores, a cooperação cultural da França
com as suas ex-colônias é ainda opaca, ela oscila entre a boa
consciência, dever moral, vergonha com o passado colonial e
interesse geopolítico.
Há
mais de quatro décadas que os recursos da cooperação mantêm viva a
produção fílmica na África. Por um lado, isso cria um comodismo nos
governos africanos que tendem a considerar o cinema como um setor
secundário, e não prioritário, nos esforços de desenvolvimento. Por
outro, a ajuda que vem de fora retarda o envolvimento do setor privado
local na produção cultural e a emergência e consolidação de uma
indústria cultural que seria uma alternativa ao desenvolvimento
econômico. Enquanto isso não acontecer, os cineastas lidam como podem
com a ambiguidade da política cinematográfica francesa. E na falta de
uma política de acompanhamento dos filmes no plano da distribuição, todo
o cinema africano se tornou um cinema de evento, um cinema para
festivais. À necessidade de ajuda à produção de imagens nos países
africanos corresponde uma outra demanda por filmes africanos nos
festivais consagrados a esta cinematografia do sul: a distribuição.
Todavia,
nesta situação de marasmo e de total entrega das cinematografias
africanas às políticas pensadas sob medida para elas e de dependência
aos festivais organizados para elas, o Burkina Faso figura como
exceção. Não somente pela histórica implicação dos sucessivos governos
deste pequeno país da África ocidental na atividade cinematográfica,
mas também pela organização do maior evento dedicado, de forma bienal,
às produções fílmicas de toda a África e de sua diáspora. Neste texto,
nosso objetivo não é denunciar nem fazer uma crítica injusta às
diversas formas de ingerência da atividade cinematográfica na África.
Ao contrário, pegamos nas contradições da dependência do cinema
africano da ajuda, dos festivais e da crítica ocidentais como ponto de
partida para um esforço de compreensão do valor de outras experiências
endógenas que pontuam a história do cinema africano e que buscam
quebrar esta dependência. Nesta perspectiva, o Festival Pan-africano de Cinema e Televisão (FESPACO), a Federação Panafricana dos Cineastas (FEPACI)
e os esforços do Burkina Faso por um pan-africanismo no cinema
africano devem ser percebidos como alternativas à carência de uma
política cinematográfica na África.
(...)