Há um ano e oito meses, a Tenente Coronel Denise Dantas de Aquino está na Guiné Bissau em missão da ONU. A brasileira trabalha pela proteção de cidadãos em situações precárias e pelos direitos das mulheres guineenses, historicamente discriminadas. “O trabalho é muito complexo, ainda há muito a ser feito”, afirma a tenente. Ela ressalta as condições difíceis pelas quais os policiais passam, com salários atrasados, uniformes precários, difíceis condições econômicas e diferenças religiosas e étnicas. “Faltam papeis, viaturas, combustíveis, armamento, treinamento. Não existe sistema de aposentadoria, tem policiais com mais de 90 anos de idade, há jovens sem formação policial que precisam substituir os que falecem”.
Em relação às questões de gênero, há ainda mais dificuldades, com fatores históricos e culturais que impedem a mulher de ser alfabetizada. “O mais surpreendente é que não há exceção quanto à valorização da educação por todos.” No entanto, a maioria das mulheres é analfabeta, e muitas costumam abandonar a escola cedo devido a discriminação, falta de oportunidade ou até mesmo casamentos forçados com homens mais velhos. Além disso, 44% delas são vitimas de mutilação genital, mesmo com a recente lei contra a mutilação genital feminina. “Estou me desdobrando para dar conta do recado e encerrar a minha missão em Fevereiro próximo!” afirma a tenente.
Além dos treinamentos policiais, Denise trabalha pela mobilização de outras organizações e de autoridades. “Faço um trabalho mais próximo com as autoridades. Vou até seus gabinetes para sensibilizá-los quanto à igualdade de gênero e serviço de proteção de pessoas vulneráveis.” Desde que começou seu trabalho, a tenente já conseguiu criar um diretório de defesa de gênero dentro das forças policiais e já está em andamento a criação de outro dentro das Forças Armadas e do Ministério da Defesa. Também já foi aprovada a criação de um uniforme militar feminino.
Os próprios agentes sofrem com a precariedade do país. “Não existem telefones públicos ou fixos em nenhuma instituição, 190, 153, nada. Só celular. Ano passado tivemos que ser evacuados do nosso escritório provisório em cima de um hotel, porque os bombeiros chegaram só quatro horas depois, sem água”.
Denise já participou da missão brasileira no Timor Leste e hoje responde pelo Setor da Reforma da Segurança do escritório da ONU em Bissau. Junto a outros 15 agentes das Nações Unidas, dos quais outros dois são brasileiros, ela trabalha diariamente no treinamento de forças policiais – policiais em missão, policiais da ordem pública, da Interpol, da polícia civil, judiciária e de Forças Armadas locais. O objetivo é instruí-los de acordo com as regras internacionais de direitos humanos. Em sua estadia, já foram formados 34 policiais sob a filosofia do policiamento comunitário.
No entanto, não é apenas por meio da ONU que o Brasil atua na Guiné Bissau. O Coronel Guy Rocha, esteve por seis meses no país em nome da Agência Brasileira de Cooperação, do Ministério das Relações Internacionais. Seu objetivo era analisar as bases e projetar a parte pedagógica de uma escola de formação de oficiais. “A decisão já está feita. Apenas é preciso analisar as condições financeiras para sua construção”. Os próximos passos, “se tudo der certo”, devem ocorrer em 2013, com a construção do centro de ensino e, em seguida, o treinamento efetivo de oficiais da Marina, das Forças Armadas e do Exército da Guiné Bissau.
Ambos apontam diversas dificuldades a serem vencidas. “A população não tem água potável nem luz. A região tem epidemias de malária e cólera. O lixo hospitalar também não recebe cuidados especiais.” Apesar dos desafios, o coronel vê um momento bom. “É um país muito pobre, mas há quatro meses havia mais assaltos, não havia sequer recolhimento de lixo. Vejo uma melhora”. A tenente Denise também busca motivação no projeto. “O que me renova a cada dia é poder colaborar de alguma forma pela formação profissional, aconselhamentos técnicos, intervenções, etc. Ainda arranjo tempo de incentivo para o esporte, sou formada em Educação Física.”
Parceria histórica
A Guiné Bissau, assim como o Brasil, foi colonizada pelos portugueses e teve sua independência em 1974, após 12 anos de luta armada. Porém, como em diversos países africanos, a independência veio acompanhada de instabilidade. Entre tentativas de democratização frustradas e diversos golpes de estado, o país nunca chegou a um período de estabilidade. Desde 1999, data que marca o fim da guerra civil, a ONU decidiu estabelecer a missão no país, o que não significou o fim dos conflitos políticos.
De acordo com o coronel José Bezerra de Menezes Neto, assessor de Comunicação Social no Gabinete do Comandante do Exército, não há forças armadas brasileiras no país. “Ao contrário do Haiti, onde há uma missão de paz, na Guiné Bissau há uma missão política”, afirma o coronel. A missão, do tipo “peace-building”, de construção da paz, tem como objetivo reformar o setor de segurança e Justiça do país e reconstruir as instituições guineeses.
As relações de cooperação entre Brasil e Guiné Bissau não são novidade. O Brasil já chegou a fazer investimentos de 500 mil dólares na reforma das Forças Armadas Guineenses. Desde 2001, já foram promovidas parcerias em áreas de produção de arroz, no combate à AIDS, em centros de formação profissional com representantes do SENAI, entre outros.
De acordo com o coronel Guy, a recepção guineense não poderia ser melhor. Há uma relação de bastante tranqüilidade e aceitação da presença brasileira. Há uma grande simpatia em relação ao passaporte brasileiro.