domingo, 24 de julho de 2011

SOMÁLIA: AS REAIS CAUSAS DA FOME

Há 20 anos a Somália se vê envolvida em uma "guerra civil", em meio à destruição de suas economias tanto rural quanto urbana.

O país enfrenta agora uma fome generalizada. De acordo com as últimas informações, dezenas de milhares de pessoas morreram de desnutrição nos últimos meses. As vidas de milhões de pessoas estão ameaçadas.

A mídia hegemônica atribui a fome casualmente a uma forte seca sem examinar questões de fundo.

Uma atmosfera de "ilegalidade, brigas de gangues e anarquia" também é apontada como uma das maiores causas por detrás da fome.

Mas quem está por trás da ilegalidade e das gangues armadas?

A Somália é categorizada como um "estado falido", um país sem governo.

Mas como ela se tornou um "estado falido"? Há ampla evidência de intervenção estrangeira, assim como apoio às milícias armadas. Criar "estados falidos" faz parte da política externa dos EUA. É parte de sua agenda de inteligência militar.

De acordo com a ONU, a situação de fome prevalece em Bakool e Shabelle, áreas parcialmente controladas pela Al Shahab, uma milícia jihadista afiliada à Al Qaeda.

Tanto a ONU quanto a administração Obama acusaram a Al Shahab de impor uma "proibição de agências de ajuda estrangeiras em seus territórios em 2009". O que as notícias não mencionam, no entanto, é que a Jarakat al-Shabaab al-Mujahideen (HSM) ("Movimento da Juventude em Luta") foi fundada pela Arábia Saudita e financiada por agências de inteligência ocidentais.

O suporte ocidental de milícias islâmicas é parte de um padrão histórico mais amplo de suporte a organizações jihadistas e afiliadas à Al Qaeda em vários países, incluindo, mais recentemente, a Líbia e a Síria.

A grande questão é: que forças externas precipitaram a destruição do Estado Somali no início da década de 1990?

A Somália foi autosuficiente em alimentos até o final dos anos 1970 apesar de recorrentes secas. No início da década de 1980, sua economia nacional foi desestabilizada e a agricultura alimentar destruída.

O processo de desarticulação econômica precedeu a guerra civil em 1991. O caos econômico e social resultante da "economia de recuperação" do FMI preparou o terreno para a guerra civil financiada pelos EUA.

Todo um país com uma rica história de comércio e desenvolvimento econômico foi transformado em um mero território.

Ironicamente, este território possui uma significante reserva de petróleo. Quatro gigantes petroleiras estadunidenses já estavam alertas antes mesmo do começo da guerra civil em 1991.

O início dos anos 1980 foi um ponto decisivo.

O programa de ajuste estrutural do FMI e do Banco Mundial foi imposto na África subsaariana. As fomes recorrentes de 1980 e 1990 são em grande parte as consequências da "economia de recuperação" do FMI e do Banco Mundial.

Na Somália, dez anos de economia de recuperação do FMI jogaram o país numa economia desarticulada e no caos.

No final dos anos 1980, depois de recorrentes "medidas de austeridade" impostas pelo consenso de Washington, os salários no setor público caíram a três dólares mensais.

Tradução e edição de Glauber Ataide para o Marxista/leninista

sábado, 23 de julho de 2011

A obsessão e o complexo de vira-lata



Até os jornais brasileiros tiveram de noticiar. Uma força-tarefa criada pelo Conselho de Relações Exteriores, organização estreitamente ligada ao establishment político/intelectual/empresarial dos Estados Unidos, acaba de publicar um relatório exclusivamente dedicado ao Brasil, -pontuado de elogios e manifestações de respeito e consideração. Fizeram parte da força-tarefa um ex-ministro da Energia, um ex-subsecretário de Estado e personalidades destacadas do mundo acadêmico e empresarial, além de integrantes de think tanks, homens e mulheres de alto conceito, muitos dos quais estiveram em governos norte-americanos, tanto democratas quanto republicanos. O texto do relatório abarca cerca de 80 páginas, se descontarmos as notas biográficas dos integrantes da comissão, o índice, agradecimentos etc. Nelas são analisados vários aspectos da economia, da evolução sociopolítica e do relacionamento externo do Brasil, com natural ênfase nas relações com os EUA. Vou ater-me aqui apenas àqueles aspectos que dizem respeito fundamentalmente ao nosso relacionamento internacional.
Logo na introdução, ao justificar a escolha do Brasil como foco do considerável esforço de pesquisa e reflexão colocado no empreendimento, os autores assinalam: “O Brasil é e será uma força integral na evolução de um mundo multipolar”. E segue, no resumo das conclusões, que vêm detalhadas nos capítulos subsequentes: “A Força Tarefa (em maiúscula no original) recomenda que os responsáveis pelas políticas (policy makers) dos Estados Unidos reconheçam a posição do Brasil como um ator global”. Em virtude da ascensão do Brasil, os autores consideram que é preciso que os EUA alterem sua visão da região como um todo e busquem uma relação conosco que seja “mais ampla e mais madura”. Em recomendação dirigida aos dois países, pregam que a cooperação e “as inevitáveis discordâncias sejam tratadas com respeito e tolerância”. Chegam mesmo a dizer, para provável espanto dos nossos “especialistas” – aqueles que são geralmente convocados pela grande mídia para “explicar” os fracassos da política externa brasileira dos últimos anos – que os EUA deverão ajustar-se (sic) a um Brasil mais afirmativo e independente.
Todos esses raciocínios e constatações desembocam em duas recomendações práticas. Por um lado, o relatório sugere que tanto no Departamento de Estado quanto no poderoso Conselho de Segurança Nacional se proceda a reformas institucionais que deem mais foco ao Brasil, distinguindo-o do contexto regional. Por outro (que surpresa para os céticos de plantão!), a força-tarefa “recomenda que a administração Obama endosse plenamente o Brasil como um membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas. É curioso notar que mesmo aqueles que expressaram uma opinião discordante e defenderam o apoio morno que Obama estendeu ao Brasil durante sua recente visita sentiram necessidade de justificar essa posição de uma forma peculiar. Talvez de modo não totalmente sincero, mas de qualquer forma significativo (a hipocrisia, segundo a lição de La Rochefoucault, é a homenagem que o vício paga à virtude), alegam que seria necessária uma preparação prévia ao anúncio de apoio tanto junto a países da região quanto junto ao Congresso. Esse argumento foi, aliás, demolido por David Rothkopf na versão eletrônica da revista Foreign Policy um dia depois da divulgação do relatório. E o empenho em não parecerem meros espíritos de porco leva essas vozes discordantes a afirmar que “a ausência de uma preparação prévia adequada pode prejudicar o êxito do apoio norte-americano ao pleito do Brasil de um posto permanente (no Conselho de Segurança)”.
Seguem-se, ao longo do texto, comentários detalhados sobre a atuação do Brasil em foros multilaterais, da OMC à Conferência do Clima, passando pela criação da Unasul, com referências bem embasadas sobre o Ibas, o BRICS, iniciativas em relação à África e aos países árabes. Mesmo em relação ao Oriente Médio, questão em que a força dos lobbies se faz sentir mesmo no mais independente dos think tanks, as reservas quanto à atuação do Brasil são apresentadas do ponto de vista de um suposto interesse em evitar diluir nossas credenciais para negociar outros itens da agenda internacional. Também nesse caso houve uma “opinião discordante”, que defendeu maior proatividade do Brasil na conturbada região.
Em resumo, mesmo assinalando algumas diferenças que o relatório recomenda sejam tratadas com respeito e tolerância, que abismo entre a visão dos insuspeitos membros da comissão do conselho norte-americanos- e aquela defendida por parte da nossa elite, que insiste em ver o Brasil como um país pequeno (ou, no máximo, para usar o conceito empregado por alguns especialistas, “médio”), que não deve se atrever a contrariar a superpotência remanescente ou se meter em assuntos que não são de sua alçada ou estão além da sua capacidade. Como se a Paz mundial não fosse do nosso interesse ou nada pudéssemos fazer para ajudar a mantê-la ou obtê-la.

Neonazistas suspeitos dos atentados na Noruega



A polícia já excluiu a hipótese de terrorismo internacional e estabeleceu a ligação entre o suspeito preso, um norueguês, e os dois ataques que provocaram pelo menos 16 mortos e muitos feridos graves. Nesta sexta à tarde, uma bomba explodiu junto à sede do governo em Oslo, fazendo sete mortos e nove feridos graves. Pouco depois, pelo menos um atirador semeou o pânico a poucos quilômetros da capital, no acampamento dos jovens do partido trabalhista, com nove mortos confirmados ao princípio da noite.

O suspeito dos ataques claramente dirigidos politicamente é norueguês e segundo a polícia terá ligações a um "meio circunscrito adversário do sistema político", a terminologia usada para referências aos movimentos neonazis e de extrema-direita.

Esta sexta à tarde, uma bomba explodiu junto à sede do governo em Oslo, fazendo sete mortos e nove feridos graves. Pouco depois, pelo menos um atirador semeou o pânico a poucos quilômetros da capital, no acampamento dos jovens do partido trabalhista, com nove mortos confirmados ao princípio da noite. No local do acampamento foram também encontrados explosivos por detonar.A polícia norueguesa prendeu um suspeito do ataque ao acampamento desta se e diz já ter estabelecido uma ligação entre os dois ataques. O suspeito é norueguês, o que afasta a hipótese de um atentado com origem internacional.O edifício do governo ficou muito destruído quando uma ou mais bombas explodiram por volta das 15h30 locais. O primeiro-ministro trabalhista Jens Stoltenberg não se encontrava no local e veio mais tarde classificar a situação de "muito grave".A vinte quilômetros da capital, realizava-se o acampamento dos jovens do partido trabalhista, quando um atirador disparou sobre os presentes.

Galiza obtém reconhecimento oficial como território lusófono por parte da CPLP



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Diário Liberdade - O trabalho da Academia Galega da Língua Portuguesa obteve ontem o seu mais importante fruto até hoje, ao ser reconhecida como "Observadora Consultiva", por proposta do governo do país que exerce a presidência da CPLP, neste caso o da República de Angola.

Todos os estados membros da CPLP apoiaram unanimemente a proposta angolana, que converte a AGLP a primeira entidade que, sem pertencer a um Estado membro, goza da condição de "Observadora Consultiva". A Galiza é, aliás, a única nação lusófona que não integra a CPLP como membro de pleno direito devido a que carece de Estado próprio e que Espanha e as instituições autonómicas têm até hoje desprezado qualquer acordo com o âmbito de povos que no mundo se expressam na nossa língua.
Um passo em frente de importância histórica
O acontecimento de que informamos tem importância histórica por vários motivos: para já, afirma implicitamente a existência diferenciada da Galiza como nação sem estado que, apesar de estar submetida à soberania espanhola, faz parte de facto do espaço internacional dos países lusófonos, um dos maiores em termos de número de falantes no mundo.
Além do anterior, o reconhecimento atingido por uma entidade não governamental como é a AGLP deixa em evidência o abandono oficial que sofre o mais importante ingrediente identitário galego: a nossa língua, cuja política está em mãos de instituições inimigas da mesma ou, no melhor dos casos, irresponsáveis que até hoje têm desistido de dar ao nosso povo o papel que lhe corresponde como berço histórico do espaço internacional lusófono.
Enquanto a Real Academia Galega, ligada à oficilidade espanhola, leva décadas sustentando a visão isolacionista que do nosso idioma interessa dar ao Estado espanhol, a Academiga Galega da Língua Portuguesa, sem quase apoios institucionais, conseguiu em poucos anos que a CPLP afirme a legitimidade dos princípios reintegracionistas: os princípios da verdadeira soberania linguística galega.
Por último, e indo para além da significação linguística e identitária, este gesto vem demonstrar que é possível atingir conquistas sem contar com o apoio das instituições, agindo de maneira autónoma, como povo sujeito de direitos e sem complexos.
A decisão do Conselho de Ministros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, reunido no seu XVIII plenário em Luanda, reconheceu a existência da Galiza como território lusófono, termo internacionalmente aceite na atualidade para se referir ao que, em termos de genealogia histórico-linguística, deveria denominar-se "galegofonia"
Seja como for, do Diário Liberdade só nos resta enviar os nossos parabéns à Associação Galega da Língua Portuguesa e às entidades que nos últimos meses têm sustentado de maneira discreta e, segundo agora comprovamos, efetiva, uma iniciativa importante para afirmar a nossa identidade linguística, que nos situa como nação soberana no quadro internacional da Comunidade de Países de Língua Portuguesa.
Sendo essa também a causa que move dia a dia o labor deste humilde espaço informativo, findamos estas linhas com uma saudação aos nossos leitores e leitoras da Galiza.
Parabéns ao Povo Galego!
Mais informação no site da AGLP.

O poder iraniano perde o controle sobre mídia



O enquadramento dos meios de comunicação durante a primeira década da revolução, que se revelou um desastre, deixou lugar para uma política menos rigorosa no que se refere aos bens culturais populares na sociedade e na juventude
por Shervin Ahmadi no Le Monde - Brasil
Foto divulgação série Iraniana Ghahve Talkh / The Bitter Coffee

Naquela segunda-feira de março, as ruas de Teerã estavam desertas. Com o feriado de Noruz, o ano-novo iraniano, que anuncia a chegada da primavera, os habitantes abandonaram essa aglomeração de quase 14 milhões de habitantes. No bazar de Tajrish, ao norte, uma frase escrita à mão sobre um pedaço de papelão atraía a atenção: chegou o DVD The bitter coffee. Os novos episódios desse seriado de humor estão disponíveis em toda a cidade, tanto nas bancas de jornal como nas quitandas. Mehran Modiri, muito popular, é diretor, produtor, corroteirista e ator.
Presente há duas décadas nas telas de televisão, ele se transformou seguindo o ritmo da sociedade. Seu humor é leve, mais para a palhaçada, nunca transgredindo a linha vermelha da crítica ao regime. Mesmo se, de vez em quando, debocha dos apresentadores dos canais de televisão estrangeiros, o campo político não é seu terreno habitual.
Com mais de 1,5 milhão de cópias vendidas, cada DVD da série The bitter coffee tem três episódios e custa menos de 2 euros. Um preço irrisório, ao alcance da classe média, e que não estimula a pirataria, prática comum no país. O seriado tem um site na internet, uma página no Facebook, uma conta no Twitter, verbetes em farsi e em inglês na Wikipédia. A história se desenrola em um passado remoto e ridiculariza os cortesãos do rei e o despotismo. Por trás de cada personagem, o espectador pode imaginar diversas figuras históricas do antigo regime (Reza Shah, o pai do xá) ou do governo atual.
A edição de 2 de abril do jornal Shragh anunciou que o vigésimo DVD da série seria proibido pelo ministro da Cultura e os dirigentes islâmicos. Oficialmente, tratava-se de um procedimento administrativo destinado a impor certas modificações. Mas o noticiário on-lineAftab revelou que o que motivou tal decisão foi a semelhança de um personagem com um alto responsável do governo. De qualquer maneira, o DVD foi lançado sem nenhuma modificação e obteve o mesmo sucesso comercial que os anteriores.
Além dessas hesitantes tentativas de censura, uma rede paralela é tolerada, e até encorajada, pelo governo, para difundir uma grande variedade de produções, desde filmes de ação norte-americanos pirateados e legendados localmente até filmes iranianos que não obtiveram a autorização de distribuição – como Ali Santorui, de Dariush Mehrjui, que trata de drogas e da ausência de perspectivas dos jovens em uma sociedade que perde seus valores. Também há séries de televisão que passaram nos canais oficiais e que os espectadores gostam de rever. O enquadramento dos meios de comunicação durante a primeira década da revolução, que se revelou um desastre, deixou lugar para uma política menos rigorosa no que se refere aos bens culturais populares na sociedade e na juventude. De agora em diante, o governo não tenta mais monitorar sistematicamente a mídia, mas procura saturá-la com produtos que julga “menos perigosos”, mantendo um controle absoluto na esfera da política.
Dessa forma, dois universos paralelos se desenvolveram: o primeiro, oficial, considerado a voz da República islâmica, e o segundo, menos controlado, pelo qual as autoridades podem pretender não se responsabilizar, o que explicaria sua não conformidade relativa com os princípios políticos e morais do poder. Este último evoluiu para contrabalançar a influência da cultura importada diretamente do Ocidente. Imitando a música pop vinda de Los Angeles, onde vive a maior comunidade iraniana no exterior, surgiram vários cantores que se pareciam, timidamente no início, com seus concorrentes da grande cidade californiana. Alguns até tinham o mesmo timbre de voz que famosos cantores exilados, mas interpretavam poemas de conteúdo muitas vezes místico. Em seguida, chegou uma nova leva de artistas menos “complexados”, de melhor nível. Com o tempo, nem a melodia nem a letra se diferenciavam das estrangeiras, denunciadas pelo governo como símbolos “corrompidos na terra” (Mofsedin fil arz, expressão usada pelo regime para designar aqueles que se “ocidentalizaram”). Quanto à música pop e rock, antes ilegal e produzida clandestinamente, ela se difundiu de uma maneira menos importante, mas por meio dessa rede semioficial.
O próprio meio de comunicação oficial se diversificou. Os canais estatais se multiplicaram, seus conteúdos ficaram mais variados. Além dos programas familiares e infantis, a audiência é garantida pelas séries produzidas no país, muitas vezes com orçamentos gigantescos, que vão desde uma versão muito hollywoodiana da história de Youssef e Zoulikha [história do profeta José (Yusuf)] até episódios da história política, passando pelas novelas humorísticas. Mehran Modiri é um dos atores que contribuíram para essas transformações.
As rádios seguiram o mesmo caminho, e algumas, como a Payam, inicialmente destinada a dar informações sobre o trânsito de Teerã, começaram a tocar nos anos 1990 as músicas que antes não eram toleradas. Desaparecido desde a revolução, o pop reencontrou seu lugar, sobretudo porque sua difusão pelas estações oficiais legitimou-o aos olhos das camadas ditas tradicionalistas da sociedade. Nos anos 2000, até mesmo algumas Nohehs (liturgia religiosa que celebra o massacre do imame Hussein, neto do Profeta, em Kerbala, no ano de 680) foram cantadas nesse ritmo.
Com a chegada dos canais por satélite, a guerra dos meios de comunicação se intensificou. Apesar da proibição oficial, a grande maioria das famílias, tanto nas cidades como no campo, possui uma antena parabólica. O governo desistiu de eliminá-las, desenvolvendo uma nova estratégia. No campo das informações políticas, as coisas lhe parecem preestabelecidas: a liberdade de expressão e de crítica de que se beneficiam os canais por satélite nunca poderá ser exercida pelos canais nacionais. Como a informação política, no Irã como em qualquer outra parte, não gera audiência, o regime concentrou-se em todos os outros campos. Decidiu fechar os olhos para os programas da televisão por satélite que não são propriamente políticos, considerados menos perigosos, mesmo quando contradizem os princípios morais defendidos pelo regime. Atualmente, canais oficialmente proibidos transmitem sem parar clipes musicais que não correspondem aos cânones islâmicos e são acompanhados de propagandas contendo números de telefones celulares iranianos.
Podem-se prever facilmente as consequências de uma visão como essa, de contradições flagrantes. A noção de “conteúdo perigoso” é arbitrária. Quem pode dizer que um filme de ação norte-americano sobre os extraterrestres é menos “perigoso” que um drama clássico? Filmes “apolíticos” podem suscitar uma atração para um certo modo de vida ocidental, celebrando o consumo desenfreado. Grande parte da classe média das cidades, aliás, já adere a esses valores, de maneira às vezes excessiva. O Irã é hoje o segundo maior importador de produtos cosméticos no Oriente Médio e o sétimo no mundo. Algumas festas comerciais, desconhecidas trinta anos atrás, como o Valentine’s Day, são agora comemoradas nas grandes cidades.
O governo vem se confrontado há três anos com o sucesso do canal de televisão Farsi One, propriedade da News Corporation, de Rupert Murdoch, que transmite permanentemente seriados latinos e capta uma grande parte da audiência popular. O jornalista norte-americano Dexter Filkins constatou que Farsi One se tornou rapidamente muito popular, a ponto de representar uma ameaça ao governopor seu sucesso nas camadas desfavorecidas.
Ao tentar recuperar a audiência para impedir a politização dos meios de comunicação por seus adversários, o governo caiu na própria armadilha: de fato, permitiu o elogio de um modo de vida ocidental, dando involuntariamente motivos para seus adversários, que denunciam seu comportamento “medieval”.

Shervin Ahmadi
Jornalista responsável pela edição de Le Monde Diplomatique em farsi

The New York Times, 21 de novembro de 2010.

IMPERDÍVEL: UM TORTURADOR NO BANCO DOS RÉUS



Celso Lungaretti no Pátria Latina


Os companheiros que moram em São Paulo tem um dever a cumprir na 4ª feira (27) da semana que vem: o Coletivo Merlino e o Grupo Tortura Nunca Mais/SP pedem comparecimento em peso à audiência marcada para as 14h30, no Fórum João Mendes (pça. João Mendes, centro velho de SP). Na ocasião, o ex-comandante do DOI-Codi paulista, Carlos Alberto Brilhante Ustra, será confrontado com as testemunhas da morte do jornalista Luiz Eduardo Merlino, um dos aproximadamente 40 resistentes assassinados naquele centro de torturas da rua Tutóia, durante os  anos de chumbo.
Trata-se do segundo processo movido pela família de Merlino contra Ustra. O anterior foi arquivado em 2008 graças a um subterfúgio legal, conforme expliquei na época:
"...[Ustra] dsprezou a chance que teve de provar sua inocência, alegada desde que a atriz Bete Mendes, em 1985, o identificou como seu torturador.
Ao invés de deixar a ação seguir até que o mérito fosse julgado, a defesa conseguiu seu arquivamento sob a alegação de que uma das várias pessoas que acusavam Ustra não comprovara sua legitimidade como parte do processo (dizia ter sido companheira de Merlino, mas não anexara documentos que o provassem).
Ou seja, Ustra escapou pela tangente, aproveitando uma brecha jurídica para evitar a sentença que certamente lhe seria desfavorável".
A família voltou à carga com uma ação por danos morais acusando Ustra de responsável pela morte sob tortura de Merlino, em julho de 1971, nas dependências do DOI-Codi. E a corte, desta vez, rechaçou as manobras evasivas.
Vão depor, no dia 27, testemunhas da tortura e morte de Merlino, como cinco companheiros de militância no Partido Operário Comunista (Otacílio Cecchini, Eleonora Menicucci de Oliveira, Laurindo Junqueira Filho, Leane de Almeida e Ricardo Prata Soares); o ex-ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Paulo de Tarso Vanucchi; e o historiador e escritor Joel Rufino dos Santos.
As testemunhas do torturador, ouvidas por carta precatória, serão José Sarney, Jarbas Passarinho, um coronel e três generais da reserva do Exército brasileiro. O primeiro foi um figurão do partido de  pinóquios  que negavam a existência das torturas e o segundo, ministro de governos ditatoriais que praticaram a tortura em larga escala e sem limites. Para bom entendedor...
Já declarado torturador pela Justiça paulista noutro processo, Brilhante Ustra agora poderá ter oficializada a condição de assassino.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

A voz da Presidenta não deve ter donos


Brizola Neto no TIJOLACO

Infeliz e perigosa a idéia de fazer uma “multiexclusiva” entrevista da Presidente Dilma Rousseff a um “seleto” grupo de jornalistas. Ou melhor, grupo de jornais, os grandes. Eles, apenas eles, sem fotos, sem gravação, sem imagem.

Logo, embora não se duvide da honestidade pessoal de nenhum dos profissionais, tudo está sujeito à forma que dão e derem às palavras da Presidenta.
E, claro, já a deram.
Que a presidenta quer e age para manter o crescimento, ninguém pode duvidar. Os projetos estruturantes prosseguem, sobretudo o PAC 2, foi lançado o “Brasil sem Miséria”, haverá desonerações tributárias.
Mas permitiu, com esta forma escolhida para dizê-lo, que jogassem em seu colo a inflação.  Que não é dela, nem do Governo, nem da falta de uma política monetária dura.
A imprensa escolhe o “lead” e ele veio, muito provavelmente, de um ponderação óbvia: a de que Dilma não adotará uma política recessiva para conter as pressões inflacionárias.
Ora, disso todos sabíamos, e sabemos. Mas faltava a frase, e a frase veio porque, neste tipo de convescote, baixa-se a guarda.
A Presidenta não “descarta” o controle da inflação. Muito menos pode dizer que “não reduzirá” uma inflação que não está em seu pleno poder decidir se fará ou não se reduzir.
A escolha desta forma de comunicação fez com que se pudesse dizer por “toda” a imprensa-  e sem nada que possa mostrar que não foi isso que se disse – que a Presidenta Dilma tolera a inflação, em nome do crescimento econômico.
Ao contrário. Dilma, contra a grita desta mesma imprensa, segurou os preços da gasolina na Petrobras e agiu para derrubar os do etanol. Sob seu governo, para contê-la, o Banco Central já submeteu o país e suas forças produtivas a um aumento de 1,75% na taxa pública de juros, contra um aumento de o,8% na inflação acumulada em 12 meses. Quase todo o resto do mundo pratica taxas negativas de juros, em busca  de reativação das suas economia. Nos juros, somos os campeões do mundo, disparado.
Portanto, a presidenta não escolheu “não reduzir” a inflação ou descartar seu controle, em nome do crescimento. Só escolheu não detonar uma política ferozmente recessiva, que arruinasse o país para baixar um pouquinho a inflação e, claro, proporcionar lucros mais monstruosos ao sistema financeiro. E nem assim, talvez, adiantasse, com a gigantesca entrada de capitais e a ameaça mundial representada pela crise europeia e o impasse da dívida pública americana.
Que estratégia “brilhante” é essa de a ligar a uma decisão da Presidenta o aumento – ou mesmo uma “não-queda” – dos preços? Ainda mais agora, quando felizmente há sinais de que o BC interromperá a sequência de altas na Selic?
Foi “uma ideia genial”, é obvio, para virar a corrosiva pauta que de lá mesmo saiu, a de colocar toda a atividade da Presidenta voltada para a tal “faxina” ética. Dá muito bons resultados no curto prazo, isso, só que já perceberam que é também uma máquina de denúncias que perde todos os limites e que transforma tudo o que o governo faz, mesmo o bem feito, em fonte de suspeitas de negociatas.
Seguir a agenda da mídia e entregar a ela o ritmo do Governo é mais que um risco, é um erro.
Situações importantes, decisivas para que a população entenda quais são os compromissos de Dilma, como o lançamento do plano “Brasil sem Miséria” e a inauguração da plataforma P-56 da Petrobras, a de maior conteúdo nacional já construída, foram queimadas na fogueira do caso Palocci. A marcação da entrevista do então ministro ao Jornal Nacional para o mesmo dia do lançamento da nossa gigante petroleira, foi uma “pérola” de marketing. A grande festa virou uma “nota coberta” no JN.
A presidente pode e deve dar entrevistas a todos os jornalistas; entrevistas exclusivas, também.
Mas jamais se colocar de mãos atadas à interpretação que a mídia der às suas palavras.
Ela pode ter falado meia hora, e com ênfase, no seu compromisso com o crescimento da economia, do emprego e da renda, da inclusão dos brasileiros ainda miseráveis.
Mas a manchete será a de que ela “tolera” a inflação em nome de um crescimento que é apenas mencionadoen passant.
Quem não souber disso e expuser assim a Presidenta, ou é muito ingênuo e acredita que a mídia vai se encantar com as deferências presidenciais, ou é quem não “pegou” a idéia – tantas vezes repetida por Lula – de que, se dependesse dos “formadores de opinião” este país ainda seria o “Brasil da roda-presa”.

América Latina para além dos dados


A integração dos povos necessita modificar o histórico caminho no continente em que desenvolvimento e dependência aparecem como constitutivos do sentido do trabalho alienado

Roberta Traspadini no BrasilDeFato

Segundo a Cepal, somos 594 milhões de latinoamericanos. Em nosso fértil território com profundas possibilidades de inclusão e de pertença, vivem 183 milhões de pobres e 74 milhões de indigentes, fruto do histórico modo de produção capitalista.
Na divisão por idade somos compostos por uma maioria jovem: 27,3% (até 14 anos); 33,6% (15 a 34 anos), 19% (35 a 49), 11,8% (50 a 64 anos), e 8,3% com 65 anos para cima.
Temos uma população economicamente ativa (PEA) de quase 277 milhões, dos quais 164 milhões são homens e 113 são mulheres.
Nos últimos anos, aumentou no continente o emprego formal (51%), frente à queda no índice de desemprego (em 2000 era de 10,4%, em 2010 caiu para 7,6%).
Com uma população urbana de 79,3%, uma taxa de analfabetismo de 8,3% na população acima de 15 anos, e uma taxa de fecundidade de 2,3 filhos por casa ao longo dos anos 2000, a América Latina, vai traçando hoje o que será a ordem do dia da produção de vida de amanhã.
1. Questão social e educação
Na questão social da educação, dois dados merecem atenção.
1) os 20% mais ricos se apropriam 19,3 vezes a mais da riqueza e da renda no continente, em comparação aos 20% mais pobres.
2) dos jovens entre 25 a 29 anos, apenas 8,3% concluíram o terceiro grau. Na comparação entre jovens ricos e pobres, apenas um jovem pobre consegue concluir o 3º grau, em comparação a 27 jovens de melhor poder aquisitivo que terminam.
A situação das jovens mulheres latinoamericanas de 15 a 29 anos, é ainda mais complexa. Enquanto 80% das jovens com maior renda participam do mercado de trabalho formal no continente, menos de 50% das jovens pobres conseguem estabelecer vínculos formais.
O gasto público com educação é de 5% do PIB e o total de estudantes públicos na região é de 91 milhões no ensino fundamental e médio, em contraposição a 19 milhões em escolas particulares.
2. O que os dados não mostram
Os resultados do período neoliberal são catastróficos. A aparente melhoria de vida encobre a essência do endividamento e da nova forma do capital apostar nos seus ganhos sem fronteiras, utilizando para isto as políticas públicas para revigorar seus ganhos.
A corrida do grande capital tem gerado uma forma de fazer política cujo conteúdo histórico segue o mesmo: a apropriação privada da riqueza e da renda advinda da exploração do trabalho em solo latinoamericano.
Por um lado, os trabalhadores são induzidos a uma nova lógica de consumo e, para produzirem sua sobrevivência com base numa gama de necessidades técnico-científicas oriundas da produção dos países centrais, entram no caminho sem volta do endividamento pessoal.
Por outro lado, o capital industrial dá passo atrás e retoma a histórica participação latina de produtora de bens primários para abastecer os países centrais.
Os latinoamericanos transformam-se assim, desde a infância, em consumidores dos atuais bens vendidos como de primeira necessidade – celulares, computadores, vários mps, entre outros. Para isto, precisam ser primeiro consumidores de crédito para depois adquirir tais bens.
O endividamento familiar torna-se peça chave da inclusão nessa sociedade na qual os latinos trabalham, mas que não os permite consumir o básico necessário com o salário que ganham.
A educação precária torna-se regra da operação do capital no continente, tanto no que tange à remuneração e contratação dos professores, quanto ao conteúdo das disciplinas formais lecionadas.
A educação formal para o consumo e não necessariamente o trabalho formal, empobrece a compreensão de totalidade da jovem futura classe trabalhadora e reforça o palco fértil para a consolidação da alienação como requisito básico de venda de bens importantes mas não necessariamente vitais.
Nessa linha, o desenvolvimento como sinônimo de consumo, modernidade e tecnologia ganha mais força do que nunca e entra na mentalidade da classe que vive do trabalho como algo natural em vez de construído historicamente.
O cenário latinoamericano necessita de políticas públicas de Estado que promovam mudanças substantivas no que diz respeito à tomada do poder e da orientação sobre a prioridade do pacto social no continente, com primazia para a centralidade do trabalho e da educação.
Além disto, requer que a política de integração crie condições para que a prioridade dos sujeitos coloque limites à soberania dos mercados liderados pelo capital (inter)nacional. A integração dos povos necessita modificar o histórico caminho no continente em que desenvolvimento e dependência aparecem como constitutivos do sentido do trabalho alienado.
Necessitamos com urgência de uma política de Estado de transição que coloque na trilha as modificações estruturais que reorientem o sentido do trabalho, da socialização da produção, da riqueza e da renda no território. Caso contrário, a melhoria dos dados permanecerá como sinônimo de uma conta maior a ser paga pelo trabalho.

Roberta Traspadini é economista, educadora popular, integrante da consulta popular/ES.

Religiosidade sem preconceito



Setores religiosos marcam posição contra homofobia para mostrar que conservadorismo não é unanimidade entre fiéis


Joana Tavares
da Redação do BrasilDeFato

De um lado, representantes de bancadas religiosas atacam os homossexuais e seus direitos como cidadãos. De outro, a apropriação da palavra bíblica no lema da parada LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) de São Paulo: “Amai-vos uns aos outros: basta de homofobia”. Apesar de recentes e constantes demonstrações de intolerância religiosa contra as pessoas que se atraem pelo mesmo sexo, nem sempre a religião e a homossexualidade estão de lados opostos.

Promovido pela Rede Ecumênica de Juventude (Reju), pela entidade Koinonia – Presença Ecumênica e Serviço, pela Paróquia Anglicana Santíssima Trindade e pela Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo, um ato inter-religioso e um painel foram dedicados ao tema “Religião e homoafetividade”, nos dias 9 e 10 de junho. Um grupo de igrejas cristãs organizaram uma petição pública em apoio ao PLC 122, que criminaliza a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero e tramita atualmente no Senado. Na programação oficial do 15º Mês do Orgulho LGBT de São Paulo – que culmina com a parada, dia 26 – diversas atividades colocam a relação entre religião e sexualidade em discussão. Um dos blocos previstos na marcha é dos religiosos contra a homofobia.

O amor lança fora todo medo”
Com esse tema bíblico, um luterano doutor em teologia, um padre e teólogo católico e uma mãe de santo se sentaram à mesma mesa para debater as concepções das religiões e a relação com a homossexualidade e a homofobia.
Anivaldo Padilha, membro da Igreja Metodista e militante do movimento ecumênico desde a década de 1960, fez a mediação da mesa, apontando que nenhum religioso com posições contrárias aceitou participar do debate. “A homofobia muitas vezes é justificada por argumentos teológicos. No entanto, os conservadores não representam todos os religiosos”, apontou.
Iya Maria Emilia d´Oyá, da Casa de Culto ao Orixá Ventos de Oyá (candomblé da tradição Ketu), presidente da Associação Federativa da Cultura e Cultos Afro-Brasileiros de São Bernardo do Campo e assistente social da prefeitura da mesma cidade, apontou que as religiões afro-brasileiras, como o candomblé e a umbanda, possuem uma relação diferente com o sagrado em relação às religiões cristãs. Para essas religiões, os orixás são a ligação com os sentimentos e com a natureza. “Não temos livros sagrados. Nossa tradição é oral. A sexualidade é vivida e experimentada de maneira muito tranquila. A relação sexual é vista como uma troca de energia, sem indicação de formas”, disse.

Mãe Emília, como é conhecida, complementa que há homossexuais fazendo parte dos cultos de candomblé e umbanda porque são religiões que os acolhem. “Quem já é excluído na sociedade, se sente confortado”, aponta. Ela coloca que o grande desafio é colocar a questão para diálogo, dentro e fora dos templos de qualquer religião. “A religiosidade, de qualquer tipo, pode ser uma grande arma para enfrentar a discriminação”.
James Alison, padre e teólogo católico, apresenta as bases da doutrina para explicar a tensão entre a Igreja e a homossexualidade, colocando a relação entre a natureza e a graça. “A graça aperfeiçoa a natureza. Chegamos a ser filhos de Deus sendo o que a gente é; no florescimento da graça”. Ele explica que até muito recentemente – há menos de 50 anos – não havia conflitos entre a população LGBT e a doutrina da Igreja católica porque não havia reconhecimento dessa população. “Não era reconhecido o ser das pessoas, eram apenas atos homossexuais”, aponta.
Com a visibilidade da causa gay e o reconhecimento de que não se poderia confundir o ser e o ato, o Vaticano finalmente se pronunciou sobre o assunto, reconhecendo que a orientação sexual não é pecado, apesar de que algumas práticas ligadas a ela podem ser assim consideradas por membros do clero. “Compreende-se que ser gay não é ser um heterossexual defeituoso; é criação de Deus. Aí vem o problema da inércia clerical, em fazer valer o entendimento que ser gay é algo que algumas pessoas simplesmente são”, coloca.

Sequestro simbólico
O luterano André S. Musskopf, doutor pela Escola Superior de Teologia, argumenta que a questão está ligada ao controle dos corpos e do desejo das pessoas, para o controle da riqueza e do poder. “Religião, sexo, política e poder não podem ser separados. É através desse controle que se mantém o status quo”, aponta. Ele reforça que a escolha do tema da Parada LGBT foi muito oportuna, pois salienta que a palavra de Deus pertence ao povo, não a instituições religiosas que promovem um “sequestro” dos bens materiais e simbólicos.
“O ‘amai-vos’ tem uma dimensão política e civil, da garantia de direitos, mas também uma dimensão teológica e religiosa, na medida em que o amor é o que nos move em direção aos outros, o que nos motiva na vida. Precisamos parar de ter medo dos fantasmas e entender que a homossexualidade não precisa ser justificada, é algo comum e próximo de todos”, afirma.

Voracidade consumista



Agora a voracidade consumista proclama a fé que identifica o infinito nos bens finitos
 Frei Betto

Para o filósofo Edgar Morin, a ciência, ao buscar autonomia fora da tutela da religião e da filosofia, extrapolou os próprios limites éticos, como a produção de armas de destruição em massa. Os cientistas não dispõem de recursos para controlar a própria obra. Há um divórcio entre a cultura científica e a humanista.
Exemplo paradigmático desse divórcio é a atual crise econômica. Quem é o culpado? O mercado? Concordar que sim é o mesmo que atribuir ao computador a responsabilidade por um romance de péssima qualidade literária.
Um dos sintomas nefastos dos tempos em que vivemos é a tentativa de reduzir a ética à esfera privada. Fora dela, tudo é permitido, em especial quando se trata de reforçar o poder e aumentar a riqueza. Obama admitiu torturar os prisioneiros que deram a pista de Bin Laden, e não houve protestos com sufi ciente veemência para fazê-lo corar de vergonha.
A globocolonização, inaugurada com a queda do Muro de Berlim, conhece agora sua primeira crise econômica. E ela explode no bojo da fragmentação da modernidade. “Tudo que é sólido se dissolve no ar...” Vale acrescentar: “... e o insólito, no bar”.
Esfareladas as grandes narrativas que norteavam a modernidade, abre-se amplo espaço ao relativismo. O projeto emancipatório se dilui no terrorismo e no assistencialismo compensatório guloso de votos. O futuro se desvanece.
Para os arautos do neoliberalismo, “a história terminou”. O presente é, hoje, o moto perpétuo. O passado, mera evocação, como a pintura que se contempla na parede de um museu. Nada de querer acertar contas com ele.
Graças às novas tecnologias, o espaço se contraiu e o tempo se acelerou. O outro lado do mundo está logo ali, e o que lá ocorre é visto aqui em tempo real. Tudo isso impacta nossos paradigmas e nossa escala de valores. Paradigmas e valores soam como contos da carochinha comparados a ensaios de bionanotecnologia.
O mundo real se cindiu e não condiz com o seu duplo virtual. Via internet, qualquer um pode assumir múltiplas identidades e os mais contraditórios discursos. Agora, todos podem ser simulacros de si mesmos.
Não há mais propostas libertárias que fomentem utopias, nutram esperanças e semeiem otimismo. Ao olhar pela janela, não há horizonte. O que se vê reforça o pessimismo: o aquecimento global, a ciranda especulativa, a ausência de ética no jogo político, a lei do mais forte nas relações internacionais, a insustentabilidade do planeta.
Se não há futuro a se construir, vale a regra do prisioneiro confinado à sua cela: aproveitar ao máximo o aqui e agora. Já não interessam os princípios, importam os resultados. O sexo se dissocia do amor como os negócios da atividade produtiva.
A cultura do consumismo desencadeia duas reações contraditórias: a pulsão pela aquisição do novo e a frustração de não ter tido tempo sufi ciente para usufruir do “velho” adquirido ontem... A competitividade rege as relações entre pessoas e instituições. Somos todos acometidos de permanente sensação de insaciabilidade. Nada preenche o coração humano. E o que poderia fazê- lo já não faz parte de nosso universo teleológico: o sentido da vida como fenômeno, não apenas biológico, mas sobretudo biográfico, histórico.
Agora a voracidade consumista proclama a fé que identifica o infinito nos bens finitos. O princípio do limite é encarado como anacrônico. Azar nosso, porque todo sistema tem seu limite, da vida humana ao mercado. Sabemos por experiência própria o que acontece quando se tenta ignorar os limites: o sistema entra em pane. Mas, em se tratando de finanças, não se acreditava nisso. A riqueza dos donos do mundo parecia brotar de um poço sem fundo.
Duas dimensões da modernidade foram perdidas nesse processo: a dignidade do cidadão e o contrato social. Marx sabia que a burguesia, nos seus primórdios, era uma classe revolucionária. O que ignorava é que ela de tal modo revolucionaria o mundo, a ponto de exterminar a própria cultura burguesa. Os valores da modernidade evaporam por força da mercantilização de tudo: sentimentos, ideias, produtos e sonhos.
Para o neoliberalismo, a sociedade não existe, existem os indivíduos. E eles, cada vez mais, trocam a liberdade pela segurança. O que abastece este exemplo singular de mercantilização pós-moderna: a acirrada disputa pelo controle do mercado das almas. As religiões tradicionais perdem seus espaços territoriais e o número de fiéis. Agora, no bazar das crendices, a religião não promete o céu, e sim a prosperidade; não promete salvação, e sim segurança; não promete o amor de Deus, e sim o fi m da dor; não suscita compromisso, e sim consolo.
Assim, o amor e o idealismo ficam relegados ao reino das palavras inócuas. Lucro e proveito pessoal são o que importam.

Frei Betto é escritor, autor de Cartas da Prisão (Agir), entre outros livros.

Artigo originalmente publicado na edição 437 do Brasil de Fato