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Um blog de informações culturais, políticas e sociais, fazendo o contra ponto à mídia de esgoto.
domingo, 21 de agosto de 2011
O Espiritismo é Subversivo?
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Uma greve esquecida
O Brasil precisa decidir se educar a sua infância se enquadra entre as essencialidades do Estado e da sociedade. Se assim entender, terá que repensar o tratamento dispensado a um protagonista que ocupa a linha de frente desse processo: o professor, sobretudo o do ensino básico. O principal emissário da sociedade brasileiro junto à infância, dedicado 40 horas semanais a socializar algo como 50 milhões de meninos e meninas –já em idade escolar ou a caminho - recebe pouco mais de dois salários mínimos por mês. Professores de 11 Estados entraram em greve por um holerite de R$ 1.187 reais. O artigo é de Saul Leblon.
Saul Leblon no CARTA MAIOR
Às missões essenciais destinam-se os melhores recursos. Não importa quais sejam elas, serão sempre eles: os mais eficazes, mais qualificados, os que desfrutam de maior respeito e como tal são valorizados e reconhecidos.
O Brasil precisa decidir se educar a sua infância se enquadra entre as essencialidades do Estado e da sociedade. Se assim entender, terá que repensar o tratamento dispensado a um protagonista que ocupa a linha de frente desse processo: o professor de um modo geral, mas, sobretudo, o do ensino básico.
Em meio à voltagem desordenada dos mercados financeiros mundiais nas últimas semanas, o país assistiu dia 16 de agosto, quase indiferente, como se fora uma manifestação da natureza e não uma interpelação política, a uma greve desconcertante.
Educadores do ensino básico paralisaram suas atividades para reivindicar o cumprimento de uma lei de 2008 que destina à categoria um piso salarial hoje equivalente a R$ 1.187 reais.
Isso mesmo. O principal emissário da sociedade brasileiro junto à infância, dedicado 40 horas semanais a socializar algo como 50 milhões de meninos e meninas –já em idade escolar ou a caminho-- recebe pouco mais de dois salários mínimos por mês.
É o que vale um professor do nível básico no país que desponta como uma das potências do século XXI.
A greve informou-nos que em 11 estados da federação nem isso ele vale.
O salário do professor do ensino básico é uma responsabilidade de estados e prefeituras. Prefeitos e governadores alegam não dispor de recursos para arcar com o piso.
O governo federal, através do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, Fundeb, criou uma linha de equivalência para esses casos.
Seu montante remete a uma proporção fiscal ilustrativa: os recursos previstos, de R$ 1 bi, equivalem ao valor surrupiado à Receita Federal apenas por uma rede de sonegação desbaratada no mesmo dia da greve, envolvendo 300 empresas da área química.
Para acessar recursos complementares à folha dos professores, porém, há algumas condicionalidades. Entre elas, que as prefeituras destinem 25% do seu orçamento à educação e despesas afins. Algo que, de resto, o próprio governo federal não faz.
Justiça seja feita, o orçamento do MEC triplicou no governo Lula. Saltou de R$ 17 bi para atuais R$ 69 bi, refletindo uma atenção à escola poucas vezes observada no país.
Foram criadas 16 novas universidades e dezenas de campi avançados. Cerca de 260 escolas técnicas dobraram a rede existente. Outras 208 unidades serão construídas agora no governo Dilma. Até 2014, os 500 municípios polo brasileiros terão pelo menos um centro educacional de formação técnica. Oito milhões de bolsas ampliarão essa capilaridade da educação profissionalizante, através do Pronatec. Uma espécie de Pronaf da educação técnica, esse programa de óbvia pertinência aguarda aprovação no Congresso há meses.
São saltos importantes, aos quais cumpre acrescentar ainda o aumento de 21% dos recursos do Fundeb este ano, que inclui maior atenção às creches. Se abstrairmos a base de comparação e o Everest das carências nacionais seriam números quase irretocáveis.
O que será feito de um país, e a velocidade com que isso se dará, depende porém das proporcionalidades que carências e demandas desfrutam no orçamento nacional.
O orçamento federal de 2011 destina praticamente o dobro do que reserva à educação ao pagamento de juros aos rentistas da dívida pública brasileira: R$ 69 bi e R$ 117,9 bi, respectivamente. Cada vez que eleva a taxa de juro o governo está destinando uma fatia maior do orçamento –presente ou futuro - aos detentores de papéis da dívida pública.
Num país socialmente extremado, uma das sociedades mais desiguais do planeta, não há, efetivamente, dinheiro suficiente para tudo. Governar aqui, mais que em qualquer lugar, é priorizar. Mas as proporções citadas indicam que também significa arguir: estamos no caminho certo?
O Estado brasileiro tem como meta pagar ao professor de ensino básico um salário equivalente hoje a R$ 3 mil reais num prazo de dez anos. O prazo é compatível com a essencialidade da tarefa a ele atribuída?
Arregimentará os melhores, os mais preparados, os mais eficientes para a missão?
As evidências colhidas pelo próprio governo mostram que não.
Pesquisas citadas pelo Conselho Nacional de Secretários da Educação indicam que os melhores alunos da universidade hoje fogem da carreira do magistério. Motivo: a defasagem salarial da ordem de 40% comparativamente ao início de carreira em outras profissões com diploma superior.
Um levantamento feito em 2008 pela Fundação Lemann, cotejando inscrições de vestibular e resultados alcançados no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), concluiu que os 5% com as piores notas no Enem decidiram ser professores.
Os melhores optaram por áreas médicas e de engenharia, melhor remuneradas.
Não por acaso, tem crescido no país o número de professores do ensino básico sem diploma superior. Eram 594 mil em 2007; saltaram para 636 mil em 2009.
Através da Universidade Aberta do Brasil, o governo pretende formar 330 mil deles em cinco anos. Especialistas e sindicatos questionam a qualidade da formação à distância como é o caso dos cursos oferecidos pelas UAB. Mas o balanço dos presenciais também deixa muito a desejar.
Hoje, 25% dos que abraçam o magistério estão sendo diplomados em cursos considerados ruins pelo próprio MEC.
A educação republicana, herança benigna da Revolução Francesa, é aquela que rompe a odiosa distinção de berço. Ao conceder um mesmo ponto de partida igual para todos— um ensino ‘público, gratuito e de qualidade’, como dizem os estudantes chilenos há 3 meses nas ruas por isso— secciona a transmissão da desigualdade. Impede que floresçam duas infâncias dentro de um mesmo país. Acordes da Marselhesa ao fundo. Ponto.
A ruptura da transmissão quase biológica da herança de berço – um dever da escola republicana - patina no país. Patina até na França, diga-se. Investigações baseadas no Enem indicam que a origem familiar continua a pesar decisivamente no desempenho escolar. Mais de um terço das 100 melhores notas registradas no Enem no Rio de Janeiro, por exemplo, foram obtidas por estudantes cujos pais tiveram formação superior. Em Brasília, esse número dobra: 76 de 100.
É um círculo perversamente vicioso. A baixa remuneração do professor desdobra-se em alunos com formação precária seminal que se arrastam daí em diante, da defasagem etária à desistência ou o déficit estrutural de formação. O conjunto subverte a finalidade republicana da educação, capturada assim como plataforma de reprodução da desigualdade que deveria combater.
O governo sabe disso. Deixou claro seu diagnóstico no novo Plano Nacional de Educação, o PNE. Entre 20 metas principais, ele destina 4 à valorização do professorado. Formação e remuneração, diz o documento, constitui a chave para o futuro da educação e do país.
O problema é a assimetria entre o diagnóstico e a destinação de recursos. Ela se explica pela força desproporcional dos interesses que tencionam essa relação. Para que as boas intenções do PNE sejam factíveis, o país teria que elevar o investimento em educação dos atuais 5% do PIB para 7%.
O governo concorda. Mas planeja vencer essa travessia em dez anos. Uma década, a 0,2% de acréscimo real de investimento por ano.
Trata-se de uma visão incremental muito à gosto dos mercados e de seus teóricos. Tudo se resolve gradualmente, sem a necessidade de rupturas na divisão da riqueza. Na vida real de uma nação a urgência tratada em regime de longo prazo muitas vezes é a escolha que leva ao destino oposto ao almejado.
Quanto custará socialmente esse roteiro de tartaruga resignada? Melhor: como modificar esse passo claudicante?
O Brasil dispõe hoje de uma incontrastável rede de controles financeiros e ideológicos, públicos e privados, nativos e forâneos, com braços que se articulam de dentro e de fora do governo, indo das universidades às consultorias de mercado, da prontidão midiática aos partidos políticos conservadores; esse redil articulado e eficiente trabalha sob pressão máxima para não deixar escapar um objetivo claro: garantir que anualmente se reserve algo como 3% do PIB em recursos fiscais ao pagamento de juros da dívida pública (cujo serviço efetivo atinge o dobro disso quando somados juros totais, capitalizações etc).
Assegurar o juro da dívida púbica é uma essencialidade do conservadorismo. Algo perseguido com o recrutamento dos melhores quadros, os mais contundentes instrumentos e todas as caixas de ressonância ideológica necessárias, das convictas às remuneradas. Os resultados, como se sabe, são notáveis: o Brasil é campeão mundial em custo financeiro; pratica as maiores taxas de juros do planeta e remunera religiosamente os títulos públicos com elas.
O tratamento incremental dispensado à educação , em contrapartida, sobretudo, aos salários do nível básico, reflete a aceitação de um interdito ideológico. O mesmo que faz algumas das economias mais ricas e poderosas da terra girar numa espiral descendente sem dispor de um ponto de apoio fiscal para sair da crise.
O consenso conservador instituiu nas últimas décadas que os ricos –bancos e rentistas, sobretudo— não deveriam ser taxados adequadamente em seus lucros e patrimônio em benefício da sociedade.
O dogma deixou aos Estados a opção de se tornarem mínimos em serviços e responsabilidades. Ou tomarem emprestada uma fatia da riqueza plutocrática, endividando-se a juros para proceder a investimentos e sustentar atribuições intransferíveis. Deixou-lhes também a partitura das privatizações e a do sucateamento que o Brasil dos anos 90 tocou e ouviu como aluno aplicado.
A captura do orçamento público pela lógica rentista do endividamento esgotou-se após os excessos cometidos em seus próprios termos. Entre eles a explosão do crédito sem critério, propiciado pela desregulação precedente, e das fraudes de proporções ferroviárias.
O imenso passivo acumulado regurgita agora no metabolismo econômico mundial. Um bolo de difícil digestão. Sem afrontar o dogma fiscal que impede de taxar os ricos, sobrará aos pobres mastigá-lo e serem triturados por ele durante anos.
Se for esse o caminho vitorioso aqui e alhures, o salário dos professores do ensino básico dificilmente alcançará a faixa dos três mil reais em uma década. Talvez nem em duas.
Argumentos éticos ao som da Marselhesa tocam tangencialmente o raciocínio frio de quem lucra com o fervor colegial do Tea Party. Ou dos que, em nome do ‘custo Brasil’, extinguiram a CPMF subtraindo R$ 40 bilhões por ano à saúde pública.
A esses talvez fosse mais pertinente lembrar que demonstrações explícitas de anomia social, como as registradas em Londres, não surgem do vazio.
Um estudo de Unicef, de 2007, realizado exclusivamente com países considerados desenvolvidos, oferece uma pista e um alerta de como as coisas se dão.
Intitulado "Pobreza Infantil em Perspectiva: visão de conjunto do bem-estar da criança nos países ricos", a pesquisa assume que a verdadeira medida de uma nação está na forma como ela cuida das suas crianças. A Unicef estende a fita métrica em seis dimensões da infância: a saúde e a proteção; a segurança material; a educação e socialização e o crucial modo como se sentem amadas, valorizadas e integradas na família e na sociedade onde nasceram.
O trabalho avaliou 21 países ricos abrangendo mais de 40 itens de vida material e subjetiva agrupados nas seis dimensões citadas.
A Inglaterra figurou em último lugar no conjunto de notas de cinco das seis dimensões em toda a série.
Trata-se de um balanço devastador da infância e da juventude criadas em 26 anos de governo conservador de Margareth Tatcher. Período em que se relegou a educação pública, as políticas sociais, empresas de Estado e valores associados à solidariedade e ao bem-comum a um agressivo moedor de carne de condenação ideológica e fiscal.
Valioso justamente por anteceder em cinco anos os atuais distúrbios em Londres, o trabalho pode ser consultado na íntegra no site do Centro de Estudos Innocenti da UNICEF.
Os alertas contidos no relatório merecem atenção não apenas de ingleses perplexos. Lideranças e autoridades brasileiras talvez encontrem ali boas razões para redimir sua indiferença diante da greve de abnegados professores de 11 Estados por um holerite de R$ 1.187 reais por mês.
O Brasil precisa decidir se educar a sua infância se enquadra entre as essencialidades do Estado e da sociedade. Se assim entender, terá que repensar o tratamento dispensado a um protagonista que ocupa a linha de frente desse processo: o professor de um modo geral, mas, sobretudo, o do ensino básico.
Em meio à voltagem desordenada dos mercados financeiros mundiais nas últimas semanas, o país assistiu dia 16 de agosto, quase indiferente, como se fora uma manifestação da natureza e não uma interpelação política, a uma greve desconcertante.
Educadores do ensino básico paralisaram suas atividades para reivindicar o cumprimento de uma lei de 2008 que destina à categoria um piso salarial hoje equivalente a R$ 1.187 reais.
Isso mesmo. O principal emissário da sociedade brasileiro junto à infância, dedicado 40 horas semanais a socializar algo como 50 milhões de meninos e meninas –já em idade escolar ou a caminho-- recebe pouco mais de dois salários mínimos por mês.
É o que vale um professor do nível básico no país que desponta como uma das potências do século XXI.
A greve informou-nos que em 11 estados da federação nem isso ele vale.
O salário do professor do ensino básico é uma responsabilidade de estados e prefeituras. Prefeitos e governadores alegam não dispor de recursos para arcar com o piso.
O governo federal, através do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, Fundeb, criou uma linha de equivalência para esses casos.
Seu montante remete a uma proporção fiscal ilustrativa: os recursos previstos, de R$ 1 bi, equivalem ao valor surrupiado à Receita Federal apenas por uma rede de sonegação desbaratada no mesmo dia da greve, envolvendo 300 empresas da área química.
Para acessar recursos complementares à folha dos professores, porém, há algumas condicionalidades. Entre elas, que as prefeituras destinem 25% do seu orçamento à educação e despesas afins. Algo que, de resto, o próprio governo federal não faz.
Justiça seja feita, o orçamento do MEC triplicou no governo Lula. Saltou de R$ 17 bi para atuais R$ 69 bi, refletindo uma atenção à escola poucas vezes observada no país.
Foram criadas 16 novas universidades e dezenas de campi avançados. Cerca de 260 escolas técnicas dobraram a rede existente. Outras 208 unidades serão construídas agora no governo Dilma. Até 2014, os 500 municípios polo brasileiros terão pelo menos um centro educacional de formação técnica. Oito milhões de bolsas ampliarão essa capilaridade da educação profissionalizante, através do Pronatec. Uma espécie de Pronaf da educação técnica, esse programa de óbvia pertinência aguarda aprovação no Congresso há meses.
São saltos importantes, aos quais cumpre acrescentar ainda o aumento de 21% dos recursos do Fundeb este ano, que inclui maior atenção às creches. Se abstrairmos a base de comparação e o Everest das carências nacionais seriam números quase irretocáveis.
O que será feito de um país, e a velocidade com que isso se dará, depende porém das proporcionalidades que carências e demandas desfrutam no orçamento nacional.
O orçamento federal de 2011 destina praticamente o dobro do que reserva à educação ao pagamento de juros aos rentistas da dívida pública brasileira: R$ 69 bi e R$ 117,9 bi, respectivamente. Cada vez que eleva a taxa de juro o governo está destinando uma fatia maior do orçamento –presente ou futuro - aos detentores de papéis da dívida pública.
Num país socialmente extremado, uma das sociedades mais desiguais do planeta, não há, efetivamente, dinheiro suficiente para tudo. Governar aqui, mais que em qualquer lugar, é priorizar. Mas as proporções citadas indicam que também significa arguir: estamos no caminho certo?
O Estado brasileiro tem como meta pagar ao professor de ensino básico um salário equivalente hoje a R$ 3 mil reais num prazo de dez anos. O prazo é compatível com a essencialidade da tarefa a ele atribuída?
Arregimentará os melhores, os mais preparados, os mais eficientes para a missão?
As evidências colhidas pelo próprio governo mostram que não.
Pesquisas citadas pelo Conselho Nacional de Secretários da Educação indicam que os melhores alunos da universidade hoje fogem da carreira do magistério. Motivo: a defasagem salarial da ordem de 40% comparativamente ao início de carreira em outras profissões com diploma superior.
Um levantamento feito em 2008 pela Fundação Lemann, cotejando inscrições de vestibular e resultados alcançados no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), concluiu que os 5% com as piores notas no Enem decidiram ser professores.
Os melhores optaram por áreas médicas e de engenharia, melhor remuneradas.
Não por acaso, tem crescido no país o número de professores do ensino básico sem diploma superior. Eram 594 mil em 2007; saltaram para 636 mil em 2009.
Através da Universidade Aberta do Brasil, o governo pretende formar 330 mil deles em cinco anos. Especialistas e sindicatos questionam a qualidade da formação à distância como é o caso dos cursos oferecidos pelas UAB. Mas o balanço dos presenciais também deixa muito a desejar.
Hoje, 25% dos que abraçam o magistério estão sendo diplomados em cursos considerados ruins pelo próprio MEC.
A educação republicana, herança benigna da Revolução Francesa, é aquela que rompe a odiosa distinção de berço. Ao conceder um mesmo ponto de partida igual para todos— um ensino ‘público, gratuito e de qualidade’, como dizem os estudantes chilenos há 3 meses nas ruas por isso— secciona a transmissão da desigualdade. Impede que floresçam duas infâncias dentro de um mesmo país. Acordes da Marselhesa ao fundo. Ponto.
A ruptura da transmissão quase biológica da herança de berço – um dever da escola republicana - patina no país. Patina até na França, diga-se. Investigações baseadas no Enem indicam que a origem familiar continua a pesar decisivamente no desempenho escolar. Mais de um terço das 100 melhores notas registradas no Enem no Rio de Janeiro, por exemplo, foram obtidas por estudantes cujos pais tiveram formação superior. Em Brasília, esse número dobra: 76 de 100.
É um círculo perversamente vicioso. A baixa remuneração do professor desdobra-se em alunos com formação precária seminal que se arrastam daí em diante, da defasagem etária à desistência ou o déficit estrutural de formação. O conjunto subverte a finalidade republicana da educação, capturada assim como plataforma de reprodução da desigualdade que deveria combater.
O governo sabe disso. Deixou claro seu diagnóstico no novo Plano Nacional de Educação, o PNE. Entre 20 metas principais, ele destina 4 à valorização do professorado. Formação e remuneração, diz o documento, constitui a chave para o futuro da educação e do país.
O problema é a assimetria entre o diagnóstico e a destinação de recursos. Ela se explica pela força desproporcional dos interesses que tencionam essa relação. Para que as boas intenções do PNE sejam factíveis, o país teria que elevar o investimento em educação dos atuais 5% do PIB para 7%.
O governo concorda. Mas planeja vencer essa travessia em dez anos. Uma década, a 0,2% de acréscimo real de investimento por ano.
Trata-se de uma visão incremental muito à gosto dos mercados e de seus teóricos. Tudo se resolve gradualmente, sem a necessidade de rupturas na divisão da riqueza. Na vida real de uma nação a urgência tratada em regime de longo prazo muitas vezes é a escolha que leva ao destino oposto ao almejado.
Quanto custará socialmente esse roteiro de tartaruga resignada? Melhor: como modificar esse passo claudicante?
O Brasil dispõe hoje de uma incontrastável rede de controles financeiros e ideológicos, públicos e privados, nativos e forâneos, com braços que se articulam de dentro e de fora do governo, indo das universidades às consultorias de mercado, da prontidão midiática aos partidos políticos conservadores; esse redil articulado e eficiente trabalha sob pressão máxima para não deixar escapar um objetivo claro: garantir que anualmente se reserve algo como 3% do PIB em recursos fiscais ao pagamento de juros da dívida pública (cujo serviço efetivo atinge o dobro disso quando somados juros totais, capitalizações etc).
Assegurar o juro da dívida púbica é uma essencialidade do conservadorismo. Algo perseguido com o recrutamento dos melhores quadros, os mais contundentes instrumentos e todas as caixas de ressonância ideológica necessárias, das convictas às remuneradas. Os resultados, como se sabe, são notáveis: o Brasil é campeão mundial em custo financeiro; pratica as maiores taxas de juros do planeta e remunera religiosamente os títulos públicos com elas.
O tratamento incremental dispensado à educação , em contrapartida, sobretudo, aos salários do nível básico, reflete a aceitação de um interdito ideológico. O mesmo que faz algumas das economias mais ricas e poderosas da terra girar numa espiral descendente sem dispor de um ponto de apoio fiscal para sair da crise.
O consenso conservador instituiu nas últimas décadas que os ricos –bancos e rentistas, sobretudo— não deveriam ser taxados adequadamente em seus lucros e patrimônio em benefício da sociedade.
O dogma deixou aos Estados a opção de se tornarem mínimos em serviços e responsabilidades. Ou tomarem emprestada uma fatia da riqueza plutocrática, endividando-se a juros para proceder a investimentos e sustentar atribuições intransferíveis. Deixou-lhes também a partitura das privatizações e a do sucateamento que o Brasil dos anos 90 tocou e ouviu como aluno aplicado.
A captura do orçamento público pela lógica rentista do endividamento esgotou-se após os excessos cometidos em seus próprios termos. Entre eles a explosão do crédito sem critério, propiciado pela desregulação precedente, e das fraudes de proporções ferroviárias.
O imenso passivo acumulado regurgita agora no metabolismo econômico mundial. Um bolo de difícil digestão. Sem afrontar o dogma fiscal que impede de taxar os ricos, sobrará aos pobres mastigá-lo e serem triturados por ele durante anos.
Se for esse o caminho vitorioso aqui e alhures, o salário dos professores do ensino básico dificilmente alcançará a faixa dos três mil reais em uma década. Talvez nem em duas.
Argumentos éticos ao som da Marselhesa tocam tangencialmente o raciocínio frio de quem lucra com o fervor colegial do Tea Party. Ou dos que, em nome do ‘custo Brasil’, extinguiram a CPMF subtraindo R$ 40 bilhões por ano à saúde pública.
A esses talvez fosse mais pertinente lembrar que demonstrações explícitas de anomia social, como as registradas em Londres, não surgem do vazio.
Um estudo de Unicef, de 2007, realizado exclusivamente com países considerados desenvolvidos, oferece uma pista e um alerta de como as coisas se dão.
Intitulado "Pobreza Infantil em Perspectiva: visão de conjunto do bem-estar da criança nos países ricos", a pesquisa assume que a verdadeira medida de uma nação está na forma como ela cuida das suas crianças. A Unicef estende a fita métrica em seis dimensões da infância: a saúde e a proteção; a segurança material; a educação e socialização e o crucial modo como se sentem amadas, valorizadas e integradas na família e na sociedade onde nasceram.
O trabalho avaliou 21 países ricos abrangendo mais de 40 itens de vida material e subjetiva agrupados nas seis dimensões citadas.
A Inglaterra figurou em último lugar no conjunto de notas de cinco das seis dimensões em toda a série.
Trata-se de um balanço devastador da infância e da juventude criadas em 26 anos de governo conservador de Margareth Tatcher. Período em que se relegou a educação pública, as políticas sociais, empresas de Estado e valores associados à solidariedade e ao bem-comum a um agressivo moedor de carne de condenação ideológica e fiscal.
Valioso justamente por anteceder em cinco anos os atuais distúrbios em Londres, o trabalho pode ser consultado na íntegra no site do Centro de Estudos Innocenti da UNICEF.
Os alertas contidos no relatório merecem atenção não apenas de ingleses perplexos. Lideranças e autoridades brasileiras talvez encontrem ali boas razões para redimir sua indiferença diante da greve de abnegados professores de 11 Estados por um holerite de R$ 1.187 reais por mês.
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sexta-feira, 19 de agosto de 2011
Nouriel Roubini: “Karl Marx estava certo”
Na avaliação de Nouriel Roubini, professor de economia na Universidade de Nova York, a não ser que haja outra etapa de massivo incentivo fiscal ou uma reestruturação da dívida universal, o capitalismo continuará a experimentar uma crise, dado o seu defeito sistêmico identificado primeiramente por Karl Marx há mais de um século. Roubini, que há quatro anos previu a crise financeira global diz que uma das críticas ao capitalismo feitas por Marx está se provando verdadeira na atual crise financeira global.
Joseph Lazzaro - The International Business Time via CARTA MAIOR
Há um velho axioma que diz que “sábia é a pessoa que aprecia a sinceridade quase tanto como as boas notícias”, e com ele como guia, situa decididamente o futuro na categoria da sinceridade.
O professor de economia da Universidade de Nova York, doutor Nouriel “Dr. Catástrofe” Roubini disse que, a não ser que haja outra etapa de massivo incentivo fiscal ou uma reestruturação da dívida universal, o capitalismo continuará a experimentar uma crise, dado o seu defeito sistêmico identificado primeiramente pelo economista Karl Marx há mais de um século.
Roubini, que há quatro anos previu acuradamente a crise financeira global disse que uma das críticas ao capitalismo feitas por Marx está se provando verdadeira na atual crise financeira global.
A crítica de Marx em vigor, agora
Dentre outras teorias, Marx argumentou que o capitalismo tinha uma contradição interna que, ciclicamente, levaria a crises e isso, no mínimo, faria pressão sobre o sistema econômico. As corporações, disse Roubini, motivam-se pelos custos mínimos, para economizar e fazer caixa, mas isso implica menos dinheiro nas mãos dos empregados, o que significa que eles terão menos dinheiro para gastar, o que repercute na diminuição da receita das companhias.
Agora, na atual crise financeira, os consumidores, além de terem menos dinheiro para gastar devido ao que foi dito acima, também estão motivados a diminuírem os custos, a economizarem e a fazerem caixa, ampliando o efeito de menos dinheiro em circulação, que assim não retornam às companhias.
“Karl Marx tinha clareza disso”, disse Roubini numa entrevista ao The Wall Street Journal: "Em certa altura o capitalismo pode destruir a si mesmo. Isso porque não se pode perseverar desviando a renda do trabalho para o capital sem haver um excesso de capacidade [de trabalho] e uma falta de demanda agregada. Nós pensamos que o mercado funciona. Ele não está funcionando. O que é racional individualmente ... é um processo autodestrutivo”.
Roubini acrescentou que uma ausência forte, orgânica, de crescimento do PIB – coisa que pode aumentar salários e o gasto dos consumidores – requer um estímulo fiscal amplo, concordando com outro economista de primeira linha, o prêmio Nobel de economia Paul Krugman, em que, no caso dos Estados Unidos, o estímulo fiscal de 786 bilhões de dólares aprovado pelo Congresso em 2009 era pequeno demais para criar uma demanda agregada necessária para alavancar a recuperação da economia ao nível de uma auto expansão sustentável.
Na falta de um estímulo fiscal adicional, ou sem esperar um forte crescimento do PIB, a única solução é uma reestruturação universal da dívida dos bancos, das famílias (essencialmente das economias familiares), e dos governos, disse Roubini. No entanto, não ocorreu tal reestruturação, comentou.
Sem estímulo fiscal adicional, essa falta de reestruturação levou a “economias domésticas zumbis, bancos zumbis e governos zumbis”, disse ele.
Fora o estímulo fiscal ou a reestruturação da dívida, não há boas escolhas
Os Estados Unidos, disse Roubini, pode, em tese: a) crescer ele mesmo por fora do atual problema (mas a economia está crescendo devagar demais, daí a necessidade de mais estímulo fiscal); ou b) retrair-se economicamente, a despeito do mundo (mas se muitas companhias e cidadãos o fizerem junto, o problema identificado por Marx é ampliado); ou c) inflacionar-se (mas isso gera um extenso dano colateral, disse ele).
No entanto, Roubini disse que não pensa que os EUA ou o mundo estão atualmente num ponto em que o capitalismo esteja em autodestruição. “Ainda não chegamos lá”, disse Roubini, mas ele acrescentou que a tendência atual, caso continue, “corre o risco de repetir a segunda etapa da Grande Depressão”—o erro de ‘1937’.
Em 1937, o presidente Franklin D. Roosevelt, apesar do fato de os primeiros quatro anos de massivo incentivo fiscal do New Deal ter reduzido o desemprego nos EUA, de um cambaleante 20,6% na administração Hoover no começo da Grande Depressão, a 9,1%, foi pressionado pelos republicanos congressistas – como o atual presidente Barack Obama fez com o Tea Party, que pautou a bancada republicana no congresso em 2011 – , rendeu-se aos conservadores e cortou gastos do governo em 1937. O resultado? O desemprego estadunidense começou o ano de 1938 subindo de novo, e bateu a casa dos 12,5%.
Cortar os gastos do governo prematuramente feriu a economia dos EUA em 1937, ao reduzir a demanda, e Roubini vê o mesmo padrão ocorrendo hoje, ao se seguir as medidas de austeridade implementadas pelo acordo da dívida implemented by the U.S. debt deal act.
Roubini também argumenta que os levantes sociais no Egito e em outros países árabes, na Grécia e agora no Reino Unido têm origem econômica (principalmente no desemprego, mas também, no caso do Egito, no aumento do custo de vida). Em seguida, argumenta que, ao passo que não se deve esperar um colapso iminente do capitalismo, ou mesmo um colapso da sua versão estadunidense, o capitalismo corporativo – capitalismo e mercados livres são rápidos demais e capazes de se adaptarem - dizer que a ordem econômica atual não está experimentando uma crise não é correto.
Fonte: http://www.ibtimes.com/articles/197468/20110813/roubini-nouriel-roubini-dr-doom-financial-crisis-debt-crisis-europe.htm
Tradução: Katarina Peixoto
O professor de economia da Universidade de Nova York, doutor Nouriel “Dr. Catástrofe” Roubini disse que, a não ser que haja outra etapa de massivo incentivo fiscal ou uma reestruturação da dívida universal, o capitalismo continuará a experimentar uma crise, dado o seu defeito sistêmico identificado primeiramente pelo economista Karl Marx há mais de um século.
Roubini, que há quatro anos previu acuradamente a crise financeira global disse que uma das críticas ao capitalismo feitas por Marx está se provando verdadeira na atual crise financeira global.
A crítica de Marx em vigor, agora
Dentre outras teorias, Marx argumentou que o capitalismo tinha uma contradição interna que, ciclicamente, levaria a crises e isso, no mínimo, faria pressão sobre o sistema econômico. As corporações, disse Roubini, motivam-se pelos custos mínimos, para economizar e fazer caixa, mas isso implica menos dinheiro nas mãos dos empregados, o que significa que eles terão menos dinheiro para gastar, o que repercute na diminuição da receita das companhias.
Agora, na atual crise financeira, os consumidores, além de terem menos dinheiro para gastar devido ao que foi dito acima, também estão motivados a diminuírem os custos, a economizarem e a fazerem caixa, ampliando o efeito de menos dinheiro em circulação, que assim não retornam às companhias.
“Karl Marx tinha clareza disso”, disse Roubini numa entrevista ao The Wall Street Journal: "Em certa altura o capitalismo pode destruir a si mesmo. Isso porque não se pode perseverar desviando a renda do trabalho para o capital sem haver um excesso de capacidade [de trabalho] e uma falta de demanda agregada. Nós pensamos que o mercado funciona. Ele não está funcionando. O que é racional individualmente ... é um processo autodestrutivo”.
Roubini acrescentou que uma ausência forte, orgânica, de crescimento do PIB – coisa que pode aumentar salários e o gasto dos consumidores – requer um estímulo fiscal amplo, concordando com outro economista de primeira linha, o prêmio Nobel de economia Paul Krugman, em que, no caso dos Estados Unidos, o estímulo fiscal de 786 bilhões de dólares aprovado pelo Congresso em 2009 era pequeno demais para criar uma demanda agregada necessária para alavancar a recuperação da economia ao nível de uma auto expansão sustentável.
Na falta de um estímulo fiscal adicional, ou sem esperar um forte crescimento do PIB, a única solução é uma reestruturação universal da dívida dos bancos, das famílias (essencialmente das economias familiares), e dos governos, disse Roubini. No entanto, não ocorreu tal reestruturação, comentou.
Sem estímulo fiscal adicional, essa falta de reestruturação levou a “economias domésticas zumbis, bancos zumbis e governos zumbis”, disse ele.
Fora o estímulo fiscal ou a reestruturação da dívida, não há boas escolhas
Os Estados Unidos, disse Roubini, pode, em tese: a) crescer ele mesmo por fora do atual problema (mas a economia está crescendo devagar demais, daí a necessidade de mais estímulo fiscal); ou b) retrair-se economicamente, a despeito do mundo (mas se muitas companhias e cidadãos o fizerem junto, o problema identificado por Marx é ampliado); ou c) inflacionar-se (mas isso gera um extenso dano colateral, disse ele).
No entanto, Roubini disse que não pensa que os EUA ou o mundo estão atualmente num ponto em que o capitalismo esteja em autodestruição. “Ainda não chegamos lá”, disse Roubini, mas ele acrescentou que a tendência atual, caso continue, “corre o risco de repetir a segunda etapa da Grande Depressão”—o erro de ‘1937’.
Em 1937, o presidente Franklin D. Roosevelt, apesar do fato de os primeiros quatro anos de massivo incentivo fiscal do New Deal ter reduzido o desemprego nos EUA, de um cambaleante 20,6% na administração Hoover no começo da Grande Depressão, a 9,1%, foi pressionado pelos republicanos congressistas – como o atual presidente Barack Obama fez com o Tea Party, que pautou a bancada republicana no congresso em 2011 – , rendeu-se aos conservadores e cortou gastos do governo em 1937. O resultado? O desemprego estadunidense começou o ano de 1938 subindo de novo, e bateu a casa dos 12,5%.
Cortar os gastos do governo prematuramente feriu a economia dos EUA em 1937, ao reduzir a demanda, e Roubini vê o mesmo padrão ocorrendo hoje, ao se seguir as medidas de austeridade implementadas pelo acordo da dívida implemented by the U.S. debt deal act.
Roubini também argumenta que os levantes sociais no Egito e em outros países árabes, na Grécia e agora no Reino Unido têm origem econômica (principalmente no desemprego, mas também, no caso do Egito, no aumento do custo de vida). Em seguida, argumenta que, ao passo que não se deve esperar um colapso iminente do capitalismo, ou mesmo um colapso da sua versão estadunidense, o capitalismo corporativo – capitalismo e mercados livres são rápidos demais e capazes de se adaptarem - dizer que a ordem econômica atual não está experimentando uma crise não é correto.
Fonte: http://www.ibtimes.com/articles/197468/20110813/roubini-nouriel-roubini-dr-doom-financial-crisis-debt-crisis-europe.htm
Tradução: Katarina Peixoto
Bolsa Família: mais que transferência de renda
Artigo publicado em 15/08/2011 no jornal CORREIO BRAZILIENSE
TIAGO FALCÃO
Se fosse apenas um programa de transferência de renda, o Bolsa Família já traria ganho enorme para a
sociedade. Não só por sua faceta mais evidente, relativa ao alívio imediato da pobreza, mas, também,
pela menos óbvia, referente à sua contribuição para o crescimento econômico - o Ipea aponta que cada
R$1 investido no programa aumenta o PIB em R$ 1,44.
Acontece que o Bolsa Família é bem mais que transferência de renda. Cada benefício assume a forma
de um pacto entre a família beneficiária e o poder público. As famílias têm de manter na escola os
meninos e meninas de seis a 17 anos, de vacinar as crianças, de acompanhar seu desenvolvimento
nutricional e de certificar-se de que as gestantes façam o pré-natal. Cumprir esses compromissos é a
condição para receber as transferências. Já a parte que cabe ao Estado não se limita ao pagamento do
benefício. Envolve também o dever constitucional de ofertar serviços de educação, saúde e assistência
social.
Não fossem as condicionalidades, boa parte das famílias beneficiárias, em especial as que vivem em
pobreza extrema, não teriam acompanhamento de saúde adequado e não conseguiriam manter os filhos
na escola. O mais provável é que essas crianças começassem a trabalhar muito cedo, em atividades de
baixíssimas qualificação e renda, perpetuando o ciclo intergeracional de reprodução da pobreza. Mas,
com a abordagem de responsabilidades mútuas, o Estado se obriga a tornar os serviços disponíveis e
determina que as famílias os utilizem, tornando efetiva a sua universalidade constitucional. Cumpridas as
condicionalidades, essa geração de crianças terá a chance de um futuro mais digno.
Conferir o cumprimento das condicionalidades é tarefa complexa, seja pela necessidade de articular
órgãos historicamente condicionados a trabalhar de forma isolada, seja pelo imenso volume de dados
envolvidos. O acompanhamento efetivo que temos hoje só se tornou possível graças a mecanismos e
processos desenvolvidos e aperfeiçoados ao longo de anos. Para dar uma ideia dessa evolução, no
segundo trimestre de 2002 - um ano depois da criação do Bolsa Escola -, apenas 10% das escolas do
país informavam a frequência dos alunos - de maneira agregada, sem discriminar a assiduidade de cada
um dos estudantes. Hoje, os 5.565 municípios brasileiros fazem o acompanhamento, que envolve todo o
universo de escolas que têm alunos do Bolsa Família - com informações individualizadas por aluno.
Para que isso fosse possível, o MEC desenvolveu um sistema dedicado ao acompanhamento da
frequência escolar do público do Bolsa Família. O registro e monitoramento dos resultados da frequência
são feitos pelo MEC em articulação com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
(MDS) e com a participação dos estados e municípios. A cada dois meses, um exército de mais de 10 mil
profissionais da educação é mobilizado em todos os municípios para registro da informação da
frequência escolar de 16,6 milhões de crianças e jovens, com retorno de informação de quase 90% do
público-alvo. Algo similar acontece na saúde a cada semestre.
Esse esforço conjunto está surtindo efeitos. Dados do IBGE mostram que, entre 2004 e 2009, a
quantidade de jovens de 15 a 17 anos que frequentavam a escola no grupo dos 20% mais pobres
aumentou 13,6%, enquanto que entre os 20% mais ricos não houve variação. No mesmo período, a
quantidade de jovens de 15 a 17 anos que frequentavam a escola na série esperada para sua faixa etária
(ensino médio) cresceu 51% no grupo dos 20% mais pobres, enquanto que no quintil mais rico o
crescimento foi de apenas 1,8%.
Tais conquistas são, em larga medida, fruto de sete anos de política de estímulo à permanência na
escola do Bolsa Família. O MEC aponta que, em 2008, a taxa de abandono escolar do ensino
fundamental entre os estudantes beneficiários foi de 3,6%; menor, portanto, do que o resultado referente
a todo o universo de alunos desse nível, que foi de 4,8%. Pela primeira vez um resultado foi melhor para
os mais pobres em um indicador educacional.
Apesar dos progressos, ainda há uma série de disparidades a reduzir. Por isso a agenda de
condicionalidades persevera como essencial. Para o Estado, o descumprimento das condicionalidades
indica que as famílias têm vulnerabilidades. O acompanhamento das condicionalidades fornece alertas
sobre os desafios de inclusão social para superar a extrema pobreza.
Não é incomum as pessoas perderem de vista que o Bolsa Família não se restringe à transferência de
renda, quando na verdade ele é muito mais que isso. O acompanhamento das condicionalidades envolve
trabalho descomunal que, embora pouco reconhecido, vem mudando a vida das crianças e jovens mais
pobres do Brasil. É isso que nos move.
sociedade. Não só por sua faceta mais evidente, relativa ao alívio imediato da pobreza, mas, também,
pela menos óbvia, referente à sua contribuição para o crescimento econômico - o Ipea aponta que cada
R$1 investido no programa aumenta o PIB em R$ 1,44.
Acontece que o Bolsa Família é bem mais que transferência de renda. Cada benefício assume a forma
de um pacto entre a família beneficiária e o poder público. As famílias têm de manter na escola os
meninos e meninas de seis a 17 anos, de vacinar as crianças, de acompanhar seu desenvolvimento
nutricional e de certificar-se de que as gestantes façam o pré-natal. Cumprir esses compromissos é a
condição para receber as transferências. Já a parte que cabe ao Estado não se limita ao pagamento do
benefício. Envolve também o dever constitucional de ofertar serviços de educação, saúde e assistência
social.
Não fossem as condicionalidades, boa parte das famílias beneficiárias, em especial as que vivem em
pobreza extrema, não teriam acompanhamento de saúde adequado e não conseguiriam manter os filhos
na escola. O mais provável é que essas crianças começassem a trabalhar muito cedo, em atividades de
baixíssimas qualificação e renda, perpetuando o ciclo intergeracional de reprodução da pobreza. Mas,
com a abordagem de responsabilidades mútuas, o Estado se obriga a tornar os serviços disponíveis e
determina que as famílias os utilizem, tornando efetiva a sua universalidade constitucional. Cumpridas as
condicionalidades, essa geração de crianças terá a chance de um futuro mais digno.
Conferir o cumprimento das condicionalidades é tarefa complexa, seja pela necessidade de articular
órgãos historicamente condicionados a trabalhar de forma isolada, seja pelo imenso volume de dados
envolvidos. O acompanhamento efetivo que temos hoje só se tornou possível graças a mecanismos e
processos desenvolvidos e aperfeiçoados ao longo de anos. Para dar uma ideia dessa evolução, no
segundo trimestre de 2002 - um ano depois da criação do Bolsa Escola -, apenas 10% das escolas do
país informavam a frequência dos alunos - de maneira agregada, sem discriminar a assiduidade de cada
um dos estudantes. Hoje, os 5.565 municípios brasileiros fazem o acompanhamento, que envolve todo o
universo de escolas que têm alunos do Bolsa Família - com informações individualizadas por aluno.
Para que isso fosse possível, o MEC desenvolveu um sistema dedicado ao acompanhamento da
frequência escolar do público do Bolsa Família. O registro e monitoramento dos resultados da frequência
são feitos pelo MEC em articulação com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
(MDS) e com a participação dos estados e municípios. A cada dois meses, um exército de mais de 10 mil
profissionais da educação é mobilizado em todos os municípios para registro da informação da
frequência escolar de 16,6 milhões de crianças e jovens, com retorno de informação de quase 90% do
público-alvo. Algo similar acontece na saúde a cada semestre.
Esse esforço conjunto está surtindo efeitos. Dados do IBGE mostram que, entre 2004 e 2009, a
quantidade de jovens de 15 a 17 anos que frequentavam a escola no grupo dos 20% mais pobres
aumentou 13,6%, enquanto que entre os 20% mais ricos não houve variação. No mesmo período, a
quantidade de jovens de 15 a 17 anos que frequentavam a escola na série esperada para sua faixa etária
(ensino médio) cresceu 51% no grupo dos 20% mais pobres, enquanto que no quintil mais rico o
crescimento foi de apenas 1,8%.
Tais conquistas são, em larga medida, fruto de sete anos de política de estímulo à permanência na
escola do Bolsa Família. O MEC aponta que, em 2008, a taxa de abandono escolar do ensino
fundamental entre os estudantes beneficiários foi de 3,6%; menor, portanto, do que o resultado referente
a todo o universo de alunos desse nível, que foi de 4,8%. Pela primeira vez um resultado foi melhor para
os mais pobres em um indicador educacional.
Apesar dos progressos, ainda há uma série de disparidades a reduzir. Por isso a agenda de
condicionalidades persevera como essencial. Para o Estado, o descumprimento das condicionalidades
indica que as famílias têm vulnerabilidades. O acompanhamento das condicionalidades fornece alertas
sobre os desafios de inclusão social para superar a extrema pobreza.
Não é incomum as pessoas perderem de vista que o Bolsa Família não se restringe à transferência de
renda, quando na verdade ele é muito mais que isso. O acompanhamento das condicionalidades envolve
trabalho descomunal que, embora pouco reconhecido, vem mudando a vida das crianças e jovens mais
pobres do Brasil. É isso que nos move.
Secretário nacional de Renda de Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
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Cpers anuncia paralisação e não descarta greve nas escolas estaduais
Rachel Duarte no Sul21
“Tarso: pague o piso ou a educação para”. Com esse lema, o Cpers promove nesta sexta-feira (19) uma paralisação do magistério estadual para cobrar, do governador Tarso Genro, a implementação do piso nacional da categoria e dos planos de carreira no Rio Grande do Sul. Um ato no Gigantinho, em Porto Alegre, marcará o lançamento de um movimento em defesa da educação pública.
“Na campanha o governador falava que não precisava do STF para cumprir o piso. Agora ele diz que está esperando o acórdão”, critica a presidente do Cpers, Rejane Oliveira. Ela afirma que o sindicato irá intensificar as movimentações pelo pagamento do piso da categoria e não descarta uma greve nas escolas estaduais.
“Vamos colocar os símbolos da nossa luta na rua e lançar um cronograma de caravanas pelo interior. Vamos conversar com as regiões e organizar a nossa greve. Se não tivermos acordo, iremos parar pelo tempo que for preciso”, afirma.
Mesmo com a aprovação da Lei do Piso e com o reconhecimento da sua legalidade pelo Supremo Tribuanal Federal (STF) em abril deste ano, professores de alguns municípios e Estados brasileiros ainda não recebem o valor estipulado pela legislação. Por isso, paralisações acontecem em diversos locais do país desde terça.
A Central Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) lidera o movimento da categoria e esteve com o ministro da Educação Fernando Haddad na última terça. Eles pediram prioridade da gestão junto ao STF para publicação do acórdão sobre a Lei do Piso, que irá garantir o cumprimento da lei por parte dos Estados.
Em visita a Porto Alegre nesta quarta, Haddad afirmou que os governos estaduais foram pegos desprevenidos com a decisão do STF e, agora, estão tentando encontrar alternativas para o pagamento do piso. “O governador (Tarso) é um dos artífices da lei do piso. Nós queríamos, quando ele foi ministro, resgatar este pacto com os professores e efetuar o pagamento atrasado há 12 anos. Mas a aplicação é um processo”, defendeu.
A atividade do Cpers no Gigantinho acontece a partir das 17 horas. Após o lançamento do movimento, serão empossadas a nova direção central e as direções de núcleos do sindicato
quinta-feira, 18 de agosto de 2011
Mesmo com anúncio de paralisação, governo orienta pais a levarem alunos às escolas
Cpers/Sindicato alerta que escolas estarão fechadas em razão da paralisação
O governo gaúcho orienta os pais a levarem seus filhos para as escolas nesta sexta-feira, apesar da decisão dos educadores da rede estadual de parar as atividades. A paralisação de um dia é em defesa da implementação do piso nacional e dos planos de carreira para a categoria.
A Secretaria Estadual da Educação considera legítima a paralisação dos professores, mas vai exigir que o dia seja recuperado ao longo do ano letivo. Caso os pais levem seus filhos para as escolas e não haja professores, a explicação deve ser dada pela direção de cada estabelecimento de ensino.
— A nossa orientação é para que os pais encaminhem os filhos para as escolas. E é da responsabilidade da direção e dos professores de cada escola atenderem os pais. Se o professor estiver afastado para atividades sindicais, deve constar no ponto a data e a hora desse afastamento. E se isso interferir no funcionamento da escola, a direção terá de se organizar para recuperar o dia perdido — explicou a secretária-adjunta da Educação, Maria Eulalia Nascimento.
A Secretaria Estadual da Educação considera legítima a paralisação dos professores, mas vai exigir que o dia seja recuperado ao longo do ano letivo. Caso os pais levem seus filhos para as escolas e não haja professores, a explicação deve ser dada pela direção de cada estabelecimento de ensino.
— A nossa orientação é para que os pais encaminhem os filhos para as escolas. E é da responsabilidade da direção e dos professores de cada escola atenderem os pais. Se o professor estiver afastado para atividades sindicais, deve constar no ponto a data e a hora desse afastamento. E se isso interferir no funcionamento da escola, a direção terá de se organizar para recuperar o dia perdido — explicou a secretária-adjunta da Educação, Maria Eulalia Nascimento.
A Secretaria da Educação salientou ainda que está ao lado dos professores, inclusive com projeto enviado à Assembleia Legislativa que prevê o pagamento dos dias de ponto cortado nas greves de 2008 e 2009.
— Não vamos estabelecer guerra ou polêmica. Assim como o professor tem direito de fazer a paralisação, o aluno tem o direito de ter aula — concluiu a secretária-adjunta.
Segundo o diretor de Articulação com os Municípios da Secretaria Estadual da Educação, Glauber Lima, para o governo, a sexta-feira será um dia normal.
— Não vamos estabelecer guerra ou polêmica. Assim como o professor tem direito de fazer a paralisação, o aluno tem o direito de ter aula — concluiu a secretária-adjunta.
Segundo o diretor de Articulação com os Municípios da Secretaria Estadual da Educação, Glauber Lima, para o governo, a sexta-feira será um dia normal.
— Estamos procedendo de maneira normal em relação a essa paralisação. Apenas exigimos que sejam cumpridos os 200 dias letivos e as 800 horas/aula. O movimento dos professores é legítimo e, nesse caso, cada integrante da rede estadual é livre para aderir ou não a essa paralisação — explicou Lima.
Já a posição do Cpers/Sindicato dos Professores é que as escolas fiquem fechadas.
— A paralisação está confirmada. Nossa orientação é que os pais não encaminhem os alunos. Até por uma questão de segurança, para que os alunos não fiquem nos portões, praças ou arredores das escolas — avisa a presidente do Cpers, Rejane Oliveira.
O sindicato garante que não haverá prejuízo para os alunos.
— Nós sempre recuperamos os dias parados e não há necessidade de o pai levar o filho para escola. Se o governo está orientando diferente, é de responsabilidade do governo. Nossa orientação é para que as escolas fiquem fechadas nesta sexta — concluiu Rejane.
O Cpers/Sindicato recebe os professores às 17h desta sexta-feira em ato no Gigantinho, em Porto Alegre. O objetivo é lançar movimento em defesa da educação pública, além da posse da nova direção central e dos 42 núcleos do sindicato no RS. A previsão é que mais de 3,5 mil pessoas estejam presentes.
Já a posição do Cpers/Sindicato dos Professores é que as escolas fiquem fechadas.
— A paralisação está confirmada. Nossa orientação é que os pais não encaminhem os alunos. Até por uma questão de segurança, para que os alunos não fiquem nos portões, praças ou arredores das escolas — avisa a presidente do Cpers, Rejane Oliveira.
O sindicato garante que não haverá prejuízo para os alunos.
— Nós sempre recuperamos os dias parados e não há necessidade de o pai levar o filho para escola. Se o governo está orientando diferente, é de responsabilidade do governo. Nossa orientação é para que as escolas fiquem fechadas nesta sexta — concluiu Rejane.
O Cpers/Sindicato recebe os professores às 17h desta sexta-feira em ato no Gigantinho, em Porto Alegre. O objetivo é lançar movimento em defesa da educação pública, além da posse da nova direção central e dos 42 núcleos do sindicato no RS. A previsão é que mais de 3,5 mil pessoas estejam presentes.
quarta-feira, 17 de agosto de 2011
Roupas da Zara são fabricadas com mão de obra escrava
Portal vermelho
Em uma operação de fiscalização -- considerada “a maior do Programa de Erradicação do Trabalho Escravo Urbano em São Paulo” --, foram encontradas 15 pessoas, entre elas uma adolescente de 14 anos, trabalhando como escravas para oficinas subcontratadas de fabricante de roupas Zara. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) lavrou 52 autos de infração contra a grife internacional de origem espanhola
Por Bianca Pyl* e Maurício Hashizume
Nem uma, nem duas. Por três vezes, equipes de fiscalização trabalhista flagraram trabalhadores estrangeiros submetidos a condições análogas à escravidão, produzindo peças de roupa da badalada marca internacional Zara, do grupo espanhol Inditex.
Na mais recente operação que vasculhou subcontratadas de uma das principais "fornecedoras" da rede, 15 pessoas, incluindo uma adolescente de apenas 14 anos, foram libertadas de escravidão em duas oficinas - uma localizada no Centro da capital paulista e outra na Zona Norte.
A investigação da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP) - que culminou na inspeção realizada no final de junho - se iniciou a partir de uma outra fiscalização realizada em Americana (SP), no interior, ainda em maio. Na ocasião, 52 trabalhadores foram encontrados em condições degradantes: parte do grupo costurava calças da Zara.
Grife de prestígio internacional
"Por se tratar de uma grande marca, que está no mundo todo, a ação se torna exemplar e educativa para todo o setor", coloca Giuliana Cassiano Orlandi, auditora fiscal que participou de todas as etapas da fiscalização.
Foi a maior operação do Programa de Erradicação do Trabalho Escravo Urbano da SRTE/SP, desde que começou os trabalhos de rastreamento de cadeias produtivas a partir da criação do Pacto Contra a Precarização e Pelo Emprego e Trabalho Decentes em São Paulo - Cadeia Produtiva das Confecções.
A ação, complementa Giuliana, serve também para mostrar a proximidade da escravidão com pessoas comuns, por meio dos hábitos de consumo. "Mesmo um produto de qualidade, comprado no shopping center, pode ter sido feito por trabalhadores vítimas de trabalho escravo".
Além de contratações irregulares, prisão domiciliar
O quadro encontrado pelos agentes do poder público, e acompanhado pela Repórter Brasil, incluía contratações completamente ilegais, trabalho infantil, condições degradantes, jornadas exaustivas de até 16h diárias e cerceamento de liberdade (seja pela cobrança e desconto irregular de dívidas dos salários, o truck system, seja pela proibição de deixar o local de trabalho sem prévia autorização).
Apesar do clima de medo entre as vítimas, um dos trabalhadores explorados confirmou que só conseguia sair da casa com a autorização do dono da oficina, só concedida em casos urgentes, como quando levou seu filho ao médico.
Quem vê as blusas de tecidos finos e as calças da estação nas vitrines das lojas da Zara não imagina que, algumas delas, foram feitas em ambientes apertados, sem ventilação, sujos, com crianças circulando entre as máquinas de costura e a fiação elétrica toda exposta. Principalmente porque as peças custam caro. Por fora, as oficinas parecem residências, mas todas têm em comum as poucas janelas sempre fechadas e com tecidos escuros para impedir a visão do que acontece do lado de dentro das oficinas improvisadas.
Aliciamento na Bolívia e Peru
As vítimas libertadas pela fiscalização foram aliciadas na Bolívia e no Peru, país de origem de apenas uma das costureiras encontradas. Em busca de melhores condições de vida, deixam os seus países em busca do "sonho brasileiro". Quando chegam aqui, geralmente têm que trabalhar inicialmente por meses, em longas jornadas, apenas para quitar os valores referentes ao custo de transporte para o Brasil.
Durante a operação, auditores fiscais apreenderam dois cadernos com anotações de dívidas referentes à "passagem" e a "documentos", além de "vales" que faziam com que o empregado aumentasse ainda mais a sua dívida. Os cadernos mostram alguns dos salários recebidos pelos empregados: de R$ 274 a R$ 460, bem menos que o salário mínimo vigente no país, que é de R$ 545.
As oficinas de costura inspecionadas não respeitavam nenhuma norma referente à Saúde e Segurança do Trabalho. Além da sujeira, os trabalhadores conviviam com o perigo iminente de incêndio, que poderia tomar grandes proporções devido a quantidade de tecidos espalhados pelo chão e à ausência de janelas, além da falta de extintores de incêndio. Após um dia extenuante de trabalho, os costureiros, e seus filhos, ainda eram obrigados a tomar banho frio. Os chuveiros permaneciam desligados por conta da sobrecarga nas instalações elétricas, feitas sem nenhum cuidado, que aumentavam os riscos de incêndio.
Condições precárias de acomodação
As cadeiras nas quais os trabalhadores passavam sentados por mais de 12 horas diárias eram completamente improvisadas. Alguns colocavam espumas para torná-las mais confortáveis. As máquinas de costura não possuíam aterramento e tinham a correia toda exposta (foto acima). O descuido com o equipamento fundamental de qualquer confecção ameaçava especialmente as crianças, que circulavam pelo ambiente e poderiam ser gravemente feridas (dedos das mãos decepados ou até escalpelamento).
Para Giuliana, a superexploração dos empregados, que têm seus direitos laborais e previdenciários negados, tem o aumento das margens de lucro como motivação. "Com isso, há uma redução do preço dos produtos, caracterizando o dumping social, uma vantagem econômica indevida no contexto da competição no mercado, uma concorrência desleal".
52 autos de infração
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) lavrou 52 autos de infração contra a Zara devido as irregularidades nas duas oficinas. Um dos autos se refere à discriminação étnica de indígenas quéchua e aimará. De acordo com a análise feita pelos auditores, restou claro que o tratamento dispensado aos indígenas era bem pior que ao dirigido aos não-indígenas.
"Observa-se com nitidez a atitude empresarial de discriminação. Todos os trabalhadores brasileiros encontrados trabalhando em qualquer um dos pontos da cadeia produtiva estavam devidamente registrados em CTPS [Carteira de Trabalho e Previdência Social], com jornadas de trabalho condizentes com a lei, e garantidos em seus direitos trabalhistas e previdenciários", destaca o relatório da fiscalização.
"Por outro lado, os trabalhadores imigrantes indígenas encontram-se em situação de trabalho deplorável e indigno, em absoluta informalidade, jornadas extenuantes e meio ambiente de trabalho degradante".
A equipe de fiscalização foi composta por dois agentes da Polícia Federal (PF), integrantes do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas - da Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, auditores da SRTE/SP e dirigente do Sindicato das Costureiras de São Paulo e Osasco.
Empregados recebem 7 reais por blusa vendida a R$ 139 na loja
A primeira oficina vistoriada mantinha seis pessoas, incluindo uma adolescente de 14 anos, em condições de trabalho escravo. No momento da fiscalização, os empregados finalizavam blusas da Coleção Primavera-Verão da Zara, na cor azul e laranja (fotos acima). Para cada peça feita, o dono da oficina recebia R$ 7. Os costureiros declararam que recebiam, em média, R$ 2 por peça costurada. No dia seguinte à ação, 27 de junho, a reportagem foi até uma loja da Zara na Zona Oeste de São Paulo (SP), e encontrou uma blusa semelhante, fabricada originalmente na Espanha, sendo vendida por R$ 139.
A oficina funcionava em um cômodo de uma casa pequena - na parte de cima de um sobrado. Seis máquinas de costura ocupavam uma pequena sala. Dois quartos abrigavam todos os trabalhadores, inclusive casais com filhos. O espaço era dividido por guarda-roupas e panos. No banheiro, não havia água banho quente, pois o chuveiro estava desligado para reduzir o consumo de energia elétrica, que era totalmente destinada à produção.
A adolescente de 14 anos tomava conta das duas crianças enquanto as mães trabalhavam. Ela ajudava também na limpeza da casa e no preparo das refeições. No Brasil desde 2010, não está estudando. Seu irmão juntou dinheiro e foi buscá-la na capital boliviana de La Paz.
A fiscalização lacrou a produção e apreendeu parte das peças, incluindo a peça piloto da marca Zara. As máquinas de costura também foram interditadas por não oferecerem segurança aos trabalhadores.
50 vestidos em um dia
Da outra oficina localizada em movimentada avenida do Centro, foram resgatadas nove pessoas que produziam uma blusa feminina e vestidos para a mesma coleção Primavera-Verão da Zara.
A intermediária AHA (que também utilizava a razão social SIG Indústria e Comérico de Roupas Ltda.) pagava cerca de R$ 7 por cada peça para a dona da oficina, que repassava R$ 2 aos trabalhadores. Peça semelhante a que estava sendo confeccionada foi encontrada em loja da marca com o preço de venda de R$ 139.
Uma jovem de 20 anos, vinda do Peru, disse à reportagem que chegou a costurar 50 vestidos em um único dia. Em condições normais, estimou com Maria Susicléia Assis, do Sindicato das Costureiras de São Paulo e Osasco, seria preciso um tempo muito maior para que a mesma quantidade da difícil peça de vestuário fosse toda costurada.
Há 19 anos no Brasil, a boliviana que era dona da oficina teve todos os seus oito filhos (entre 5 meses e 15 anos) nasceram aqui. Ela sonha em dar um futuro melhor aos rebentos, para que não tenham que trabalhar "nas máquinas, com costura". "Todo mundo na minha terra que vinha para o Brasil dizia que aqui era bom. E eu vim", contou a senhora.
Parte da produção foi apreendida, assim como as peças pilotos, que carregavam instruções da Zara de como confeccionar a peça de acordo com o padrão definido pela varejista multinacional. "Isso demonstra a subordinação das oficinas e da AHA em relação à Zara", realça Giuliana. A oficina e um dos quartos, onde dormiam dois trabalhadores e duas crianças, foram interditados. A fiação elétrica estava totalmente exposta e havia possibilidade de curto-circuito.
Sujeira e jornada estafante
Os trabalhadores declararam trabalhar das 7h30 às 20h, com uma hora de almoço, de segunda à sexta-feira. Aos sábados, o trabalho seguia até às 13h. Um trabalhador chegou a relatar que há dias em que o trabalho se estende até às 22h.
O local funciona em um sobrado de dois andares (foto ao lado), com muitos cômodos. O maior deles, onde os trabalhadores passavam a maior parte do dia, acomodava as máquinas. Os cinco banheiros estavam muito sujos. Somente três possuíam chuveiros, mas todos também estavam desligados.
Um dos trabalhadores, irmão da dona da oficina, está no Brasil há sete anos e já possui os documentos e até CTPS. "Eu trabalho na costura desde que cheguei. Mas eu queria mesmo era trabalhar com música. Eu consegui comprar algum equipamento já".
Outro jovem, de 21 anos, disse que não gosta muito do trabalho porque é "cansativo". Ele recebe, em média, R$ 500 por mês. "Eu vou voltar para a Bolívia. Queria estudar Turismo e trabalhar com isso. A costura é só para sobreviver", projetou.
A grife não se manifestou
A Zara foi avisada do flagrante no momento da ação pelos auditores fiscais e convidada a ir até a oficina de costura, mas não compareceu.
No dia seguinte, compareceram à sede da SRTE/SP dois diretores, que não quiseram participar da reunião de exposição dos fatos. Até o advogado da empresa foi embora sem ver as fotos da situação encontrada. Somente duas advogadas da AHA (que no início da reunião se apresentaram como enviadas dos donos das oficinas e até dos trabalhadores) participaram da reunião com os auditores. A empresa não providenciou sequer alimentação às vítimas, que ficou a cargo do sindicato da categoria.
Fluxograma
A intermediária na contratação das duas oficinas em que houve libertações é a AHA Indústria e Comércio de Roupas Ltda. No período de abril a junho deste ano, a produção de peças para a Zara chegou a 91% do total. A SRTE/SP descobriu que há 33 oficinas sem constituição formal, com empregados sem registros e sem recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) contratadas pela AHA para a executar a atividade de costura.
Por meio de análises de documentos da empresa AHA, incluindo contábeis, a fiscalização verificou que, neste mesmo período, mais de 46 mil peças foram produzidas para a Zara sem nenhuma formalização.
Durante o período auditado pela fiscalização (julho de 2010 a maio deste ano), a AHA foi a fabricante da Zara que mais cresceu em faturamento e número de peças de roupas faturadas para a marca, a ponto, na descrição da SRTE/SP, de se tornar a maior fornecedora da Zara na área de tecidos planos. Entretanto, chamou a atenção dos agentes que, nesse mesmo período, a empresa diminuiu o número de empregados formalizados. Os contratados diretamente da AHA passaram de 100 funcionários para apenas 20 (gráfico abaixo). A redução do de trabalhadores na função de costureiros foi ainda mais drástica: dos anteriores 30 para cinco funcionários exercendo a função.
"O nível de dependência econômica deste fornecedor para com a Zara ficou claro para a fiscalização. A empresa funciona, na prática, como extensão de logística de sua cliente preponderante, Zara Brasil Ltda.", sustentam os auditores fiscais do trabalho que estiveram à frente da investigação.
Os vínculos com a Zara
Foi apurado que até a escolha dos tecidos era feita pelo Departamento de Produtos da Zara. Mas o fabricante terceirizado encaminhava peças piloto por conta própria para a matriz da Zara (Inditex) na Espanha, após a aprovação de um piloto pela gerente da Zara Brasil. Somente após a anuência final da Europa, o pedido oficial era emitido para o recebimento das etiquetas. Na opinião de Luís Alexandre Faria, auditor fiscal que comandou as investigações, a empresa faz de tudo, porém, para não "aparecer" no processo.
Para a fiscalização trabalhista, não pairam dúvidas acerca do gerenciamento da produção por parte da Zara. Entre os atos típicos de poder diretivo, os agentes ressaltaram "ordens verbais, fiscalização, controle, e-mails solicitando correção e adequação das peças, controle de qualidade, reuniões de desenvolvimento, cobrança de prazos de entrega etc."
Os 52 autos de infração foram lavrados em nome da Zara. "A empresa tem responsabilidade por quem trabalha para ela. Esses trabalhadores estavam produzindo peças da Zara, e seguindo determinações da empresa", coloca Giuliana. É a chamada responsabilização estrutural, completa Luís. "Essa é a atividade fim da empresa, a razão de sua existência. Portanto, é dever dela saber como suas peças estão sendo produzidas".
Divisão dos ganhos com exploração
A confecção de uma calça gerava ao dono da oficina terceirizada R$ 6, em média. Este valor era dividido em três partes: R$ 2 para os trabalhadores; R$ 2 para as despesas com alimentação, moradia e outros custos; e R$ 2 para o dono da oficina. Após a produção na oficina, a intermediária (AHA) recolhia a produção e encaminhava as peças à lavanderia, também terceirizada. Depois, o produto ainda era acabado e embalado para ser entregue à Zara.
Após os flagrantes, os trabalhadores compareceram à SRTE/SP, onde foram colhidos depoimentos e emitidas as carteiras e as guias de Seguro Desemprego para Trabalhador Resgatado. Parte das vítimas já havia dado entrada na documentação obter o visto de permanência no Brasil.
As verbas rescisórias, que acabaram sendo pagas pela intermediária AHA, totalizaram mais de R$ 140 mil. As contribuições previdenciárias sonegadas e pagas a posteriori somaram cerca de R$ 7,2 mil. Já as contribuições sociais e ao FGTS sonegadas chegaram à R$ 16,3 mil.
A Repórter Brasil entrou em contato com a AHA, que preferiu não responder especificamente ao conjunto de perguntas enviadas. A advogada da fornecedora da Zara enviou apenas uma nota escrita em que declarou que a empresa "jamais teve conhecimento da utilização, pelas oficinas contratadas, de mão de obra escrava; jamais teve qualquer participação na contratação dos funcionários de referidas oficinas; e, assim que tomou conhecimento de irregularidades constatadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, imediatamente adotou todas as providências necessárias à regularização".
A intermediária alega ainda em seu comunicado que "prestou serviços não só à Zara, como a outras empresas" e "que repudia toda e qualquer utilização, por quem quer que seja", de trabalho análogo à escravidão.
Americana: 52 trabalhadores em condições de trabalho degradante
O primeiro flagrante de oficina em condições degradantes com pessoas costurando peças para a Zara se deu em Americana (SP), interior de São Paulo, no final de maio. Motivada pela denúncia de um trabalhador, a ação foi realizada pela Gerência Regional do Trabalho e Emprego (GRTE) de Campinas (SP), pela Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região (PRT-15) e pela Polícia Federal (PF). A Vigilância Sanitária de Americana foi chamada a atuar e interditou os alojamentos. Os empregados não foram retirados por causa da inexistência de abrigos para este fim no município.
Foram encontrados 52 trabalhadores, sendo cinco deles brasileiros. O restante do grupo era formado por bolivianos. Na oficina de Narciso Atahuichy Choque, os empregados eram submetidos à jornada exaustiva e expostos a riscos. Além disso, muitos trabalhadores foram aliciados na Bolívia e chegaram ao Brasil devendo o valor da passagem.
O alojamento e o local de trabalho estavam em condições degradantes e insalubres. Havia risco de incêndio devido à sobrecarga nas precárias instalações elétricas. Poderia haver explosão, por causa dos botijões de gás de cozinha encontrados irregularmente nos quartos.
A oficina funcionava em um imenso galpão de dois andares. No andar superior, ficavam os alojamentos e a cozinha. No inferior, as máquinas. A fiação elétrica estava exposta e o local era muito sujo. Havia um bebedouro, porém somente um copo plástico para todos dividirem. Os pequenos quartos abrigavam famílias inteiras e grupos de até cinco trabalhadores. Alguns cômodos tinham alimentos espalhados, armazenados de forma inadequada.
Um grupo de trabalhadores costurava uma calça jeans da Coleção Primavera-Verão da Zara. Cada trabalhador fazia uma parte da peça e o valor de, em média, R$ 1,80, era dividido pelo grupo todo, composto por sete pessoas. O dono da oficina afirmou que trabalha há cinco anos com a intermediária Rhodes e que aproximadamente 70% da sua produção é destinada à empresa. A oficina é especializada em calças e bermudas. Uma funcionária da Rhodes costuma visitar e verificar as condições e o ritmo de produção da oficina.
Acerto de contas e melhorias
Após a fiscalização, a Rhodes pagou as verbas rescisórias de cada trabalhador. A fiscalização foi à nova oficina de Narciso, em 26 de junho, e constatou melhorias. Entre elas, o registro de todos os funcionários, regularização migratória, submissão de costureiros a exames médicos.
De acordo com auditores fiscais da GRTE de Campinas (SP), houve adequação da instalação elétrica e melhora do espaçamento entre as máquinas. Os trabalhadores agora utilizam cadeiras com melhores condições ergonômicas e de conforto. A iluminação também foi melhorada e os equipamentos de incêndio estão todos válidos e sinalizados. As saídas de emergência foram demarcadas.
"Com a mudança da oficina e a suspensão da interdição, grande parte dos trabalhadores voltaram a trabalhar de forma regular nas novas instalações da mesma oficina", discorre a auditora Márcia Marques. Foram lavrados 30 autos de infração contra a intermediária Rhodes pelas irregularidades encontradas. Nove autos se referem às questões trabalhistas e as demais infrações estão relacionadas à saúde e segurança do trabalho. A reportagem não conseguiu entrar em contato com a Rhodes pelos telefones da empresa.
"Terceirização não autorizada"
Em resposta a questões sobre os ocorridos enviadas pela Repórter Brasil, a Inditex - que é dona da Zara e de outras marcas de roupa com milhares de lojas espalhadas mundo afora - classificou o caso envolvendo a AHA e as oficinas subcontratadas como "terceirização não autorizada" que "violou seriamente" o Código de Conduta para Fabricantes.
Seungod a Inditex, o Código de Conduta determina que qualquer subcontratação deve ser autorizada por escrito pela Inditex. A assinatura do Código do Conduta é obrigatória para todos os fornecedores da companhia e foi assumido pelo fornecedor em questão (AHA/SIG).
A empresa disse ter agido para que o fornecedor responsável pela "terceirização não autorizada" pudesse "solucionar" a situação imediatamente, assumindo as compensações econômicas dos trabalhadores e comprometendo-se a corrigir as condições de trabalho da oficina flagrada com escravidão.
Haverá, segundo a Inditex, um reforço an revisão do sistema de produção da AHA, assim como das outras empresas no Brasil, para garantir que não exista outro caso como este. "Estamos trabalhando junto com o MTE para a erradicação total destas práticas que violam não só nosso rígido Código de Conduta, como também a legislação trabalhista brasileira e internacional".
Em 2010, a Inditex produziu mais de 7 milhões de unidades de peças no Brasil, desenvolvidas, segundo a empresa, por cerca de 50 fornecedores que somam "mais de 7 mil trabalhadores". O total de peças que estava sendo produzido irregularmente (algumas centenas de peças), adicionou a Inditex, representa "uma porcentagem inferior a 0,03%" da produção do grupo, que é um dos maiores do mundo no segmento, no país.
A maior parte dos produtos do grupo que comanda a Zara é feita na Europa. Metade é confeccionada em países como Espanha (onde a empresa mantém fábricas próprias) ou Portugal. Outros 14% são fabricados em outras nações europeias como Turquia e Itália. A produção no Brasil corresponde a algo inferior a 1% do total. Em 2010, 30 lojas da Zara já estavam em funcionamento no país. São cerca de 2 mil profissionais contratados diretamente.
"No que se refere à presença comercial, o Brasil é o terceiro mercado mais importante da Inditex no continente americano, ficando atrás somente dos Estados Unidos e do México", colocou a empresa, que manifestou intenção de não abandonar a produção no país. "A Inditex prevê seguir crescendo no Brasil com a abertura de novas lojas a curto, médio e longo prazo".
*Portal Repórter Brasil - A jornalista da Repórter Brasil acompanhou a fiscalização da SRTE/SP como parte dos compromissos assumidos no Pacto Contra a Precarização e pelo Emprego e Trabalho Decentes em São Paulo - Cadeia Produtiva das Confecções
Na mais recente operação que vasculhou subcontratadas de uma das principais "fornecedoras" da rede, 15 pessoas, incluindo uma adolescente de apenas 14 anos, foram libertadas de escravidão em duas oficinas - uma localizada no Centro da capital paulista e outra na Zona Norte.
A investigação da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP) - que culminou na inspeção realizada no final de junho - se iniciou a partir de uma outra fiscalização realizada em Americana (SP), no interior, ainda em maio. Na ocasião, 52 trabalhadores foram encontrados em condições degradantes: parte do grupo costurava calças da Zara.
Grife de prestígio internacional
"Por se tratar de uma grande marca, que está no mundo todo, a ação se torna exemplar e educativa para todo o setor", coloca Giuliana Cassiano Orlandi, auditora fiscal que participou de todas as etapas da fiscalização.
Foi a maior operação do Programa de Erradicação do Trabalho Escravo Urbano da SRTE/SP, desde que começou os trabalhos de rastreamento de cadeias produtivas a partir da criação do Pacto Contra a Precarização e Pelo Emprego e Trabalho Decentes em São Paulo - Cadeia Produtiva das Confecções.
A ação, complementa Giuliana, serve também para mostrar a proximidade da escravidão com pessoas comuns, por meio dos hábitos de consumo. "Mesmo um produto de qualidade, comprado no shopping center, pode ter sido feito por trabalhadores vítimas de trabalho escravo".
Além de contratações irregulares, prisão domiciliar
O quadro encontrado pelos agentes do poder público, e acompanhado pela Repórter Brasil, incluía contratações completamente ilegais, trabalho infantil, condições degradantes, jornadas exaustivas de até 16h diárias e cerceamento de liberdade (seja pela cobrança e desconto irregular de dívidas dos salários, o truck system, seja pela proibição de deixar o local de trabalho sem prévia autorização).
Apesar do clima de medo entre as vítimas, um dos trabalhadores explorados confirmou que só conseguia sair da casa com a autorização do dono da oficina, só concedida em casos urgentes, como quando levou seu filho ao médico.
Quem vê as blusas de tecidos finos e as calças da estação nas vitrines das lojas da Zara não imagina que, algumas delas, foram feitas em ambientes apertados, sem ventilação, sujos, com crianças circulando entre as máquinas de costura e a fiação elétrica toda exposta. Principalmente porque as peças custam caro. Por fora, as oficinas parecem residências, mas todas têm em comum as poucas janelas sempre fechadas e com tecidos escuros para impedir a visão do que acontece do lado de dentro das oficinas improvisadas.
Aliciamento na Bolívia e Peru
As vítimas libertadas pela fiscalização foram aliciadas na Bolívia e no Peru, país de origem de apenas uma das costureiras encontradas. Em busca de melhores condições de vida, deixam os seus países em busca do "sonho brasileiro". Quando chegam aqui, geralmente têm que trabalhar inicialmente por meses, em longas jornadas, apenas para quitar os valores referentes ao custo de transporte para o Brasil.
Durante a operação, auditores fiscais apreenderam dois cadernos com anotações de dívidas referentes à "passagem" e a "documentos", além de "vales" que faziam com que o empregado aumentasse ainda mais a sua dívida. Os cadernos mostram alguns dos salários recebidos pelos empregados: de R$ 274 a R$ 460, bem menos que o salário mínimo vigente no país, que é de R$ 545.
As oficinas de costura inspecionadas não respeitavam nenhuma norma referente à Saúde e Segurança do Trabalho. Além da sujeira, os trabalhadores conviviam com o perigo iminente de incêndio, que poderia tomar grandes proporções devido a quantidade de tecidos espalhados pelo chão e à ausência de janelas, além da falta de extintores de incêndio. Após um dia extenuante de trabalho, os costureiros, e seus filhos, ainda eram obrigados a tomar banho frio. Os chuveiros permaneciam desligados por conta da sobrecarga nas instalações elétricas, feitas sem nenhum cuidado, que aumentavam os riscos de incêndio.
Condições precárias de acomodação
As cadeiras nas quais os trabalhadores passavam sentados por mais de 12 horas diárias eram completamente improvisadas. Alguns colocavam espumas para torná-las mais confortáveis. As máquinas de costura não possuíam aterramento e tinham a correia toda exposta (foto acima). O descuido com o equipamento fundamental de qualquer confecção ameaçava especialmente as crianças, que circulavam pelo ambiente e poderiam ser gravemente feridas (dedos das mãos decepados ou até escalpelamento).
Para Giuliana, a superexploração dos empregados, que têm seus direitos laborais e previdenciários negados, tem o aumento das margens de lucro como motivação. "Com isso, há uma redução do preço dos produtos, caracterizando o dumping social, uma vantagem econômica indevida no contexto da competição no mercado, uma concorrência desleal".
52 autos de infração
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) lavrou 52 autos de infração contra a Zara devido as irregularidades nas duas oficinas. Um dos autos se refere à discriminação étnica de indígenas quéchua e aimará. De acordo com a análise feita pelos auditores, restou claro que o tratamento dispensado aos indígenas era bem pior que ao dirigido aos não-indígenas.
"Observa-se com nitidez a atitude empresarial de discriminação. Todos os trabalhadores brasileiros encontrados trabalhando em qualquer um dos pontos da cadeia produtiva estavam devidamente registrados em CTPS [Carteira de Trabalho e Previdência Social], com jornadas de trabalho condizentes com a lei, e garantidos em seus direitos trabalhistas e previdenciários", destaca o relatório da fiscalização.
"Por outro lado, os trabalhadores imigrantes indígenas encontram-se em situação de trabalho deplorável e indigno, em absoluta informalidade, jornadas extenuantes e meio ambiente de trabalho degradante".
A equipe de fiscalização foi composta por dois agentes da Polícia Federal (PF), integrantes do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas - da Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania do Estado de São Paulo, auditores da SRTE/SP e dirigente do Sindicato das Costureiras de São Paulo e Osasco.
Empregados recebem 7 reais por blusa vendida a R$ 139 na loja
A primeira oficina vistoriada mantinha seis pessoas, incluindo uma adolescente de 14 anos, em condições de trabalho escravo. No momento da fiscalização, os empregados finalizavam blusas da Coleção Primavera-Verão da Zara, na cor azul e laranja (fotos acima). Para cada peça feita, o dono da oficina recebia R$ 7. Os costureiros declararam que recebiam, em média, R$ 2 por peça costurada. No dia seguinte à ação, 27 de junho, a reportagem foi até uma loja da Zara na Zona Oeste de São Paulo (SP), e encontrou uma blusa semelhante, fabricada originalmente na Espanha, sendo vendida por R$ 139.
A oficina funcionava em um cômodo de uma casa pequena - na parte de cima de um sobrado. Seis máquinas de costura ocupavam uma pequena sala. Dois quartos abrigavam todos os trabalhadores, inclusive casais com filhos. O espaço era dividido por guarda-roupas e panos. No banheiro, não havia água banho quente, pois o chuveiro estava desligado para reduzir o consumo de energia elétrica, que era totalmente destinada à produção.
A adolescente de 14 anos tomava conta das duas crianças enquanto as mães trabalhavam. Ela ajudava também na limpeza da casa e no preparo das refeições. No Brasil desde 2010, não está estudando. Seu irmão juntou dinheiro e foi buscá-la na capital boliviana de La Paz.
A fiscalização lacrou a produção e apreendeu parte das peças, incluindo a peça piloto da marca Zara. As máquinas de costura também foram interditadas por não oferecerem segurança aos trabalhadores.
50 vestidos em um dia
Da outra oficina localizada em movimentada avenida do Centro, foram resgatadas nove pessoas que produziam uma blusa feminina e vestidos para a mesma coleção Primavera-Verão da Zara.
A intermediária AHA (que também utilizava a razão social SIG Indústria e Comérico de Roupas Ltda.) pagava cerca de R$ 7 por cada peça para a dona da oficina, que repassava R$ 2 aos trabalhadores. Peça semelhante a que estava sendo confeccionada foi encontrada em loja da marca com o preço de venda de R$ 139.
Uma jovem de 20 anos, vinda do Peru, disse à reportagem que chegou a costurar 50 vestidos em um único dia. Em condições normais, estimou com Maria Susicléia Assis, do Sindicato das Costureiras de São Paulo e Osasco, seria preciso um tempo muito maior para que a mesma quantidade da difícil peça de vestuário fosse toda costurada.
Há 19 anos no Brasil, a boliviana que era dona da oficina teve todos os seus oito filhos (entre 5 meses e 15 anos) nasceram aqui. Ela sonha em dar um futuro melhor aos rebentos, para que não tenham que trabalhar "nas máquinas, com costura". "Todo mundo na minha terra que vinha para o Brasil dizia que aqui era bom. E eu vim", contou a senhora.
Parte da produção foi apreendida, assim como as peças pilotos, que carregavam instruções da Zara de como confeccionar a peça de acordo com o padrão definido pela varejista multinacional. "Isso demonstra a subordinação das oficinas e da AHA em relação à Zara", realça Giuliana. A oficina e um dos quartos, onde dormiam dois trabalhadores e duas crianças, foram interditados. A fiação elétrica estava totalmente exposta e havia possibilidade de curto-circuito.
Sujeira e jornada estafante
Os trabalhadores declararam trabalhar das 7h30 às 20h, com uma hora de almoço, de segunda à sexta-feira. Aos sábados, o trabalho seguia até às 13h. Um trabalhador chegou a relatar que há dias em que o trabalho se estende até às 22h.
O local funciona em um sobrado de dois andares (foto ao lado), com muitos cômodos. O maior deles, onde os trabalhadores passavam a maior parte do dia, acomodava as máquinas. Os cinco banheiros estavam muito sujos. Somente três possuíam chuveiros, mas todos também estavam desligados.
Um dos trabalhadores, irmão da dona da oficina, está no Brasil há sete anos e já possui os documentos e até CTPS. "Eu trabalho na costura desde que cheguei. Mas eu queria mesmo era trabalhar com música. Eu consegui comprar algum equipamento já".
Outro jovem, de 21 anos, disse que não gosta muito do trabalho porque é "cansativo". Ele recebe, em média, R$ 500 por mês. "Eu vou voltar para a Bolívia. Queria estudar Turismo e trabalhar com isso. A costura é só para sobreviver", projetou.
A grife não se manifestou
A Zara foi avisada do flagrante no momento da ação pelos auditores fiscais e convidada a ir até a oficina de costura, mas não compareceu.
No dia seguinte, compareceram à sede da SRTE/SP dois diretores, que não quiseram participar da reunião de exposição dos fatos. Até o advogado da empresa foi embora sem ver as fotos da situação encontrada. Somente duas advogadas da AHA (que no início da reunião se apresentaram como enviadas dos donos das oficinas e até dos trabalhadores) participaram da reunião com os auditores. A empresa não providenciou sequer alimentação às vítimas, que ficou a cargo do sindicato da categoria.
Fluxograma
A intermediária na contratação das duas oficinas em que houve libertações é a AHA Indústria e Comércio de Roupas Ltda. No período de abril a junho deste ano, a produção de peças para a Zara chegou a 91% do total. A SRTE/SP descobriu que há 33 oficinas sem constituição formal, com empregados sem registros e sem recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) contratadas pela AHA para a executar a atividade de costura.
Por meio de análises de documentos da empresa AHA, incluindo contábeis, a fiscalização verificou que, neste mesmo período, mais de 46 mil peças foram produzidas para a Zara sem nenhuma formalização.
Durante o período auditado pela fiscalização (julho de 2010 a maio deste ano), a AHA foi a fabricante da Zara que mais cresceu em faturamento e número de peças de roupas faturadas para a marca, a ponto, na descrição da SRTE/SP, de se tornar a maior fornecedora da Zara na área de tecidos planos. Entretanto, chamou a atenção dos agentes que, nesse mesmo período, a empresa diminuiu o número de empregados formalizados. Os contratados diretamente da AHA passaram de 100 funcionários para apenas 20 (gráfico abaixo). A redução do de trabalhadores na função de costureiros foi ainda mais drástica: dos anteriores 30 para cinco funcionários exercendo a função.
"O nível de dependência econômica deste fornecedor para com a Zara ficou claro para a fiscalização. A empresa funciona, na prática, como extensão de logística de sua cliente preponderante, Zara Brasil Ltda.", sustentam os auditores fiscais do trabalho que estiveram à frente da investigação.
Os vínculos com a Zara
Foi apurado que até a escolha dos tecidos era feita pelo Departamento de Produtos da Zara. Mas o fabricante terceirizado encaminhava peças piloto por conta própria para a matriz da Zara (Inditex) na Espanha, após a aprovação de um piloto pela gerente da Zara Brasil. Somente após a anuência final da Europa, o pedido oficial era emitido para o recebimento das etiquetas. Na opinião de Luís Alexandre Faria, auditor fiscal que comandou as investigações, a empresa faz de tudo, porém, para não "aparecer" no processo.
Para a fiscalização trabalhista, não pairam dúvidas acerca do gerenciamento da produção por parte da Zara. Entre os atos típicos de poder diretivo, os agentes ressaltaram "ordens verbais, fiscalização, controle, e-mails solicitando correção e adequação das peças, controle de qualidade, reuniões de desenvolvimento, cobrança de prazos de entrega etc."
Os 52 autos de infração foram lavrados em nome da Zara. "A empresa tem responsabilidade por quem trabalha para ela. Esses trabalhadores estavam produzindo peças da Zara, e seguindo determinações da empresa", coloca Giuliana. É a chamada responsabilização estrutural, completa Luís. "Essa é a atividade fim da empresa, a razão de sua existência. Portanto, é dever dela saber como suas peças estão sendo produzidas".
Divisão dos ganhos com exploração
A confecção de uma calça gerava ao dono da oficina terceirizada R$ 6, em média. Este valor era dividido em três partes: R$ 2 para os trabalhadores; R$ 2 para as despesas com alimentação, moradia e outros custos; e R$ 2 para o dono da oficina. Após a produção na oficina, a intermediária (AHA) recolhia a produção e encaminhava as peças à lavanderia, também terceirizada. Depois, o produto ainda era acabado e embalado para ser entregue à Zara.
Após os flagrantes, os trabalhadores compareceram à SRTE/SP, onde foram colhidos depoimentos e emitidas as carteiras e as guias de Seguro Desemprego para Trabalhador Resgatado. Parte das vítimas já havia dado entrada na documentação obter o visto de permanência no Brasil.
As verbas rescisórias, que acabaram sendo pagas pela intermediária AHA, totalizaram mais de R$ 140 mil. As contribuições previdenciárias sonegadas e pagas a posteriori somaram cerca de R$ 7,2 mil. Já as contribuições sociais e ao FGTS sonegadas chegaram à R$ 16,3 mil.
A Repórter Brasil entrou em contato com a AHA, que preferiu não responder especificamente ao conjunto de perguntas enviadas. A advogada da fornecedora da Zara enviou apenas uma nota escrita em que declarou que a empresa "jamais teve conhecimento da utilização, pelas oficinas contratadas, de mão de obra escrava; jamais teve qualquer participação na contratação dos funcionários de referidas oficinas; e, assim que tomou conhecimento de irregularidades constatadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, imediatamente adotou todas as providências necessárias à regularização".
A intermediária alega ainda em seu comunicado que "prestou serviços não só à Zara, como a outras empresas" e "que repudia toda e qualquer utilização, por quem quer que seja", de trabalho análogo à escravidão.
Americana: 52 trabalhadores em condições de trabalho degradante
O primeiro flagrante de oficina em condições degradantes com pessoas costurando peças para a Zara se deu em Americana (SP), interior de São Paulo, no final de maio. Motivada pela denúncia de um trabalhador, a ação foi realizada pela Gerência Regional do Trabalho e Emprego (GRTE) de Campinas (SP), pela Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região (PRT-15) e pela Polícia Federal (PF). A Vigilância Sanitária de Americana foi chamada a atuar e interditou os alojamentos. Os empregados não foram retirados por causa da inexistência de abrigos para este fim no município.
Foram encontrados 52 trabalhadores, sendo cinco deles brasileiros. O restante do grupo era formado por bolivianos. Na oficina de Narciso Atahuichy Choque, os empregados eram submetidos à jornada exaustiva e expostos a riscos. Além disso, muitos trabalhadores foram aliciados na Bolívia e chegaram ao Brasil devendo o valor da passagem.
O alojamento e o local de trabalho estavam em condições degradantes e insalubres. Havia risco de incêndio devido à sobrecarga nas precárias instalações elétricas. Poderia haver explosão, por causa dos botijões de gás de cozinha encontrados irregularmente nos quartos.
A oficina funcionava em um imenso galpão de dois andares. No andar superior, ficavam os alojamentos e a cozinha. No inferior, as máquinas. A fiação elétrica estava exposta e o local era muito sujo. Havia um bebedouro, porém somente um copo plástico para todos dividirem. Os pequenos quartos abrigavam famílias inteiras e grupos de até cinco trabalhadores. Alguns cômodos tinham alimentos espalhados, armazenados de forma inadequada.
Um grupo de trabalhadores costurava uma calça jeans da Coleção Primavera-Verão da Zara. Cada trabalhador fazia uma parte da peça e o valor de, em média, R$ 1,80, era dividido pelo grupo todo, composto por sete pessoas. O dono da oficina afirmou que trabalha há cinco anos com a intermediária Rhodes e que aproximadamente 70% da sua produção é destinada à empresa. A oficina é especializada em calças e bermudas. Uma funcionária da Rhodes costuma visitar e verificar as condições e o ritmo de produção da oficina.
Acerto de contas e melhorias
Após a fiscalização, a Rhodes pagou as verbas rescisórias de cada trabalhador. A fiscalização foi à nova oficina de Narciso, em 26 de junho, e constatou melhorias. Entre elas, o registro de todos os funcionários, regularização migratória, submissão de costureiros a exames médicos.
De acordo com auditores fiscais da GRTE de Campinas (SP), houve adequação da instalação elétrica e melhora do espaçamento entre as máquinas. Os trabalhadores agora utilizam cadeiras com melhores condições ergonômicas e de conforto. A iluminação também foi melhorada e os equipamentos de incêndio estão todos válidos e sinalizados. As saídas de emergência foram demarcadas.
"Com a mudança da oficina e a suspensão da interdição, grande parte dos trabalhadores voltaram a trabalhar de forma regular nas novas instalações da mesma oficina", discorre a auditora Márcia Marques. Foram lavrados 30 autos de infração contra a intermediária Rhodes pelas irregularidades encontradas. Nove autos se referem às questões trabalhistas e as demais infrações estão relacionadas à saúde e segurança do trabalho. A reportagem não conseguiu entrar em contato com a Rhodes pelos telefones da empresa.
"Terceirização não autorizada"
Em resposta a questões sobre os ocorridos enviadas pela Repórter Brasil, a Inditex - que é dona da Zara e de outras marcas de roupa com milhares de lojas espalhadas mundo afora - classificou o caso envolvendo a AHA e as oficinas subcontratadas como "terceirização não autorizada" que "violou seriamente" o Código de Conduta para Fabricantes.
Seungod a Inditex, o Código de Conduta determina que qualquer subcontratação deve ser autorizada por escrito pela Inditex. A assinatura do Código do Conduta é obrigatória para todos os fornecedores da companhia e foi assumido pelo fornecedor em questão (AHA/SIG).
A empresa disse ter agido para que o fornecedor responsável pela "terceirização não autorizada" pudesse "solucionar" a situação imediatamente, assumindo as compensações econômicas dos trabalhadores e comprometendo-se a corrigir as condições de trabalho da oficina flagrada com escravidão.
Haverá, segundo a Inditex, um reforço an revisão do sistema de produção da AHA, assim como das outras empresas no Brasil, para garantir que não exista outro caso como este. "Estamos trabalhando junto com o MTE para a erradicação total destas práticas que violam não só nosso rígido Código de Conduta, como também a legislação trabalhista brasileira e internacional".
Em 2010, a Inditex produziu mais de 7 milhões de unidades de peças no Brasil, desenvolvidas, segundo a empresa, por cerca de 50 fornecedores que somam "mais de 7 mil trabalhadores". O total de peças que estava sendo produzido irregularmente (algumas centenas de peças), adicionou a Inditex, representa "uma porcentagem inferior a 0,03%" da produção do grupo, que é um dos maiores do mundo no segmento, no país.
A maior parte dos produtos do grupo que comanda a Zara é feita na Europa. Metade é confeccionada em países como Espanha (onde a empresa mantém fábricas próprias) ou Portugal. Outros 14% são fabricados em outras nações europeias como Turquia e Itália. A produção no Brasil corresponde a algo inferior a 1% do total. Em 2010, 30 lojas da Zara já estavam em funcionamento no país. São cerca de 2 mil profissionais contratados diretamente.
"No que se refere à presença comercial, o Brasil é o terceiro mercado mais importante da Inditex no continente americano, ficando atrás somente dos Estados Unidos e do México", colocou a empresa, que manifestou intenção de não abandonar a produção no país. "A Inditex prevê seguir crescendo no Brasil com a abertura de novas lojas a curto, médio e longo prazo".
*Portal Repórter Brasil - A jornalista da Repórter Brasil acompanhou a fiscalização da SRTE/SP como parte dos compromissos assumidos no Pacto Contra a Precarização e pelo Emprego e Trabalho Decentes em São Paulo - Cadeia Produtiva das Confecções
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LARANJA MECÂNICA - STANLEY KUBRICK -
Créditos: blog RAROS DA WEB
Laranja Mecânica (título original em inglês: A Clockwork Orange) é um filme britânico de 1971, dirigido por Stanley Kubrick (O Iluminado, 2001, Uma Odisséia no Espaço ), adaptação do romance homônimo de 1962 do escritor inglês Anthony Burgess. Malcolm McDowell interpreta Alex, o protagonista.
Laranja Mecânica tornou-se um clássico do cinema mundial e um dos filmes mais famosos e influentes de Kubrick. O orçamento total do filme foi de apenas 2,2 milhões de dólares.
Enredo (spoilers)
Ambientado numa Inglaterra num futuro indeterminado, o filme mostra a vida de um jovem, chamado Alex DeLarge, cujos gostos variam de música clássica (Beethoven), a estupro e ultraviolência. Ele é o líder de uma gang de arruaceiros, aos quais se refere como "druguis" (palavra originária do russo druk, amigo). Alex narra a maioria do film em "Nadsat", um idioma que mistura o russo, o inglês e o cockney (por exemplo, rozzer é polícia, drugo é amigo, chavalco é homem, moloko é leite). Alex é irreverente e abusa dos demais; mente para seus pais para faltar da escola.
Alex leva seus droogs a invadir uma casa, golpeiam um escritor que vive nela e estupram a sua esposa, enquanto Alex canta Singin' in the Rain. Depois, lida com uma tentativa de golpe de um seus droogs subordinados.
Depois de faltar às aulas, seduz a duas adolescentes em uma loja de discos; apesar de não reconhecer o nome de suas estrelas favoritas, este as leva para sua casa e tem relações sexuais com ambas.
Posteriormente, Alex é capturado durante um assalto, traído por seus droogs (um ao qual Alex tinha cortado a parte superior da mão direita por ter desrespeitado sua autoridade na gang). Alex é golpeado no rosto com uma garrafa de leite e fica cego, de forma temporária, na cena do crime. Essa cegueira permitirá sua captura. Depois de ser preso, descobre que a vítima do roubo morreu: Alex é um assassino. É sentenciado a 14 anos de prisão.
Depois de ter cumprido dois anos de prisão, ele é liberado na condição de se submeter ao tratamento Ludovico, uma terapia experimental de aversão, desenvolvida pelo governo como estratégia para deter o crime na sociedade. O tratamento consiste em ser exposto a formas extremas de violência sob a influência de um novo soro, como ver um filme muito violento. Alex é incapaz de parar de assistir, pois seus olhos estão presos por um par de ganchos. Também é drogado antes de ver os filmes, para que associe as ações violentas com a dor que estas lhe provocam.
O tratamento o torna incapaz de qualquer ato de violência (nem mesmo em defesa própria), bem como de tocar uma mulher nua. Como efeito secundário, também não consegue ouvir a 9ª Sinfonia de Beethoven — que era sua peça favorita.
Sem a capacidade de se defender, e de ter sido desalojado por seus pais (estes alugaram sua casa a um hóspede, entregado seu som e tesouros, e aparentemente mataram Basil, sua cobra de estimação), Alex desanimadamente perambula por Londres. Ele encontra a velhas vítimas e dois de seus antigos droogs (agora policiais) que lhe golpeiam e quase afogam.
Alex vaga pelos bosques até chegar à casa do escritor cuja esposa havia estuprado. O escritor o deixa entrar antes de descobrir sua identidade; logo, droga a Alex através de uma garrafa de vinho que ele o faz beber e tenta fazê-lo se suicidar tocando uma versão eletrônica da Nona Sinfonia de Beethoven. Alex se joga de uma janela, mas sobrevive.
Depois de uma grande recuperação no hospital, Alex parece ser o de antes. No hospital, o Ministro de Interior (que havia antes selecionado Alex pessoalmente para o tratamento Ludovico) visita Alex, desculpando-se pelos efeitos do tratamento, dizendo que só seguia as recomendações de sua equipe. O governo oferece a Alex um trabalho muito bem remunerado se ele aceitar apoiar a eleição do partido político conservador, cuja imagem pública se viu seriamente danificada pela tentativa de suicídio de Alex e o polêmico tratamento ao qual foi submetido. Antecipando seu regresso, Alex narra o final do filme: "Definitivamente, estava curado" enquanto se vê uma fantasia surreal dele mesmo transando com uma mulher na neve, rodeado por damas e cavaleiros vitorianos aplaudindo, e pode-se escutar o último movimento da Nona Sinfonia ao fundo.
Elenco
Malcolm McDowell .... Alex DeLarge
Patrick Magee ....... Sr. Alexander
Michael Bates ....... Chefe dos guardas
Warren Clarke ....... Dim
Adrienne Corri ...... Senhora Alexander
Carl Duering ........ Dr. Brodski
Paul Farrell ........ Morador de rua
Clive Francis ....... Lodger
Michael Glover ...... Diretor da prisão
Michael Tarn ........ Pete
James Marcus ........ George
Aubrey Morris ....... Deltoid
Godfrey Quigley ..... Capelão da prisão
Curiosidades
Durante a cena em que Alex (Malcolm McDowell) é submetido ao tratamento Ludovico, Malcolm arranhou a córnea e ficou temporariamente cego. O médico que acompanha Alex durante o tratamento no filme era realmente um médico e estava lá por motivos de segurança para o protagonista. Malcolm também teve costelas quebradas durante a filmagem da cena de humilhação após o tratamento e quase se afogou de verdade devido a uma falha no equipamento que o ajudaria a respirar, na cena em que os seus ex-"droogies" o encontram e o submetem a uma tortura em uma banheira.
Stanley Kubrick propositalmente cometeu alguns erros de continuidade em Laranja Mecânica. Os pratos em cima da mesa trocam de posição, e o nível de vinho nas garrafas muda em diversas tomadas, com a intenção de causar desorientação ao espectador.
O filme foi retirado de cartaz no Reino Unido a mando de Stanley Kubrick. Irritado com as críticas recebidas, de que Laranja Mecânica seria muito violento, Kubrick declarou que o filme apenas seria exibido lá após sua morte, ocorrida em 1999.
A linguagem utilizada por Alex, chamada de nadsat, foi inventada pelo autor Anthony Burgess, que misturou palavras em inglês, em russo e gírias.
O livro em que Frank Alexander trabalhava quando Alex e sua gangue invadem sua casa chamava-se "A clockwork orange".
A cobra foi colocada nas filmagens após o diretor Stanley Kubrick descobrir que Malcolm McDowell tinha medo delas.
No livro, o sobrenome de Alex não é revelado em momento algum. Comenta-se que DeLarge seja uma referência a um momento no livro em que Alex chama a si mesmo de "Alexander the Large".
O orçamento total do filme foi de apenas US$ 2 milhões.
Stanley Kubrick certa vez declarou que, se não pudesse contar com Malcolm McDowell, provavelmente não teria feito Laranja Mecânica.
A canção "Singing in the Rain", cantada por Alex durante a cena em que ele e seus colegas violentam uma mulher na frente de seu marido, só está no filme porque esta era a única música que Malcolm McDowell sabia cantar por inteiro.
O filme foi proibido no Brasil na época do lançamento, mas liberado depois de alguns anos com a condição de que a genitália da mulher na cena de estupro fosse encoberta por meio de manchas pretas sobrepostas à cena. Quem assistiu ao filme naquela época pôde perceber que tais "manchas pretas" nem sempre acompanhavam a vagina com os pêlos pubianos. Isso sem contar que a censura era de 18 anos. Tais acontecimentos no Brasil tornaram a censura militar ridicularizada.
Durante a Copa do Mundo de 1974, disputada na Alemanha Ocidental, graças ao seu futebol envolvente, revolucionário e taticamente perfeito, a Seleção Holandesa de Futebol foi batizada pelos jornalistas europeus de Laranja Mecânica. A "Laranja" faz referência também ao vistoso equipamento utilizado por essa lendária seleção de futebol, comandada por Johan Cruijff.
Na cena em que Alex está em uma loja de discos, pode-se notar que um dos discos que está na prateleira da loja, na fileira central, é o da trilha sonora do filme 2001: Uma Odisséia no Espaço, além do Magical Mystery Tour dos Beatles, Atom Heart Mother do Pink Floyd e também Missa Luba.
Acredita-se que uma música seja co-relacionada ou talvez inspirada no filme: Hier Kommt Alex, da banda Die Toten Hosen.
Em um episódio de Halloween dos Simpsons, Bart Simpson estava fantasiado de Alex.
A banda Sepultura lançou, no início de 2009, o álbum A-lex, inspirado inteiramente no livro. Inclusive todos os títulos das músicas têm relação com a obra de Anthony Burgess.
Prêmios e indicações:
Oscar 1972 (EUA)
Indicações
Melhor Filme
Melhor Diretor
Melhor Roteiro Adaptado
Melhor Edição
Globo de Ouro 1972 (EUA)
Indicações
Melhor Filme - Drama
Melhor Diretor
Melhor Ator - Drama (Malcolm McDowell)
BAFTA 1973 (Reino Unido)
Indicações
Melhor Filme
Melhor Diretor
Melhor Roteiro
Melhor Fotografia
Melhor Direção de Arte
Melhor Edição
Melhor Trilha Sonora
Azevedo anuncia pagamento das promoções de 2002 para CPERS
Dando continuidade ao processo de diálogo estabelecido com o CPERS/Sindicato desde que assumiu a Secretaria de Estado da Educação, o secretário, Prof. Dr. Jose Clovis de Azevedo, esteve reunido com a diretoria do sindicato, na tarde desta quarta-feira (17), para responder os esclarecimentos solicitados pelo sindicato referente ao acordo assinado em abril. Na ocasião, o secretário anunciou o pagamento de 9.606 promoções do magistério referentes ao ano de 2002 já na folha do mês de setembro. E informou que está encaminhando o pagamento das promoções de 2003. Também reafirmou a realização do concurso público para os professores neste ano e o encaminhamento do concurso para funcionários de escolas e o abano e pagamento dos dias de greve nos anos de 2008 e 2009. Além disso, entregou a proposta da Secretaria da Educação para a reformulação curricular do Ensino Médio para análise e debate com o sindicato.
Sobre os pontos questionados do acordo, foi entregue um documento com todos os esclarecimentos solicitados. “Entregamos um documento que responde as perguntas, mostrando que cumprimos todos os pontos do acordo assinado em 7 de abril, explicando inclusive o contexto das ações realizadas”, declarou Azevedo. Sobre o cronograma de integralização do piso nacional o secretário informou que a Pasta está aguardando o acordão do Supremo Tribunal Federal (STF) para encaminhar ao CPERS, ressaltou ainda que o mesmo foi solicitado pelo sindicato após assinatura do acordo de abril. “Temos razões para aguardar a decisão do Supremo, questões orçamentárias precisam ser avaliadas para apresentarmos o calendário de implantação”, esclareceu.
O secretário também ressaltou que está em tramitação na Assembleia Legislativa o Projeto de Lei (PL) que inclui 563 funcionários que trabalham em escolas no quadro de servidores da Educação. Questionado pelo sindicato sobre os 133 funcionários que entraram no Estado por meio de outros concursos e estão atuando em escolas e não estão incluídos neste PL por questão estrutural do quadro geral da organização da administração pública, já que a maioria destas categorias atuam em outras Secretarias do Estado. Azevedo informou que estes poderão retornar as suas Secretarias de origem ou continuarem na Educação mediante bonificação. “Atendemos integralmente todos os pontos do acordo e reafirmamos o nosso compromisso com o piso nacional como vencimento básico da categoria, que será efetivado dentro do nosso mandato”, finalizou o secretário da Educação.
Clique aqui para ver documento entregue ao CPERS.
Sobre os pontos questionados do acordo, foi entregue um documento com todos os esclarecimentos solicitados. “Entregamos um documento que responde as perguntas, mostrando que cumprimos todos os pontos do acordo assinado em 7 de abril, explicando inclusive o contexto das ações realizadas”, declarou Azevedo. Sobre o cronograma de integralização do piso nacional o secretário informou que a Pasta está aguardando o acordão do Supremo Tribunal Federal (STF) para encaminhar ao CPERS, ressaltou ainda que o mesmo foi solicitado pelo sindicato após assinatura do acordo de abril. “Temos razões para aguardar a decisão do Supremo, questões orçamentárias precisam ser avaliadas para apresentarmos o calendário de implantação”, esclareceu.
O secretário também ressaltou que está em tramitação na Assembleia Legislativa o Projeto de Lei (PL) que inclui 563 funcionários que trabalham em escolas no quadro de servidores da Educação. Questionado pelo sindicato sobre os 133 funcionários que entraram no Estado por meio de outros concursos e estão atuando em escolas e não estão incluídos neste PL por questão estrutural do quadro geral da organização da administração pública, já que a maioria destas categorias atuam em outras Secretarias do Estado. Azevedo informou que estes poderão retornar as suas Secretarias de origem ou continuarem na Educação mediante bonificação. “Atendemos integralmente todos os pontos do acordo e reafirmamos o nosso compromisso com o piso nacional como vencimento básico da categoria, que será efetivado dentro do nosso mandato”, finalizou o secretário da Educação.
Clique aqui para ver documento entregue ao CPERS.
Será Deus homofóbico?
Recente pesquisa do IBOPE revelou que mais da metade dos entrevistados se manifestaram contrários ao direito de homossexuais constituírem uma família.
Não foi revelada – e por certo não foi perguntada – a orientação sexual dos pesquisados. Mas caberia. Aliás, a pesquisa, para ter maior legitimidade, deveria ser feita somente entre a população LGBT. Afinal, é a ela que diz respeito!
Qual a justificativa para perguntar a alguém qual o direito do outro? Quem poderia falar, com mais propriedade, sobre o desejo de casar, de ser professor, médico ou policial?
Um dado consolador é que os jovens, as pessoas com melhor nível de escolaridade e maior poder aquisitivo se mostraram mais tolerantes. Pelo jeito este é o caminho. Educação. Só ela permite melhor renda e mais condições sociais.
Talvez o resultado mais surpreendente seja o quesito que identifica a religião dos pesquisados. Os mais intransigentes são os quem se dizem evangélicos ou protestantes, seguidos pelos católicos e os adeptos de outras crenças e credos.
De qualquer modo, das religiões que existem, não deve haver nenhuma que não pregue o amor ao próximo. As mais próximas, por terem sido trazidas com a colonização, acreditam em um Deus que veio à Terra encarnado na pessoa do próprio filho. Jesus Cristo desde menino exercitou a tolerância. Em nenhuma de suas pregações incitou o ódio ao semelhante ou negou a alguém o direito de subir ao reino do céu. Basta lembrar que impediu que Madalena fosse apedrejada, multiplicou pães para dar de comer a quem tinha fome e morreu na cruz para salvar toda a humanidade.
Assim, cabe questionar qual a justificativa de evangélicos, protestantes e católicos se posicionarem de modo tão assustadoramente preconceituoso contra quem tem orientação sexual diversa da maioria, mas não significa alguma ameaça e nem causa mal a ninguém.
Afinal, o que querem lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis são os direitos mais elementares: direito à cidadania, à inclusão social. Direito de terem sua integridade física resguardada. Para isso é indispensável a garantia de acesso ao trabalho, para exercerem a profissão que lhes aprouver. Também precisam que lhes seja assegurado o direito de constituírem família, terem filhos. Enfim, eles, como todos as pessoas querem somente o direito de ser felizes.
Mas o que se vê nos meios de comunicação, em face do chocante número de concessões a segmentos religiosos, é a instigação sistemática e reiterada ao preconceito e à discriminação. As caminhadas e marchas que proliferam, ao invés de pregarem o amor ao Deus que professam, nada mais fazem do que incitar o ódio a um determinado segmento da população.
A tudo isso a sociedade se mantém indiferente. Como o legislador se omite, vem o Judiciário fazendo justiça e o Executivo criando alguns mecanismos protetivos.
Ainda assim, não há justificativa para tamanha rejeição. Não se atina a origem de tanta perseguição. Ao certo não pode ser a suposta incapacidade de procriar. Este óbice, aliás, nem mais existe, quer com o advento de modernas técnicas de reprodução assistida, quer pela disposição dos casais homoafetivos de adotarem crianças cujos pais não souberem amar ao ponto de protegê-las.
Deste modo, cabe perguntar: Quem disse aos pregadores, padres e pastores que é pecado amar o seu igual? Quem lhes outorgou a missão de banir a diversidade sexual da face da Terra?
Será que Deus é homofóbico?
Maria Berenice Dias é advogada, desembargadora aposentada do TJ-RS e presidenta da Comissão da Diversidade Sexual da OAB.
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