sábado, 9 de julho de 2011

Immanuel Wallerstein: Um tsunami sobre Israel

Os palestinos estão perseguindo seu projeto: obter reconhecimento formal de sua soberania pela ONU, cuja Assembleia Geral vai se reunir em setembro. Querem uma declaração de que seu Estado ocupa as fronteiras de 1967 – as de antes da guerra israelense-palestina. É quase certo que o voto será favorável.


Por Immanuel Wallerstein no VERMELHO

A única questão, no momento, é saber quão favoravel. A liderança política israelense está bem ciente disso. Discute três diferentes respostas. A posição dominante aparenta ser a do primeiro-ministro Netanyahu. Ele propõe ignorar totalmente tal resolução e simplesmente manter as políticas atuais. Netanyahu acredita que Israel ignorou com sucesso, por muito tempo, resoluções desfavoráveis adotadas pela Assembléia Geral. Por que agora seria diferente?

Há alguns políticos de extrema direita (sim, existe uma posição ainda mais à direita que Netanyahu) que propõem, em represália, a anexação formal, por Israel, de todos os territórios ocupados, encerrando qualquer negociação com os palestinos. Parte da extrema direita também quer forçar um êxodo de população não-judaica, a partir deste estado israelense expandido.

O ex-primeiro-ministro (e atual ministro da Defesa) Ehud Barak, cuja base política está agora quase extinta, adverte Netanyahu por estar sendo irrealista. Barak diz que a resolução da ONU será um tsunami para Israel; e que, portanto, Netanyahu deveria ter a sabedoria de fazer algum tipo de acordo com os palestinos, antes que a resolução passe.

Ehud Barak está certo? Será um tsunami para Israel? Há uma boa chance de que sim. Porém, há pouca chance real de que Netanyahu siga os conselhos de Barak e tente fazer com seriedade um acordo prévio com os palestinos.

Considere o que é provável na Assembléia Geral. Sabemos que a maioria (talvez todos) dos países da América Latina e uma parte dos países africanos e asiáticos votarão em favor da resolução. Sabemos que os Estados Unidos votarão contra e tentarão persuadir outros a votar também. Os votos incertos são os da Europa. Se os palestinos obtiverem um número significativo dos votos europeus, sua posição política será muito reforçada.

Os europeus votarão em favor da resolução? Isso dependerá em parte do que acontecer no mundo árabe nos próximos dois meses. Os franceses já sugeriram abertamente que apoiarão a resolução, exceto se virem negociações significativas entre Israel e Palestina (que não ocorrem no momento). É quase certo que os países nórdicos se juntem a eles. A posição da Grã-Bretanha, Alemanha e Holanda está mais indefinida. Se estes países decidirem apoiar a resolução, provavelmente puxarão vários países do leste europeu. Nesse caso, a resolução obterá uma vasta maioria dos votos na Europa.

Precisamos, portanto, olhar o que está acontecendo no Oriente Médio. A segunda revolta árabe ainda está em pleno andamento. Seria temerário prever exatamente quais regimes cairão e quais se aguentarão, nos próximos dois meses. O que parece estar claro é que os palestinos estão à beira de lançar uma terceira intifada. Até os mais conservadores entre eles parecem ter perdido a esperança de qualquer acordo com Israel. Esta é a mensagem clara do acordo entre o Fatah e o Hamas. Levando em conta que as populações de praticamente todos os estados árabes estão em plena revolta política contra seus regimes, como poderiam os palestinos permanecer relativamente tranquilos? Não ficarão em silêncio.

E se não permanecerem em silencio, o que os outros regimes árabes farão? Todos vivem tempos difíceis — para dizer o mínimo –, enfrentando as revoltas em seus próprios países. Apoiar taticamente a terceira intifada seria a posição mais fácil para eles, no esforço para recuperar o controle de seu próprio país. Que regime ousaria não apoiar uma terceira intifada? O Egito já se movimentou claramente rumo a esta postura. E o rei Abdullah da Jordânia deu a entender que também o fará.

Então, imagine a seqüência: uma terceira intifada, seguida pelo apoio árabe ativo, seguido por intransigência israelense. O que farão os europeus em seguida? É difícil vê-los recusar o voto a favor da resolução. Poderíamos facilmente chegar a uma votação em que apenas Israel, Estados Unidos e alguns poucos países minúsculos votariam contra a posição pró-Palestina, talvez com poucas abstenções.

Isso me parece um possível tsunami. Israel teme acima de tudo, nos últimos anos, a “deslegitimação”. Não seria essa votação precisamente o grau mais alto de deslegitimação? E o isolamento norte-americano não enfraqueceria ainda mais a posição de Washington no mundo árabe? O que farão, nesse caso, os Estado Unidos?

Fonte: Opera Mundi

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Professora do RN que criticou a educação recusa prêmio de empresários

Porque não aceitei o prêmio do PNBE

 

Nesta segunda,o Pensamento Nacional de Bases Empresariais (PNBE) vai entregar o prêmio "Brasileiros de Valor 2011". O júri me escolheu, mas, depois de analisar um pouco, decidi recusar o prêmio.
Mandei essa carta aí embaixo para a organização, agradecendo e expondo os motivos pelos quais não iria receber a premiação. Minha luta é outra.
Espero que a carta sirva para debatermos a privatização do ensino e o papel de organizações e campanhas que se dizem "amigas da escola".
Amanda


Natal, 2 de julho de 2011

Prezado júri do 19º Prêmio PNBE,

Recebi comunicado notificando que este júri decidiu conferir-me o prêmio de 2011 na categoria Educador de Valor, “pela relevante posição a favor da dignidade humana e o amor a educação”. A premiação é importante reconhecimento do movimento reivindicativo dos professores, de seu papel central no processo educativo e na vida de nosso país. A dramática situação na qual se encontra hoje a escola brasileira tem acarretado uma inédita desvalorização do trabalho docente. Os salários aviltantes, as péssimas condições de trabalho, as absurdas exigências por parte das secretarias e do Ministério da Educação fazem com que seja cada vez maior o número de professores talentosos que após um curto e angustiante período de exercício da docência exonera-se em busca de melhores condições de vida e trabalho.

Embora exista desde 1994 esta é a primeira vez que esse prêmio é destinado a uma professora comprometida com o movimento reivindicativo de sua categoria. Evidenciando suas prioridades, esse mesmo prêmio foi antes de mim destinado à Fundação Bradesco, à Fundação Victor Civita (editora Abril), ao Canal Futura (mantido pela Rede Globo) e a empresários da educação. Em categorias diferentes também foram agraciadas com ele corporações como Banco Itaú, Embraer, Natura Cosméticos, McDonald's, Brasil Telecon e Casas Bahia, bem como a políticos tradicionais como Fernando Henrique Cardoso, Pedro Simon, Gabriel Chalita e Marina Silva.

A minha luta é muito diferente dessas instituições, empresas e personalidades. Minha luta é igual a de milhares de professores da rede pública. É um combate pelo ensino público, gratuito e de qualidade, pela valorização do trabalho docente e para que 10% do Produto Interno Bruto seja destinado imediatamente para a educação. Os pressupostos dessa luta são diametralmente diferentes daqueles que norteiam o PNBE. Entidade empresarial fundada no final da década de 1980, esta manteve sempre seu compromisso com a economia de mercado. Assim como o movimento dos professores sou contrária à mercantilização do ensino e ao modelo empreendedorista defendido pelo PNBE. A educação não é uma mercadoria, mas um direito inalienável de todo ser humano. Ela não é uma atividade que possa ser gerenciada por meio de um modelo empresarial, mas um bem público que deve ser administrado de modo eficiente e sem perder de vista sua finalidade.

Oponho-me à privatização da educação, às parcerias empresa-escola e às chamadas “organizações da sociedade civil de interesse público” (Oscips), utilizadas para desobrigar o Estado de seu dever para com o ensino público. Defendo que 10% do PIB seja destinado exclusivamente para instituições educacionais estatais e gratuitas. Não quero que nenhum centavo seja dirigido para organizações que se autodenominam amigas ou parceiras da escola, mas que encaram estas apenas como uma oportunidade de marketing ou, simplesmente, de negócios e desoneração fiscal.

Por essa razão, não posso aceitar esse Prêmio. Aceitá-lo significaria renunciar a tudo por que tenho lutado desde 2001, quando ingressei em uma Universidade pública, que era gradativamente privatizada, muito embora somente dez anos depois, por força da internet, a minha voz tenha sido ouvida, ecoando a voz de milhões de trabalhadores e estudantes do Brasil inteiro que hoje compartilham comigo suas angústias históricas. Prefiro, então, recusá-lo e ficar com meus ideais, ao lado de meus companheiros e longe dos empresários da educação.

Saudações,

Professora Amanda Gurgel

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Para a crítica do capitalismo

Escrito por Duarte Pereira   no Correio da Cidadania

A Boitempo Editorial, numa iniciativa conjunta com a Editora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, acaba de lançar a primeira tradução brasileira integral da obra de Karl Marx, celebrizada como Grundrisse (em português, Esboços ou Fundamentos para a crítica da economia política). Uma tradução brasileira da parte desses manuscritos relativa às chamadas Formen (ou Formações econômicas pré-capitalistas) já fora publicada pela Editora Paz e Terra em 1975, com importante introdução escrita pelo historiador britânico Eric Hobsbawn.

Os Grundrisse reúnem manuscritos redigidos por Marx em 1857 e 1858, no andamento de sua monumental investigação crítica do novo modo de produção e da nova formação social – capitalistas – que emergiam e se desenvolviam na Europa, assim como das primeiras interpretações dessa nova economia e dessa nova sociedade, feitas de um ângulo burguês, pelos economistas denominados clássicos, como Adam Smith e David Ricardo.

Aos Grundrisse, mantidos inéditos por Marx, se seguiria a Contribuição à crítica da economia política, publicada em 1859, e, num nível incomparavelmente superior de elaboração, o primeiro volume de O capital, publicado em 1867. Como se sabe, o 2º e o 3º volumes de O capital somente seriam publicados em 1885 e 1894, respectivamente, organizados e editados por Engels após a morte de Marx. O 4º volume, mais conhecido como Teorias da mais-valia ou como História crítica das doutrinas econômicas, reunindo os rascunhos escritos por Marx entre 1861 e 1863, seria organizado e editado por Karl Kautsky em vários tomos publicados entre 1905 e 1910. Existe uma edição brasileira integral dessa obra, traduzida diretamente do alemão por Reginaldo Sant’Anna e lançada pela Editora Civilização Brasileira em 1980.

Ao ler os Grundrisse, é preciso não perder de vista dois comentários feitos pelo próprio Marx, um ressaltando sua importância e outro alertando para seus limites. Primeiro, que os manuscritos foram “o resultado de 15 anos de pesquisa, ou seja, dos melhores anos de minha vida”. E segundo, que “as monografias foram escritas em períodos muito diversos, para meu próprio esclarecimento, não para publicação”. A maioria dos temas e das teses dos Grundisse seria reelaborada nas obras posteriores de Marx, principalmente em O capital, com mais rigor e cuidado no que diz respeito ao conteúdo e à forma e levando em conta o avanço das investigações do autor. Algumas passagens dos Grundisse não seriam reescritas por Marx, nem incorporadas a suas obras posteriores, talvez porque ele sentisse a necessidade de aprofundá-las.

A publicação da primeira edição integral em português dos Grundrisse, traduzida diretamente dos originais alemães por Mário Duayer e um grupo de colaboradores, representa um marco na história da cultura brasileira e uma contribuição muito importante para o estudo especializado e histórico-crítico do marxismo.

Quem ler esses manuscritos seminais com a mente despojada de preconceitos terá a oportunidade de verificar como permanece atual, em suas linhas essenciais, a crítica de Marx ao capitalismo e ao pensamento econômico burguês, feita do ponto de vista dos trabalhadores destituídos de meios modernos de produção e forçados a assalariar-se. 

Ficha técnica

Título: Grundrisse
Subtítulo: Manuscritos econômicos de 1857-1858: Esboços da crítica da economia política
Título original: Karl Marx Ökonomische Manuskripte 1857/58
Autor: Karl Marx
Tradução: Mario Duayer, Nélio Schneider, Alice Helga Werner e Rudiger Hoffman
Supervisão editorial e apresentação: Mario Duayer
Orelha: Jorge Grespan
Quarta capa: Francisco de Oliveira
Páginas: 792
Preço: R$ 79,00
ISBN: 978-85-7559-172-7
Editoras: Boitempo e UFRJ 
Duarte Pereira, 72 anos, é jornalista e escritor.
 
Para ajudar o Correio da Cidadania e a construção da mídia independente, você pode contribuir clicando abaixo.

“Inauguramos um novo momento na Educação Gaúcha”, diz Azevedo no 1º Encontro de Avaliação


O secretário de Estado da Educação, Prof. Dr. Jose Clovis de Azevedo, abriu o 1º Encontro de Avaliação das Coordenadorias Regionais de Educação, na manhã desta quinta-feira (7), no auditório da Caixa Econômica Federal, em Porto Alegre. Azevedo apresentou um diagnóstico das condições políticas e estruturais encontradas pela nova gestão. “Depois de oito anos de neoliberalismo, inauguramos um novo momento na Educação Gaúcha. Nossa concepção de Estado parte do princípio da equidade, onde o Estado tem a obrigação de garantir que todos tenham seus direitos atendidos, e não aumentar as disparidades entre a população”, disse o secretário ao iniciar seu pronunciamento.

Entre os principais pontos relatados: ausência de um centro de reflexão e produção de políticas e propostas para a atividade fim; fragmentação da gestão; ausência de planejamento; terceirização das obrigações do Estado, incluindo o programa de alfabetização; isolamento do governo federal; inexistência de diálogo com os professores e comunidades; priorização dos aspectos quantitativos em detrimento dos aspectos qualitativos e o fechamento de 435 escolas sem políticas para a Educação no campo.

Após, informou os avanços da Seduc nos primeiros seis meses de sua gestão, como: o reajuste de 10,91% que baixou de 66% para 50% a diferença salarial para a integralização do piso nacional; a revogação da ordem de serviço que impedia a participação dos professores em eventos de formação no horário de expediente; os seminários de formação regionais que já mobilizaram 24 mil docentes; a liberação de professores para os núcleos do CPERS, além da realização de concurso público neste ano.

O secretário também apresentou as metas para o próximo semestre, entre elas: a expansão do ensino médio, a ampliação dos programas de formação tanto para professores sem formação superior como para 2ª licenciatura e a formação continuada; a execução de 264 obras de ampliação e reforma das escolas somando R$ 61 milhões; a modernização tecnológica através do projeto piloto Santa Tecla em Bagé e avanço no regime de colaboração com os municípios para a resolução da questão do transporte escolar.

Também reafirmou o compromisso de que não
haverá mudanças no plano de carreira e sim um diálogo para alterações nos critérios de avaliação para a promoção dos professores, e que o piso nacional será integralizado durante os quatros anos de governo.

As atividades seguiram com o relato das coordenadorias com a apresentação do histórico administrativo e pedagógico percorrido até o momento. Os relatos seguem no período da tarde, que também terá a avaliação dos avanços da Seduc pelo chefe da Casa Civil, Carlos Pestana. 
 
Fonte: SEDUC

terça-feira, 5 de julho de 2011

Bicentenário da libertação da Venezuela é comemorado em Brasília



O bicentenário da libertação da Venezuela foi comemorado em Brasília pela Embaixada da Venezuela no Brasil. O embaixador, Maximilien Arvelaiz, recebeu autoridades diplomáticas, parlamentares e a comunidade venezuelana para uma solenidade, com ares de festa, na manhã desta terça-feira (5). E destacou, em seu rápido discurso, a alegria do povo venezuelano de ter o presidente Hugo Chávez de volta ao país para comemorar a data.



Lula Lopes no VERMELHO



Embaixador coloca flores no busto de Simon Bolívar.



A embaixada montou um toldo no pátio em frente ao busto de Simon Bolívar para a solenidade. Após a execução dos hinos nacionais – brasileiro e venezuelano – o embaixador colocou um buquê de flores aos pés da estátua. No breve discurso, disse que a história não se acaba, que é preciso continuar a luta para consolidar e defender a nossa sociedade e a América.






Citando os heróis de ontem, como Simon Bolívar e José Martí, ele lembrou que a luta de hoje enfrenta rechaços, intrigas e traições e a franca resistência de ontem persiste hoje na luta pela América livre.



O embaixador venezuelano lamentou o adiamento da Cúpula da Comunidade de Estados Latino-americanos e do Caribe (Celac), sobre Integração e Desenvolvimento, que deveria começar nesse dia 5 de julho devido ao estado de saúde do presidente Hugo Chávez. Mas garantiu que ele vai acontecer, destacando a importância da entidade para a integração da região e para atingirr a independência definitiva.



Maximilien Arvelaiz agradeceu aos convidados pela presença e pela preocupação com o estado de saúde de Chavez. “El está bien”, disse o embaixador.



O embaixador encerrou o discurso convidando os brasileiros a compartilhar a arte venezuelana. Após a solenidade, foi aberta a exposição de bonecas de pano “O que aprendi com a mamãe”, da artista Amada Rojas Vargas. O embaixador destacou ainda, como parte da programação do bicentenário da Venezuela, o jantar harmonizado do ‘chef’ venezuelano Eduardo Castañeda, no Mercado Municipal, na Asa Sul, nesta quarta-feira (6), a partir das 19 horas; e o show musical, de quarta a sexta-feira ( 6 a 8) com Caracas Sincrónica & Luisana Perez, em vários locais de Brasília.


Márcia Xavier

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Dirigente do MST: Mais de 24 mil escolas foram fechadas no campo

“Fechamento de 24 mil escolas do campo é retrocesso”, afirma dirigente do MST

por Luiz Felipe Albuquerque, da Página do MST

Mais de 24 mil escolas no campo brasileiro foram fechadas no meio rural desde 2002. O fechamento dessas escolas demonstra o drástico problema na vida educacional no Brasil, especialmente no meio rural.
Após décadas de lutas por conquistas no âmbito educacional, cujas reivindicações foram atendidas em parte – o que permitiu a consolidação da pauta – o fechamento das escolas vão no sentido contrário do que parecia cristalizado.
Nesse quadro, o MST lançou a Campanha Nacional contra o Fechamento de Escolas do Campo, que pretende fazer o debate sobre a educação do campo com o conjunto da sociedade, articular diversos setores contra esses retrocessos e denunciar a continuidade dessa política.
“O fechamento das escolas no campo nos remete a olhar com profundidade que o que está em jogo é algo maior, relacionado às disputas de projetos de campo. Os governos têm  demonstrado cada vez clara a opção pela agricultura de negócio – o agronegócio – que tem em sua lógica de funcionamento pensar num campo sem gente e, por conseguinte, um campo sem cultura e sem escola”, afirma Erivan Hilário, do Setor de Educação do MST.
Essas escolas foram fechadas por estados e os municípios, mas o Ministério da Educação também têm responsabilidade. “Não se têm, por exemplo, critérios claros que determine o fechamento de escolas, que explicitem os motivos pelos quais se fecham, ou em que medida se pode ou não fechar uma escola no campo”, aponta Erivan.
Ele apresenta um panorama do atual momento pelo qual passa a educação do campo, apontando desafios, lutas e propostas. Abaixo, leia a entrevista.
Como se encontra a educação no campo brasileiro, de um modo geral?
Vive momentos bastantes contraditórios. Se por um lado, na última década, avançou do ponto de vista de algumas conquistas e iniciativas significativas no campo educacional, como no caso da legislação e das políticas públicas – a exemplo das diretrizes operacionais para educação básica nas escolas do campo, aprovada em 2002, e tantas outras resoluções do conselho nacional, como o custo aluno diferenciado para o campo e as licenciaturas em Educação do Campo – por outro percebemos que os fechamentos das escolas no campo caminham na contramão desses avanços, conforme demonstram vários dados das próprias instituições do governo. Desde 2002 até 2009, foram fechadas mais de 24 mil escolas no campo. Com isso, voltamos ao início da construção do que hoje chamamos de Educação do Campo, que foi a luta dos movimentos sociais organizados no campo, mais particularmente, o MST, contra a política neoliberal de fechamento das escolas.
A que se deve o fechamento das escolas no campo?
O fechamento das escolas no campo nos remete a olhar com profundidade que o que está em jogo é algo maior, relacionado às disputas de projetos de campo. Os governos têm  demonstrado cada vez mais a clara opção pela agricultura de negócio – o agronegócio – que tem em sua lógica de funcionamento pensar num campo sem gente e, por conseguinte, um campo sem cultura e sem escola.
Nesse sentido, os camponeses e os pequenos agricultores têm resistido contra esse modelo que concentra cada vez mais terras e riqueza, com base na produção que tem como finalidade o lucro. Nessa lógica, os camponeses são considerados como “atraso”. Por isso, lutar contra o fechamento das escolas tem se constituído como expressão de luta dos camponeses, de comunidades contra a lógica desse modelo capitalista neoliberal para o campo.
Quais os objetivos da Campanha Nacional contra os Fechamentos das Escolas do Campo?
O primeiro grande objetivo é fazermos um amplo debate com a sociedade, tendo em vista a educação como um direito elementar, consolidado, na perspectiva de que todos possam ter acesso. O que precisamos fazer é justamente frear esse movimento que tem acontecido, do fechamento das escolas do campo, sobretudo no âmbito dos municípios e dos estados.
Pensar isso significa garantir esse direito tão consolidado no imaginário social, como uma conquista social à educação, garantir que as crianças e os jovens possam se apropriar do conhecimento historicamente acumulado pela humanidade, que esse conhecimento esteja vinculado com sua prática social e que, sobretudo, esse conhecimento seja um mecanismo de transformação da vida, de transformação para que ela seja cada vez mais plena, cada vez mais solidária e humana.
Colado a isso, temos que fazer esse debate da educação como um direito básico, e que nós não podemos – do ponto de vista da sociedade – dar passos para trás nesse sentido, ao negar esse direito historicamente consolidado.
A educação do campo nasce como uma crítica a situação da educação brasileira no campo. E essa situação na época revelava justamente o fechamento das escolas no campo e o deslocamento das crianças, de jovens e de adultos do campo para a cidade.
Qual o significado do fechamento dessas escolas?
Passado mais de 12 anos do que chamamos de educação do campo, dentro dessa articulação que foi surgindo pela garantia de direitos, de crítica à situação do campo brasileiro, vemos esse movimento na contramão, mesmo já tendo conquistado várias políticas públicas no âmbito educacional. É preciso que não percamos de vista essa luta pela educação no campo. Essa luta passa, essencialmente, pela defesa de melhores condições de trabalho, das condições das estruturas físicas das escolas e pela conquista de mais escolas para atender a grande demanda do campo brasileiro.
A região Nordeste representou mais da metade do total de estabelecimentos fechado nos últimos anos. Por quê?
No Nordeste é onde ainda está concentrada a maior parte da população no campo. Por isso, é maior o impacto nessa região. A exemplo, a maioria das famílias em projetos de assentamentos de Reforma Agrária estão no Nordeste. É onde se fecha mais escola e continua sendo uma região que apresenta baixos níveis de escolaridade da população no quadro geral brasileiro.
A educação é um direito básico que está consolidado no imaginário popular como conquista dos movimentos sociais, da população brasileira, mas tem sido negado. Isso configura um retrocesso histórico em meio aos avanços tidos no âmbito educacional, a exemplo das resoluções do Conselho Nacional de Educação, que assegura que os anos iniciais do ensino fundamental sejam ofertados nas comunidades.
No caso dos anos finais, caso as crianças e jovens tenham que se deslocar, que consigam ir para outras comunidades no próprio campo – o que chamam de intra-campo -, mas somente após uma ampla consulta e debate com os movimentos sociais e as comunidades.
Como trabalhar essa questão nacionalmente tendo em vista que a maioria das escolas que foram fechadas é de responsabilidade dos municípios?
Os dados de fato apontam que são os estados e os municípios que tem fechado. Não poderia ser diferente, já que são estes entes federados que ofertam de maneira geral a educação básica nesse país, cada qual assumindo suas responsabilidades.
Em geral, os municípios têm assumido a educação infantil e o ensino fundamental, e tem ficado cada vez mais para os estados a responsabilidade sobre o ensino médio. O Ministério da Educação tem também responsabilidade pelo fechamento dessas escolas, até porque estamos falando de um espaço de Estado que é a expressão máxima de instituição responsável pela educação no país.
Não se tem, por exemplo, critérios claros que determine o fechamento de escolas, que explicitem os motivos pelos quais se fecham, ou em que medida se pode ou não fechar uma escola no campo.
A escola em um determinado município faz parte de uma rede maior que são as escolas públicas brasileiras. É nessa visão de país que temos que pensar. É preciso garantir que a população do campo tenha acesso ao conhecimento elaborado e que este acesso seja possível no território em que eles vivem.
De qual maneira a luta pela Reforma Agrária se alinha com a luta pela educação?
Quando falamos de luta pela Reforma Agrária, estamos nos referindo a uma luta pela conquista de direitos como o da terra e as condições necessárias para trabalhar e viver, como o direito à educação. Com isso, vinculamos permanentemente à questão do processo educacional à Reforma Agrária, pois pensar um projeto de campo e de país, fundamentalmente, passa também por pensar um projeto de educação.
A história do nosso movimento demonstra que é necessário fazer a luta pela terra paralelamente à luta por outros direitos, como educação, cultura, comunicação. Viver no campo é exigir cada vez mais conhecimento – saber elaborado – para poder viver bem e melhor, cuidando da terra e da natureza e cultivando alimentos saudáveis para toda a sociedade brasileira.
Quais são as propostas do MST para a educação do campo?
Primeiro, que o direito à educação deixe de ser apenas um direito formal, que seja direito real das pessoas que vivem no campo, no sentido de terem em seus territórios acesso à educação e à escola tão necessária e importante como para os que vivem na cidade.
O acesso ao conhecimento não deve ser moeda de troca, em que os que necessitam tenham que comprar, algo tão fortemente presenciado na educação privada. Que possamos seguir lutando para que nenhuma outra escola seja fechada no campo ou na cidade. Temos que seguir lutando cada vez mais para garantir na realidade questões como a ampliação e construção de mais escolas no campo; com acesso a toda educação básica e suas modalidades de ensino; acesso à ciência e à tecnologia, vinculados aos processos de produção da vida social no campo e seus diversos territórios camponeses, de pequenos agricultores.
Além disso, lutamos para assegurar a formação inicial e continuada dos educadores nas diversas áreas do conhecimento para atuação na educação básica, uma vez que são mais de 200 mil educadores no campo sem formação superior; garantir educação profissional técnica de nível e superior; e que se efetive uma política pública com a participação efetiva das comunidades camponesas, dos movimentos sociais do campo.
Qual a importância de que essas escolas sejam voltadas para o campo? Ou seja, que sejam escolas do campo?
Estamos falando de um princípio básico que é da produção da existência dos sujeitos do campo. Os camponeses, os trabalhadores rurais, produzem resistência nesse espaço, nesse território. Portanto, o processo educacional que defendemos é que, além de acessar uma base comum do ponto de vista do conhecimento, precisamos que as escolas que estejam situadas no campo possam incorporar dimensões importantes da vida dos camponeses. Da dimensão do trabalho, da cultura e, fundamentalmente, da dimensão da luta social – algo que é constante no campo brasileiro. Nas últimas décadas, vivemos com o avanço do agronegócio, do capital no campo, que tem se intensificado cada vez mais e tem expulsado os trabalhadores e trabalhadores que ali vivem. Há uma resistência no campo, são os trabalhadores, as comunidades camponesas lutando contra esse modelo. E a escola, de certa maneira, precisa incorporar na organização de seu trabalho pedagógico essas tensões e contradições que constituem a realidade no campo brasileiro.

domingo, 3 de julho de 2011

Sigilo eterno


Como teria sido importante o povo brasileiro ter direito à transparência histórica!


Frei Betto no BrasilDefato

Encerrado o apocalipse, julgados vivos e mortos na grande assembleia universal do Vale de Jericó, Matusalém e Noé, encarregados do rescaldo final, encontraram nos escombros de Brasília, espalhados entre ruínas dos ministérios, os arquivos ultrassecretos da República.
― Veja só, Noé, esses aqui trazem o carimbo de “sigilo eterno”.
― Eterno!? Essa gente não deu ouvidos ao que disse Jesus, que tudo aquilo que se passasse às ocultas seria proclamado nos telhados? Do que as autoridades brasileiras se envergonhavam? – indagou o ancião da arca.
― Vejamos esses papéis aqui. Tratam da Guerra do Paraguai. Eis o relatório da atuação do comandante Luís Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias... Nossa, Noé, que coisa!... Como os soldados brasileiros foram cruéis com os paraguaios!
― Soldados, Matusalém!? Leia isto aqui: escravos arregimentados sob a promessa de uma liberdade que nunca veio. A maioria teve a morte como prêmio de combate.
― Nossa, Noé, e o Barão do Rio Branco! Como ele ousou ampliar assim, na cara de pau, as fronteiras do Brasil!?
― É, Matu, por isso há quem, no Itamaraty, prefira que os documentos fiquem à sombra das barbas do barão. A história se faz entre heroísmos e baixarias. Só que sempre foi escrita pelos vencedores, jamais pelas vítimas. Isso de “sigilo eterno” foi para jogar as infâmias pra debaixo do tapete.
― Veja isso aqui, Noé, os arquivos da ditadura militar. Repare neste mapa: assinala quando, quem, como e onde foram presas, torturadas e assassinadas as vítimas cujos corpos jamais foram localizados e pranteados por suas famílias. E ainda constam os nomes dos militares que participaram de torturas, assassinatos e seqüestros.
― Matu, e este documento aqui, que vergonha!
― Vergonha por quê?
― São os “decretos secretos” da ditadura. Como um documento público, o decreto, pode ser secreto? Isso é o mesmo que alguém se apresentar como ladrão honesto...
― Ora, Matu, vergonhosos são esses papéis que tratam dos governos Sarney e Collor.
― O que há de interessante neles?
― São dados estarrecedores! Quanta sujeirada em tantos governos do Brasil! Haja tráfico de influência, corrupção, nepotismo e favorecimentos. Agora compreendo por que as autoridades brasileiras sonegaram aos historiadores tantos períodos e fatos da história do Brasil!
― Naquela pasta ali – disse Noé – estão as licitações secretas da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016 no Brasil. Haja maracutaia! Obras que ficariam em quinhentos foram multiplicadas por bilhões!
― Pena que o mundo acabou, a história findou e toda essa gente virou pó. Como teria sido importante o povo brasileiro ter direito à transparência histórica! Com certeza teria evitado que a nação repetisse tantos erros e reelegesse aqueles que distorceram os fatos e os encobriram para perpetuarem uma boa imagem que jamais mereceram.

Frei Betto é escritor e assessor de movimentos sociais, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira”, entre outros livros.

Trabalho escravo na extração de erva mate



 Tomado de AGECON – Integrante da RPCC – Rede Popular Catarinense de Comunicação

Força-tarefa flagra trabalho em condições degradantes em SC

Uma força-tarefa formada pela Justiça do Trabalho, Ministério Público do Trabalho (MPT), Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Polícia Federal encontrou, na última terça (28/6), trabalhadores em condições degradantes no município de Concórdia, no oeste de Santa Catarina, trabalhando na extração de erva-mate.
O grupo de três auditores-fiscais do trabalho, dois policiais federais, uma procuradora do trabalho, um oficial de justiça, além do juiz titular da vara do trabalho local, Adilton José Detoni, realizou inspeção judicial na localidade de Linha Santa Terezinha para verificar uma denúncia de trabalho escravo na extração de erva-mate.
Logo na chegada, a equipe encontrou cinco trabalhadores, um deles menor de idade, alojados em uma barraca rústica coberta por lona preta, sustentada por taquaras e galhos de árvores. A parte dos fundos era utilizada como dormitório, com colchões e cobertores sobre o chão de terra. Na parte da frente da barraca, aberta e sem lona, havia uma fogueira acesa, uma caixa de madeira com gêneros alimentícios, galão plástico com água, alguns facões, panelas, pratos e copos sobre outra estrutura feita de galhos e taquaras.
Os trabalhadores foram identificados e informaram que utilizavam o mato para as necessidades fisiológicas, e a água do riacho existente nas proximidades para banho e consumo. Recebiam em média R$ 15 por dia de trabalho na extração de erva-mate destinada à Ervateira Tiecher, do município de Vargeão. Todos oriundos do município de Ponte Serrada, disseram estar a serviço de um senhor de nome Librante, identificado pelos trabalhadores como sendo o capataz que chegou ao local algum tempo depois, acompanhado de mais cinco trabalhadores.
Lavrado o auto de inspeção, todos foram intimados a comparecer à VT de Concórdia.

Ajustamento de Condutas

Na audiência, diante do trabalho em condições degradantes flagrado pela força- tarefa, os envolvidos, incluindo o dono da terra onde o trabalho era realizado, chegaram a dois compromissos de ajustamento de conduta (TACs) destinados a sanar as irregularidades verificadas. Também se chegou a um acordo para pagamento das verbas trabalhistas devidas e de indenização por dano moral coletivo.

Imagem tomada de /www.clauderioaugusto.com.br

Os três níveis de homofobia



Eduardo Guimarães em seu Blog da Cidadania

Antes de abordar estudo científico que afirma ter isolado a causa maior daquela que talvez seja a última grande enfermidade social à qual a humanidade não dedica maiores e suficientes esforços para tratar – e que, por isso, é hoje a pior enfermidade dessa natureza -, há que definir o que é homofobia e apontar suas ramificações.
A principal característica dessa enfermidade psicossocial talvez seja a de se constituir em uma das raras doenças sociais com potencial para se transformar em doença mental. Isso porque a homofobia se manifesta em graus de intensidade que podem evoluir, ainda que, uma vez acometido por ela, entende-se que o indivíduo não consegue se curar completamente.
Durante o mês passado, travei longos debates com homofóbicos de várias faixas etárias, gêneros, condição social, origem geográfica e escolaridade. Entre esses grupos, segundo minhas anotações, o grau de homofobia variou entre o que chamarei de níveis dissimulado, aberto e obsessivo.
O nível de homofobia dissimulado começa o seu discurso contra os homossexuais ressalvando que não apóia a violência contra eles e negando ser preconceituoso. Dali em diante, desata a pregação que está por trás dos ataques de violência física de que os homossexuais vêm sendo alvo com freqüência e em quantidade cada vez maiores.
De 2007 para cá, o número de assassinatos de homossexuais causados por repulsa obsessiva à sua orientação sexual cresceu impressionantes 62%. E o que vem impulsionando esses ataques é o levante do grupo de homofóbicos abertos. Esse grupo é o mais perigoso porque trata de tecer todo um discurso “racional” para justificar um delírio psicossocial.
Os dissimulados não admitem que são preconceituosos. São vítimas passivas da homofobia por conta de baixa escolaridade ou por educação familiar preconceituosa, que se origina na baixa escolaridade dos pais ou avós. Este grupo se abstém de traficar preconceito. Contudo, se inquirido diz exatamente o mesmo que os outros grupos.
Os níveis aberto e obsessivo de homofobia ocorrem com maior freqüência entre adeptos da ideologia política conservadora (direita). Já à esquerda do espectro político, é mais comum encontrar homofóbicos passivos, pacientes do nível dissimulado da homofobia. A homofobia, porém, ocorre com muito maior freqüência à direita.
O nível aberto de homofobia é minoria na sociedade e maioria entre os homofóbicos. Este grupo trata de fazer campanha contra direitos para homossexuais e causa pânico veiculando a hipótese da “contaminação gay”. Esse discurso afeta pacientes dos níveis dissimulado, aberto e obsessivo com menor escolaridade e gera os atos de violência homofóbica.
O nível obsessivo é vinculado a ideologias nazistas e fascistas que se aliaram à extrema-direita brasileira e que, além de homofóbicas, são racistas. Esse grupo adota a prática da intimidação dos homossexuais. A idéia por trás da violência que pratica contra eles é a de induzi-los a esconder a própria natureza por medo.
A ciência já identificou a principal origem da homofobia. Segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo, a variável que mais determina o nível de homofobia é a escolaridade. Há uma grande diferença de preconceito entre quem nunca foi à escola e quem concluiu o ensino superior (em %). Vejam o gráfico abaixo.
-
-
É improvável que se cure a homofobia a curto prazo. Através de leis como a do racismo será possível conter os níveis aberto e obsessivo dessa enfermidade psicossocial, mas o nível dissimulado sempre existirá. O que se pode fazer para reduzir drasticamente o problema, portanto, é melhorar a educação no Brasil.

Entre o novo e o velho mundo: reação e contra-reação hegemônica

Por Cristina Soreanu Pecequilo
 
Os Estados Unidos enfrentam gradual perda de espaços estratégicos, proporcionais a sua crise e à vitalidade das “novas nações”. Mesmo que lenta, e até negada pelos que discordam das hipóteses do declínio, esta redução de projeção e de eficiência é concreta, caracterizada por um avanço gradual das nações emergentes em alianças de geometria variável, organizações internacionais governamentais e em zonas de influência tradicionais do ocidente com a América Latina e África.

Enquanto a sociedade norte-americana e a europeia continuam dando sinais de desgaste, os emergentes ocupam espaços econômicos e políticos. Neste cenário destacam-se a eleição de José Graziano da Silva como chefe da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a presença de Lula como chefe da Missão Diplomática na África para a 17ª Assembléia da União Africana, a inclusão da África do Sul nos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), dentre outros. Com isso, os Estados Unidos enfrentam gradual perda de espaços estratégicos, proporcionais a sua crise e à vitalidade das “novas nações”.

Mesmo que lenta, e até negada pelos que discordam das hipóteses do declínio, esta redução de projeção e de eficiência é concreta, caracterizada por um avanço gradual das nações emergentes em alianças de geometria variável, organizações internacionais governamentais e em zonas de influência tradicionais do ocidente com a América Latina e África. No Oriente Médio observam-se as Primaveras Árabes e a dificuldade em sustentar no poder regimes aliados autoritários, controlar as transições posteriores depois da queda destes aliados e, em países não aliados, acelerar as movimentações populares para recuperar espaços como na Líbia ou na Síria. Independente do desfecho que venha a ter a situação de Kadafi na Líbia, incluindo o recente mandato para sua prisão emitido pelo Tribunal Penal Internacional, é patente a dificuldade da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Desde a autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas (em votação na qual os emergentes se abstiveram, Brasil, Rússia, Índia e China, ao lado da Alemanha), a OTAN tem bombardeado fortemente o território líbio, sem solução decisiva, subestimando a resistência do regime vigente.

Frente a esta realidade, desde a morte de Osama Bin Laden em maio de 2011, o Presidente Barack Obama tem empreendido uma significativa ofensiva externa, acompanhado pela Secretária de Estado Hillary Clinton. Tal ofensiva, além de representar um reposicionamento tático da administração democrata visando ocupar espaços internos diante da fragmentada oposição republicana, demonstra uma real preocupação dos EUA com a crescente perda de espaços estratégicos.

A ofensiva, entre maio e junho, consistiu-se em quatro frentes, em ordem cronológica: Oriente Médio e Norte da África, emergentes, África e Afeganistão. Comum a todas, a “disposição” norte-americana em ajudar aliados democráticos, mas, ao mesmo tempo, em reafirmar liderança. Outro fator de convergência é a resposta aos emergentes. Em termos específicos, a preocupação em sinalizar ao público doméstico que as ações externas não significam desatenção aos problemas internos, mas que a América precisa continuar presente no mundo.

No que se refere ao Oriente Médio e Norte da África, o discurso de Obama em 19 de maio de 2011, ecoou o de janeiro de 2009 sobre a importância da democracia na região, sob o signo de uma realidade diferenciada. Se em 2009 a região mantinha-se à margem dos movimentos populares, em 2011, a mesma tornou-se foco de renovadas dimensões sociais, muitas contrárias aos interesses norte-americanos como no caso do Egito. Obama procurou recuperar a influência na região, por meio de propostas de parcerias comerciais e um “Plano Marshall” para o desenvolvimento local. Retomou a iniciativa no processo de paz Israel-Palestina por meio da proposta de constituição do Estado palestino nas fronteiras pré-Guerra de 1967, sustentada na resolução 242 da ONU. A proposta, mesmo pelos palestinos, foi recebida com desconfiança, e, em Israel e nos EUA, sob protestos, o que a coloca em xeque. Uma proposta real? Ou uma tentativa de desacelerar o processo de reaproximação entre facções palestinas, Hamas e Fatah?

Somado a estes questionamentos, mencionou-se a ausência da Árabia Saudita no texto, que recebeu diversas interpretações: a permanência da tolerância com o regime ou um “recado” indireto pedindo mudanças pró-democracia?

O tom “propositivo e positivo” foi substituído por Obama e, depois Hillary Clinton, por “alertas” aos emergentes e sobre os mesmos. No primeiro caso, diante do Parlamento britânico em 25 de maio, o presidente deixou claro que os EUA não se encontram em declínio e que a ascensão da China, Índia e Brasil é condicionada à hegemonia. O argumento central é que sem a liderança prévia dos EUA para estabilizar o sistema internacional política e economicamente, provendo-o de estruturas de governança, o crescimento dos emergentes não seria possível. A prevalência do “velho” mundo anglo-saxônico ocidental sobre os “novos” pólos permanece.

Chegando à África, o teor é similar. Se em Westminter o “alerta” foi para a conformação dos emergentes à ordem, em visita a diversos países africanos para lançar pacotes de ajuda para o desenvolvimento (Ato de Crescimento e Oportunidade Africano), a Secretária de Estado Hillary Clinton “avisou” os africanos dos riscos de um novo colonialismo. Este novo colonialismo seria praticado pela China e pela Índia, principalmente a China via assistência financeira e projetos de infraestrutura. A natureza da empreitada sino-indiana consistiria, ainda, na busca de mercados, e no acesso a bens primários (alimentos e minérios) e ao gás e petróleo africanos. Além disso, e nesta equação se incluiria o Brasil, os emergentes estariam projetando seu poder no continente visando objetivos políticos próprios. Paradoxalmente, o mecanismo que Hillary critica é reprodução daquele desenvolvido pelas potências europeias no ciclo imperialista do século XIX e XX, ao qual os EUA se associaram posteriormente.

A repercussão das palavras da secretária foi vista de forma crítica. Se há espaços no continente é porque o mesmo esteve colocado à margem dos fluxos internacionais. A “redescoberta” norte-americana da África é produto da percepção de que o vácuo está sendo ocupado e que será preciso mais do que acenos positivos e discursos para recuperar espaço. Por sua vez, os emergentes mantiveram sua postura. Isto sinaliza seu
reposicionamento político diante da hegemonia com uma ação mais autônoma e mais descolada de pressões e contenções.

Finalmente, o Afeganistão. Ainda que o discurso de Obama de 22 de junho tenha sido recebido como uma declaração de mudança de missão, seu conteúdo, pelo menos o da retirada das tropas até 2014, era razoavelmente conhecido desde o encerramento oficial da missão militar do Iraque. A principal diferença reside, portanto, na velocidade da intervenção, encerrando em 2011 a ofensiva que se prolongaria até 2012. A fala de Obama foi uma reação ao corte de verbas pelo Congresso e à queda de apoio à guerra e à Presidência. Mais do que no Afeganistão, a decisão residiu em Washington visando 2012.

Os resultados da ofensiva são parciais: geram visbilidade, mas não revertem em apoio sustentado à Casa Branca. Para a maioria da opinião pública, o principal problema dos EUA é econômico e os demais temas a ele se subordinam. No campo internacional, as relações entre o “novo e o velho” mundo reproduzem dinâmicas de reação e contra reação do líder. Diferente do passado, talvez a “troca” hegemônica do século XXI não ocorra por guerras mundiais, mas sim por um avanço e recuo mútuo de posições estratégicas, que, enquanto não finalizado, alternará momentos de estabilização e crise, no centro e na periferia do poder.


_____________

Professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

Fonte: Carta Maior